Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3181/14.2TBVFX.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
DANO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: (Sumário elaborado pelo relator)
I. A perda definitiva e parcial da capacidade geral de utilização do corpo deve ser ressarcida como dano patrimonial, excepto quando se prove que o lesado está “irremediavelmente afastado do ciclo laboral”, ónus da prova que cabe ao responsável pela indemnização (e nesta hipótese excepcional essa perda entrará então no cálculo da compensação por danos não patrimoniais).

II. É de atribuir uma indemnização não patrimonial de 12.000€ a um lesado que teve de suportar consultas e tratamentos médicos, ficou com IPG de 2%, teve um quantum doloris de 3 numa escala crescente de 0 a 7 e um traumatismo da coluna cervical e lombar, tem cervicalgias intermitentes e necessidade de medicação de forma esporádica, ficou com uma alteração da mobilidade do pescoço com dor nas amplitudes máximas de rotação e inclinações laterais e teve uma IGP de 84 dias.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

J intentou a presente acção de processo comum contra Companhia de Seguros, pedindo a condenação desta a pagar-lhe 5305€ a título de indemnização por danos futuros provenientes de uma incapacidade permanente de 6%, 90€ por gastos com a averiguação dessa incapacidade e 12.000€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo em virtude de acidente de viação causado por segurado da ré.
A ré contestou, não pondo em causa os factos que conduzem à culpa do seu segurado, mas impugnando, na sua maior parte, os danos invocados e os valores pedidos para os indemnizar, para além do nexo de causalidade entre aqueles e o acidente e também a concessão de apoio judiciário ao autor.
Depois da audiência final foi proferida sentença condenando a ré a pagar ao autor 5000€, a título de indemnização por danos [não] patrimoniais, acrescidos de juros, nos moldes definidos na sentença [o ‘não’ do parenteses foi acrescentado agora, por ser evidente o lapso dele não constar, como se verá quando se referir a fundamentação da sentença].
O autor recorre desta sentença – para que seja substituída por outra que condene no pedido – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões em síntese feita por este tribunal mas mantendo a construção do autor:
I. O recurso (i) à equidade, (ii) à jurisprudência de casos semelhantes (acs do STJ de 18/09/2012, de 21/04/2010 e de 05/06/2012, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2017/10/cadernodanosfuturos2002-2012.pdf) - sendo que a tendência é para aumentar gradualmente as indemnizações para valores justos e razoáveis, para as fazer corresponder aos constantes aumentos dos prémios dos seguros automóveis e à regulamentação da União Europeia -, bem como (iii) aos factos provados, impunham uma indemnização superior, tendo em consideração a autonomização do dano biológico de 2 pontos e o sofrimento físico (arts. 8/3, 496 e 566/3 do Código Civil).
II. O tribunal a quo fixou em 5000€ a indemnização devida pela incapacidade parcial permanente de 2% e pelo sofrimento físico e psíquico vívido, não individualizando assim o dano biológico.
III. Não obstante o autor estar desempregado, a IPP de 2% de que padece em razão do acidente consubstancia um dano indemnizável enquanto afectação psicossomática do indivíduo (70/1 do CC).
A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
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Questões que importa decidir: se a indemnização pelos danos sofridos devia ter sido superior à fixada na sentença recorrida.
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São os seguintes os factos dados como provados e que interessam à decisão daquelas questões:
1. O autor nasceu em 14/04/1954.
2. A ré dedica-se, além do mais, à actividade de seguros e de resseguros, de todos os ramos e operações.
3. No exercício dessa actividade, a ré, celebrou com M, na qualidade de tomador, um contrato titulado pela apólice n.º 0000, assumindo a responsabilidade emergente da circulação do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula 00-00-AP.
4. No dia 30/03/2013, cerca das 12h, o AP, tripulado por M, embateu na parte traseira, lateral esquerda, do veículo de matrícula 00-00-CC, então tripulado pelo autor, quando ambos seguiam na localidade de Póvoa de Santa Iria.
5. Nas circunstâncias supra referidas, o CC seguia imediatamente à frente do AP.
6. A estrada por onde seguiam, quer o CC quer o AP, é constituída por uma via com um mesmo sentido de trânsito.
7. O autor e o tripulante do AP, preencheram e assinaram declaração amigável automóvel.
8. O embate foi participado à ré a qual assumiu a responsabilidade pela reparação do sinistro e indemnizou o autor, a título de danos patrimoniais correspondentes aos estragos verificados no CC, na quantia de 1490,46€.
