Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
274/21.3T8LNH-A.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: AÇÃO ESPECIAL DE DIVISÃO COISA COMUM
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGAR PROVIMENTO
Sumário: I–Numa ação de processo especial de divisão de coisa comum, para que seja admissível a reconvenção, importa, em primeiro lugar, que estejam verificados os requisitos substantivos de admissibilidade da reconvenção previstos no n.º 2 do art. 266.º do CPC, o que não sucede no tocante à parte do pedido reconvencional atinente ao pedido de condenação da Requerente (Reconvinda) a pagar ao Requerido (Reconvinte) a quantia de 7.500 € correspondente a metade do valor da “entrada inicial” que este pagou cerca de um mês antes da aquisição da fração de que ambos são comproprietários.

II–Circunscrita a pretensão reconvencional (remanescente) ao pedido de condenação da Requerente a pagar ao Requerido a quantia de 1.106,70 €, acrescida de “todos os encargos e despesas vincendos decorrentes do imóvel em causa, até ao respetivo desfecho dos autos, e ainda dos juros de mora até integral pagamento”, não há dúvida que lhe corresponde uma forma de processo diferente da que a ação segue, pelo que importa saber se seguem (ou não) uma tramitação manifestamente incompatível e, na negativa, se o caso justifica que seja autorizada a cumulação, para o que o juiz deve averiguar se, das duas uma: há interesse relevante em conhecer da reconvenção na ação de divisão ou se a apreciação conjunta de ambas as pretensões é indispensável para a justa composição do litígio.

III–Em situações como a dos autos, em que houve contestação e o juiz logo declarou a indivisibilidade da fração autónoma, bem como a irrelevância da questão suscitada quanto ao valor da fração, podia o juiz incidentalmente conhecer do objeto da reconvenção - salvo no tocante aos “encargos e despesas vincendos” -, conforme permitido pelo n.º 2 do art. 926.º do CPC, determinando que fossem produzidas as provas necessárias, tramitação esta que se adaptaria com relativa facilidade à que é própria de uma ação de tramitação simplificada (cf. art. 597.º do CPC), tendo por objeto o pagamento do valor atinente às invocadas despesas.

IV–Todavia, de modo algum se poderá entender que a apreciação conjunta de ambas as pretensões (a divisão da coisa, pretendida por ambas as partes, e o pagamento das aludidas despesas) seja indispensável para a justa composição do litígio, já que tudo indica que a situação dos autos se poderá resolver com justiça, mediante a adjudicação da fração a uma partes (e o recebimento de tornas pela outra) ou a venda (recebendo ambas o valor correspondente a metade do preço).

V–Tão pouco se afigura que exista interesse relevante em conhecer da reconvenção na presente ação de divisão, antes parece ser preferível que prossiga a sua normal tramitação, de modo a findar o mais brevemente possível, com respeito pelos princípios da celeridade e economia processual, já que ambas as partes pretendem colocar fim à divisão e que a fração lhe seja adjudicada, e sempre terão que discutir as questões quanto às quais subsiste o litígio numa ação de processo declarativo comum a intentar pelo Requerido (porventura após findar o presente processo), concluindo-se ser mais conveniente a apreciação de todo o objeto do litígio reconvencional nessa sede.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados


I–RELATÓRIO


PC, Requerido na presente ação de processo especial de divisão de coisa comum intentada por PT, interpôs o presente recurso de apelação do despacho que não admitiu a reconvenção por aquele deduzida.

Os autos tiveram início com a apresentação, em 15-07-2021, de Petição Inicial, em que a Requerente peticionou que se:
- Determine que Autora e Requerido são comproprietários, em partes iguais, da fração autónoma designada pelas letras “AG”, correspondente a um apartamento com o número 33 sito no 3.º andar, destinada a habitação, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito em Praia ..... ....., da União das Freguesias de L____ e A____, concelho de L_____, descrito na Conservatória do Registo Predial de L_____ sob o n.º … - L_____, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …;
- Reconheça a indivisibilidade da referida fração autónoma;
- Fixe o valor da fração em 134.600,00 € ou, caso assim não se entenda, se determine a realização de uma perícia, nos termos dos artigos 467.º e seguintes do CPC, para efeitos de definição do valor atual de mercado da mesma;
- Decorrido o prazo da contestação, sejam fixados os quinhões e reconhecida a indivisibilidade, se realize a conferência de interessados com vista aos fins estipulados no n.º 2 do artigo 929.º do CPC, e se determine a adjudicação da totalidade da fração à Requerente.

