Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
356/21.1YHLSB.L1-PICRS
Relator: LUÍS FERRÃO
Descritores: MARCA
NOME DE DOMÍNIO
RISCO DE CONFUSÃO
PRIORIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/05/2022
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I – A data de prioridade entre sinais distintivos afere-se pela data do pedido de registo (e não da respectiva aquisição), nos termos do artigo 13º, nº 2, do CPI, segundo o qual ‘Qualquer pedido formulado com o valor de pedido nacional regular [de registo de marca] confere um direito de prioridade’, sendo irrelevante para esse efeito a data da aquisição do registo em causa por parte da A. apelada.
II – Tendo o pedido de registo da marca nacional nº 500868 _Pic8, de que a apelada é titular, sido apresentado junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 12.06.2012, mais de quatro anos antes do registo do nome de domínio em causa por parte da R. apelante, é aquela marca que goza de prioridade em relação a este, e não o contrário, independentemente da respectiva data de aquisição pela A. apelada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
Fluxo Principal Unipessoal, Lda. (autora ou A.) demandou Soltapotencial - Unipessoal, Lda.  (ré ou R.), pedindo:
 - que a ré seja condenada a cessar a utilização da marca “aeropark”, através de qualquer meio, designadamente cessando a utilização do domínio de internet “aeropark.pt”, fixando-se uma sanção pecuniária compulsória para o efeito;
em alternativa,
- ser a titularidade do domínio de internet “aeropark.pt” ser transferido para a autora, fixando-se uma sanção pecuniária compulsória para o efeito;
cumulativamente,
- seja a ré condenada a indemnizar a autora. pelos danos não patrimoniais sofridos, a serem doutamente fixados pelo Tribunal de acordo com critérios de equidade.
Alegou, em síntese:
Que autora e ré desenvolvem a mesma atividade de parques de estacionamento junto do aeroporto de Lisboa.
Que a autora é titular da marca nacional n.º 500868  https://servicosonline.inpi.justica.gov.pt/portal_resources/proc_images/3926780_01_thumb.jpg   desde 29.8.2012 e, desde 7.04.2017 da marca nacional n.º 575020  https://servicosonline.inpi.justica.gov.pt/portal_resources/proc_images/6245701_01_thumb.jpg .
Que a ré tentou registar a marca nacional 575619 com a seguinte configuração:


Que o registo da marca foi recusado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial e posteriormente confirmado pelos tribunais de primeira instância e da Relação de Lisboa, por risco de confusão com a marca da autora n.º 500868.
Que a ré fez registar o domínio www.aeropark.pt. , cuja utilização gera nos clientes confusão entre os serviços da autora e os da ré e que, por força de tal confusão, a ré pratica atos de concorrência desleal que prejudicam a imagem da autora.
A ré foi citada e veio contestar, excepcionando caso julgado por já ter sido o mesmo pedido sido decidido, entre as mesmas partes e com fundamento na mesma causa de pedir, por sentença arbitral de que junta cópia e pedindo a absolvição do pedido e improcedência da ação.
Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que considerou improcedente a excepção de caso julgado.
Após audiência de discussão e julgamento foi proferida decisão, constando do dispositivo da sentença o seguinte:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, esta ação e, em consequência:
- Condena-se a ré a cessar a utilização da marca “aeropark”, através de qualquer meio, designadamente cessando a utilização do domínio de internet “aeropark.pt”;
- Fixa-se uma sanção pecuniária compulsória no valor de 50,00 por dia de incumprimento da decisão aqui proferida, valor devido a partir do 31.º dia, após a data de trânsito em julgado desta decisão.
Absolve-se a ré do demais pedido.
Inconformada, apelou a R., formulando as seguintes conclusões:
I. A matéria central da PI da autora já tinha analisada e de decidida por douta de Sentença arbitral de 10 de Agosto de 2017, no processo n.º 290.º do ABITRARE – Centro Arbitragem para Propriedade Industrial, Nomes de Domínio, Firma e Denominações, conforme Ata da sentença transitada em julgado, veja-se certidão da Sentença que foi junta pela Ré em “Requerimento Probatório” de 29/11/2021 a com a REF.ª: 40605828, que se dá aqui por reproduzida (doc. n.º 1).
