Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23105/19.0T8LSB.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: PERDA DE ANIMAL DE COMPANHIA
DANOS MORAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - É incontroverso, face ao disposto no art. 493.º-A, n.º 3, do CC, ser indemnizável o dano moral pelo choque e desgosto associados à morte do concreto e insubstituível animal de companhia, em montante a fixar equitativamente, considerando as circunstâncias em que ocorreu e sem descurar a vertente punitiva da responsabilidade civil.
II - No caso dos autos, mostra-se equitativamente adequado fixar em 2.000 € o valor da indemnização por tais danos não patrimoniais, considerando que: quando estava a ser passeado na rua pela sua trela, o cão da Autora (caniche) foi atacado pelo cão (pastor-alemão) da Ré, o qual passeava sem trela e/ou açaime, apesar de já ter, em ocasiões anteriores, provocado situações de incómodo a outros vizinhos; a Autora logo se dirigiu à rua e viu o seu animal inanimado, tendo-se sentido extremamente nervosa; de imediato, levou o seu cão para o Hospital Veterinário, onde foi confirmada a morte do animal e o mesmo reencaminhado para cremação; a Autora sofreu tristeza e desgosto com a morte do seu animal de estimação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
Ana … interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou parcialmente procedente a ação declarativa de condenação que, sob a forma de processo comum, foi por si intentada contra Maria da Graça …
Na Petição Inicial, a Autora pediu a condenação da Ré:
- no pagamento de uma quantia a fixar, nunca inferior a 5.250,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora;
- e a entregar o cão, de que a Ré é proprietária, de raça pastor-alemão na Casa dos Animais de Lisboa.
Para tanto, a Autora alegou, em síntese, que no dia 23 de junho de 2019, quando o seu cão (caniche) estava a ser passeado na rua, foi mortalmente atacado pelo cão (pastor alemão) da Ré, que se encontrava na rua, sem trela e sem açaime, apesar de lhe serem conhecidos outros episódios violentos; como a Ré não cumpriu os deveres de vigiar e controlar o comportamento do seu animal de estimação, deve responder pelos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, mais devendo o cão da Ré ser recolhido e entregue à Casa dos Animais de Lisboa.
A Ré apresentou Contestação, na qual se defendeu por impugnação de facto e de direito, alegando designadamente que o seu cão passeava, preso por trela fixa, tendo sido o cão da Autora que foi ao encontro daquele e o mordeu nas patas dianteiras, pelo que, em resposta, o cão pastor alemão apertou o caniche no pescoço, o que, pelo facto de ser um cão de maior porte, foi determinante para a morte ocorrida; apesar de admitir a angustiante dinâmica dos factos, considera a Ré que os danos que dali derivaram já foram compensados e não se verificar qualquer conduta culposa; o seu cão já foi visto e avaliado por veterinário, tendo cumprido um período de quarentena e todos os restantes procedimentos legalmente previstos.
Foi proferido despacho saneador, tendo o Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 597.º do CPC, considerado desnecessário identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento, com produção de prova testemunhal.
Após, em 19-01-2021, foi proferida a sentença recorrida, com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, e de harmonia como o disposto nos preceitos legais que foram supra citados, julga-se a ação parcialmente procedente e em consequência, decide-se:
- Condenar a Ré, Maria da Graça …, no pagamento à Autora da quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia à qual acrescentarão juros vincendos, calculados à taxa legal de 4% nos termos da portaria nº 291/2003, de 8 de Abril, contados desde a data da notificação da presente decisão até efetivo e integral pagamento;
- Absolver a Ré, Maria da Graça …, do pedido da Autora a que aquela entregasse o cão de raça pastor-alemão, com o microship nº …100559683, na Casa dos Animais de Lisboa;
- Condenar a Autora, Ana…, e a Ré, Maria da Graça …no pagamento das custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, a saber 80/20 respetivamente.
Notifique e registe.”
Ambas as partes ficaram inconformadas com esta decisão, tendo a Ré, em 12-02-2021, interposto recurso de apelação, o qual não veio a ser admitido na 1.ª instância.
O presente recurso de apelação foi interposto pela Autora, em 15-02-2021, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1. A Autora, ora recorrente, peticionou a condenação da Ré no pagamento de uma quantia nunca inferior a € 5.250,00 (cinco mil, duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais pela morte do seu animal de estimação, tendo a Ré sido condenada no pagamento de € 1.000,00 (mil euros).
2. Importava apurar se a Ré seria ou não responsável pelo pagamento de uma quantia a título de indemnização por danos não patrimoniais, devido ao facto do seu cão ter atacado e provocado a morte ao cão da Autora.
3. Conforme resulta da Douta Sentença proferida a fls. dos autos, com exceção do facto do cão da Ré (de raça pastor alemão) já antes ter atacado outros cães), todos os factos alegados pela Autora na sua petição foram dados como provados.
4. Com efeito, foi dado como provado que na data em apreço o cão da Ré circulava na via pública sem fazer uso de trela, o que permitiu que o mesmo atacasse o caniche da Autora, mordendo-o na zona do pescoço e provocando-lhe a morte.