Alegou, para tanto e em síntese, que:
- Através do Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca celebrado a 30 de maio de 2019, a Autora e o Requerido, ambos com o estado civil de divorciados, compraram a identificada fração autónoma, com o valor patrimonial atual de 57.760,42 €, pelo preço de 135.000,00 €, dos quais 15.000 € a título de sinal e princípio de pagamento mediante transferência bancária executada no dia 29-04-2019 (Doc. 1);
- A aquisição foi efetuada em comum e em partes iguais, pelo que são os únicos e atuais comproprietários do mesmo conforme certidão de Registo Predial (Doc. 2), detendo, cada um deles 1/2 da referida fração;
- Para o efeito, a Requerente e o Requerido contraíram um empréstimo no montante de 120.000,00 €, concedido pelo Banco Comercial Português, S.A., tendo, para garantia do pagamento da quantia financiada, respetivos juros e outros acessórios do crédito e despesas, sido constituída hipoteca, a favor daquela instituição bancária;
- O atual valor de mercado da fração nunca poderá ser inferior a 134.600,00 € (conforme simulação de crédito de 14-05-2019);
- A Requerente e o Requerido não destinaram a fração à sua habitação própria e permanente, nunca estiveram casados um com o outro, nem em situação de união de facto, não têm atualmente qualquer contacto entre si;
- A divisão material da fração é impossível.

O Requerido apresentou Contestação na qual se defendeu pugnando pela procedência parcial da ação, “apenas no que toca à adjudicação ou, venda a terceiros da Fração” e deduziu reconvenção pedindo a condenação da Requerente (Reconvinda) a pagar-lhe a quantia de 8.606,70 €, acrescida de “todos os encargos e despesas vincendos decorrentes do imóvel em causa, até ao respetivo desfecho dos autos, e ainda dos juros de mora até integral pagamento”.

Alegou, em síntese, que:
- O Requerido não se opõe à divisão da fração, cujo valor de mercado estima ser de 150.000,00 €;
- O Requerido pretende fazer aí a sua habitação própria permanente, até porque é esse o seu domicílio fiscal, pretendendo que o imóvel lhe seja adjudicado;
- O Requerido tem vindo a suportar praticamente em exclusivo todos os encargos e despesas do imóvel desde fevereiro de 2020;
- A Requerente, de fevereiro de 2020 a março de 2021, apenas contribuiu com 600,00 €, concretamente, 300,00 € no mês de fevereiro de 2020, e 300,00 € no mês de março de 2020, conforme refletido nos extratos bancários;
- Entre fevereiro de 2020 e março de 2021, o Requerido suportou 3.413,40 €, conforme refletido nos extratos bancários, montante que deveria ter sido suportado por ambos os comproprietários, cabendo a cada um deles 1.706,70 €, pelo que a Autora deve entregar ao Requerido a quantia de 1.106,70 €;
- O Requerido pagou 15.000,00 € de “entrada inicial” na aquisição da casa conforme documentos bancários (juntou seis talões do multibanco relativos a seis transferências bancárias efetuadas no dia 29-04-2019, no valor de 2.500 €, cada uma); assim, a Requerente tem de suportar metade (7.500,00 €);
- Deverá ainda a Autora ser condenada a pagar metade de todos os “encargos e despesas vincendos” da fração até à respetiva adjudicação ou venda a terceiros.

A Requerente apresentou “Réplica”, em que concluiu pugnando pela improcedência da defesa deduzida pelo Requerido, sendo “determinada a não admissibilidade do pedido reconvencional” ou, caso assim não se entenda, declarado parcialmente procedente o pedido reconvencional, somente no que concerne aos encargos e despesas do imóvel, e nunca em valor superior a 281,30 €, devendo aquela ser absolvida dos restantes pedidos; requereu ainda que o Requerido seja condenado como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa em montante a apurar pelo Tribunal. Alegou, em síntese, no que ora importa, que:
-O pedido relativo à divisão de um prédio que está em compropriedade está sujeito à forma de processo especial prevista nos artigos 925.º e seguintes do CPC, enquanto o pedido reconvencional segue a forma de processo comum;
- Há, assim, pedidos a que correspondem a formas de processo diferentes, o que é um obstáculo à cumulação dos mesmos, nos termos do art. 37.º, n.º 1 do CPC; neste sentido, o acórdão da Relação de Lisboa de 13-09-2018, proferido no âmbito do processo n.º 358/17.2T8SNT-2, disponível em www.dgsi.pt;
- A apreciação conjunta das pretensões não só não é indispensável para a justa composição do litígio, como até lhe é prejudicial, não podendo o direito à divisão ser restringido pelo facto de o devedor solidário (pelas dívidas decorrentes de empréstimos para aquisição do imóvel em causa ou despesas inerentes ao mesmo) pretender do seu co-devedor aquilo que pagou a mais;
- A Autora reconhece que o Requerido pagou ab initio o valor de 15.000,00 referente ao valor da entrada inicial do imóvel; porém, em momento posterior, e conforme havia sido combinado entre as partes, aquela pagou-lhe a parte que lhe competia, correspondente a metade do valor total da entrada inicial do imóvel, conforme extratos bancários referentes ao período temporal de 29 de janeiro de 2020 a 29 de janeiro de 2021;
- No que concerne aos encargos e despesas do imóvel, para além das transferências efetuadas para a conta conjunta, todas as outras transferências foram efetuadas pela Requerente da sua conta particular para a conta particular do Requerido, tendo efetuado transferências que totalizam 825,40 €;
-Logo, a entender-se pela admissibilidade do pedido reconvencional, não poderá a Requerente ser condenada no pagamento de uma quantia superior a 281,30 €, a título de encargos e despesas com a fração.
O Requerido apresentou Requerimento (ref.ª 12031767) em que pugnou pelo desentranhamento do articulado de “Réplica” e notificação da Requerente para, «querendo, aperfeiçoar a sua “resposta” à Reconvenção limitada a essa mesma matéria».