II. Assim sendo a existência de caso julgado, que é uma excepção peremptória, que importa a absolvição total ou parcial do pedido (art. 576 n.º 2 do CPC) . A Ré não pode ser condenada sobre matéria igual ou semelhante quando esse objecto já foi decidido noutra acção.
III. A Autora quer confundir a utilização do domínio na internet “www.aeropark.pt”, que foi previamente registado em a favor da Ré, Soltapotencial, Lda., em “2016-11-11” e em vigor até “2022-11-10”, conforme documentos de registo do domínio que constam do autos (doc. n.º 2 a n.º 5), com a marca nacional registada pela Fluxo Principal, registada em data posterior. Ora como se sabe são coisas completamente distintas, uma coisa é a propriedade de um domínio ou site de internet a outra é uma marca nacional.
IV. O registo do domínio “www.aeropark.pt” por parte da Ré, data de um momento, em 11 de Novembro de 2016, que é anterior ao da aquisição, pela Autora das marcas desta.
V. A Ré em 11/11/2016 procedeu ao registo do domínio aeropark.pt junto da DNS.pt conforme Comprovativo – Registo de Domínio datado de 11/11/2016 e Fatura Recibo n.º FT2/1015078078, veja-se Doc. n.º 2 a 5.
VI. Ora, tendo a Ré registado prioritariamente o nome de domínio “www.aeropark.pt” com”, sobre a qual detém direitos e interesses legítimos, também não se encontra verificado o segundo requisito exigido pelo n.º 2 do art. 40.º das Regras de Registo.
VII. É entendimento jurisprudencial, nacional e internacional que “poderá haver «direitos ou legítimos interesses» se se verificar utilização do nome de domínio de boa-fé, no âmbito de uma oferta de produtos e serviços, se o nome constituir um identificador do requerido ou da sua empresa” (Sentença Arbitral, de 05-09-2016, Proc. n.º 274)
VIII. Determina o artigo 9.º, n.º 1, al. c) das Regras de Registo de Nomes de Domínio de PT, com o depósito legal n.º 376640/14 (Regras de Registo) que “para além das proibições previstas para cada hierarquia de .pt, o nome de domínio não pode corresponder a nomes que induzam em erro ou confusão sobre a sua titularidade, nomeadamente por coincidirem com marcas notórias ou de prestígio pertencentes a outrem”.
IX. O primeiro requisito estabelecido pelas Regras de Registo desdobra-se em duas exigências, a saber:1) Que a requerente reclame um nome ou designação protegida nos termos de disposição legal em vigor e 2) Que o domínio seja coincidente, idêntico ou susceptível de gerar confusão com esse nome ou designação.
X.  Não se encontram verificados nenhum dos requisitos elencados e exigidos no n.º 2 do artigo 40.º das Regras de Registo, o que determina a inviabilidade da presente acção e, consequentemente, a manutenção da situação inicial.
XI. Contrariamente ao que consta da “Fundamentação de Direito” da Sentença do Tribunal à quo, o requerimento da Autora na ARBITRARE foi além da suspensão do uso também foi pedido “transmissão do domínio www.aeropark da Soltapotencial para a Fluxo Principal”, conforme consta do documento de citação junto pela Ré a pedido do Tribunal à quo, pelo que se verifica que o pedido idêntico ao da Autora na presente acção,
XII. Ora não só a douta Fundamentação é omissa a esse facto relevante como não dá o mesmo como provado, limitando-se apenas a constatar só um dos pedido quando na realidade são dois pedidos no mesmo requerimento como consta do ponto 5.º da “Descrição do litigio”, para defender a tese da douta Sentença, quando é precisamente o contrário.
XIII. Verifica-se uma falta de fundamentação da douta sentença do tribunal à quo, que veio inquinar a douta Decisão.
Terminou requerendo que seja julgada procedente a excepção supra invocada, de existência de caso julgado, que é uma excepção peremptória, que importa a absolvição total ou parcial do pedido (art. 576 n.º 2 do CPC), e/ou, a presente acção julgada improcedente por não provada e absolvida a Ré do pedido.