9. Após o embate, o autor não recorreu a qualquer serviço de urgência e/ou hospitalar.
10. À data do embate o autor estava desempregado, de longa data. 11. No dia 01/04/2013, cerca das 13h11, o autor recorreu aos serviços de urgência do Hospital de…, com queixas de “dores fortes”, sendo-lhe diagnosticado “cervicalgia pós-trauma indirecto, contusões múltiplas”, com alta clinica, ainda nesse mesmo dia, com medicação.
12. A partir de data não concretamente apurada, o autor passou a ser seguido nos serviços médicos da ré, no Hospital…, sendo que desde o dia 01/04/2013 até ao dia 21/06/2013, foi visto por um médico cerca de três vezes.
12-A. 21/06/2013 é a data da alta clínica atribuída pelos serviços clínicos da ré, com a atribuição de incapacidade permanente geral de 2% e fixação do quantum doloris no grau 3 ([numa escala crescente] de 0 a 7).
13. Do embate resultaram para o autor: a. traumatismo da coluna cervical e lombar, sem fractura, b. cervicalgia com dores intermitentes, c. necessidade de medicação, mas de forma esporádica, d. alteração da mobilidade do pescoço, dor nas amplitudes máximas de rotação e inclinações laterais.
14. À data do embate, ao autor já havia sido diagnosticada, há cerca de seis anos, uma hérnia discal lombar.
15. E por isso era, além de outras razões de saúde, seguido regularmente no Centro de Saúde da sua área de residência e deslocava-se com alguma frequência ao Serviço de Urgência do Hospital de….
16. Com a prescrição e a toma frequente, de analgésicos (relmus), por lombalgia de hérnia discal.
17. O autor despendeu 90€ com a realização de uma consulta de “avaliação de dano corporal”, realizada em 20/01/2014, com a Sra. Dra. I.
18. O autor esteve com incapacidade geral parcial (défice funcional parcial) desde 30/03/2013 até 21/06/2013, num total de 84 dias.
19. Após a alta clinica, é-lhe de atribuir uma incapacidade permanente geral (défice funcional permanente da integridade físico-psíquica) de 2%.
20. E durante esse período sofreu dores, cujo quantum se fixa em grau 3.
21. O autor sentiu dores constantes na coluna lombar e na cervical. 22. Durante três meses após o embate, foi submetido a diversas consultas médicas e a exames, designadamente, de imagiologia.
23. Mediante e-mail datado de 02/09/2013, a ré propôs ao autor, o pagamento de 1000€, pelo dano biológico sofrido, considerando que “pode ter resultado um agravamento de pré-existente” referindo-se a problemas degenerativos graves de que padecia já o autor, entendendo justificar-se um dano biológico de 2 pontos percentuais, proposta amigável que o autor não aceitou.
I
A decisão recorrida, os seus fundamentos e as discordâncias do autor:
O autor tinha pedido 5305€ pelos danos futuros decorrentes de uma IPP de 6%, 90€ por gastos com a averiguação dessa IPP e 12.000€ pelos danos não patrimoniais sofridos.
A sentença recorrida disse o seguinte, em síntese feita por este tribunal mas mantendo, quanto possível, a construção da sentença:
Dos factos alegados pelo autor para fundamentar o pedido de indemnização pela IPP apenas se provou a sua idade. Por outro lado, ficou provada a existência de uma situação de desemprego de longa data. Ora, incumbia ao autor a prova da perda de capacidade de ganho, o que dependia de se provar a possibilidade de vir a trabalhar ou a perda de potencial emprego já apalavrado ou prometido, etc., o que nem sequer foi aflorado pelo autor na petição inicial. Pelo que não tem direito à indemnização pedida a este título.
Quanto aos danos não patrimoniais, será de contabilizar o dano biológico, tradicionalmente designado por incapacidade permanente geral de 2%, as dores sofridas, o quantum doloris fixado, a ausência de actividade profissional, a idade do autor, e a pré-patologia de hérnia discal, associada a uma sintomatologia dolorosa já pré-existente, pelo que, usando de equidade, fixa-se uma indemnização global pelo dano biológico e pelas dores e incómodos sofridos, em 5000€.