Foi então proferido, em 04-05-2022, o despacho recorrido, cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, não se admite a reconvenção apresentada pelo Requerido PC.
No mesmo sentido, não é admissível a Réplica apresentada, com exceção da parte correspondente ao pedido de litigância de má-fé.
Notifique o Requerido para, querendo, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o pedido de litigância de má-fé.
Desentranhe o requerimento com a referência n.º 12031767, uma vez que o mesmo não corresponde a nenhum articulado previsto na presente forma de processo, nem foi ordenada a sua junção pelo Tribunal.
Após trânsito em julgado da presente decisão, abra conclusão para determinar os ulteriores trâmites dos autos.”

Inconformado com esta decisão, na parte em que não admitiu a Reconvenção, veio o Requerido interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1.–A A. aqui Recorrida deduziu uma ação de divisão de coisa comum contra o R., aqui Recorrente, peticionando que fosse decretada a divisão de coisa comum entre eles;
2.–De facto, a A. e R. são comproprietários em parte iguais de um imóvel, devidamente identificado nos autos e que corresponde à fração autónoma designada pelas letras "AG", correspondente a um apartamento com o número trinta e três sito no terceiro andar, destinada a habitação, com tudo o que a compõe, a qual faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, registada predialmente pela inscrição AP. 1 de 2005/07/01, sito em Praia ....., da União de Freguesias de L_____ e A____, concelho de L_____, descrito na Conservatória do Registo Predial de L____ sob o número … — L_____, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …, com o valor patrimonial atual de €57.760,42.
3.–O R. contestou e reconheceu a indivisibilidade a fração, não se opondo à sua divisão;
4.–Não obstante, o R. deduziu um pedido reconvencional em virtude do seu alegado direito de crédito que detém sobre a A., enquanto comproprietário, e que decorre do que ele pagou a mais que a A. na aquisição do imóvel, e em despesas por ele suportadas em exclusivo;
5.–O R. Reconvinte reclamou então o valor de €8.606,70 que corresponde a metade dos €15.000,00 que pagou na aquisição da casa, ou seja, €7.500,00, acrescido de €1.106 70 de despesas suportadas, em exclusivo, pelo R. e que deveriam ser também, em igual proporção, suportadas pela A.;
6.–A A. apresentou resposta à contestação embora, a mesma, essa sim, fosse processualmente inadmissível, uma que que, o R. não se defendeu por exceção;
7.–A A. apenas poderia ter respondido à matéria do pedido reconvencional;
8.–Assim, a A. além da resposta (processualmente inadmissível à contestação) também contestou o pedido reconvencional, invocando a sua não admissibilidade processual;
9.–Em 12.05.2022, foi o R., ora Recorrente notificado do douto despacho que deu origem aos presentes autos, o qual rejeitou por "processualmente inadmissível" o pedido reconvencional do R., ora Recorrente;
10.–Salvo o devido respeito, o Tribunal " a quo" deveria sim, ter rejeitado a resposta da A. à contestação, ao invés de ter rejeitado o pedido reconvencional do R., resposta essa, sim, inequivocamente, processualmente inadmissível mas, não é este o objeto do recurso;
11.–O objeto do recurso resulta do Meritíssimo Julgador " a quo" ter rejeitado, por processualmente inadmissível, o pedido reconvencional deduzido pelo R. daí, o ora recurso interposto pelo R.;
12.–Sempre com o devido respeito, e que é muito, a decisão recorrida, ao rejeitar o pedido reconvencional do R., violou o disposto nos artigos 6°, n° 1, 266°, 547° e 926° e seguintes, todos do CPC;
13.–Está em discussão o crédito de um dos comproprietários respeitantes a um direito por ter pago um valor superior na aquisição do imóvel, e ainda, por ter suportado, em exclusivo, despesas do mesmo que deveriam ter sido suportadas em partes iguais por força da compropriedade;
14.–Deste modo, ao abrigo da economia processual (e financeira) deveria evitar-se que o R. Reconvinte venha a ser compelido a recorrer à propositura de uma outra ação a fim de ver o seu direito reconhecido;
15.–O R., ora Recorrente, entende que o Meritíssimo Julgador "a quo" ao abrigo dos princípios da economia processual e financeira, da gestão processual e adequação formal previsto nos artigos 6° e 547° do CPC deve determinar que existe interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvam a fração dividenda, como seja, o crédito invocado e reclamado em reconvenção pelo Recorrente sobre a A. enquanto comproprietária.