A A. apelada apresentou contra-alegações.
II. Questões a decidir
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da apelante, nos termos preceituados pelos artigos 6350, n0 4, e 6390, n0 1, do Código de Processo Civil, impõe-se conhecer das questões colocadas pelas apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo o julgador livre na apreciação e aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 50, n0 3 do Código de Processo Civil.
Assim, no caso concreto, e considerando que não cabe reapreciar a excepção de caso julgado, já apreciada e decidida pela sua improcedência por despacho saneador proferido em sede de audiência prévia, de que a R. apelante não recorreu e por isso transitou em julgado, importa apreciar e decidir:
- se a utilização pela R. apelante Soltapotencial Unipessoal, Lda. do sinal ‘aeropark’, designadamente no nome de domínio www.aeropark.pt, viola direitos privativos da A. apelada Fluxo Principal Unipessoal, Lda., decorrentes da marca n.º 500868  https://servicosonline.inpi.justica.gov.pt/portal_resources/proc_images/3926780_01_thumb.jpg   de que esta é titular ou, pelo contrário, aquele nome de domínio é prioritário relativamente a esta marca.
III. FUNDAMENTAÇÃO.
III.1. O tribunal recorrido considerou assentes os seguintes factos:
a) A autora tem como objeto social a “Exploração de parques de estacionamento. Manutenção, reparação e lavagem de veículos automóveis. Comércio de veículos automóveis. Arrendamento e exploração de bens imobiliários. Exploração de alojamentos mobilados para turistas.” – teor do documento que a autora junta como n.º 1.
b) A autora é titular do registo da marca nacional n.º 500868, pedida em 29/8/2012, que visa assinalar, na classe 39 de Nice, Transporte; embalagem e entreposto de mercadorias; organização de viagens e tem a seguinte configuração – teor do documento que a autora junta como n.º 2:


c) A autora é titular do registo da marca nacional n.º 500868, pedida em 7/4/2017, que visa assinalar, na classe 39 de Nice, Transporte; embalagem e entreposto de mercadorias; organização de viagens e tem a seguinte configuração – teor do documento que a autora junta como n.º 3:


d) Em 9/1/2017, a ré requereu junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial o registo da marca 575619, com a seguinte configuração:


e) O registo referido em d) foi objeto de recusa, por parte do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, recusa que foi confirmada pelo Tribunal – de primeira instância e recurso – no âmbito do processo n.º 363/17.9YHLSB, por ter sido entendido verificar-se risco de confusão com o registo da marca nacional n.º 500868, pertencente à autora - teor dos documentos que a autora junta como n.ºs 4 a 6 (e consulta do referido processo oficiosamente pelo Tribunal).
f) A ré dedica-se entre outros à atividade de Exploração de Parques de Estacionamento.
g) Quer a autora, quer a ré exploram a sua atividade de Parques de estacionamento no aeroporto de Lisboa, prestando serviços de recolha de viaturas e transporte de clientes entre o aeroporto e o estacionamento afeto à sua atividade.
h) A ré á titular do registo de domínio “aeropark.pt”, desde 11/11/2016 e utiliza a expressão aeropark no endereço de correio eletrónico nas comunicações com o público – teor do documento junto pela ré como n.º 2.
i) Por diversas ocasiões clientes de autora e da ré confundem os serviços oferecidos e prestados pela autora com os serviços oferecidos e prestados pela ré e os serviços prestados pela ré, com os serviços prestados pela autora.
j) Devido à situação aludida na al. anterior, a autora tem que, com frequência, explicar aos clientes que autora e ré se tratam de diferentes entidades, sem relação entre si.
k) A autora utiliza pelo menos os domínios “aeroportoparque.com” e “aeroparque.pt”.
Na decisão recorrida considerou-se que, com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos, designadamente os constantes dos artigos Artigos 15º e 16º da petição inicial e 23º (na parte referente a M…) e 32º da contestação.
