Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3412/08.8TBFUN.L1-8
Relator: RUI DA PONTE GOMES
Descritores: ACÇÃO POPULAR
REGISTO
ANALOGIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A acção popular no qual se pede a demolição de edifício construído, bem como a reposição do local no seu estado originário e o cancelamento de todos os registos incompatíveis com a pretensão do demandante, deve ser objecto de registo, efectuado por dúvidas, se não concretizados os registos a que se reportam os cancelamentos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Estado da Causa

1.1. – E interpôs recurso, para o Tribunal Judicial da Comarca, da decisão do Senhor Presidente do Instituto dos Registos e Notariados que, na sequência de recurso hierárquico, ordenou aos Senhor Conservador da Conservatória do Registo Predial que procedesse aos registo da acção popular por si interposta, embora conferindo-lhe o carácter provisório por dúvidas.

Invocou, em síntese, que as acções populares nas quais se pede a demolição do edifício construído, bem como a reposição do local no seu estado originário e o cancelamento de todos os registos incompatíveis com a pretensão do demandante, devem ser objecto de registo, o qual não deve ser lavrado, provisoriamente, por natureza (art. 92º. nº1, do C. R. Predial); uma vez que a aliena g) do nº1, do art. 95º do C. R. Predial apenas exige, como menção especial, à inscrição das acções a do respectivo pedido, não cabe ao Conservador apreciar se os mesmos são ou não inteligíveis e se, a final, podem ou não vir a ser julgados procedentes, cabendo-lhes apenas apreciar se as decisões judiciais implicam a nulidade dos títulos que sirvam de suporte ao registo a efectuar; o registo da acção visa cumprir o fim último do registo predial: - a segurança dos direitos dos particulares sub adquirentes do titular inscrito; se existirem dúvidas quanto aos pedidos formulados na acção e os registos a cancelar, estas devem ser oficiosamente canceladas (artigos 70º e 73º do actual C. R. Predial), a decisão impugnada viola o disposto nos artigos 1º, 2º, 8-A, 68º, 70º, 73º e aliena g) do nº1, do art. 95º do C. R. Predial e o art. 52º da C. R. Portuguesa).

Por douta sentença de 17 de Abril de 2009 (fls.1060/1066) foi tal recurso julgado improcedente e mantida a decisão proferida pelo Senhor Presidente do Instituto dos Registos e Notariados.

1.2. - È desta sentença de 17 de Abril de 2009 (fls.71060/1066) que apela E ___ Concluindo:

1º) – O fim essencial do registo, designadamente de acções judiciais, é dar “…publicidade aos direitos inerentes às coisas imóveis…”, protegendo-se com tal ideia as expectativas de qualquer pessoa e a segurança do comércio jurídico. Obtêm-se esse desiderato levando a registo as situações jurídicas produzidas por facto jurídicos inerentes aos bens imóveis, presumindo a Lei, juris tantum, de que o direito pertence ao titular inscrito; 2º) – O Conservador dos Registos só deve recusar o pedido de um registo de acção quando considere que o pedido nela formulado é insusceptível de ser publicitado pelo registo, pois a ele não cabe avaliar da viabilidade ou não do pedido formulado pelo A. naquela; 3º) A acção administrativa especial interposta pelo apelante, a procederem os pedidos nela formulados, implicará a modificação ou a extinção de alguns dos factos que nos termos do art. 2º do C. R. Predial devem ser levados ao registo, o que exige o registo desta acção (art. 3º, nº1, alínea a), do C. R. Predial); 4º) – A qualificação a atribuir ao registo não deverá ser como provisório por dúvidas, posto que os registos incompatíveis com os pedidos formulados na acção pelo apelante____ a saber: - declaração de nulidade ou de anulação de actos administrativos; demolição do edifício construído e reposição na situação originária____ são facilmente inteligíveis e não oferecem qualquer dúvida razoável; 5º) – Em qualquer caso, os princípios da protecção, da confiança, da segurança jurídica e da boa-fé impõem, nas acções administrativas especiais (acções populares) em que se peçam a anulação de actos administrativos, com eficácia erga omnes, a demolição das construções efectuadas e a reconstituição da situação originária, que as mesmas hajam levado a registo, de proceder à integração de uma lacuna legislativa por recurso à analogia (artigos 9º e 11º do C. Civil).