5. Foi igualmente dado como provado que após o ataque a Autora viu o seu animal inanimado, coberto de sangue (conforme demonstram as fotografias juntas aos autos pela Autora em requerimento posterior à petição inicial - documentos nº 2,3,4 e 5 de fl. 39 a 42-, fotografias que foram valoradas e também tidas em conta para a fundamentação da Sentença), facto que a deixou extremamente nervosa.
6. Ficou também provado que a morte do animal de estimação causou sofrimento, tristeza e desgosto à Autora.
7. Todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual estão efetivamente preenchidos, pelo que, dúvidas não subsistem que a morte do animal de estimação da Autora foi consequência direta do comportamento culposo da Ré, sendo esta responsável pelo pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, conforme bem entendeu o Tribunal a quo.
 17. Foi, no entanto, considerada a favor da Ré a imprevisibilidade da situação, uma vez que o pastor alemão tem um temperamento dócil e não se demonstrou que uma situação de ataque já antes havia ocorrido.
18. Conforme resulta do artigo 14 dos factos provados, “o cão da Ré noutras ocasiões provocou situações de incómodo a outros vizinhos”.
19. Estas situações de incómodo (conforme depoimentos de Joana …; Ana M … e José…) foram todas essencialmente pelo facto de a Ré andar na via pública com o seu pastor alemão sem fazer uso de trela, pelo que era por demais expectável que uma situação de ataque pudesse vir a acontecer.
20. Ainda que assim não se entenda, a verdade é que estarmos perante seres irracionais e imprevisíveis, motivo pelo qual o legislador estabeleceu a obrigatoriedade de todos os cãos (sejam eles perigosos ou dóceis) circularem na via pública com trela (Cfr. artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 314/2003 de 17 de dezembro).
21. Exigia-se, portanto, à Ré que controlasse e vigiasse os movimentos do seu animal de estimação, por forma a não colocar em risco a integridade física de outras pessoas e animais, o que nitidamente não fez.
22. O comportamento da Ré demonstra incumprimento dos cuidados de vigilância a que está obrigada e acima de tudo incúria e total desrespeito pelas pessoas e animais que com ela partilham a via pública, pelo que a alegada imprevisibilidade da situação não pode em caso algum atenuar a sua culpa.
23. Por último, o Tribunal a quo considerou como exagerado o valor peticionado pela Autora e como tal determinou uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €1.000,00, valor com o qual a Autora não concorda nem se conforma.
24. A Jurisprudência a este respeito diz-nos que a indemnização por danos não patrimoniais não deve ser simbólica nem miserabilista na medida em que deve reparar, mas também deve punir a conduta daquele que provocou o dano (Veja-se a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/06/2007, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03/10/2019, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.)
 25. Situações como a dos presentes autos acontecem com alguma frequência, tal como se verificam também ataques a crianças, muitas vezes com consequências graves ou até morte.
26. É por isso fundamental que as decisões dos nossos Tribunais tenham em conta não só a reparação do dano, mas também a componente punitiva e acima de tudo dissuasora deste tipo de comportamento.
27. Quanto ao valor da indemnização pela morte de um animal de estimação veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/05/2002, processo n.º 0230493 (onde foi fixada uma indemnização no valor de € 1.150,00 pela perda de um cão de companhia); o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/11/2008, onde foi fixada uma indemnização no valor de €1.500,00 (€750,00 a cada autor); o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/07/2020, onde se considera como razoável e adequado o montante de € 1.800,00 a título de indemnização pela perda do cão de companhia; e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/02/2015 onde foi confirmada uma indemnização no valor de € 7.500,00 pela morte do animal de estimação, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
28. Salienta-se que em dois dos Acórdãos supra referidos estão em causa ataques de cães de raça pastor alemão, pelo que é fácil concluir que estes ataques acontecem com alguma frequência e não são assim tão imprevisíveis, como erradamente entendeu o Tribunal a quo.
29. Em termos comparativos, o valor fixado a título de indemnização nos presentes autos é meramente simbólico, entendendo a Autora que o mesmo não repara condignamente o dano causado nem pune exemplarmente a conduta da Ré como é suposto, pelo que deve o mesmo ser alterado.
30. Em suma, resultou provado que o animal de estimação da Autora faleceu devido à total incúria da Ré, a qual podia ter evitado este desfecho, bastando para isso fazer o uso de trela na via pública, como aliás é legalmente exigido.
31. A Autora viu o seu animal inanimado, coberto de sangue (como ilustram as fotografias juntas aos autos a fls. 39 a 42), tendo-se sentido extremamente nervosa.
32. Resultou igualmente provado que a morte do animal de estimação causou sofrimento, tristeza e desgosto à Autora, não olvidando que a mesma já havia perdido outro animal de estimação exatamente nas mesmas circunstâncias (devido a um ataque de um cão de raça pastor alemão).
33. Ao sofrimento vivido pela Autora, acresce ainda o facto de esta viver com a mãe, que padece da Doença de Huntington, tendo também de lidar com o sofrimento e a falta que o animal faz a esta última.
Termina a Autora requerendo que seja dado provimento ao presente recurso e, consequentemente alterado o valor da indemnização a título de danos não patrimoniais, fixando-se a mesma, de forma justa e equitativa, em valor nunca inferior a, pelo menos, 2.500,00 €.