III.2. Da violação de direitos privativos da apelada
O tribunal recorrido julgou constatada a violação de direitos privativos da apelada Fluxo Principal Unipessoal, Lda., decorrentes do registo de marca nº 500868 _Pic8 de que esta é titular, consubstanciada na utilização pela apelante Borges & Borges, Lda. do sinal ‘aeropark’, designadamente através do nome de domínio www.aeropark.pt .
Tal violação foi, em síntese, fundamentada na sentença apelada do seguinte modo (ênfase aditado): 
O artigo 10. °, n.º 1, al. c), das Regras de Registo de Nomes de Domínio de .pt, refere que “o nome de domínio não pode corresponder a nomes que induzam em erro ou confusão sobre a sua titularidade, nomeadamente, por coincidirem com marcas notórias ou de prestígio pertencentes a outrem”, dispondo o artigo 32. °, n.º 1, al. a), das mesmas Regras que o DNS.PT removerá o domínio, sempre que ocorra perda de direito ao uso ou domínio, por decisão judicial.
Também o registo de marcas a considera, ao impedir o registo de marcas quando imitem ou reproduzam outros sinais distintivos – artigo 232.º, n.º 2, al. a), do Código da Propriedade Industrial – atendendo à natureza distintiva que o nome de domínio vem adotando.
Assim, pese embora sinais com natureza e objetivos diferentes, a realidade tem mostrado que também os nomes de domínio vêm sendo percecionados como sinais distintivos de comércio e os regimes legais existentes preveem algumas formas de ultrapassar os conflitos entre os sinais.
É, pois nos termos do que ficou exposto, que urge considerar o conflito neste caso.
A autora é titular, desde 2012 da marca nacional n.º 500868, com a seguinte configuração:


A ré é titular do nome de domínio, “aeropark.pt”, desde 11/11/2016.
A autora e a ré utilizam os respetivos sinais na sua atividade de parques estacionamento no aeroporto de Lisboa.
Autora e ré têm, pois, atividades comerciais concorrentes. Oferecem os mesmos serviços e esses serviços são oferecidos associados aos sinais em causa. O primeiro, como sinal distintivo ao abrigo do direito de marca, o segundo, como sinal indicativo e referenciador da localização do serviço na internet.
O sinal da autora é prioritário, face ao da ré.
Importa ver se os sinais são semelhantes, ou se a coexistência gera risco de confusão na mente do consumidor, para efeitos de aplicação do artigo 249.º, conferindo à autora o pretendido direito de impedir a ré de utilizar o domínio (ainda artigo 252.º, do Código da Propriedade Industrial).
Vejamos os sinais.
É inegável que entre os sinais _Pic8 e aeropark.pt se estabelece forte risco de confusão.
Aliás, já assim se decidiu na decisão que indeferiu o pedido da ré, de registo da marca aeropark - cfr. factos provados.
Do ponto de vista fonético, não existem diferenças, na medida em que as palavras produzem exatamente o mesmo som, pese embora PARQUE e PARK tenham diferente grafismo, já que o primeiro é em língua portuguesa e o segundo, em língua inglesa.
No entanto, nem essa diferença de grafia é muito relevante para a língua portuguesa, já que a versão inglesa PARK, para designar PARQUE é utilizada e amplamente reconhecida como tal em Portugal.
O facto de a marca da autora ser mista não afasta as considerações feitas, na medida em que, atenta a natureza do nome de domínio, sempre nominal, a única comparação a fazer deverá ser no plano nominal/fonético.
Neste caso, não apenas se estabelece forte risco e confusão, como está demonstrado, pela prova produzida, que existiu efetivamente confusão entre consumidores, o que apenas intensifica a perceção de risco de confusão analisada, não sendo, pois, de estranhar que se verifique efetivamente. Mesmo um consumidor mais avisado, pode facilmente ser confundido entre AEROPARK e AEROPARQUE, precisamente pela forma indistinta com que em Portugal se utiliza PARK ou PARQUE, não se estabelecendo na mente do consumidor o suficiente distanciamento entre um e outro.
É um facto que o endereço www.aeropark.pt direciona de imediato para o sítio AIRPARK. Mas não se afigura que este reencaminhamento seja relevante o suficiente para afastara confusão.
