Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
562/07.1TMFUN-E.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: MEDIDAS DE PROTEÇÃO E PROMOÇÃO
CONFIANÇA COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) A aplicação das medidas de proteção – enunciadas no artigo 35.º da LPCJP – visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto e a mesma encontra-se submetida aos princípios que devem orientar a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo (artigo 4.º da LPCJP).
II) O rumo fundamental da intervenção protetiva deve ter em conta, de modo primordial, o superior interesse da criança e do jovem, atendendo prioritariamente aos seus interesses e direitos – ao seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade -, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
III) Em caso de colisão do interesse da criança com os interesses dos familiares (progenitores/família biológica alargada), prevalece o interesse em alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança, preponderando os concretos direitos e interesses da criança, bem como as suas específicas necessidades.
IV) A aplicação da medida de confiança com vista à adoção – art. 35º, alínea g) da LPCJP - pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva de qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978.º do CC, nomeadamente, se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança (al. d) ) ou, se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança (al. e) ).
V) Sendo a proteção da criança dos autos indispensável para a promoção dos seus direitos, tendo a criança nos pouco mais de dois anos de vida beneficiado de medidas temporárias de acolhimento residencial, que não tiveram qualquer evolução que permitisse concluir que os progenitores ou algum familiar pudesse fazer parte do projeto de vida da criança, a aplicação da medida de confiança judicial com vista a futura adoção não viola o princípio da “intervenção mínima”, consignado no artigo 4.º, al. d) da LPCJP, nem o princípio da “subsidiariedade”, consignado no artigo 4.º, al. k), da mesma lei, tanto mais, que a competência para a aplicação de tal medida reside, em exclusivo, nos tribunais (cfr. artigo 38.º da LPCJP).
VI) Mostra-se ter sido valorado convenientemente o “primado da continuidade das relações psicológicas profundas” – que traduz que a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, prevalecendo as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante – na medida em que a progenitora não tem convivência com a criança desde março de 2019 e a criança passou a “evidenciar sinais de uma vinculação insegura, porquanto a presença da mãe não era permanente, sendo que atualmente não demonstra sofrimento com a ausência da progenitora”, estando inserida em contextos de colocação residencial desde o nascimento e exposta a múltiplos cuidadores, evidenciando sinais de vinculação perturbada, e com urgência de reparação, traduzidos desde o seu acolhimento em carência afetiva, choro/birras frequentes, solicitação de atenção constante/exclusiva do adulto e ultimamente na assunção de comportamentos agressivos dirigidos aos pares.
VII) Não se mostra ter sido violado o princípio da “Prevalência da família” se a medida de confiança com vista a futura adoção tem em vista um projeto de futuro e estabilidade, que a família biológica, nuclear e alargada, não lhe poderia proporcionar.
VIII) Para aferir da subsistência de perigo para a criança, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 1978.º do CC, cumpre efetuar um juízo de prognose de que o comportamento disfuncional não se inverteu nem existe a probabilidade de se vir a inverter num futuro próximo.
IX) Se o progenitor, injustificadamente, se desinteressou do destino da criança, não tendo contacto com esta desde poucos dias após o nascimento, não querendo saber do seu estado e demitindo-se integralmente dos seus deveres como pai não existindo qualquer vínculo afetivo próprio da filiação, se a progenitora, não conseguiu delinear um projeto de vida consistente para a sua filha e mantém uma vida desregrada e desfocada sem priorizar as necessidades da filha, com quem estabeleceu uma vinculação intermitente, não tendo contacto com a mesma há mais de um ano, está arredada a possibilidade de reintegração da criança junto dos progenitores. Para além disso, não existindo qualquer retaguarda da família alargada materna ou paterna que lhe pudesse servir de suporte nos cuidados a prestar à filha em meio natural de vida e não podendo a criança- que se encontra em acolhimento residencial desde que nasceu, nunca tendo conhecido vivência numa família - ficar eternamente à espera que os pais, ou a restante família, reorganizem a sua vida e adquiram ferramentas pessoais (não materiais) que lhes permita o exercício de uma parentalidade segura e estável que garanta os cuidados que uma criança necessita, conclui-se que apenas a confiança judicial com vista a futura adoção (artigos 35º, al. g) e 38º-A, da LPCJP e artigo 1978º, n.º 1, alíneas d) e e) n.º 2 e 3, do CC), protege o interesse da criança de não ver protelada a definição da sua situação e acautela convenientemente o seu direito a ter um desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
*
Por petição inicial apresentada em juízo em 11-07-2018, o MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou o presente processo judicial de promoção e proteção da criança MK…, nos termos do disposto nos artigos 34º, 72º, 3, 73º, 1, b) e 79º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (L.P.C.J.P.), aprovada pela Lei nº 147/99, de 01 de setembro, com vista à aplicação de uma medida de promoção e proteção que permita que a criança beneficie da prestação de cuidados de alimentação e higiene, de estimulação e de afeto para que se desenvolva e cresça em segurança e de forma plena.