Foi apresentada alegação de resposta pela Ré, em que conclui nos seguintes termos:
1. – Todas as conclusões da recorrente não merecem qualquer provimento;
2. – De facto e de direito não assiste qualquer razão a Recorrente;
3. – No que concerne ao valor indemnizatório justo, este peca por ser demasiado elevado face ao circunstancialismo dado por provado.
Termina a Ré pugnando pela improcedência do recurso e pela alteração da decisão recorrida “para uma que determine um valor indemnizatório inferior ao atribuído pelo Tribunal a quo.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Assim, a única questão a decidir é a de saber se o valor da indemnização fixado na 1.ª instância deve ser aumentado de 1.000 € para o valor peticionado ou, pelo menos, não inferior a 2.500 €.
Factos provados
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. No dia 23 de junho de 2019, a Sra. Verónica …, empregada da Autora, passeava o cão desta, de raça caniche, nome Ni, de cor branca, sexo masculino, com o microshop n.º …014536439, na Rua…, Lisboa.
2. O cão utilizava uma trela extensível.
3. Na mesma rua, apareceu o cão da Ré, de raça pastor-alemão, nome Gory, sexo masculino, com o microship n.º …559683.
4. O cão da Ré estava acompanhado pela mesma, mas não fazia uso de trela.
5. O cão da Ré dirigiu-se ao cão da Autora e atacou-o, mordendo-lhe no pescoço e provocando-lhe, assim, a morte.
6. A Autora dirigiu-se à rua e viu o seu animal inanimado, tendo-se sentido extremamente nervosa.
7. A Autora dirigiu-se com o seu cão para o Hospital Veterinário do Restelo, onde foi confirmada a morte do animal e o mesmo reencaminhado para cremação.
8. A Autora vive com o seu companheiro e com a sua mãe.
9. A mãe da Autora padece da Doença de Huntington, tendo-se apercebido e sofrido com a ausência do animal.
 10. A Autora sofreu tristeza e desgosto com a morte do seu animal de estimação.
11. A Autora já havia perdido outro animal de estimação exatamente nas mesmas circunstâncias.
12. O cão da Ré é um cão treinado, tendo sido doado pelo Grupo de Intervenção Cinotécnico da GNR, da Escola de Queluz.
13. O cão da Ré é um cão dócil.
14. O cão da Ré noutras ocasiões provocou situações de incómodo a outros vizinhos.
15. A Ré assumiu despesas, nomeadamente os custos com o veterinário aquando da situação ocorrida, o custo da cremação, o custo das deslocações, o custo da aquisição de um novo animal de estimação e o custo da primeira consulta de veterinário deste último.
16. O acidente foi comunicado aos agentes da PSP da esquadra de …, que se dirigiram ao local e tomaram nota na ocorrência.
17. A Ré foi, nesse seguimento, notificada para apresentar o seu cão à Autoridade Veterinária Concelhia – Casa dos Animais de Lisboa, da Câmara Municipal de Lisboa, o que fez, tendo sido aquele avaliado por veterinário.
18. O cão da Ré foi-lhe restituído pela Casa dos Animais de Lisboa.
19. O cão da Ré cumpriu um período de quarentena, em sua casa, durante 15 dias, mediante um atestado sanitário emitido por médico veterinário, no fim do qual foi emitido um novo atestado de ausência de raiva.
20. A Ré frequentou um curso de formação para donos de animais potencialmente perigosos.
21. O cão da Ré foi castrado após este acontecimento.
Enquadramento jurídico
Na sentença recorrida considerou-se estarem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nos termos dos artigos 483.º, 493.º e 493.º-A do CC, ficando a Ré obrigada ao pagamento de uma indemnização à Autora pelos danos resultantes da violação, cujo valor se fixou em 1.000 €. Fundamentou-se a decisão, no que ora importa, nos seguintes termos:
“Continuando, e não restando dúvidas quanto ao facto de ter a Autora direito a uma indemnização pelo facto do cão da Ré, ao não usar trela, ter tido a liberdade suficiente para atacar o cão da Autora e provocar a sua morte, cumpre determinar essa mesma indemnização.
Analisando, o princípio geral da indemnização, previsto no artigo 562º refere que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Ora, é certo que a Ré já assumiu algumas despesas, nomeadamente, conforme resultou provado, os custos com o veterinário aquando da situação ocorrida, o custo da cremação, o custo das deslocações, o custo da aquisição de um novo animal de estimação e o custo da primeira consulta de veterinário deste último.
No entanto, ainda que se possa ter tal facto em consideração posteriormente, o mesmo não desonera a Ré da indemnização que a Autora aqui peticiona, indemnização por danos não patrimoniais, que o artigo 496º do Código Civil expressamente prevê, indicando que na fixação da referida indemnização também se deve atender a esses danos, ainda que os limite àqueles que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.
Dúvidas não há neste caso que o sofrimento sentido pela Ré merece, para este efeito, a tutela do direito, atendendo ao artigo 493º-A, que, sob a epígrafe “indemnização em caso de lesão ou morte de animal”, prevê expressamente, no seu nº3, que “no caso de lesão de animal de companhia de que tenha provindo a morte (...), o seu proprietário tem direito, nos termos do nº1 do artigo 496º, a indemnização adequada pelo desgosto ou sofrimento moral em que tenha incorrido, em montante a ser fixado equitativamente pelo tribunal”.
