Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2953/15.5T8PDL-H.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: INSOLVÊNCIA
MASSA INSOLVENTE
AVALIAÇÃO DE BENS
DOAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: – A avaliação, em sede de insolvência, compreende, tão só, os bens que constituem a massa insolvente.

– Os bens constantes da doação, não fazem parte da massa insolvente, por ora, podendo vir a sê-lo, em caso de procedência da acção de impugnação pauliana.

SUMÁRIO: (da responsabilidade da relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.



JC foi declarado insolvente por sentença, de 20/1/2017, transitada em julgado, em 15/12/17.
           
O requerimento de insolvência, efectuado pelo Banco X S.A., deu entrada 29/10/2015.

O administrador da insolvência, na ausência de Comissão de Credores (art. 55/3 Cire) requereu ao tribunal, a avaliação de imóveis  do insolvente.

Referiu que está pendente uma acção de impugnação pauliana em que é autor C, Lda, e como réus os insolventes (JC e MC).

No âmbito dessa acção estava agendada a realização da audiência de julgamento, 4/12/17, não tendo a mesma tido lugar porquanto foi requerida a suspensão da instância, por 15 dias.

Reuniram-se os mandatários com o requerente, enquanto administrador da insolvência, tendo sido assumido o compromisso de envio à massa insolvente, em 15 dias, de proposta de acordo escrito para apresentação aos credores da insolvência e, caso o acordo não tivesse lugar, foi agendado o dia 29/1/18 para a continuação da audiência.

É relevante, para a análise e decisão da proposta em questão, para a massa insolvente, a avaliação dos bens, afim de se apurar o seu valor real.

Os prédios a avaliar são:

V7– Prédio urbano, composto por casa de habitação, composta de R/C e 1.º Andar e quintal, sito na Rua TT e distrito de Guarda, descrito na CRP de Gouveia sob o n.º 122/Aldeias e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 226º, da União das Freguesias de Aldeias e Mangualde da Serra, com área total do terreno de 250,00m2 e área de implantação do edifício de 100,00m2 Valor: 250,00 €
V8– Prédio urbano, composto por casa que serve de palheira, sito em LL e distrito de Guarda, descrito na CRP de Gouveia sob o n.º 166/Aldeias e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 535º, da União das Freguesias de Aldeias e Mangualde da Serra, com área total do terreno de 40,00m2 e área de implantação do edifício de 40,00m2 Valor: 250,00 €
V9– Prédio rústico, composto por terra de cultura, sito em Barreiros, freguesia de MM e distrito de Guarda, descrito na CRP de Gouveia sob o n.º 746/Aldeias e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 41º, da União das Freguesias de Aldeias e Mangualde da Serra, com área total do terreno de 3.800,00m2 Valor: 250,00 €
V10– Prédio rústico, composto por terra de cultura, sito em Casal, freguesia de MM e distrito de Guarda, descrito na CRP de Gouveia sob o n.º 747/Aldeias e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 235º, da União das Freguesias de Aldeias e Mangualde da Serra, com área total do terreno de 98,00m2 Valor: 250,00 €
V11– Prédio rústico, composto por terra de cultura, sito em Piquito, freguesia de MM e distrito de Guarda, descrito na CRP de Gouveia sob o n.º 478/Aldeias e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 325º, da União das Freguesias de Aldeias e Mangualde da Serra, com área total do terreno de 31.123,00m2 Valor: 250,00 €
Indicou o perito e o valor da avaliação – fls. 3 a 7

A avaliação foi deferida por despacho de 7/12/17 – fls. 9.

A doação ocorreu, em 25/3/2010.
 
Inconformado, o insolvente JC, apelou formulando as conclusões que se transcrevem:

1– Os bens objecto da doação são propriedade dos filhos do Recorrente por vontade expressa dos pais devendo, aliás, ter sido logo concretizada após o falecimento do pai do Recorrente em 1996.
2– A certeza, a segurança jurídica e principalmente a boa fé assim o exigem. Sem prescindir,
3– A doação data de 25 de Março de 2010.
4– A resolução em benefício da massa insolvente só pode ter por objecto os actos prejudiciais a este praticados nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
5– Por outro lado, o direito à impugnação pauliana caduca ao fim de 5 anos.
6– A sentença que declarou a Insolvência é de 20 de Janeiro de 2017, pelo que o exercício dos direitos atrás referidos caducou.
7– O Administrador de insolvência não pode representar os insolventes em processo de impugnação pauliana por ter um interesse igual ao do credor impugnante, qual seja o de obter a resolução da doação em benefício da massa insolvente.
8– A avaliação dos bens objecto da doação só poderá ser ordenada após a sua resolução a favor da massa insolvente e não antes de qualquer sentença nesse sentido, transitada em julgado, sendo até então propriedade dos donatários pelo que o despacho recorrido é ilegal por intromissão na esfera patrimonial de terceiro.
9– Assim não o tendo entendido o despacho recorrido violou, entre outros, o disposto nos arts. 55/3, 110/1, 112/1 e 120/1, todos do CIRE, art. 618 do Código Civil e art. 67/2 da Lei 145/2015 de 9 de Setembro.
10– Assim, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e por via dele substituir-se o despacho recorrido por outro que indefira o pedido de avaliação dos bens doados.