*
Alegou, para o efeito e em síntese:
- Que a criança nascida a … de março de …, é filha de MJ… (nascida a …-01-… e beneficiária de medida de promoção e proteção de acolhimento residencial a ser executada no Centro da Mãe) e de FV… (que atingiu a maioridade em …-06-… e tem um percurso de vida marcado pela desvalorização/abandono da escolaridade, encontra-se desempregado e tem uma história de vida associada ao consumo de drogas, o que motivou a execução de medida de promoção e proteção no âmbito do PPP …/…T8FNC, entretanto arquivado);
- Que a criança desde que nasceu já teve dois diagnósticos de escabiose, obrigando à realização tratamento medicamentoso doloroso e prolongado, sendo que, o contágio terá sido feito por via da progenitora que, por sua vez, pode ter sido contagiado pelo progenitor;
- Que confrontada com a necessidade de acautelar o bem-estar da filha, evitando outros contágios, os progenitores desvalorizam o sucedido e o progenitor não recolheu o tratamento medicamentoso que o Centro da Mãe lhe disponibilizou, mostrando-se os progenitores centrados nas suas prioridades pessoais, colocando o relacionamento acima do bem-estar da filha e não adotando comportamentos elementares para garantir os cuidados devido à filha e promover a sua segurança;
- Que no agregado familiar do progenitor são colocadas dúvidas quanto à sua paternidade e o progenitor não é admitido em casa dos avós maternos por ser percecionado como impulsivo e instável com influência negativa no bem-estar de MF…;
- Que nem os progenitores nem a respetiva família alargada apresentam condições para garantir, de forma suficiente, os cuidados mínimos que proporcionem a MK… os meios para se desenvolver em segurança, sendo que, a existência de rotinas seguras e protetoras está dependente da integração da progenitora no Centro da Mãe, sendo necessária supervisão acentuada para que esta e o progenitor, quando está presente, assegurem a alimentação e higiene da filha e correspondam às suas solicitações emocionais;
- Que a progenitora tem vindo a manifestar descontentamento com a situação de acolhimento após ter começado a fazer saídas com a filha, a fim de conviver com a família e o progenitor deixou de visitar a filha no Centro da Mãe desde 27-04-2018.
*
Declarada aberta a instrução (artigo 106º, n.º 1 da LPCJP), foram obtidos elementos documentais e teve lugar a tomada de declarações aos progenitores, avó materna e Técnica(a) da EMAT responsável pelo acompanhamento do caso.
*
Após, em 19-07-2018, foi realizada conferência de acordo de promoção e proteção – art.º 112.º da LPCJP – homologado judicialmente e consubstanciando medida de acolhimento residencial (artº 35, nº 1, alínea f) da LPCJP, anexa à Lei nº 147/99 de 01/09), com a duração de 12 meses e revisão aos 6 meses, com os seguintes compromissos:
A mãe comprometeu-se a:
- Manter o acolhimento residencial e aceitar as orientações, cumprir com as normas de funcionamento, bem como com as ações do seu Plano Socio Educativo Individual (PSEI) da Residência do Centro da Mãe;
- Integrar ações formativas na área das competências pessoais e parentais propostas;
- Assumir adequadamente as suas responsabilidades parentais e prestar os cuidados básicos e psicoafectivos necessários à filha;
- Zelar pela saúde e bem-estar da filha, abstendo-se de comportamentos de risco que possam acarretar consequências físicas e emocionais para a filha;
- Frequentar a escolaridade obrigatória e adotar uma conduta ajustada ao contexto e a um percurso escolar com rendimento;
- Ser assídua à consulta de Planeamento Familiar e aceitar o método contracetivo mais adequado e seguro, de acordo com a orientação da equipa de enfermagem/médica;
- Frequentar o acompanhamento/orientação psicológica no Centro da Mãe e/ou em consulta externa
- Colaborar com os serviços intervenientes (Centro da Mãe, EMAT, Centro de Saúde, Segurança Social, estabelecimento de ensino, entre outros), no sentido de melhor prestar os cuidados necessários à filha;
- Comunicar à EMAT e ao Centro da Mãe eventuais dificuldades e situações pertinentes no cumprimento das orientações dadas.
O pai comprometeu-se a:
- Visitar a filha nos horários estabelecidos pelo Centro da Mãe;
- Integrar as ações de acompanhamento a filha, quando o Centro da Mãe considerar necessário e não se verificarem situações de risco;
- Aceitar as orientações definidas pelo Centro da Mãe e EMAT, relativamente aos períodos de contato e de atividades com a filha;
- Respeitar as atividades e os horários de vida diária da namorada, MJ…, e da filha,
- Integrar o serviço de saúde mental que melhor se adequar aos seus problemas de consumo de aditivos e de controlo dos impulsos, bem como cumprir com o tratamento/terapêutica (internamento/ambulatório) prescritos;
- Cumprir, de forma assídua e responsável, com as consultas agendadas e tratamentos prescritos;
- Integrar atividades lúdico-desportivas e/ou profissionais que promovam o seu bem estar;
- Integrar grupos de jovens com comportamentos ajustados e saudáveis;
- Cumprir com as definições do plano elaborado com a Casa de Acolhimento e da EMAT.
A Casa de Acolhimento comprometeu-se a:
- Elaborar um Plano Socio Educativo Individual (PSEI) com resposta às necessidades de bem-estar e desenvolvimento global da criança, em colaboração com os vários intervenientes;
- Assegurar as condições de acompanhamento da criança nas áreas importantes da sua vida (cuidados básicos e psicoafectivos, saúde, relações com a família), em consonância com as necessidades apresentadas;
- Articular-se com a EMAT e informar o Tribunal de qualquer ocorrência e/ou informação superveniente que deva ser considerada no âmbito do processo;
- Elaborar informação de acompanhamento da execução da medida, em colaboração com a EMAT.
A EMAT comprometeu-se a:
- Promover e participar no desenvolvimento, acompanhamento do percurso de acolhimento residencial da criança;
- Articular-se regularmente com a Casa de Acolhimento, no sentido de melhor atender às necessidades da criança;
- Elaborar respostas às solicitações judiciais;
- Informar o Tribunal de qualquer ocorrência e/ou informação superveniente que deva ser considerada no âmbito do processo.