Mesmo anteriormente à inserção recente deste artigo, já a jurisprudência vinha admitindo a tutela jurídica do sofrimento causado pela morte dos animais de estimação. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19/02/2015, relator: Aristides Rodrigues de Almeida, processo nº 1813/12.6TBPNF.P12, nos termos do qual se decidiu que “a relação do homem com os seus animais de companhia possui já hoje um relevo à face da ordem jurídica que não pode ser desprezado, justificando que seja atendido como dano não patrimonial suscetível de tutela jurídica o desgosto sofrido com a morte de um animal de companhia”.
Esta decisão jurisprudencial e o mencionado artigo são reflexo da necessidade que surgiu de ser tutelável pelo direito a relação de afetividade que se cria entre as pessoas e os seus animais de estimação. Pelo que, não se pode deixar de ter em consideração a dor que esta perda causou à Autora, como resultou demonstrado.
Os animais, à luz do atual Código Civil não são considerados coisas, como o eram, tendo vindo a lei nº8/2017, de 3 de Março estabelecer o estatuto jurídico dos mesmos. Encontra-se na exposição dos motivos do projeto lei nº 164/XIII que esta alteração se baseou no reconhecimento da natureza dos animais enquanto seres vivos sensíveis, sendo necessária a sua salvaguarda.
Estas considerações vão ao encontro do anteriormente estatuído no artigo 13º do Tratado de Funcionamento da União Europeia que também prevê os animais enquanto seres sensíveis.
Encontrando-se assim determinado o direito da Autora a uma indemnização por danos não patrimoniais, cumpre apenas determinar o seu valor que, nos termos dos referidos artigos, é determinada equitativamente pelo Tribunal.
Antunes Varela descreve, na obra referida, p.601, que estes danos correspondem a prejuízos “que sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imputável ao agente”.
Numa situação semelhante, descreveu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/07/2020, relator: Vieira e Cunha, processo nº 135/19.6T8OBR.P13, que o que se trata aqui é de “atribuir uma compensação que permita à lesada obter algumas satisfações propiciadas pela utilização do dinheiro, e não de reintegrar qualquer prejuízo equivalente”.
Para determinar equitativamente a quantia da indemnização, o nº4 do referido artigo 496º indica que se deve atender às circunstâncias referidas no artigo 494º, ou seja, danos causados, grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso que se justifique apreciar.
Circunstâncias estas que devem ser apreciadas, conforme indicam Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, 4ª edição, Coimbra Editora, p.501, “tomando em conta (...) todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
Filipe Albuquerque Matos e Mafalda Miranda Barbosa, em “O novo estatuto jurídico dos animais”, Gastlegal, 2017, p.136 e 137, referem que devem ser analisadas todas as circunstâncias que se considerem necessárias, nomeadamente “idade do animal, o seu estado de saúde o dito grau de sentimentalismo do animal, o nível de dependência emocional do proprietário face a este último”, devendo tais circunstâncias ser aferidas dentro de um certo grau de razoabilidade.
Ora, atendendo aos factos dados como provados e que podem assim ser apreciados, considera o presente Tribunal que o dano causado à Autora foi de gravidade mediana, na medida em que a omissão da Ré provocou a morte do animal de estimação da Autora, o que teve consequências na vida desta última, sendo, no entanto, relativamente ressarcível, como o foi, atendendo ao comportamento posterior da Ré.
Isto na medida em que, apesar de se admitir que os animais possuem temperamentos diferentes e de serem considerados, à luz do artigo 201º-B, “seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza”, e, portanto, seres próprios e individuais, é possível obter, como foi feito por parte da Ré, um animal da mesma raça que trará o mesmo tipo de lazer e companhia que o outro traria.
Mais se acrescente que o sofrimento do cão foi diminuto, no sentido que, conforme resultou provado, após o ataque do cão da Ré, o cão atacado ficou inanimado, ainda que a morte tenha sido apenas declarada no hospital veterinário.
No entanto, e daí a determinação de alguma gravidade ao dano sofrido pela Ré, esta teve consequências negativas na sua vida resultantes do acidente.
Designadamente, resultou provado que a Autora, aquando dos acontecimentos, se dirigiu à rua e viu o seu animal inanimado, tendo-se sentido extremamente nervosa e que, após a confirmação da morte do seu animal de estimação, sofreu tristeza e desgosto, acrescida pelo reviver de uma situação, atendendo ao facto de se ter provado que a mesma já havia perdido outro animal de estimação exatamente nas mesmas circunstâncias.
Acresce ainda ao sofrimento vivido pela Autora, o facto de esta viver com a mãe, que padece da Doença de Huntington, tendo assim também que lidar com a falta que o animal poderá fazer a esta última.
Relativamente ao grau de culpabilidade do agente considera-se, de facto, o mesmo elevado, na medida em que a Ré passeava o seu cão, de raça pastor-alemão, portanto, de grande porte, em via pública, sem o uso de trela, podendo apenas ter-se em consideração em seu favor, a imprevisibilidade da situação devido ao temperamento dócil do animal e por não se ter demonstrado que uma situação de ataque já havia ocorrido.