Ou seja, segundo se percebe da sentença, esta entendeu que das lesões sofridas pelo autor no seu corpo, não decorriam quaisquer consequências patrimoniais e que, para todas as consequências não patrimoniais derivadas daquelas lesões – IPP/dano biológico e dores -, bastaria a compensação de 5000€.
A discordância do autor, bem entendida, em termos práticos, desconsiderando-se o enquadramento jurídico por ele dado à questão (pois que, por exemplo, ao contrário do que diz, a sentença não desconsiderou o dano biológico…), prende-se com o facto de entender que existem outras consequências das lesões derivadas do acidente provocado pelo segurado da ré e que as parcelas da indemnização por todas as consequências devem ter o valor por ele pedido. Não põe em causa (i) o facto de nada se dizer quanto aos 90€ gastos com a averiguação da IPP, nem (ii) a decisão quanto a um outro pedido que o autor tinha formulado no meio da petição inicial, sem o fazer reflectir na parte da petição onde ele devia ter sido formulado nem no valor dado ao pedido e à acção, e que a sentença afastou por deficiência de alegação factual.
II
Das consequências patrimoniais das lesões físicas
Trata-se, por isso, apenas de apurar se existem consequências, não consideradas, das lesões físicas sofridas pelo autor e se o valor da indemnização pelas consequências apuradas deve ser outro.
Quanto às consequências sofridas pelo autor em consequência do acidente, elas podem ser vistas como consequências patrimoniais.
É que o autor, em consequência das lesões físicas sofridas, ou seja, daquilo que se pode chamar o dano biológico, ficou com uma IPG de 2%. Ora, a capacidade geral de uma pessoa utilizar o seu corpo, entendido no seu todo, é, para além do mais, uma fonte de rendimentos. A perda de qualquer percentagem dessa capacidade é, por isso, naturalmente, uma perda de capacidade de ganho de rendimentos, ou seja, tem consequências patrimoniais.
Daí que de há muito se venha dizendo, por exemplo, que:
(i) aquele que pede uma indemnização a título de danos patrimoniais por uma IPGP não tem sequer de alegar que perdeu rendimentos do trabalho:
(ac. do STJ de 18/09/2012, revista 289/06.1TBPTB.G1.S1, só sumário, citado pelo autor: II - Para o tribunal atribuir indemnização por IPP, o lesado não tem de alegar perda de rendimentos laborais, apenas tendo de alegar e provar que sofreu IPP, dano esse cujo valor deve ser apreciado equitativamente, nos termos do art. 566/3 do CC; ac. do STJ de 05/06/2012, revista 177/09.0TBOFR.C1.S1, só sumário, citado pelo autor; ac. do STJ de 21/09/2004, revista 2327/04, só sumário: I - O lesado não tem de alegar perda de rendimentos laborais para o tribunal lhe atribuir indemnização por ter sofrido incapacidade parcial permanente para o trabalho. II - Apenas tem de alegar e provar que sofreu incapacidade permanente parcial, dano esse cujo valor deve ser apreciado equitativamente pelo tribunal; ac. do STJ de 14/12/2004, revista 4070/04, só sumário; ac. do STJ de 08/06/2006, revista 1435/06, só sumário; ac. do STJ de 31/10/2006, revista 2988/06, só sumário; ac. do STJ de 30/10/2007, revista 3340/07, só sumário; ac. do STJ de 20/01/2009, revista 3825/08, só sumário; ac. do STJ de 25/10/2011, revista 1376/07.4TBAMT.P1.S1, só sumário).
(ii) a capacidade geral é um bem patrimonial, pelo que a sua perda parcial representa sempre um dano patrimonial:
(neste sentido, por exemplo, o ac. do STJ de 21/04/2010, revista 5064/06.TBRG.G1.S1 de que está apenas publicado o sumário, citado pelo autor: I - A incapacidade parcial permanente afectando, ou não, a actividade laboral, representa, em si mesma, um dano patrimonial, nunca podendo reduzir-se à categoria dos danos não patrimoniais; ac. do STJ de 05/07/2007, proc. 07B2111: a mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem se traduzir em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado. O referido dano biológico, de cariz patrimonial, justifica, com efeito, a indemnização, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial; ac. do STJ de 31/10/2006, citado: I - A incapacidade parcial permanente, mesmo que não impeça que o lesado continue a trabalhar, constitui um dano patrimonial, já que a força de trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial […]; ac. do STJ de 18/05/2004, revista 861/04, só sumário: A incapacidade parcial permanente é ela própria um dano patrimonial indemnizável, uma vez que toda a vida vai acompanhar o incapacitado.)