*
Em 11-03-2019, o Ministério Público emitiu parecer sobre a medida aplicada, nos seguintes termos:
“Nestes autos foi a 19/07/2018 aplicada a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial a favor de MK…, nascida a …/03/…, filha de MF… nascida a …/01/…, que por sua vez beneficia também da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial desde 27/11/2017 – vide apenso A.
A medida de que beneficia MK… foi aplicada porquanto os progenitores adotavam comportamentos por via dos quais a colocavam em perigo.
A medida de promoção e proteção tem a duração de 12 meses,
Importa pois proceder à revisão da medida nos termos do disposto no art.º 62º, da LPCJP.
Foram juntos aos autos os elementos necessários com vista à apreciação da adequação da intervenção e manutenção da mesma.
Dos relatório da EMAT e da CA, resulta e síntese que:
MK… está acolhida no Centro da Mãe com a sua progenitora;
Integra infantário desde os 6 meses;
Tem um crescimento saudável;
A progenitora tem vindo a adquirir competências parentais para cuidar da filha e tem para com a filha ligação emocional;
No infantário a progenitora é uma mãe atenta e preocupada;
A progenitora manifesta vontade de abandonar a CA com a filha para terem um estilo de vida mais livre;
A relação dos progenitores é instável, marcada por rutura e reconciliação;
O progenitor não controla a agressividade e impulsos e recorre à agressão física e psicológica;
A progenitora é emocionalmente dependente do progenitor;
Devido à dependência emocional do progenitor expõem a filha a situação de desprotecção que não amite;
O progenitor apenas convive com a filha fora da CA, nas saídas da progenitora, em momentos em que não é possível monitorizar o seu envolvimento e competências parentais;
O progenitor consome substancias estupefacientes;
Em janeiro de 2019 o progenitor devido a um quadro de alucinações e agressividade recorreu a apoio e acompanhamento na Unidade de Tratamento de Toxicodependência;
Esteve internado na casa para contenção de impulsos na casa de saúde S. João de Deus;
Abandonou o tratamento antes do termo do mesmo;
Mantem acompanhamento psicológico e farmacológico em regime ambulatório;
No dia 14/02/2019 quando esperava ser atendido em serviço de saúde reagiu de forma descontrolada e violenta;
O progenitor expressa afeto e vontade de estar com a filha;
Todavia ainda apresenta sinais de instabilidade psíquica e imprevisibilidade de comportamentos, que comprometem a sua capacidade parental;
A instabilidade do progenitor manifesta-se em momentos de stress;
A avó materna está apenas disponível para apoiar a neta;
A avó materna demite-se da prestação de cuidados à filha;
A família paterna alargada apenas está disponível para assegurar visitas de curta duração do fim de semana da neta e da progenitora;
Por conseguinte a relação dos progenitores, constitui um constrangimento ao cabal investimento e envolvimento da jovem no processo de desenvolvimento pessoal e materno.
Os convívios com MK… com o progenitor, atenta a instabilidade deste, que ocorre em situações de stress, designadamente provocados por choro de criança, devem ocorrer apenas na CA.
Os convívios da criança com o progenitor fora do quadro protector da CA colocam-na em perigo efetivo.
Uma vez que a avó materna não adere à continuidade do acolhimento residencial da progenitora, afigura-se-nos que se mostra necessário afastar a criança e a progenitora dos factores de stress decorrentes da proximidade com o progenitor e do distanciamento da avó materna, que não é, nem quer ser capaz de receber neta e filha, e conter os convívios com o progenitor.
Os consumos do pai, a sua imprevisibilidade e impulsividade são geradores de forte perigo para a filha, que a progenitora dele dependente emocionalmente não a consegue proteger.
O convívio da criança e da progenitora com o progenitor coloca-as em perigo.
Consequentemente, analisados todos os elementos constantes dos autos, afigura-se-nos que, por ora, não foi alcançado o objectivo da intervenção de promoção e proteção, na medida em que não se mostram criadas as condições para que os fatores de perigo identificados subagente elencados, fossem removidos e MK… possa regressar ao seu meio natural de vida.
Ademais, face ao quadro situacional do progenitor e à gravidade do mesmo, afigura-se-nos que os convívios com o progenitor, devem apenas ter lugar na CA a fim de serem monitorizados e que as saídas da mesma com a progenitora decorram temporariamente com monitorização até que a progenitora tenha capacidade para proteger e manter a filha em segurança.
Pelo que o Ministério Público nos termos das disposições legais conjugadas dos arts. 3º, n.º 1 e 2, 4º, 35º, n.º 1, al. f), 49º e 62º da LPCJP, é de parecer que se mantem a necessidade e adequação da continuação da execução da medida de promoção de acolhimento residencial a favor de MK…, sendo que os convívios com o progenitor devem ocorrer penas na CA e as saídas da progenitora com a criança devem decorrer por ora, com monitorização a fim de afastar o perigo decorrente de instabilidade do progenitor e da sua impulsividade.
Mais se promove que atento a situação exposto e se merecer concordância a presente promoção que a EMAT diligencie por vaga em CA no continente para a criança e a progenitora, de modo a afastar por ora a criança do perigo em que se encontra”.
*
Em 11-11-2019 foi proferida decisão judicial nos termos seguintes:
“Respeitam os presentes autos a MK… nascida a …/03/… filha de FV… e de MJ… (fls. 15).
Tiveram o seu início por comportamentos negligentes dos progenitores que punham em causa as necessidades diárias (higiene e alimentação) bem como a sua saúde.
Em 07 de maio de 2019 foi aplicada de acolhimento residencial em CAT em substituição da medida cautelar vigente (acolhimento residencial no Centro da Mãe)
A criança integrou o CAT em 24 de maio de 2019
A medida foi revista e mantida.