Termina o Apelante requerendo que seja dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, o despacho recorrido revogado e substituído por outro que admita o Pedido Reconvencional.
A Requerente apresentou alegação de resposta, em que conclui defendendo que, por não se encontrarem reunidos os pressupostos formais e os pressupostos substantivos da admissibilidade da reconvenção, deverá o Pedido Reconvencional ser considerado inadmissível, mantendo-se o despacho recorrido.

De seguida, foi proferido despacho que admitiu o presente recurso, mais tendo sido decidido o seguinte:
“Considerando a posição assumida pelas partes (Autora e Réu) bem assim a descrição da coisa constante das certidões matricial e registal, dispensa-se a realização da perícia.
*

Analisados os presentes autos, constata-se que a Autora intentou a presente ação para divisão de coisa comum, alegando a indivisibilidade da coisa.
O Réu, regularmente citado, aceitou tal indivisibilidade na contestação apresentada, pondo em causa apenas o valor atribuído ao bem.

O bem a dividir consubstancia:
- fração autónoma designada pelas letras “AG”, correspondente a um apartamento com o número trinta e três sito no terceiro andar, destinada a habitação, com tudo o que a compõe, a qual faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, registada predialmente pela inscrição AP. 1 de 2005/07/01, sito em Praia ..... ....., da União das Freguesias de L____ e A____, concelho de L_____, descrito na Conservatória do Registo Predial de L_____ sob o número … - L____, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …;
Destarte assim, tendo em conta a posição assumida pelas partes, e tendo em conta a natureza do bem em questão, é de reconhecer a indivisibilidade material da coisa, fixando os quinhões de cada consorte, devendo o processo transitar para a fase da conferência de interessados.

Face ao exposto, reconhece-se a indivisibilidade material da coisa; e fixam-se os quinhões, nas seguintes proporções:
A)- 1/2 para PT;
B)- 1/2 para PC;
Custas do incidente a suportar em partes iguais, pela Autora e pelo Réu, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, por referência ao previsto na tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais e artigo 7.º, n.º 4 deste mesmo Regulamento – cf. artigo. 527.º, n.º 1, parte final, e n.º 2, Código de Processo Civil.
*

Para a realização da conferência de interessados, a que se reporta o artigo 929.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, designa-se o próximo dia 22-09-2022, pelas 10h00m (e não antes, por impossibilidade de agenda deste Tribunal).
Notifique, fazendo menção a que a conferência se destina à adjudicação da coisa ou, caso não haja acordo, à venda, com repartição do valor da mesma.”

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

II–FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se a Reconvenção é admissível.

Os factos com relevância para decidir do mérito do recurso são os que constam do relatório supra.

A fundamentação desenvolvida no despacho recorrido é a seguinte:
“Compulsados os presentes autos, constata-se que, não obstante o Requerido ter apresentado contestação, apenas o fez para colocar em causa o valor do prédio apresentado pela Autora, e apresentar reconvenção, não colocando em causa que o prédio é indivisível e alegando que pretende igualmente a divisão.
Assim cumpre, antes de mais, decidir sobre a admissibilidade do pedido reconvencional apresentado – cf. artigo 926.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Da admissibilidade da reconvenção:
Veio o Requerido apresentar Reconvenção onde formula pedido de condenação da Requerente no pagamento de 8.606,70 € a título de encargos e despesas suportados com o imóvel por si até à respetiva adjudicação ou venda a terceiros.
Embora, por um lado, a lei acolha o princípio da estabilidade da instância – cf. artigo 260.º do Código de Processo Civil –, que implica que a instância se deve manter inalterada quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, por outro admite exceções àquele princípio, sendo a Reconvenção uma dessas exceções.
A Reconvenção é um modo de ampliação do objeto do processo, permitindo ao réu inserir, na ação que corre contra si, uma contra-acção, constituída por um pedido autónomo contra o autor. Contudo, tal direito do réu está restrito a determinadas situações, exigindo-se uma conexão legalmente relevante entre o pedido do autor e o pedido reconvencional, de forma a evitar perturbações graves ao desenvolvimento da lide que poderiam advir de um sistema reconvencional aberto ou irrestrito – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-03-2017, proferido no processo n.º 2936/16.8T8GMR-A.G1 (FRANCISCA MICAELA MOTA VIEIRA), disponível em www.dgsi.pt.