(iii) mesmo que se prove que não existe uma perda de rendimentos, a IPGP deve ser indemnizada como dano patrimonial, porque aquela situação (inexistência de perda), resultará necessariamente de esforços suplementares que o incapacitado parcial terá de fazer para obter os mesmos rendimentos:
(neste sentido, por exemplo, o ac. do STJ de 20/05/2010, proc. 103/2002.L1.S1: 2. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional (10% de IPG) - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, […] da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido; ac. do STJ de 07/02/2002, revista 3985/01, só sumário; ac. do STJ de 05/03/2002, revista 4177/01, só sumário; ac. do STJ de 23/05/2002, revista 1104/02, só sumário; ac. do STJ de 27/02/2003, revista 80/03, só sumário; ac. do STJ de 18/09/2012, citado; ac. do STJ de 05/06/2012, citado; ac. do STJ de 27/05/2003, revista 1127/03, só sumário; ac. do STJ de 20/11/2003, revista 3528/03, só sumário; ac. do STJ de 08/01/2004, revista 4083/03, só sumário: A incapacidade parcial permanente constitui fonte de um dano futuro de natureza patrimonial, traduzido na potencial e muito previsível frustração de ganhos, na mesma proporção do handicap físico ou psíquico, independentemente da prova de prejuízos imediatos nos rendimentos do trabalho da vítima; ac. do STJ de 14/12/2017, proc. 589/13.4TBFLG.P1.S1).
contra, no entanto, veja-se o ac. do STJ de 18/10/2017, proc. 1407/13.9TACBR.C1.S1, que diz respeito a uma demandante penal que se encontrava reformada, tendo 77 anos de idade (73 anos à data do dano), estando portanto fora de causa o seu regresso por qualquer forma à vida activa”. Neste caso, ficou ainda provado que esta autora apresenta uma incapacidade parcial permanente de 12 pontos; passou a caminhar com dificuldade, tendo a função dos membros inferiores ficado afectada, o que a obriga a usar bengala; tem dificuldade em aceder aos transportes públicos; não consegue transportar cargas de peso superior a 5 kg, o que lhe dificulta trazer as compras para a casa; tem dificuldade em subir e descer escadas, o que cria restrições à sua mobilidade, tendo em conta que vive num 2º andar sem elevador e enfrenta dificuldades para fazer a sua higiene pessoal, nomeadamente tomar banho. Este acórdão afirma ainda, entre o mais, que “VII -Não se pode aceitar que uma incapacidade parcial permanente represente, em si mesma, quer afecte quer não a capacidade laboral, um dano patrimonial futuro, que acresça aos danos não patrimoniais.” E que “V – O conceito de dano biológico não exprime uma categoria autónoma de dano, um tertium genus relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais, constitui um mero dano-evento, gerador desses danos-consequência. Insiste-se: o interesse do conceito será meramente operativo, na medida em que permitirá uma identificação mais exaustiva das diversas componentes do dano-evento, para permitir uma integral indemnização das mesmas.”
Concordando-se, no essencial, com este acórdão quanto à questão do dano biológico, que é um dano-evento e não dano-consequência [sem esquecer, entretanto, que foi a lei – por exemplo, arts. 3/-b e 8 da portaria 377/2008, de 26/05, que veio falar no dano biológico como dano indemnizável], a verdade é que este acórdão – com resultado válido para o caso particular da demandante em causa (reformada, com 77 anos de idade e estando fora de causa o seu regresso à vida activa) – põe em causa toda a vasta jurisprudência sobre estas diversas alíneas aqui identificadas [de (i) a (v)], sem ter em conta que, como no caso é particularmente evidente, as sequelas concretas das lesões sofridas pela demandante não podem deixar de ter também reflexos na capacidade de trabalho de qualquer pessoa, como qualquer outra incapacidade genérica (se é genérica vale para tudo), por pequena que seja. E que esta incapacidade genérica de uma fonte de rendimentos deve ser alvo, por isso, de uma indemnização por danos patrimoniais. Esquece também o acórdão, na sua fundamentação genérica, que a jurisprudência sempre aceitou (como se irá vendo), considerar, pelos dois aspectos, a incapacidade para o trabalho, quer enquanto perda patrimonial quer enquanto dano não patrimonial (designadamente pelo desgosto por aquela perda).