Agendada conferencia a que alude o artigo 112º da LPCJP a progenitora compareceu, o mesmo não acontecendo com o progenitor.
Foram tomadas declarações.
Foi junto relatório elaborado pela EMAT e tomadas declarações à Sr.ª técnica gestora do caso
O Ministério Público propugnou pela conversão da medida provisória em definitiva.
O tribunal é competente.
O processo é valido.
Dos autos resulta:
1. O paradeiro do pai, FV…, é desconhecido sendo nula a sua participação na intervenção em curso e num manifesto processo de demissão do seu papel parental na vida da filha.
2. Até ao momento, FV…, não estabeleceu qualquer contacto com a CA, nem com a EMAT e apresenta um percurso de vida marcado por consumo de estupefacientes e envolvimento em diversos ilícitos.
3. Na família alargada paterna, não são identificados elementos com condições e disponibilidade para se constituírem numa alternativa para a criança e apenas a avó estabeleceu um contacto pontual com os técnicos, com o objetivo de manifestar a sua indisponibilidade para se constituir como alternativa para a criança, alegando motivos de doença oncológica.
4. A jovem MJ… (com 15 anos de idade) encontra-se acolhida desde … de junho de …, na CA – CAT GP…, onde exibe um quadro de instabilidade comportamental e emocional, com manifestas dificuldades em se focalizar no seu próprio projeto educativo.
5. Nestes cerca de 3 meses do seu acolhimento, MJ… fez contactos telefónicos meramente pontuais (num total de 3) com a Equipa Técnica da CA onde se encontra a filha, aparentemente com o objetivo de apurar se a mãe (DC… - avó da criança), estaria a efetuar convívios com a criança, e não de se inteirar da situação da filha.
6. MJ… percecionou a mãe, DC…, como cuidadora temporária de MK…, até que ela própria atingisse a maioridade e regressasse à RAM.
7. A avó materna afastou-se da vida da neta, entrando em abandono do plano de intervenção subscrito na CA (que previa a realização de convívios da avó com a criança, três vezes por semana, com participação nas rotinas de K..), registando-se a sua falta de comparência às entrevistas/reuniões agendadas e falta de resposta às chamadas telefónicas efetuadas.
8. A desorganização emocional de MJ… parece ter-se agravado após constatar a falta de comparência de sua mãe, DC…, ao plano de convívios com a filha, MK…, sentindo-o como mais um abandono afetivo (acrescido aos abandonos da mãe, pai e avó ocorridos no seu percurso de vida) e da perda da possibilidade de um projeto de família para a sua filha.
9. MJ… entende que necessita de mais tempo para se reorganizar e constituir-se alternativa para a criança.
10. A criança começa a exibir comportamentos de carência afetiva, choro/birras frequentes, solicitação de atenção constante/exclusiva do adulto e ultimamente na assunção de comportamentos agressivos dirigidos aos pares.
11. A EMAT e Equipa Técnica da CA consideram que a medida que se revela mais adequada à situação de MK… passa pela aplicação da medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, ou a instituição com vista à adoção.
12. MJ… concorda com a aplicação da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial mas opõe-se à aplicação da medida sugerida pela EMAT.
Acerca dos menores em perigo vigora a Lei 147/99, de 1 de setembro, o qual entrou em vigor dia 1 de Janeiro de 2001 e aprovou a lei de proteção de crianças e jovens em perigo, cujo escopo é regulamentar todas as situações de menores em perigo e carecidos de proteção.
O âmago da questão está, na realidade, naquilo que se deve entender por criança ou jovem em perigo.
Trata-se de um conceito abstrato que deverá, na prática, ser preenchido com factos suscetíveis de fazerem emergir o perigo.
O artigo 1º da LPCJP circunscreve o seu âmbito de aplicabilidade à “promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo”.
Noção semelhante encontra-se plasmada no artigo 3º da LPPCJP, do qual a intervenção, neste tipo de situações, só se deve verificar mediante o preenchimento de determinadas condições.
Primeiro, a intervenção tem lugar quando sejam os próprios pais, os representantes legais ou quem tem a guarda de facto a colocar em perigo a segurança, a saúde, a educação o desenvolvimento do menor, ou quando o perigo derive da própria criança ou terceiro a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
Segundo, como se infere da palavra perigo, não é exigível a verificação da efetiva lesão, ficando-se pela probabilidade de provocar um dano sério.
Importa ainda não esquecer o princípio da atualidade plasmado no artigo 4º da LPCJP, mormente à al. e), definido pela seguinte forma: “ a intervenção (do Tribunal) deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontra (…)”.
Quer isto dizer, que a LPCJP é um meio para afastar o perigo concreto a que a criança ou jovem está sujeito, mas não será o instrumento jurídico para definir a sua situação.
No caso vertente, considerando a demissão total do progenitor, a incapacidade revelada até à data pela progenitora (que motivou inclusivamente o seu acolhimento residencial fora da RAM) e a ausência de alternativa no meio natural de vida conclui-se que por ora a medida de acolhimento residencial é a única que tem vindo a lograr efeitos positivos no desenvolvimento da criança que vê assim as suas necessidades asseguradas.
Assim, face ao acordo da progenitora e dispensando-se o consentimento do progenitor por ser desconhecido o seu paradeiro e não se vislumbrando, qualquer outra alternativa para salvaguarda do superior interesse de MK… nascida a …/03/…, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, 3º, n.ºs 1 e 2 alínea c), 37º, n.º 3 e 49º, todos da LPCJP, determino a aplicação da medida de acolhimento residencial pelo prazo de 06 (seis) meses com revisão aos 03 (três) meses enquanto se define o encaminhamento subsequente da criança.