Neste sentido, o artigo 266.º, n.º 2, do Código de Processo Civil consagra as situações em que a reconvenção é admissível:
«a)- Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b)- Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c)- Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d)- Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.».

Sem necessidade de maiores considerações, segue-se aqui o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-01-2021, proferido no processo n.º 1509/19.8T8GDM.P1 (ANABELA DIAS DA SILVA), disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler que:
«II-Inexistindo qualquer divergência entre as partes relativamente à existência de compropriedade do imóvel em apreço por ter sido por ambos adquirido, nem quanto à natureza indivisível da coisa, e não tendo invocada em sua defesa qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, a acção tem de ser totalmente procedente, encerrando-se a fase declarativa da acção.
III-O pedido reconvencional fundamentado em despesas alegadamente efectuadas apenas pela ré na aquisição e manutenção do imóvel cuja divisão se peticiona, e outras decorrentes da vida em comum havida entre as partes, com vista ao reconhecimento desse crédito sobre o autor a ser efectivado/compensado aquando da adjudicação ou venda do imóvel, não é admissível à míngua da não verificação de qualquer requisito substancial de conexão, cfr. n.º 2 do art.º 266.º do C.P.Civil.» (...)
«V- Mas mesmo que assim se não entenda, certo é que o que se pretende com a reconvenção é acautelar um eventual direito de crédito a ser realizado/concretizado num futuro incerto ou eventual, ou seja, aquando da adjudicação ou venda do imóvel a terceiro – fase executiva da presente acção de divisão de coisa comum, todavia, a admissibilidade do pedido reconvencional não pode depender de condição futura e incerta, exigindo-se que os respectivos requisitos se mostrem reunidos aquando da sua dedução.».
Destarte, entende-se que o pedido reconvencional deduzido pelo Requerido não possui qualquer conexão com o pedido formulado na petição inicial.
A ação de divisão de coisa comum configura um processo especial e possui um desiderato muito específico: de pôr fim à compropriedade de um bem comum. Neste sentido, o pedido pelo Requerido não se enquadra em nenhuma das alíneas previstas no artigo 266.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pelo que tal pedido é inadmissível.
Em suma, o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, além de que ultrapassa a própria defesa – que consiste na impugnação dos factos alegados [al. a)].
Com tal pedido, também, não pretende o Requerido obter compensação nos termos das alíneas b) e c), nem o mesmo efeito jurídico que a Requerente se propõe obter [al. d)].
Não estão, pois, verificados os pressupostos de ordem objetiva ou substantivos de admissibilidade da reconvenção quanto a este pedido.”

Vejamos se assiste razão ao Requerido-Apelante, quando defende ser admissível a Reconvenção deduzida.

O n.º 1 do art. 266.º do CPC estabelece que o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.

O n.º 2 deste artigo enuncia os requisitos substantivos de admissibilidade da reconvenção, estabelecendo ser admissível nos seguintes casos:
a)- Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b)- Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c)- Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d)- Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.”

Importa, em particular, atentar na previsão da alínea a), lembrando, pela sua clareza, a explicação de Antunes Varela, Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 327: “Quanto ao laço substantivo de conexão que deve existir entre o pedido principal e o pedido reconvencional, a lei distingue taxativamente (…) I) Ligação através do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa. O primeiro núcleo de situações referido na lei é o dos casos em que o pedido reconvencional brota do facto jurídico (real, concreto) que serve de fundamento, seja à acção, seja à defesa.
O autor veio, por exemplo, pedir a condenação do réu na prestação a que ele se obrigou no contrato bilateral ou sinalagmático por ambos celebrado. O réu, pode, em via de reconvenção, exigir o cumprimento judicial da prestação a que o autor, por força do mesmo contrato, se encontra adstrito para com ele.
O pedido reconvencional emerge, neste caso, do facto jurídico que serve de fundamento à acção.”

Na jurisprudência, elucidando sobre tal previsão normativa, destacamos, a título exemplificativo (disponíveis em www.dgsi.pt):
- o acórdão da Relação de Guimarães de 28-06-2018, proc. n.º 2010/12.6TBGMR-E.G1: “1- A primeira parte da al. a) do n.º 2 do art. 274º do CPC - atual vigente art. 266º, n.º 2, al. a) – carece de ser interpretada no sentido de que a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor funda o direito que invoca. Já a segunda parte daquela alínea tem o sentido de que só é admissível a reconvenção quando o réu-reconvinte invoque como meio de defesa qualquer ato ou facto jurídico que tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor e com base nesse ato ou facto – ou parte dele - que serve de fundamento à sua defesa, deduza o pedido reconvencional.”