Perante o exposto, não se pode ainda deixar de ter em consideração que o dano foi causado num animal de estimação e que, não sendo possível determinar objetivamente a relação de afetividade entre uma pessoa e um animal de estimação, não se pode estender exageradamente o valor de ressarcibilidade do dano resultante do apego e consequente desgosto pela morte de um animal de estimação, devendo o mesmo ser aferido por critérios de justiça e razoabilidade.
Pelo que, o presente Tribunal considera exagerado o valor peticionado de € 5.250,00 a título de danos não patrimoniais, determinando-se antes, atendendo a todo o exposto e por critérios de equidade, uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de €1.000,00.”
A Autora, pelas razões resumidas nas conclusões da sua alegação recursória, defende que a indemnização fixada nos presentes autos não só não repara condignamente o dano causado, como não pune exemplarmente a conduta da Ré.
Esta, por sua vez, defende, em síntese, que a decisão proferida poderia ser mais justa e adequada, mas não na medida pretendida pela Apelante, pois constitui uma tentativa de incremento económico por uma situação na qual sempre foram já tomadas todas as medidas necessárias a diminuir o prejuízo que pudesse ter causado.
Apreciando.
Não se discute, como é evidente, se a Ré deve ou não ser condenada no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais pelo desgosto com a morte do seu cão, muito menos se o valor da indemnização pode ser inferior ao que foi fixado, pois a Ré não interpôs recurso subordinado e vigora a proibição da reformatio in pejus (cf. artigos 633.º e 635.º, n.º 5, do CPC).
O caso em apreço insere-se numa matéria que nos últimos anos tem merecido um interesse crescente da parte do legislador e da doutrina, como se pode ver, por exemplo, no e-book CEJ “Direito dos animais”, março 2020, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_DireitoAnimais2020.pdf, no qual merece destaque o artigo de Marisa Quaresma dos Reis, “O papel dos tribunais na densificação da nova dimensão jurídica dos animais”, em que a autora faz um enquadramento histórico da matéria, remontando à Inglaterra do século XIX, referindo, a dado passo, que “Os animais de companhia assumiram, lenta mas seguramente, um estatuto próprio, distinto do estatuto de outros animais, muito por força da especial relação de confiança e proximidade que os humanos desenvolveram com estas espécies e que viria a tornar intolerável o seu uso em experiências que implicariam crueldade ou sofrimento. (…)
Ainda no séc. XVIII, ao cão já eram atribuídas características que lhe conferiam uma grande valorização: o cão era tido como o mais inteligente, o mais confiável, o mais humilde dos animais e a melhor companhia do Homem. Muitas vezes, eram agraciados com alimento de melhor qualidade e mais valorizados do que os criados. Já nesta altura eram “decorados” e vestidos, num esforço “elogioso” de evidenciação das características humanas que lhes eram imputadas. Era comum encontrar animais de companhia nos funerais dos seus detentores, juntamente com os restantes membros da família e já nesta altura usufruíam, não raras vezes, após a morte do seu “humano”, de um legado para sua manutenção.
(…) Desde 2014 que os animais assumem uma posição no Direito Português cada vez mais complexa e relevante, impulsionada pela sensibilidade e crescentes demandas da sociedade Portuguesa às quais não são alheias os avanços da ciência e a ascensão dos Animal Studies.”
Sintomática da relevância dada pelo legislador à indemnização em caso de lesão ou morte de animal de companhia é a introdução no Código Civil, pela Lei n.º 8/2017, de 03-03, do artigo 493.º-A, cujo n.º 3 preceitua precisamente que “(N)o caso de lesão de animal de companhia de que tenha provindo a morte, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o seu proprietário tem direito, nos termos do n.º 1 do artigo 496.º, a indemnização adequada pelo desgosto ou sofrimento moral em que tenha incorrido, em montante a ser fixado equitativamente pelo tribunal.” Lembramos que “animal de companhia” é, na definição constante do art. 3.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29-10 (que aprova o regime jurídico da detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos enquanto animais de companhia), “qualquer animal detido ou destinado a ser detido pelo homem, designadamente na sua residência, para seu entretenimento e companhia”.
Vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito (art. 496.º, n.º 1, do CC), é sabido que as maiores dificuldades surgem na fixação do seu quantum, por não ser possível a reconstituição in natura nem funcionar aqui a teoria da diferença.
Com efeito, no caso de danos não patrimoniais, não é, em regra, possível reconstituir a situação que existiria se o evento danoso não tivesse ocorrido, pelo que se impõe atribuir ao lesado uma compensação pecuniária. Lembramos as sábias palavras de Vaz Serra: “a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização no sentido equivalente ao dano, isto é, de valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é susceptível de equivalente” - in BMJ 83, pág. 85.