Nomeio a EMAT entidade encarregada de acompanhar a execução da medida – artigo 59º, n.º 3 da LPCJP
Fixo o valor da causa em € 30.000,01 (artigo 303º n.º 1 do Código de Processo Civil)
Sem custas.
Notifique, registe.
Comunique à EMAT e ao CAT com indicação que a medida deverá ser revista até 11 de fevereiro de 2020.
Quando a progenitora prestou declarações manifestou perentoriamente a sua oposição à aplicação da medida ora sugerida pela EMAT – confiança judicial com vista a futura adoção.
Resulta que, neste momento não se vislumbra possível a viabilidade de uma decisão negociada impondo-se a necessidade de efetuar debate judicial, o que se determina nos termos do disposto no artigo 110º al. c) da LPCJP.
Solicite à OA indicação de patrono à criança e aos progenitores – artigo 103º, n.º 2, 3 e 4 da LPCJP.
Junta que seja tal nomeação proceda à notificação a que alude o artigo 114º, n.º 1 da LPCJP.
Diligencie pela indicação de juízes sociais de entre a lista em vigor, sendo 2 efetivos e 2 suplentes.
Junta que seja tal informação e decorrido o prazo a que alude o artigo 114º, n.º 1 in fine da LPCJP, conclua”.
O Ministério Público e o progenitor apresentaram alegações em sede de debate judicial, o primeiro promovendo a medida de confiança a instituição com vista a adoção, em conformidade com o disposto nos artigos 1º; 3º, 1 e 2, al. c); 4º, als. a), c), e) g e f); 34º; 35º, al. g); 38º-A, todos da Lei n.º 147/99, 01/09 e no art.º 1978º, 1, al. d), do CC e o segundo oferecendo o merecimento dos autos relativamente à medida considerada como mais adequada.
*
Nomeados juízes sociais, teve lugar debate judicial e, após, em 24-06-2020 foi proferido acórdão cujo dispositivo é do seguinte teor:
“Nos termos do disposto nos artigos 35º, alínea g), e 38º-A, da LPCJP e artigo 1978º, n.º 1, alínea d) e e) e n.º 2 e 3, do Código Civil com referência ao artigo 3º da LPCJP, acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo misto em:
a) Aplicar à criança MK…, nasceu a …/03/…, filha de MJ… e de FV…, a medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, ficando colocada sob a guarda da casa de acolhimento onde se encontra (CAT GT…)
b) Nomear como curadora provisória a Exm.ª Senhora Diretora da referida instituição (artigo 62.º-A, n.º 5, da LPCJP).
c)Esta medida tem duração até ser decretada a adoção (artigo 62.º-A, n.º 1, da LPCJP)
d) Cessam as visitas da família biológica (artigo 62.º-A, n.º 6, da LPCJP).
e) Os progenitores MJ… e de FV… ficam inibidos do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1978º-A do Código Civil);
Fixo o valor da ação em € 30.000,01 (artigo 303º, n.º 1 e 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil)
Sem custas (artigo 4º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais).
Registe e notifique, dando cumprimento ao disposto no artigo 122º-A da LPCJP.
Após trânsito:
- Comunique à competente Conservatória do Registo Civil (artigo 78.º, n.º 1, do Código do Registo Civil);
- Proceda á comunicação a que alude o artigo 39º, n.º 2 do Regime Jurídico do Processo de Adoção (RJPA) aprovado pela Lei n.º 143/2015 de 08 de setembro solicitando ainda o oportuno cumprimento do disposto no artigo 42º do mesmo diploma legal”.
*
Não se conformando com a referida decisão, dela apela o progenitor, formulando as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal de 1.ª Instância decidiu a aplicação da medida de “confiança judicial com vista a futura adoção”, quanto à menor melhor identificada nos autos, MK…, enquadrando-a num regime que estabelece, no art. 3.º, da LPCJP, que:
“1 - A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.”
B. A medida aplicada no âmbito dos presentes autos, a de “confiança com vista a futura adoção”, é a mais gravosa reação legal do elenco previsto no art. 35.º, da LPCJP, a uma situação de perigo em que se encontra uma criança.
C. A confiança a instituição com vista a adoção é a medida limite, aquela em que o Estado aplica o maior nível de proteção a um menor, implicando a retirada compulsiva de um filho da tutela dos seus pais biológicos, um total desenraizamento familiar, a mais extrema reação legalmente prevista, e nessa medida uma decisão de ultima ratio, com carácter subsidiário.
D. Em especial, entre os princípios supra enunciados, entende o Recorrente que o Tribunal de 1.ª instância, na decisão proferida não observou:
a) Princípio da Intervenção Mínima – pois aplica a medida de confiança com vista à adoção, a mais gravosa do elenco legal, sem que previamente, e ainda que com carácter temporário, promovesse outra medida de proteção visando a manutenção da M… no seio da sua família biológica;
b) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas – havendo a possibilidade de manter a Menor no seio familiar, essa deve ser tentada;
c) Prevalência da família – não obstante os relatórios e perícias revelarem diversos défices familiares em competências de extrema relevância para o desenvolvimento da Menor, é igualmente certo que se encontram dentro de um padrão médio no campo sócio-económico em Portugal, pelo que, não será esse um fator determinante na tomada de decisão pela aplicação da medida de ultima ratio;
d) Subsidiariedade – sendo uma medida de ultima ratio, deve ocorrer apenas quando as outras medidas legalmente previstas se revelarem insuficientes, incapazes de atingir a proteção dos superiores interesses da criança, ou absolutamente esgotadas.