- o acórdão da Relação de Lisboa de 11-03-2021, no proc. 2846/20.4T8OER.L1-6, com amplas referências doutrinais;
- o acórdão da Relação de Guimarães de 06-05-2021, proc. n.º 2103/19.9T8VNF-A.G1, com destaque para a seguinte passagem do respetivo sumário:
I- A primeira parte da al. a) do n.º 2 do art. 266 carece de ser interpretada no sentido de que a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor funda o direito que invoca.
Já a segunda parte daquela alínea tem o sentido de que só é admissível a reconvenção quando o réu-reconvinte invoque como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor e com base nesse acto ou facto – ou parte dele - que serve de fundamento à sua defesa, deduza o pedido reconvencional.”

Numa situação próxima da que nos ocupa, pronunciou-se Miguel Teixeira de Sousa, em comentário ao acórdão da Relação de Lisboa de 25-06-2020 (329/18.T8FNC-A.L-8), disponível em https://blogippc.blogspot.com/2021/01/jurisprudencia-2020-122.html; tendo a Relação decidido que não se mostravam verificados os requisitos de ordem processual e substantiva da admissibilidade da reconvenção, defendeu aquele Professor uma orientação diferente, pese embora reconhecendo que o problema não tinha uma solução linear: “(A)o contrário do entendimento da RL, não parece impossível aplicar, numa acção de divisão de coisa comum, o disposto, quanto ao pedido reconvencional relativo a benfeitorias, no art. 266.º, n.º 2, al. b), CPC. No fundo, o que o autor dessa acção pretende é a entrega da parcela que tem na coisa indivisa, pelo que não é impossível entender que, se a parte demandada tiver direito a benfeitorias por obras que realizou na coisa indivisa, possa fazer valer esse direito na acção pendente. Portanto, o requisito da conexão objectiva entre os pedidos encontra-se preenchido.”

Nos presentes autos, o objeto do litígio é a divisão da fração de que as partes são comproprietárias. Ora, face ao pedido e à causa de pedir reconvencionais, desde já adiantamos que a reconvenção em apreço apenas será suscetível de se reconduzir - e ainda assim só no tocante às invocadas despesas - à previsão de duas das citadas alíneas: a alínea a), sendo a situação de compropriedade da fração um facto jurídico que integra tanto a causa de pedir como a da reconvenção; ou, numa outra perspetiva (conforme avançado por Miguel Teixeira de Sousa), à previsão da alínea b).

Já no que concerne à quantia relativa ao sinal (7.500 €), não nos parece, de todo, possível considerar verificado qualquer um dos fatores de conexão/requisitos substantivos previstos no n.º 2 do art. 266.º do CPC, no que se concorda com o despacho recorrido. Em particular, não se nos afigura que a causa de pedir dessa pretensão reconvencional integre o(s) facto(s) jurídico(s) essenciais que serve(m) de fundamento à ação - já que tal quantia foi adiantada pelo Requerido em 29-04-2019, antes mesmo da aquisição da compropriedade -, muito menos à defesa, pois nenhuma exceção foi arguida pelo Requerido.

E não se diga que a pretensão do Requerido, de reconhecimento do seu crédito, visa obter a compensação, pois sempre teria de ser declarada e não foi - cf. art. 848.º do CC -, tão pouco sendo caso para aplicar a 2.ª parte da alínea c) do art. 266.º do CPC, já que não se pode dizer que o Requerido pretende o pagamento do valor em que o seu (invocado) crédito excede o de um outro crédito que a Requerente seja titular; com efeito, ainda que se possa admitir que o pedido formulado na ação tem implícito o reconhecimento de um (eventual) direito de crédito a tornas, o certo é que, aquando da contestação, este ainda não se constituiu, e que tanto a Requerente como o Requerido pretendem obter para si próprios a adjudicação da fração, resultando claro da sua alegação que o valor de um tal crédito de tornas será sempre muito superior ao do reclamado em sede reconvencional.

Aqui chegados, importa agora aferir da verificação dos requisitos processuais de admissibilidade da reconvenção circunscrita ao pedido de condenação da Requerente a pagar ao Requerido a quantia de 1.106,70 €, acrescida de “todos os encargos e despesas vincendos decorrentes do imóvel em causa, até ao respetivo desfecho dos autos, e ainda dos juros de mora até integral pagamento”.