A fixação dos danos não patrimoniais é assim feita segundo juízos de equidade, tendo em conta a culpabilidade do lesante e as demais circunstâncias do caso (arts. 496.º, n.º 3, e 494.º, ambos do CC). Há ainda que ter em consideração os critérios usualmente seguidos nas decisões dos nossos tribunais, sem olvidar que a jurisprudência tem vindo a reconhecer progressivamente a necessidade de atribuir indemnizações significativas por danos não patrimoniais. A título meramente exemplificativo, veja-se o seguinte trecho do acórdão do STJ de 24-05-2005, proferido no processo n.º 05A819, disponível em www.dgsi.pt, pela síntese de aspetos que devem nortear o juízo equitativo:
“Primeiro: está definitivamente enterrado o tempo da atribuição de indemnizações baixas, miserabilistas; hoje, os tribunais estão sensibilizados para a quantificação credível dos danos não patrimoniais - credível para o lesado e credível para a sociedade, respeitando a dignidade e o primado dos valores do ser, como acontece com a integridade física e a saúde, que o Estado garante a todos os cidadãos (art.ºs 9º, b), e 25º, nº 1, da Constituição); este "movimento" contra indemnizações meramente simbólicas não deixa de estar relacionado muito directamente, além do mais, com o aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido no nosso país por imposição das directivas comunitárias, aumento esse cujo objectivo fulcral (pelo menos no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação) não é o de garantir às companhias seguradoras lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas.
Segundo: As indemnizações adequadas passam com cada vez maior frequência por uma valorização mais acentuada dos bens da personalidade física, espiritual e moral atingidos pelo facto danoso, bens estes que, incindivelmente ligados à afirmação pessoal, social e profissional do indivíduo, "valem" hoje mais do que ontem; e assim, à medida que com o progresso económico e social e a globalização crescem e se tornam mais próximos toda a sorte de riscos - riscos de acidentes os mais diversos, mas também, concomitantemente, riscos de lesão do núcleo de direitos que integram o último reduto da liberdade individual, - os tribunais tendem a interpretar extensivamente as normas que tutelam os direitos de personalidade, particularmente a do art.º 70º do Código Civil.
Terceiro: É necessário, em todo o caso, agir cautelosamente; e o Supremo Tribunal, nesta matéria, tem uma responsabilidade acrescida, dada a função que lhe está cometida de contribuir para a uniformização da jurisprudência; não é conveniente, por isso, alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos; não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país; e é vantajoso que o trajecto no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gradual, sem rupturas e sem desconsiderar (muito pelo contrário) as decisões precedentes acerca de casos semelhantes. Isto porque os tribunais não podem nem devem contribuir para alimentar a noção de que neste domínio as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. A justiça tem ínsita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade; é tudo isto que no seu conjunto origina o sentimento de segurança, componente essencial duma sociedade assente em bases sólidas. Ora, de certo modo os tribunais são os primeiros responsáveis e sobretudo os principais garantes da afirmação de tais valores: cabe-lhes contrariar com firmeza a ideia de que os factos danosos geradores de responsabilidade civil, muitas vezes tragédias pessoais e familiares de enorme dimensão material e moral, possam ser transformados em negócios altamente rendosos para pessoas menos escrupulosas.
Quarto: A indemnização prevista no art.º 496º, nº 1, do CC, mais do que uma indemnização é uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar "matematicamente" na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e, nessa exacta medida, irreparáveis, é uma reparação indirecta).”
De referir também que a indemnização por danos não patrimoniais convoca, com maior acuidade, a função punitiva da responsabilidade civil, reconhecida, em determinados casos, pela jurisprudência portuguesa e com as vantagens explicadas, de forma sumária, por Paula Meira Lourenço, no artigo “A Indemnização Punitiva e os critérios para a sua determinação", disponível online, em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/09/responsabilidadecivil_paulameiralourenco.pdf, onde refere designadamente que:
«No nosso ordenamento jurídico, a dificuldade de avaliação dos danos não patrimoniais, danos difusos e dos danos “complexos, graves e irreversíveis”, possibilita a obtenção de lucro por parte dos meios de comunicação, dos fabricantes de produtos perigosos e dos agentes causadores de danos ambientais ou ecológicos, entre outros, os quais pagam diminutas indemnizações em sede de responsabilidade civil.
Parece-nos que o desafio que se coloca ao julgador é claro: calcular a indemnização sancionatória ou punitiva de forma rigorosa, razão pela qual nos detivemos na análise dos critérios que a nosso ver, podem nortear esse cálculo, a saber:
a) A equidade, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do agente e do lesado, e as demais circunstâncias do caso, previstos no artigo 496.º;
b) As providências adequadas às circunstâncias do caso, nos termos do n.º 2 do artigo 70.º;
c) O lucro do lesante.
Se o julgador fizer bom uso destes critérios, estará a contribuir para:
a) O aperfeiçoamento do método de cálculo da indemnização por danos não patrimoniais, danos difusos ou danos “complexos, graves e irreversíveis”;
b) O reforço da tutela da pessoa humana relativamente à violação dos direitos de personalidade pelos meios de comunicação social sensacionalistas;
c) A prevenção e punição do produtor que, à semelhança do fabricante do exploding Pinto, prefere pagar indemnizações a eliminar os defeitos encontrados;
d) A prevenção e punição do poluidor, em sede de responsabilidade ambiental.»