E. O Progenitor, ora Recorrente, manifestou a vontade de que a sua filha fosse entregue aos cuidados dos avós paternos, reconhecendo a sua impossibilidade para a ter a seu cargo, no que foi secundado pela mãe, que vê com bons olhas a aplicação dessa medida até que a própria, seja capaz de reger a sua vida de forma autónoma, e assumir o papel de principal cuidadora da sua filha.
F. Os avós paternos, não obstante não terem aceite a responsabilidade de cuidar da sua neta até à idade adulta, responsabilizar-se-iam durante um período transitório, de um a três anos, estima-se por forma a que os pais da M…, em conjunto, ou singularmente, se encontrem aptos a assumir a posição de principais cuidadores.
G. Pois tendo a mãe já revelado competências para cuidar da filha, atingida que fosse a necessária estabilidade emocional, estariam reunidas as condições essenciais para que se constituísse como principal cuidadora da M….
H. Sendo a adoção uma medida de aplicação subsidiária na defesa dos superiores interesses das crianças que, inseridas no seu agregado familiar, se deparam com situações de perigo à sua integridade física, saúde e desenvolvimento psicológico-social, entende o Recorrente que, no caso da sua filha, a sua mãe e o seu pai, reúnem as condições, não só económicas, mas também humanas, para, ainda que de forma transitória, assumir os cuidados da M….
I. Não obstante a doença oncológica de que recupera a avó paterna, e o reconhecimento por esta das suas limitações para cuidar da sua neta, este agregado poderia ser a ponte temporal necessária à garantia de que a M… receberia os necessários cuidados até que a Progenitora, atingisse a maioridade, e reunisse as competências pessoais e parentais necessárias à sua autonomização de vida.
J. A menoridade de ambos os Progenitores ao tempo do nascimento da M…, fez com que estes não tivessem uma real oportunidade de exercer a sua parentalidade, por factos que lhes são imputáveis em elevado grau, mas também por factos que requeriam uma intervenção das instituições públicas por forma a que a decisão tomada pelo Tribunal de 1.ª Instância não redondasse agora numa inevitabilidade.
K. In casu, o superior interesse da M…, ainda que prevalecente, deverá ser compaginado com a necessidade de promover igual crescimento são de um menor que já é pai, poupando-o ao sofrimento da retirada de um filho.
L. Conferindo-lhe o benefício da dúvida, e a possibilidade da verdadeira provação das suas capacidades parentais quando atingir a maioridade, onde aí sim, de forma autónoma pode fazer por reger a sua vida.
M. O que em nada coarta o direito da M… em encontrar um família que lhe dê as condições emocionais e sócio-económicas para um desenvolvimento psico-social harmonioso.
N. Com estes fundamentos deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, e ainda que não se entenda que a M… deva ser acolhida pelos avós paternos a título definitivo, estabeleça-se regime provisório sujeito a avaliação pelo Tribunal desse acolhimento por período tido por conveniente.
O. Pois, nem todos os riscos para o desenvolvimento da criança legitimam a intervenção do Estado e da sociedade na sua vida, autonomia e família, devendo a intervenção ser aquela que em menor grau, garanta de forma máxima o seu são desenvolvimento”.
*
O Ministério Público apresentou resposta tendo concluído pela improcedência do recurso, nos termos seguintes:
“1-O progenitor veio recorrer do douto acórdão que decretou em beneficio de MK…, nascida …/03/…, a medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção.
2-Entede que foram violados os princípios do primado da família biológica, da prevalência da família, da intervenção mínima, da continuidade das relações psicológicas profundas e da subsidiariedade, dado que a criança deveria ficar à guarda e cuidados dos avós paternos, até que os pais adquiram condições e maturidade para dela cuidarem de modo autónomo.
3-Afigura-se-nos que não lhe assiste razão.
4- Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e não podem ser deles separados, salvo quando não cumpram os seus deveres fundamentais – art.º 36.º, n.ºs 5 e 6, da CRP.
5- A medida decretada de confiança a instituição com vista a adoção, prevista no art.º 35º, al. g), da LPJCP, pressupõe, nos termos do art.º 38º-A, do mesmo diploma, que se verifique qualquer das situações previstas no art.º 1978º, do CC.
6- É condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrarem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, através da verificação objetiva (independente de culpa da atuação dos pais) de qualquer das situações descritas no art.º 1978º, n.º 1, do CC.
7- Toda a intervenção deve ter em conta o superior interesse da criança, princípio consagrado no art.º 3º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, e no art.º 4º, al. a), da LPCJP.
8- O art.º 1978º, n.º 1, al. d), do CC prevê a possibilidade de o tribunal confiar a criança com vista a futura adoção se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança.
9- O art.º 3º, n.º 2, da LPCJP ilustra as situações de perigo, designadamente quando a criança “não recebe os cuidados ou afeição adequados à sua idade e situação pessoal” ou “está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional”.
10- O art.º 1978º, n.º 1, do CC, pressupõe uma avaliação objetiva do modo como os pais desempenham a função parental e da forma como se relacionam com os filhos, pois o incumprimento das responsabilidades parentais resulta, muitas vezes, não de atos conscientes e voluntários, mas de mera incapacidade, falta de empenho, inexperiência, doença, desvios comportamentais ou ainda dependência de estupefacientes ou álcool.
11- A incapacidade de exercício responsável dos deveres de cuidado parentais deve fundamentar uma confiança judicial com vista a futura adoção quando coloque a criança em perigo.
12- Esse perigo não deriva apenas de eventuais lesões físicas, podendo ter também a sua génese na falta de cuidados, na falta de afeto, na incapacidade de os progenitores interagirem com os seus filhos e na incapacidade de compreenderem e sentirem as necessidades dos filhos.