II – Os Factos

2.1. – A 1ª instância deu como provados os factos constantes na douta sentença impugnada, a fls. 1061/1062, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (art. 713º, nº6, do C. P. Civil).

2.2. – Aceitamos os factos fixados (art. 712º do C. P. Civil).

III – O Direito

Existe uma lacuna jurídica (caso omisso) quando uma determinada situação, merecedora de tutela jurídica, não se encontra prevista na Lei. Torna-se, então, necessário fazer aquilo que se chama a integração de lacunas, actividade que visa precisamente encontrar solução jurídica para os casos omissos. Para haver integração, há que averiguar primeiramente que não há nenhuma regra aplicável (artigos 9º e 11º do C. Civil). Deste modo, a integração supõe a interpretação (em sentido técnico) mas não é ela própria a interpretação.

Várias razões estão na origem do problema das lacunas: - certas situações são imprevisíveis no momento da elaboração da Lei, enquanto outras, embora previsíveis, escapam à previsão do Legislador em face da enorme complexidade de formas da vida social; por vezes, o próprio Legislador, intencionalmente, sobretudo em matérias novas ou complexas, abstém-se de regulá-las directamente, pelas dificuldades que sente em fazê-lo convenientemente. Posto isto, há que recorrer à integração da Lei, que consiste no preenchimento das lacunas.

Sempre que seja possível, recorre-se à analogia, que consiste em aplicar ao caso omisso a norma reguladora de qualquer caso análogo. O recurso à analogia como primeiro preenchimento de lacunas justifica-se por uma questão de coerência normativa do próprio sistema jurídico.

A aplicação analógica distingue-se da interpretação extensiva, porque esta pressupõe que determinada situação, não estando compreendida na letra da lei, o está no seu espírito, enquanto a analogia leva a uma aplicação da lei a situações não abrangidas, nem na letra, nem no seu espírito.

Será que a questão debatida no vertente recurso configura uma lacuna na Lei a precisar de analogia? Pensamos___ salvo o devido respeito___ que não.

A acção que se pretende registar (acção administrativa especial) apresenta as seguintes pretensões: - a) – declaração de nulidade ou, ainda que assim não se entenda, anulação do acto administrativo consubstanciado no alvará de construção nº….; b) – consequente ordenação de demolição de todo o edificado construído, bem como a reposição do local no seu estado originário; c) – ordenação do cancelamento de todos os registos incompatíveis com as sobreditas pretensões, nomeadamente, o registo do prédio 736.

No parecer do Conselho Técnico homologado, em 30 de Junho de 2008, pelo despacho do Senhor Presidente do Instituto dos Registos e Notariados e que mereceu o assentimento da douta sentença ora impugnada, a registabilidade da acção administrativa especial foi encarada como sendo subsumível à Lei (art. 3º, nº1, b), do C. R. Civil), atento pedido deduzido sob a alínea c). Todavia. Por não concretização dos registos a que se reportavam os cancelamentos, era a mesma efectuada por dúvidas (art. 70º e 73º do C. R. Civil).

Ora, não se pode afirmar, in casu, que a questão debatida no vertente recurso configura uma lacuna na Lei a precisar de analogia. A Lei existe e a sua aplicabilidade também. Há necessidade, porém, de aperfeiçoamento do petitório, na concretização dos registos a que se reportam os cancelamentos, dada a insusceptibilidade de serem publicitados. Mas isto não entra na substância (causa petendi) ou viabilidade da lide. Trata-se, por assim dizer, de completar a acção, na parte que respeita ao pedido, que só pode acontecer no Tribunal donde dimana, de modo a que o registo tenha pleno sucesso, designadamente, nos cancelamentos a efectuar se tiver vencimento.

IV Em Consequência – Decidimos:

a) – Julgar improcedente a douta apelação de E e confirmar a sentença de 17 de Abril de 2009 (fls.71060/1066);

b) – Condenar o apelante nas custas.

Lisboa, 11 de Março de 2010

Rui da PONTE GOMES – Juiz Relator
LUIS Correia de MENDONÇA – 1º Juiz Adjunto
CARLOS de Melo MARINHO – 2º Juiz Adjunto