Não houve contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Os factos a considerar são os que se deixaram anteriormente extractados.

As questões que se colocam – arts. 639 e 640 CPC - consistem em saber se há ou não lugar à avaliação. 

Vejamos, então.

O processo de insolvência não é a sede própria para se discutir a caducidade ou não do processo de impugnação pauliana.

Após a declaração de insolvência tornam-se imediatamente exigíveis as obrigações do insolvente, estabiliza-se o passivo, procede-se à apreensão de bens e abre-se o concurso de credores com a reclamação de créditos.

Com a declaração de insolvência, entre outras obrigações (art. 36 CIRE), todos os bens do devedor são entregues ao Administrador da Insolvência, ainda que penhorados, arrestados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, que fica depositário dos mesmos (cfr. art. 150 CIRE), encontrando-se as suas funções reguladas no art. 55 CPC.

A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as dívidas e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência – art. 46 CIRE.

O efeito patrimonial da declaração de insolvência quanto ao devedor é de natureza patrimonial e reflecte-se nos seus poderes de actuação nesse domínio na sua esfera jurídica.

Na verdade, quanto aos bens compreendidos na massa insolvente (art. 46), o devedor fica privado dos poderes de administração e de disposição, passando a ser atribuídos ao AI, assumindo a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência – cfr. art. 81 CIRE.

A contrario sensu, quanto aos bens patrimoniais não incluídos na massa insolvente, o devedor mantém os seus poderes de administração e de disposição.

No entanto, esta afirmação tem de ser entendida com grano salis, atento o preceituado no nº 2 do cit. art. quando refere bens futuros susceptíveis de penhora.

Assim, atentos os arts. citados, dir-se-á que no que toca aos bens e rendimentos susceptíveis de penhora, adquiridos ou obtidos até ao encerramento do processo, uma vez que integram a massa insolvente, o devedor fica privado da sua disposição, não os podendo ceder, nem alienar.

Relativamente aos bens e rendimentos obtidos ou adquiridos após o encerramento do processo, o devedor não os pode alienar, durante a pendência do processo, o que se compreende atenta a viabilização do interesse dos credores.

Após o encerramento do processo (art. 233/1 a) CIRE) o devedor recupera, em regra, o seu poder de disposição.

Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor, são apensadas ao processo de insolvência… - art. 85 CIRE.

Destes preceitos decorre que o AI assume a representação do devedor para todos os efeitos que interessem à insolvência, cabendo-lhe a administração e disposição dos bens que integrem a massa insolvente.

In casu, atentas as datas da doação (25/3/2010) e a de entrada do pedido de declaração de insolvência (29/10/2015) os bens constantes da doação, não fazem parte da massa insolvente, por ora, podendo vir a sê-lo, em caso de procedência da acção de impugnação pauliana.

Assim, não estando os bens objecto da doação integrados na massa insolvente, não há lugar à sua avaliação, por parte do AI, por dela estarem, por ora, excluídos.

Excepção feita ao bem indicado V8 – Prédio V8 - Prédio urbano, composto por casa que serve de palheira, sito em LL e distrito de Guarda, descrito na CRP de Gouveia sob o n.º 166/Aldeias e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 535º, da União das Freguesias de Aldeias e Mangualde da Serra, com área total do terreno de 40,00m2 e área de implantação do edifício de 40,00m2 Valor: 250,00 €, uma vez que este imóvel não foi contemplado na escritura de doação.
Destarte, procede parcialmente a pretensão do apelante.

Concluindo:
- A avaliação, em sede de insolvência, compreende, tão só, os bens que constituem a massa insolvente.
- Os bens constantes da doação, não fazem parte da massa insolvente, por ora, podendo vir a sê-lo, em caso de procedência da acção de impugnação pauliana.

Pelo exposto, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, revoga-se o despacho que deferiu a avaliação, determinando-se não haver lugar à mesma, com excepção da avaliação do prédio V8 - Prédio urbano, composto por casa que serve de palheira, sito em LL e distrito de Guarda, descrito na CRP de Gouveia sob o n.º 166/Aldeias e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 535º, da União das Freguesias de Aldeias e Mangualde da Serra, com área total do terreno de 40,00m2 e área de implantação do edifício de 40,00m2 Valor: 250,00 €.
Custas pelo apelante, na proporção do vencimento.



Lisboa, 08-03-2018

 
                      
(Carla Mendes)
(Octávia Viegas)
(Rui da Ponte Gomes)