13- O direito a que os filhos não sejam separados do pais, terá de ceder quando o interesse de criança assim o imponha (art.º 36º, n.º 5 e 6, da CRP, 3º, n.º 2 e 4º, n.º 1, al. a), da LPCJP).
14- As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, com especial incidência quanto às por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal (art.º 68º, n.º 2, da CRP).
15- A intervenção para proteção de uma criança em perigo é norteada pelo seu superior interesse e tem lugar, designadamente, quando os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto, ponham em perigo a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou jovem (art.º 3º, n.º 1 e 2 e 4º, da LPCJP).
16- Essa intervenção deve atender em termos prioritários aos interesses e direitos da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas.
17- A medida de confiança com vista a adoção apenas pode ser aplicada, quando se se mostre afastada a possibilidade de retorno da criança à sua família natural.
18- As crianças têm direito a ser protegidas, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente as se encontrem em estado de abandono ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal, visando o seu integral desenvolvimento.
19- Estão verificadas os pressupostos previstos no art.º 1978º, n.º 1, al.s d) e e), do CC.
20- Os progenitores não mantêm qualquer contacto com a criança, pelo menos há mais de um ano o mesmo sucedendo quanto à família materna e paterna.
21- A avó materna não mantem qualquer contacto com a criança e incumpriu o plano de visitas e, revela incapacidade crónica para exercer as competências parentais.
22- A progenitora, ainda adolescente, não tem retaguarda familiar, capacidade de estabelecer relações equilibradas, tendendo a estabelecer relações amorosas de grande dependência:
23- Envolve-se com pessoas com atividades marginais e adota, reiteradamente, comportamentos desregrados, centrados em si e nas suas relações em detrimento da sua evolução pessoal.
24- O progenitor desinvestiu na criação de quaisquer laços com a filha e padece de patologias ao nível da saúde mental e aditivas (toxicodependente) e desde 27/04/2018 que deixou de visitar a filha.
25- Os avós paternos não visitam a criança e não mantêm com ela qualquer relação.
26- A progenitora ainda que inicialmente tivesse revelado algumas competências para cuidar da filha, por via da sua imaturidade, irresponsabilidade e, desvinculação, não persistiu nem encetou mudanças no seu percurso de vida, pese embora os apoios disponibilizados.
27- O progenitor não está, nem nunca esteve verdadeiramente disponível para se assumir como alternativa de vida para a filha, relegando para os avós paternos a assunção de todas as responsabilidades.
28- O avô paterno veio assumir-se como alternativa para a criança, em sede de debate judicial e, só temporariamente, por 2 ou 3 anos, até que progenitora e ou progenitor assumam os cuidados daquela, mas não vê nem procura ver a neta desde há mais de um ano e, nada sabe sobre a criança.
29- A avó paterna reconhece que a sua atual situação de saúde (doença oncológica), a par da falta de ajuda em casa, não lhe permite ter a disponibilidade para cuidar de uma criança de tenra idade.
30- A progenitora desinvestiu por completo em si, está em abandono escolar, consome estupefacientes e bebidas alcoólicas, envolve-se em sucessivas relações abusivas e dependentes, para as quais canaliza todos os seus esforços, priorizando as suas próprias necessidades imediatas.
31- Os progenitores não revelam consciência das suas problemáticas, que os impedem de exercer a parentalidade e estão de todo ausentes da vida da filha.
32- São imaturos, irresponsáveis e incapazes de perceber e priorizar as necessidades da criança.
33- O progenitor demitiu-se integralmente dos seus deveres como pai, não existindo, pois, qualquer vínculo afetivo próprio da filiação.
34- Só quanto confrontado com a possibilidade de aplicação de medida de confiança com vista a futura adoção e, apenas em sede de debate judicial, veio reivindicar a possibilidade de a criança passar a ficar aos cuidados da família paterna alargada e, não aos seus.
35- Em sede de recurso assume que não constitui alternativa, relegando para os seus pais, os avós paternos, a assunção da prestação de cuidados à criança.
36- Nenhum elemento, seja da família materna, seja da família paterna, tem ligação à criança, ou esta à família, dado que todos desconhecem o seu estado de desenvolvimento, as suas rotinas, as suas preferências, em suma tudo o que lhe diz respeito como indivíduo.
37- Ninguém encetou medidas para que a criança pudesse ser integrada em meio natural de vida, ou sequer procuraram criar condições para tal.
38- A vontade manifesta no debate judicial pelo progenitor, pelo avô paterno e pela progenitora, nunca foi traduzida em ações concretas que pudessem evidenciar uma alteração de comportamento tendente a criar laços e condições de vida que lhes permitissem acolher a criança.
39- A progenitora não consegue gerir as suas emoções e sofrimento daí decorrente e, conjugar as suas necessidades de adolescente com as necessidades de prestação de cuidados à sua filha.
40- Não consegue controlar os impulsos e cumprir com os compromissos/responsabilidades que lhe são atribuídos quer quanto ao seu projeto de vida, quer quanto à prestação e cuidados à filha.
41- Idealiza que o projeto de vida adequado para si e para a filha é a integração em novo espaço de acolhimento residencial e para tal manifesta vontade em ser ouvida pelo tribunal, mas na RAM.
42- Está centrada nas suas necessidades, é imatura, tem limitações intelectuais incompatíveis com o desempenho das funções parentais.
43- A criança não pode ficar por mais anos, há espera que os pais se reorganizem e, qui sa um dia dela cuidem de forma adequada ao seu superior interesse.
44- A conduta dos progenitores, indica que não conseguem delinear um projeto de vida consistente para a criança, não podendo esta ficar ad eternam à espera que os pais reorganizem a sua vida e adquiram ferramentas pessoais (não materiais) que lhes permita o exercício de uma parentalidade segura e estável que garanta todos os cuidados que uma criança necessita.