(iv) ou que, de qualquer modo, sempre perderá, devido a essa incapacidade, pelo menos a possibilidade de melhorias de rendimentos laborais:
(neste sentido, por exemplo, o ac. do STJ de 20/05/2010, citado: 2. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional, 10% de IPP genérica - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, […] da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais; ac. do STJ de 14/12/2004, citado; ac. do STJ de 30/10/2007, citado).
(v) mesmo que o incapacitado não trabalhasse, por ainda ser estudante:
(por exemplo, acs do STJ de 26/01/2016, proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1; do STJ de 30/09/2010, proc. 935/06.7TBPTL.G1.S1; do STJ de 02/10/2007, CJSTJ2007.III.68; do TRC de 16/11/2010, proc. 15/07.8TBFAG.C1; do STJ de 16/03/2011, proc. 1879/03.0TBACB.C1.S1; do STJ de 17/01/2012, proc. 291/07.6TBLRA.C1.S1; do TRP de 30/06/2016, proc. 1524/13.5TBFLG; do TRL de 28/09/2017, proc. 418/13.9TBCDV) ou ainda não ter arranjado trabalho:
(ac. do STJ de 20/05/2010, citado; ac. do STJ de 30/10/2003, revista 2818/03, só sumário: Mesmo não exercendo o lesado que ficou incapacitado, uma profissão à data do acidente, deve ser indemnizado já que a incapacidade de que ficou afectado constitui um dano futuro) ou por estar desempregado:
(ac. do STJ de 05/07/2007, proc. 07B2111: III - É adequada a indemnização por danos futuros no montante de 7.352,98 € atribuída à cozinheira profissional, com 58 anos de idade, desempregada aquando do acidente, auferindo outrora 498,79€ mensais, afectada com incapacidade permanente de 15% sem repercussão directa no seu nível salarial; outros casos de desemprego que não evitaram a indemnização por danos futuros decorrentes de uma IP podem ver-se nos acs. do STJ de 13/01/2005, revista 4477/04, só sumário; de 29/04/2010, proc. 178/06.0TBCBT.G1.S1, só sumário; e de 15/03/2012, proc. 2258/04.7TBVLG.P1.S1, só sumário), deve-lhe ser atribuída uma indemnização por danos patrimoniais, calculada com base num salário nacional, mínimo ou médio, consoante as circunstâncias demonstrem que fosse, um ou outro, aquele que o incapacitado poderia vir a obter.
Assim sendo, a circunstância de alguém estar desempregado não impede que a perda permanente de parte (por pequena que seja) da sua capacidade geral de utilização do corpo seja vista como perda de uma capacidade de ganho, logo uma perda patrimonial que deve ser indemnizada.
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Note-se, de qualquer modo, que aqueles que negam que a simples perda de parte da capacidade geral de utilização do corpo tenha consequências patrimoniais, não recusam a indemnizabilidade de tal perda, mas consideram-na um dano não patrimonial:
(veja-se a discussão no já citado ac. do STJ de 20/05/2010, embora ele não siga por esta via: “O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial”; no mesmo sentido, o ac. do STJ de 21/04/2010, revista 2174/04.2TBPFR.P1.S1, só sumário: ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido como ofensa à integridade física e psíquica; de outra perspectiva, veja-se o já citado ac. do STJ de 18/10/2017).
E esse dano também teria de ser calculado. E não haveria melhor forma de o fazer do que partir do seu valor como fonte de rendimentos. Neste sentido, por exemplo, veja-se a argumentação da seguradora no caso do ac. do STJ de 20/05/2010, citado acima, que faz esse cálculo, dessa forma, para dizer que a indemnização por esse dano não deve ultrapassar aquele valor, sob pena de violação do princípio da igualdade.
A diferença de tratamento da questão seria, pois, só a nível dos juros devidos, já que normalmente os danos não patrimoniais são reportados à data da sentença e por isso os juros são devidos só a partir desse momento. Mas isto não tem de ser forçosamente assim, embora, por princípio o deva ser, já que a compensação por este tipo de danos tem por base, no essencial, um juízo de equidade que pode ser feito reportar à data da sentença, e que, por isso, o deve ser (art. 611/1, parte final, do CPC).