Uma vez dentro do sítio de internet, a atenção do consumidor já não é focada para o sinal distintivo, sendo certo que não é despiciendo que existe forte proximidade entre aeropark e airpark. Assim, o consumidor que entre no sítio AIRPARK e verifique que traduz o serviço que pretende contratar, não adquire a imediata perceção de que já não está em AEROPARK, pelo contrário, confirma a sua perceção inicial, desprezando a informação que mostra AIRPARK e não já AEROPARK.
Desta forma, considerando o que ficou exposto, o pedido da autora deve proceder e a ré ser condenada a cessar a utilização da marca “aeropark”, através de qualquer meio, designadamente cessando a utilização do domínio de internet “aeropark.pt”.
Considerou-se, assim, que, não obstante a distinta natureza dos sinais em confronto de que dá conta a fundamentação da douta sentença em termos que subscrevemos, a utilização no exercício de actividade económica concorrente pela apelante do sinal ‘aeropark’, designadamente no nome de domínio www.aeropark.pt, gera risco de confusão com a marca nº 500868 _Pic8 de que a apelada é titular, aliás já constatado em frequentes ocasiões (facto provado j).
Atenta a identidade fonética e conceptual de ambos os sinais (‘aeroparque’ e ‘aeropark’ pronunciam-se do mesmo modo e têm o mesmo significado nas línguas portuguesa e inglesa, respectivamente) e a forte similitude gráfica, não podemos senão secundar a sentença recorrida, quanto à existência de risco de confusão entre os sinais, tanto mais que a actividade que visam assinalar é a mesma, serviços de parque de estacionamento.
Ora, nos termos do artigo 210º, nº 1, do Código da Propriedade Industrial (CPI), ‘O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina’, acrescentando o artigo 249º, nº 1, al. b) do mesmo código que ‘sem prejuízo dos direitos adquiridos pelo titular antes da data da apresentação do pedido de registo […], o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal se […] esse sinal for semelhante à marca e for usado em relação a produtos ou serviços idênticos ou afins aos produtos ou serviços abrangidos pelo registo, caso exista um risco de confusão ou associação no espírito do consumidor (ênfase aditado).
O registo de marca nº 500868 _Pic8 , de que a apelada é titular, confere, pois, a esta o direito de impedir a apelante de usar no exercício de actividade económica o nome de domínio www.aeropark.pt, atento o constatado risco de confusão que gera no espírito dos consumidores de serviços de parqueamento/estacionamento de viaturas, designadamente em aeroportos, a que ambas se dedicam. 
Alega a apelante que o seu nome de domínio é prioritário, porque registado em 11.11.2016, antes da aquisição do registo de marca pela apelada. Porém, tal entendimento carece de qualquer fundamento legal, pois a data de prioridade entre sinais distintivos afere-se pela data do pedido de registo (e não da respectiva aquisição), nos termos do artigo 13º, nº 2, do CPI, segundo o qual ‘Qualquer pedido formulado com o valor de pedido nacional regular [de registo de marca] confere um direito de prioridade’, sendo irrelevante para esse efeito a data da aquisição do registo em causa por parte da A. apelada.
Tendo o pedido de registo da marca nacional nº 500868 _Pic8 , de que a apelada é titular, sido apresentado junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 12.06.2012, mais de quatro anos antes do registo do nome de domínio em causa por parte da R. apelante (11.11.2016), não se vislumbra qual o fundamento para a reclamada prioridade deste sobre aquela.
Também o artigo 9º, nº 1, al. c) das Regras de Registo de Nomes de Domínio .pt (Depósito Legal nº 376640/14) dispõe que ‘[…] o nome de domínio não pode […] corresponder a nomes que induzam em erro sobre a sua titularidade […]’.
Neste contexto, convém igualmente ter presente que o nome de domínio vem sendo reconhecido de lege ferenda como carente de protecção estatutária à altura do papel que crescentemente desempenha na nova economia digital, como recentemente assinalado por Pedro Sousa e Silva, ao referir que «os nomes de domínio» não beneficiam «ainda de um estatuto legal compatível com a importância económica que indiscutivelmente assumem nos dias de hoje», aguardando-se que o legislador «tome a iniciativa de lhes estender a tutela do Direito Industrial, instituindo um regime especifico»[1].