Para tanto importa ter em atenção o disposto no n.º 3 do art. 266.º, nos termos do qual “Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.” É aqui feita uma remissão expressa para o regime da coligação, estatuindo o art. 37.º do CPC, no que ora importa, que:
2- Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
3- Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada.”

No caso sub judice, não há dúvida que ao pedido da Requerente e ao pedido do Requerido correspondem duas formas de processo diferentes: por um lado, o processo especial de divisão de coisa comum; por outro lado, o processo declarativo comum, sendo de salientar que, dado o valor da reconvenção, podia ser adotada uma tramitação simplificada nos termos do art. 597.º do CPC.

Cumpre, pois, apreciar se seguem (ou não) uma tramitação manifestamente incompatível e, na negativa, se o caso justifica que seja autorizada a cumulação, para o que o juiz deve averiguar se, das duas uma: há interesse relevante em conhecer da reconvenção na ação de divisão ou se a apreciação conjunta de ambas as pretensões é indispensável para a justa composição do litígio.

A propósito desta problemática existe abundante doutrina e a jurisprudência, em situações idênticas ou próximas da que nos ocupa, como nos dá conta o acórdão desta Relação de Lisboa de 24-03-2022, proferido no proc. n.º 823/20.4T8CSC-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, relatado pelo ora 1.º Adjunto e com a intervenção do ora 2.º Adjunto, acórdão para o qual remetemos, por economia, acrescentando, em sentido concordante, a referência ao suprarreferido comentário de Miguel Teixeira de Sousa, em que o autor, questionando se permanecem outros obstáculos à admissibilidade do pedido reconvencional relativo a benfeitorias na ação de divisão de coisa comum, faz as seguintes observações:
“A alternativa à inadmissibilidade da dedução do pedido reconvencional relativo a benfeitorias é, naturalmente, a necessidade de fazer valer esse direito numa acção autónoma. Por isso, o que, em termos de exercício dos poderes de gestão processual, tem de ser ponderado é se é justificado "complicar" a acção de divisão de coisa comum para permitir a resolução definitiva da situação das partes e evitar uma acção autónoma. É claro que a acção de divisão se "complica"; mas o que tem de ser ponderado é se essa "complicação" evita outras "complicações".
Atendendo especialmente ao disposto no art. 929.º, n.º 2, CPC (aplicável no caso sub iudice pela circunstância de a coisa ser indivisível), era desejável que, no acerto de contas entre as partes, pudesse tomar-se em consideração o eventual direito a benfeitorias da parte demandada.
Pelo exposto, nada impediria que, através da aplicação dos poderes de gestão processual (art. 6.º, n.º 1, e 547.º CPC), o pedido reconvencional relativo às benfeitorias fosse considerado admissível. Note-se que o exercício desses poderes pode ir para além do disposto nos n.º 2 e 3 do art. 37.º CPC, para o qual remete o art. 266.º, n.º 3, CPC.
b)- Num outro plano, pode ainda perguntar-se se, na hipótese de o direito a benfeitorias pertencer à parte demandante, seria impensável admitir que esse direito pudesse ser feito valer na acção de divisão de coisa comum. Se não se descortinam razões para considerar inadmissível essa cumulação de pedidos pela parte demandante, então, por imposição do princípio da igualdade das partes, também a dedução de um idêntico pedido pela parte demandada não pode ser inadmissível.”

Merece ainda destaque, na jurisprudência, o já aludido acórdão da Relação de Lisboa de 11-03-2021, proferido no proc. 2846/20.4T8OER.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário, merecedor da nossa concordância, citamos pela sua clareza:
1.– Prima facie, a acção especial de divisão de coisa comum não comporta de todo uma tramitação legal que é manifestamente incompatível com a tramitação de processo comum adequado à apreciação de um pedido reconvencional de crédito indemnizatório que pela Ré tenha sido naquela atravessado;
2.– Ao referido em .1. não obsta o facto de todas as questões relativas à natureza comum da coisa e das suas características materiais, dos quinhões e da divisibilidade material e jurídica da coisa dividenda, poderem ser apreciadas e resolvidas sumariamente logo na fase declarativa e segundo o modelo incidental, nos termos dos artºs 294º e 295º, ex vi do artº 926º, nº 2, ambos do CPC.
3.– Não obstante o referido em .1 e .2, não deve ainda assim o pedido reconvencional ser admitido/autorizado em acção especial de divisão de coisa comum caso a respectiva apreciação e julgamento no âmbito da referida acção especial não se mostre justificado em razão de um interesse relevante ou porque a sua apreciação em conjunto com a pretensão do autor se revela indispensável para a justa composição do litígio – cfr artº 37º, nº 2, ex vi do artº 266º, nº 3, ambos do CPC.”