De qualquer modo, considera-se mais correcta a consideração de uma IPGP como um dano patrimonial, excepto quanto se possa dizer, com base em factos cujo ónus da prova cabe à seguradora, e não ao lesado/autor – neste sentido, vejam-se os acórdãos citados acima sob II/(i); isto ao contrário do que entendeu a sentença recorrida -, que o incapacitado estava já totalmente afastado de qualquer perspectiva de vir a trabalhar no futuro (veja-se, neste sentido, o ac. do STJ de 20/05/2010, já citado: “Em suma: pelo menos para quem não está irremediavelmente afastado do ciclo laboral, a perda relevante de capacidades funcionais – embora não imediatamente reflectida nos rendimentos salariais auferidos na profissão exercida – constitui uma verdadeira capitis deminutio do lesado num mercado laboral em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, deste modo, fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar como verdadeiros danos patrimoniais.”) caso em que, esta perda entrará no cálculo da compensação por danos não patrimoniais. Mas tal não é o caso dos autos, visto que a afirmação conclusiva constante dos factos provados sob 10 não permite, só por si, concluir que assim seja.   
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Qual o valor da IPG de 2% no caso?
Esse valor acha-se calculando o capital necessário à obtenção, durante o resto da vida do lesado (determinado não com base na duração da vida activa, mas com base na esperança média de vida – acs. do STJ de 19/02/2004, revista 4282/03; de 27/05/2004, revista 1694/04; de 20/05/2010, já citado; de 15/03/2012, proc. 4730/08.0TVLG.L1.P1; e de 09/11/2017, proc. 2035/11.9TJVNF.G1.S1; e o ac. do TRP de 23/10/2014, 148/12.9TBVLP.P1), de um rendimento anual igual ao perdido (de facto ou potencialmente) e que se esgote no fim desse período.
E isso considerando um salário mínimo nacional à data da fixação da IPGP, isto é, 21/06/2013, ou seja, no caso, 485€ [DL 143/2010, de 31/12] x 14.
O que dá uma perda anual de 6790€ x 2% = 135,80€. 
Para obter o valor indemnizatório desta perda anual futura, pode-se utilizar a seguinte forma de cálculo – base de um posterior juízo de equidade -, fórmula também utilizada pela lei (por exemplo na Portaria 377/2008, de 26/06, embora com outra aparência e com factores concretizados de forma diferente), que é a seguinte:
C = [(1 + i)N – 1 / (1 + i)N x i] x P
em que
C = capital;
P = prestação a pagar no 1º ano;
n = o nº. de anos de esperança de vida; e
i = taxa de juro, sendo esta, por sua vez, calculada, assim:
i = (1 + r / 1 + k) - 1     
em que:
r = taxa de juro nominal líquida.
k = taxa anual de crescimento de P (inflação + ganhos da produtividade + promoções profissionais).
Isto para que a variável i não seja a taxa de juro nominal líquida da aplicação financeira, mas sim a taxa de juros real líquida.
[Quanto ao cálculo do i:
r = taxa de juro nominal líquida, que é actualmente, quando muito, de 0,4%.
k = taxa anual de crescimento de P (inflação de 0,15% + ganhos da produtividade de 0,1% + promoções profissionais de 0,1%) = 0,35%
Assim:
i = (1 + r / 1 + k) - 1     
= 0,0498%.
Quanto a N: o autor nasceu a 14/04/1954, pelo que, partindo-se de uma esperança média de vida de 77,4 anos (grosso modo,a esperança média de vida de um homem em Portugal), o autor, em 21/06/2013 (data da consolidação), tinha uma esperança de vida de cerca de 19 anos.
Ora, com base nesta fórmula, o valor obtido seria o de:
C = [(1 + 0,0498%)19 - 1 / (1+0,0498%)19 x 0,0498%] x 135,80€
C = 2.567,40€
E, obtido este resultado, segundo esta fórmula, não há que fazer a redução de 1/3, como o disse, por exemplo, o ac. do STJ de 14/04/2015, proferido no processo 723/10.6TBCHV.P1, não publicado mas com sumário em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2015.pdf, que censura essa dedução no caso do cálculo da indemnização ser fixado como acima, isto é, com base na consideração de que este “valor não representa já a soma de todos os rendimentos que o lesado iria previsivelmente auferir ao longo do período considerado, caso em que se justificaria essa redução (como no cálculo sugerido por Sousa Dinis [na CJ.STJ.IX.1.5] […S]eria contraditório [com o critério de cálculo seguido] operar a aludida redução: com esta, o capital obtido deixaria de cumprir o referido objectivo [de produzir um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes], não garantindo as aludidas prestações (ou de todas estas prestações, esgotando-se antes do termo do período considerado)”.