Encontra-se, assim, a A. apelada, em posição de exigir a cessação da utilização, por parte da R. apelante, titular da marca nº 500868 _Pic8 , de sinal com esta confundível, como é comprovadamente o caso do nome de domínio www.aeropark.pt, no exercício da mesma actividade económica correspondente aos serviços protegidos por aquela, pelo que bem andou o Tribunal recorrido em condenar a apelante na cessação de tal utilização.
Improcede, pois, a correspondente pretensão recursiva da apelante.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação mantendo-se a douta sentença apelada.
Custas pela apelante.

Lisboa, 5.12.2022
Luis Ferrão
Carlos M. G. de Melo Marinho (com a declaração de voto junta)
Sérgio Rebelo  
  
DECLARAÇÃO DE VOTO
*
Embora considere acertada a solução final constante do dispositivo do acórdão por referência ao qual lanço esta declaração, devo patentear os seguintes elementos relativos à fundamentação:
-As questões relativas à validade dos nomes de domínio devem ser suscitadas perante a entidade competente para o respectivo registo, quer a nível internacional quer nacional;
-Dessas decisões cabe recurso para o tribunal da propriedade intelectual –al. j) do n.º 1 do art. 111.º da Lei n.º 62/2013,de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), norma que identifica como autoridade competente em Portugal a «Fundação para a Computação Científica Nacional, enquanto entidade competente para o registo de nomes de domínio de.PT»;
-A nível internacional são aplicáveis as regras específicas contidas na Uniform Domain Name Dispute Resolution Policye nas Rules for Uniform Domain Name Dispute Resolution Policydo ICANN («Internet Corporation for Assigned Names and Numbers»);
-É grande o fosso existente entre o «mundo» dos domínios e o da propriedade industrial e não podem ambos ser confundidos –neste sentido me pronunciei, com detalhe não emulável no presente texto, no artigo intitulado «Trademarks on the internet» in Rivista Dirittoedeeconomia dell'impresa, G. Giappechelli Editore, Turim, tomo 6 de 2018, páginas 887 a 897, ao descrever o funcionamento das disputas de nome de domínio e o regime da União Europeia incidente sobre a matéria (particularmente o emergente do Regulamento CE n.º 733/2002);
-Além da impugnação registral, é possível recorrer aos tribunais mas num contexto muito particular que nenhuma relação tem com os recursos de marca e que com eles não pode ser confundido;
-Com efeito, não existe ainda tutela específica desta matéria ao nível do Direito da Propriedade Intelectual –neste domínio, como bem referiu Silva, Pedro Sousa e, (2020), Direito Industrial-2ª Edição [VitalSource Bookshelf version], p. 427, «os nomes de domínio»não beneficiam«ainda de um estatuto legal compatível com a importância económica que indiscutivelmente assumem nos dias de hoje»,aguardando-se que o legislador «tome a iniciativa de lhes estender a tutela do Direito Industrial, instituindo um regime especifico»;
-Quem se considere lesado pelo uso de um nome de domínio coincidente com uma marca pode, no entanto, apresentar-se directamente em Tribunal invocando a existência de concorrência desleal, tutela sempre disponível independentemente da génese da necessidade, assim evitando recorrer ao processo-regra perante o «Registrar» (nome pelo qual é internacionalmente conhecido o responsável pelo registo);
-Segundo o autor acima citado, será também possível invocar directamente «o direito ao uso exclusivo dos DPI imitados» (em termos não explicitados);
-A fundamentação de decisões desta natureza deve espelhar plenamente a descrita autonomia de regimes e objectos de avaliação e evitar ser confundida com a relativa a um recurso de marca;
-No contexto descrito, parece não estarmos perante situação subsumível ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 249.º do CPI, já que um nome de domínio surge à margem da relação directa signo-produto/serviço aí prevista.
*
05.12.2022
Carlos M. de Melo Marinho

[1] Silva, Pedro Sousa e, (2020), Direito Industrial - 2ª Edição [VitalSource Bookshelf version], p. 427.