Veja-se, contudo, em sentido discordante, bem revelador da divisão jurisprudencial, a posição adotada nos acórdãos da Relação de Lisboa de 25-06-2020, no proc. n.º 329/18.T8FNC-A.L-8, e da Relação do Porto de 26-01-2021, no proc. n.º 1509/19.8T8GDM.P1 (citado no despacho recorrido), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

No que concerne à manifesta incompatibilidade da tramitação, parece-nos seguro afirmar que, em tese, não se verifica pelo menos nas seguintes hipóteses:
-Quando houver contestação e esta não tenha de ser logo julgada improcedente no saneador ou a revelia não for operante, e o juiz considerar que a(s) questão/questões suscitada(s) pelo pedido de divisão, não pode(m) ser sumariamente decidida(s), mandando seguir os termos do processo comum (cf. art. 926.º, n.º 3), ou seja, fora dos casos previstos no n.º 1 do art. 927.º (em que os autos prosseguem imediatamente para a fase pericial destinada à formação dos quinhões);
-Ou quando for possível conhecer da reconvenção sem necessidade de instrução, logo na fase do saneador (saneador-sentença), sendo também aí conhecida(s) a(s) questão/questões suscitadas na contestação.

Em situações como a que nos ocupa, em que houve contestação e o juiz logo declarou a indivisibilidade da fração autónoma - reconhecida, aliás, pelas partes -, bem como a irrelevância da questão suscitada quanto ao valor da fração, podia o juiz incidentalmente conhecer do objeto da reconvenção - mas, adiantamos já, com ressalva dos “encargos e despesas vincendos” -, conforme permitido pelo n.º 2 do art. 926.º do CPC, determinando que fossem produzidas as provas necessárias, tramitação esta que se adaptaria com relativa facilidade à que é própria de uma ação de tramitação simplificada tendo por objeto o pagamento do valor atinente às aludidas despesas, tanto mais que a Requerente até se confessou devedora de uma parte desse montante.

Assim, não nos parece que a tramitação legal a seguir pela presente ação de divisão de coisa comum seja manifestamente incompatível com a de uma ação de processo comum, que seria adequada à apreciação do aludido pedido reconvencional atinente ao direito de crédito por despesas relativas à fração, mas, nesta conclusão, há que ressalvar, repete-se, os “encargos e despesas vincendos”, por visarem uma questão incidental para cujo conhecimento é de todo inviável, sem o desvirtuar, uma adaptação do processado que tal comporte, na medida em que implicaria articulados supervenientes ou um incidente de liquidação.

Todavia, de modo algum se poderá entender que a apreciação conjunta de ambas as pretensões (a divisão da coisa - pretendida por ambas as partes - e o pagamento das aludidas despesas) seja indispensável para a justa composição do litígio. Antes nos parece evidente que a situação dos autos se resolverá com justiça, mediante a adjudicação da fração a uma partes (e o recebimento de tornas pela outra) ou a venda (recebendo ambas o valor correspondente a metade do preço).

Resta, pois, apreciar se há interesse relevante em conhecer da reconvenção na presente ação de divisão.

Para tanto, é de realçar a circunstância de a reconvenção em apreço não ser admissível quanto ao valor adiantado pelo Requerido a título de sinal antes da aquisição da compropriedade, subsistindo o litígio das partes a este respeito.

Ademais, pese embora a Requerente até reconheça ser devedora de uma parte das invocadas despesas, não se pode olvidar que o Requerido peticionou também o pagamento de quantia relativa a “encargos e despesas vincendos”, não sendo a tramitação do presente processo adequada para acolher o conhecimento dessa questão incidental.

Os autos tiveram início há mais de um ano, só agora estando prestes a ser realizada a conferência de interessados, parecendo ser mais vantajoso para ambas as partes que a ação venha a findar o mais brevemente possível, com respeito pelos princípios da celeridade e economia processual, considerando que ambas pretendem colocar fim à divisão e que a fração lhe seja adjudicada, e que sempre terão que discutir numa outra sede, em processo declarativo comum, as questões quanto às quais subsiste o litígio.

Assim, tudo ponderado, entendemos ser mais conveniente que todo o objeto do litígio reconvencional seja apreciado numa única ação a intentar pelo Requerido (porventura após findar o presente processo), prosseguindo a presente ação de divisão de coisa comum com a sua normal tramitação.

Destarte, embora com fundamentação não inteiramente coincidente com o despacho recorrido, conclui-se que o mesmo deve ser mantido.

Vencido o Requerido-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

***

III–DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter o despacho recorrido e condenar o Requerido-Apelante no pagamento das custas do recurso.

D.N.



Lisboa, 15-09-2022



Laurinda Gemas
Arlindo Crua
António Moreira
(Acórdão assinado eletronicamente)