No presente processo, a Autora-Apelante procurou fundamentar a sua pretensão indicando alguma jurisprudência sobre situações próximas. De harmonia com o disposto no art. 8.º, n.º 3, do CC, atentámos na mesma e concluímos, pela pesquisa efetuada, ser ainda escassa a jurisprudência dos tribunais superiores neste domínio, merecendo destaque os seguintes acórdãos, todos disponíveis em www.dgsi.pt:
- o Acórdão da Relação do Porto de 02-05-2002, no processo n.º 0230493, em cujo sumário se refere que “É viável o pedido de indemnização, por danos não patrimoniais relacionados com a morte de um cão, fundado na privação do direito de propriedade do impetrante sobre o animal.”; no acórdão foi fixada uma indemnização no valor global que hoje corresponde a 1.147,24 €, tendo a questão merecido as seguintes considerações: «Quanto ao contido na conclusão 5ª a questão que se coloca é a de saber se o grande desgosto sofrido pelos AA. Almerinda e marido com a morte do cão, que era a única companhia da A. durante a ausência do marido e das filhas, pelo qual ambos nutriam profunda afeição, e com a cena dessa morte (a que assistiram) assumem dignidade de reparabilidade por deverem ser considerados, à luz do critério acolhido no art. 496º-1 do Cód. Civil, com gravidade tal que os faça merecer a tutela do direito, isto é, se os dano verificado é «de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado» (A. VARELA, “Das Obrigações em geral”, 9ª ed., pp. 628).
(…) Na falta de uma enumeração legal ou de outro modo de tipificação dos casos de danos não patrimoniais compensáveis, na doutrina e na jurisprudência não se encontra, nem, por isso, será possível encontrar, uniformidade de entendimentos relativamente ao que deva ou não qualificar-se como dano não patrimonial relevante.
Na sentença impugnada ponderou-se que não é necessária uma sensibilidade especialmente requintada para que a perda de um animal nas circunstâncias retratadas nos autos não represente um verdadeiro desgosto que vai muito para além da mera incomodidade ou contrariedade e invocou-se o conjunto de princípios e deveres consagrados na Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, aprovada em 13/4/87 e a Lei da Protecção dos Animais (Lei n.º 92/95, de 12/9), tudo a corroborar a evolução das concepções sócio-culturais no sentido de os animais já não serem tratados como simples coisas e de merecer tutela jurídica o relacionamento dos seus donos com eles.
Não se dissente dessa posição, donde que, do mesmo modo, se julgue a situação configurada digna de compensação.
6. - Também, a nosso ver, os montantes de 150 000$00 e 80 000$00 se nos não afiguram exagerados, mas equitativos, como previsto no art. 496º-3.
Trata-se, aqui, de atribuir uma compensação que permita aos lesados obter algumas satisfações propiciadas pela utilização do dinheiro, e não de reintegrar pelo equivalente qualquer prejuízo, compensação que, como se vem acentuando na jurisprudência, para satisfazer os fins a que se destina, não pode ficar-se por critérios de miserabilismo e ser meramente simbólica (cfr. CJ/STJ, II-III-89).
Nada a alterar, pois.»
- o acórdão da Relação de Coimbra de 18-11-2008, no processo n.º 1775/04.3.TBPBL.C1, em cujo sumário se refere: “Não constitui acidente de viação a morte de um animal provocada pela manobra de um veículo automóvel em logradouro privado, mas tal não isenta a respectiva seguradora de responder civilmente pelo dano, se houver culpa do segurado”; tratava-se do atropelamento de uma catatua, referindo-se no acórdão que: “verifica-se que os autores ficaram desgostosos pela perda da referida ave, desgosto que ainda hoje se mantém, tal como consta dos itens 22 e 23 dos factos provados, consideravam-na como elemento da família (item 11) e a referida ave tinha características especiais (itens 12 e 13) e tinha sido criada à mão e domesticada pelos autores (item 21).
Tendo em linha de conta os critérios legais aplicáveis e atento a que é normal que as pessoas se “afeiçoem” aos animais de companhia, bem como que não se trata de critérios rígidos nem de quantias pré-determinadas nem fixas, somos de opinião que as atribuídas a este título não se mostram desajustadas, pelo que se mantêm.
No entanto, dado que se considerou que os autores contribuíram, na proporção de metade, para a produção do evento danoso, nos termos do artigo 570.º, n.º 1, CC, é tal indemnização reduzida em igual proporção, pelo que passa a ser devida apenas a quantia de 750,00 €, para cada um deles.
Pelo que, não obstante tal redução, que decorre da questão anterior, mantém-se a obrigação da ré em indemnizar os autores a título de danos não patrimoniais, improcedendo esta questão do recurso.”