Tendo em conta o que antecede, vê-se que o autor não tem razão em invocar, para efeito de atribuição de um maior valor, o ac. do STJ de 05/06/2012, citado, pois que diz respeito a dados muito diferentes, como resulta do ponto IV do seu sumário, publicado no sítio do STJ na internet: Provado que, à data do acidente, ocorrido no dia 31/05/2007, o autor tinha 19 anos de idade e era estudante, frequentando o 12.º ano de escolaridade, e que ficou com um reduzido grau de IPP de 2%, considerando a idade de 70 anos como limite da vida activa, julga-se equitativa a quantia de 7500€ a título de indemnização por danos futuros.
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Qual o valor dos danos não patrimoniais (art. 496 do CC)
O autor invoca dois acórdãos do STJ que, aparentemente, teriam a ver com esta questão.
Um é o ac. do STJ de 21/04/2010, revista citada: IV - A indemnização por lesões físicas não deve apenas atender à capacidade laboral, já que, em consequência das sequelas sofridas, e permanecendo elas, irreversivelmente, vão agravar, tornar mais penosa, a vida da pessoa afectada, sendo essa penosidade tanto maior quanto mais for avançando a idade. V - Se o autor ficou afectado de uma incapacidade permanente geral de 2%, tinha ao tempo do acidente 19 anos, era trolha de profissão, consta do relatório médico-legal (no qual a decisão sobre a matéria de facto se apoiou) que “…As sequelas descritas são, em termos de rebate profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, pois apesar de que a funcionalidade do dedo se mantém, devido à sua profissão, necessita do mesmo para a realização de determinadas tarefas (p. ex. agarrar no ferro)”, importando ponderar que, em circunstâncias normais, terá uma expectativa de vida activa até aos 65 anos, ou seja mais 46 anos, e, além disso, devendo acentuar-se que tal incapacidade, que a idade agravará, acompanhará o autor durante a sua existência (longevidade), sendo que a expectativa de vida dos homens em Portugal se estima em redor dos 75 anos de idade, é justa, com base na equidade, a indemnização de 20.000€.
Mas este acórdão tem apenas o seu sumário publicado no sítio do STJ na internet e não é claro que esta indemnização diga respeito a danos não patrimoniais, antes pelo contrário.
O outro acórdão é o do STJ de 18/09/2012, já citado. Neste caso foram atribuídos 8000€ de indemnização, por danos não patrimoniais [para além de 5000€ pelo dano patrimonial futuro decorrente de uma IPG de 2%] em consequência de acidente [ocorrido em 28/05/2004], [para] o autor [com 41 anos de idade que] sofreu perda de consciência, cefaleia frontal, dor no joelho esquerdo e estiramento cervical, foi assistido em serviço de urgência hospitalar, usou colar cervical e sofreu dores de grau 3 numa escala de 1 a 7, teve incapacidade temporária profissional total durante 33 dias e continua a sofrer de cervicalgias residuais, o que lhe causa desgosto. Repare-se que o caso remonta a 2004, a acção tem número do ano de 2006 e o acórdão do STJ tem já 6 anos.
Este acórdão é um bom ponto de partida, visto que é muito semelhante ao caso dos autos.
A ré nada diz quanto a este acórdão invocado pelo autor e o que diz quanto a outros – as vítimas teriam 19 anos, o que não é o caso dos autos - não é aproveitável dado que a vítima tem 41 anos.
O autor, por outro lado, lembra que a jurisprudência tem considerado que os valores das indemnizações devem ir sendo gradualmente aumentados. E tem sido esse realmente o sentido da jurisprudência, favorecendo entretanto as seguradoras com um período de adaptação a valores mais conformes com a justiça. Assim, por exemplo, o ac. do STJ de 01/07/2003, revista 1739/03, só sumário: I - A jurisprudência nacional tem vindo a fazer um grande esforço de clarificação no que concerne à determinação do montante da indemnização devida pelos danos futuros associados à IPP de que o lesado ficou a padecer, considerando que não é conveniente alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos, que não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país, e que é vantajoso que o caminho no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gradual, sem rupturas e sem desconsiderar as decisões precedentes acerca de casos semelhantes.