- o acórdão da Relação do Porto de 19-02-2015, no processo n.º 1813/12.6TBPNF.P1, em cujo sumário se refere: “IV - Constitui um dado civilizacional adquirido nas sociedades europeias modernas o respeito pelos direitos dos animais, a aceitação de que os animais são seres vivos carecidos de atenção, cuidados e protecção do homem, e não coisas de que o homem possa dispor a seu bel-prazer, pelo que a relação do homem com os seus animais de companhia possui já hoje um relevo à face da ordem jurídica que não pode ser desprezado justificando que seja atendido como dano não patrimonial susceptível de tutela jurídica o desgosto sofrido com a morte de um animal de companhia”; neste acórdão foi fixado o valor da indemnização por danos não patrimoniais em 7.500 €, porém, importa sublinhar que tais danos não se reportavam unicamente ao dano moral da morte do cão, como resulta claro da passagem em que é apreciada a questão, aí se afirmando que: “levando na devida conta que em consequência das lesões na sua mão direita a autora teve de ser submetida a duas intervenções cirúrgicas e a tratamentos médicos, de enfermagem e de fisioterapia que se prolongaram por quase 11 meses e implicaram muitas deslocações ao hospital e ao centro de saúde, que o período de incapacidade absoluta para o trabalho foi de quase 11 meses, que as sequelas determinaram um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 5 pontos, que a autora ficou com sequelas e cicatrizes, que essas deformações na mão geram um dano estético fixável no grau 2 numa escala de 7, que o quantum das dores físicas é fixável no grau 3 numa escala de 7, que a autora irá continuar a sentir dores na mão e, finalmente, que as circunstâncias em que as lesões ocorreram (ataque de um cão) são susceptíveis de causar maior trauma, merece a nossa inteira concordância o valor da indemnização fixado na 1.ª instância.”
- finalmente, o acórdão da Relação do Porto de 14-07-2020, no processo n.º 135/19.6T8OBR.P1, em cujo sumário se refere: “III – A indemnização pela perda de animal de companhia decorre, hoje por hoje, da norma do artº 493º-A nº3 CCiv, e o valor relativo encontrado e fixado em € 1.800, para a perda do cão de companhia, mostra-se razoável e adequado.”
No confronto do caso dos autos com estes outros casos, não podemos deixar de ter presente que alguns processos já têm vários anos, bem como que há uma disparidade de pedidos e de contornos fácticos distintos.
Na situação dos autos, provou-se que a Autora se dirigiu à rua e viu o seu animal inanimado, tendo-se sentido extremamente nervosa; mas, note-se, que não presenciou o ataque, o que terá sido, segundo nos parece, o momento de maior susto; dirigiu-se com o seu cão para o Hospital Veterinário do Restelo, onde foi confirmada a morte do animal e o mesmo reencaminhado para cremação; a Autora, que já havia perdido outro animal de estimação exatamente nas mesmas circunstâncias, sofreu tristeza e desgosto com a morte do seu animal de estimação; a mãe da Autora, que vive com esta, padece da Doença de Huntington, tendo-se apercebido e sofrido com a ausência do animal.
Não se apuraram outros factos complementares que poderiam ser relevantes para nortear a decisão do tribunal, porventura possibilitando um acréscimo do valor da indemnização até ao montante máximo peticionado, por exemplo, a idade do animal e o tempo que a Autora o teve na sua companhia; a (maior ou menor) intensidade dos sentimentos que a Autora tinha pelo mesmo, pois se há pessoas que têm com os seus cães fortes laços afetivos, quase como se fossem um amigo ou membro da família, outras há que não chegam a desenvolver uma relação significativa. Mas podemos considerar que a reação da Autora denota que tinha efetivamente uma relação afetiva com o seu cão.
A Ré assumiu já o pagamento de um conjunto de despesas, incluindo o custo de aquisição de um novo animal de estimação, o que é de registar como algo positivo, mas não deixa de ser insuficiente para compensar a tristeza e desgosto sofridos pela Autora. Note-se que não se está aqui a cuidar de indemnizar o dano patrimonial da perda do animal, visto como objeto do direito de propriedade, pelo que nos parece despiciendo ou desajustado afirmar, como se faz na sentença, que é possível obter com um animal da mesma raça o mesmo tipo de lazer e companhia que o outro traria. O que releva é o choque e o desgosto associados à morte do concreto e insubstituível animal de estimação, considerando as circunstâncias em que ocorreu.
Mais nos parece que a vertente punitiva da responsabilidade civil deverá assumir aqui alguma relevância, já que o cão da Ré, ainda que dócil e treinado, mostrou ser um animal perigoso, nos termos do art. 3.º, al. b), ii), do referido Decreto Lei n.º 315/2009. Pese embora à data do ataque ora em apreço pudesse não merecer essa classificação, certo é que já tinha, noutras ocasiões, provocado situações de incómodo a outros vizinhos, o que faz com que seja mais censurável a atuação da Ré, por não ter tido o cuidado de o passear na rua com trela (ou, pelo menos, com açaime), de modo a evitar que atacasse outros animais e/ou pessoas.
Assim, tudo ponderado, parece-nos equitativamente mais adequado fixar em 2.000 € o valor da indemnização por danos não patrimoniais, procedendo em parte as conclusões da alegação de recurso.
Vencidas Autora e Ré, são responsáveis pelo pagamento das custas processuais, em ambas as instâncias, fixando-se a proporção da responsabilidade em 62% e 38%, respetivamente (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que fixou em 1.000,00 € (mil euros) o valor da indemnização por danos não patrimoniais, quantia que, em substituição, agora se fixa em 2.000 € (dois mil euros).
Mais se decide condenar a Autora e a Ré no pagamento das custas da ação e do recurso, na proporção de 62% e 38%, respetivamente.
D.N.

Lisboa, 12-07-2021
Laurinda Gemas
Arlindo Crua
António Moreira