Por isso, compreende-se que, logo dois anos depois, por exemplo, o ac. do STJ de 20/11/2014, proc. 5572/05.0TVLSB.L1.S1, já tenha atribuido 10.000€ a uma autora, saudável e com 24 anos à data do acidente, que sofreu dores, teve de ser assistida e fazer tratamentos, suportando limitações na sua vida habitual durante cerca de um mês, teve insónias e pesadelos, e não ficou com qualquer incapacidade, num caso em que, para além disso, tinha sido atribuído ainda uma outra indemnização de 7000€, para a «ansiedade e o medo» limitativas da vida habitual da lesada com as quais, ao longo da vida, ela se irá confrontar e se irão repetir.
Ora, tendo em conta aquela decisão do STJ de 2012, que se refere a um caso já com 14 anos e a uma situação semelhante, atribuiu 8000€, e esta decisão do STJ de 2014, que a uma situação bem menos grave, já atribuiu, há 4 anos (e relativamente a um caso que tem número de processo do ano de 2005), uma indemnização de 10.000€, mantendo ainda uma outra de 7000€ também para danos não patrimoniais, entende-se que a compensação pelos danos não patrimoniais, no caso dos autos, deve ter o valor de 12.000€, tendo em conta todas as lesões e sequelas referidas nos pontos de facto 11, 12, 12-A, 13, 16, 18 e 22 (tratamentos e consultas médicas, IPG de 2%, quantum doloris de 3 numa escala crescente de 0 a 7, traumatismo da coluna cervical e lombar, cervicalgias intermitentes e necessidade de medicação de forma esporádica, alteração da mobilidade do pescoço com dor nas amplitudes máximas de rotação e inclinações laterais e uma IGP de 84 dias, com o sofrimento e o desgosto inerente).
Note-se que, assim, também aqui se está a entrar em linha de conta com a perda de capacidade de utilização do corpo, mas agora na perspectiva de danos não patrimoniais, o que é normal fazer-se como já resulta do que foi sendo dito e de, entre outros, dos seguintes acórdãos: o já muitas vezes citado ac. do STJ de 20/05/2010: “Para além disto [ou seja da indemnização como dano patrimonial], terão naturalmente de ser ponderados e ressarcidos os danos não patrimoniais, decorrentes da degradação do padrão de vida da lesada, quer nos aspectos não directamente associados ao exercício da profissão, quer da notoriamente maior penosidade que este passou a representar para a lesada, como forma de, contornando as sequelas incapacitantes, lograr manter o mesmo nível de produtividade e de rendimento auferido. Ora, ao contrário do sustentado pela seguradora /recorrente, este tipo de danos, mesmo que configuráveis, no caso concreto, como não patrimoniais, tem plena autonomia relativamente aos restantes danos não patrimoniais, que as instâncias englobaram num valor indemnizatório global (abalo psicológico sofrido, dores intensas, sensação de depressão e incapacitação para uma vida social e pessoal activa) […]; o ac. do STJ de 09/11/2017, proc. 2035/11.9TJVNF.G1.S1; e o ac. do STJ de 04/06/2015, proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1.
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Custas quanto à acção
O autor pedia 17.395€. A ré vai condenada a pagar 14.567,30€. Logo, o autor perdeu relativamente a 2827,70€, isto é, 16,26% do total.
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Custas quanto ao recurso
Na 1.ª instância a ré foi condenada a pagar 5000€. O autor queria, com o recurso, obter a condenação da ré em 17.395€, ou seja, um aumento da condenação em 12.395€, mas só obteve um aumento de 9567,30€. Assim, o autor teve um decaimento de 22,81%.
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Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, (i) revogando-se a sentença na parte que julgou improcedente o pedido de indemnização pela IPGP, substituindo-a por esta que agora condena a ré a pagar ao autor, por danos patrimoniais, o valor de 2567,30€; e (ii) altera-se a condenação pelos danos não patrimoniais para o valor de 12.000€. No mais a sentença mantém-se.
A ré tem direito ao reembolso de 16,26% das taxas de justiça que pagou na acção e de 22,81% das taxas de justiça que pagou no recurso, mas não pelo autor que tem apoio judiciário.
Lisboa, 13/09/2018
Pedro Martins
Arlindo Crua
António Moreira