45- A criança está em acolhimento residencial desde que nasceu nunca tendo conhecido qualquer vivência numa família, exposta a múltiplos cuidadores, evidenciando sinais de vinculação perturbada, e com urgência de reparação, traduzidos desde o seu acolhimento em carência afetiva, choro/birras frequentes, solicitação de atenção constante/exclusiva do adulto e ultimamente na assunção de comportamentos agressivos dirigidos aos pares.
46- Precisa de dispor de uma família que lhe possa proporcionar um projeto de vida gratificante, com atenção e cuidados que uma qualquer criança necessita, para a fim de se evitarem futuras sequelas na sua personalidade e sensibilidade, sendo que o seu acolhimento dura já há tempo demais, um tempo excessivo para esta criança e para o seu desenvolvimento integral.
47- Não tem qualquer ligação à família paterna e materna e aos progenitores, face ao desinteresse por eles manifestado ao longo da curta vida.
48- Está arredada qualquer possibilidade de integração da criança no meio natural de vida junto do progenitor e ou da progenitora e ou sua família alargada.
49- A confiança judicial com vista à adoção protege o interesse da criança de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, tendo em conta o tempo da criança, que não é o mesmo que o tempo dos pais, sendo que, os problemas de que padecem os progenitores da criança, não são resolúveis com o tempo, impondo assim definir o futuro para aquela, sendo certo que, tendo em conta a concreta incapacidade dos progenitores em assegurar a sua segurança, bem-estar, desenvolvimento e educação, o destino do menor passaria inevitavelmente por um acolhimento prolongado, assim impedindo a criança de alcançar um projeto de vida alternativo e que acautelaria o seu interesse superior e bem estar.
50- A criança tem o direito inalienável a ser integrada numa família que possa providenciar pelos cuidados e afetos que lhes são devidos, direito que, atenta a sua idade, não se compadece com delongas dos progenitores em criar as condições adequadas ao seu regresso à família natural.
51- Estão comprometidos os vínculos próprios da filiação.
52- O desenvolvimento harmonioso de uma criança deve realizar-se no seio da família biológica, desde que lhe proporcione ambiente de amor, aceitação e bem-estar, mas constitui pressuposto da confiança para adoção que “não existam” ou “se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação”.
53. Neste caso, inexistem quaisquer laços com a família biológica e esta não se mobilizou.
54- Não sofre dúvidas que está suficientemente caracterizada uma situação de perigo (cf. Art.º 3º da LPCJP) para a criança MK…, bem como um comprometimento sério dos vínculos afetivos próprios da filiação.
55- O princípio da prevalência da família biológica pressupõe que esta reúna o mínimo de condições para garantir um desenvolvimento pleno da criança e necessariamente que, num juízo de prognose póstuma, se evidencie que a situação de perigo, objetivamente criada, não se voltará a repetir.
56- Estão verificados todos os requisitos legais para ser decretada no caso concreto a medida de confiança judicial com vista à adoção, sendo a medida proporcionada e adequada, atendendo prioritariamente aos superiores interesses da criança, principalmente o seu direito a ser integrado numa família que possa providenciar pelos cuidados e afetos que lhes são devidos.
57- Esse direito, atenta a sua idade, não se compadece com delongas dos progenitores em criar as condições adequadas ao seu regresso à família natural e, com soluções provisórias assentes em desejos, sem suporte na concreta realidade.
58- Os progenitores e os avós paternos, não têm qualquer projeto de vida sustentável para a filha/neta, nem revelam condições e competências para dela cuidarem de forma permanente e, de o fazerem em prol do seu superior interesse a um crescimento salutar e harmonioso.
59- Havendo colisão do superior interesse da criança com o interesse da família biológica, deve prevalecer, pois, o interesse em alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança, como o fez o tribunal a quo no acórdão sob escrutínio.
60- Não foi violado qualquer dos supra citados princípios e, apenas a medida de confiança com vista a adoção, nos moldes e como foi decidida, é suscetível de acautelar os superiores direitos e interesses desta criança a pertencer a uma família”.
*
O recurso foi liminarmente admitido, nos termos de despacho judicial proferido em 29-07-2020.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
*
2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , a questão a decidir, relativamente ao recurso interposto, é a de saber:
Se o Tribunal recorrido não observou na decisão recorrida os princípios da intervenção mínima, da continuidade das relações psicológicas, da prevalência da família e da subsidiariedade e se a decisão deve ser revogada e aplicada medida de acolhimento pelos avós paternos ou medida provisória nesse sentido?
*
3. Fundamentação de facto:
*
Na decisão recorrida foi efetuada a seguinte seleção factual:
Factos Provados (com relevo para a decisão)
1. MK…, nasceu a …/03/… e, é filha de MJ… e de FV….
2. A progenitora da criança nasceu a …/01/… e beneficia de medida de promoção e proteção de acolhimento residencial a seu favor, a ser executada na CAR GP…, em Vila Real de Santo António, desde …/06/….
3. Até essa data, a mãe e MK… encontravam-se em acolhimento residencial no Centro da Mãe.
4. A progenitora abandonou o Centro da Mãe em março de 2019, aí tendo deixado MK….
5. Após ter saído do Centro da Mãe, recusou a sua integração juntamente com MK… em CAR, sita no continente.
6. A progenitora desde cedo manifestou vontade de sair do Centro da Mãe, e passou a efetuar saídas não autorizadas, aí deixando MK…, após o que abandonou definitivamente o Centro da Mãe e, passou a pernoitar, algumas vezes na casa da sua mãe, até ser integrada na CAR GP…, em Vila Real de Santo António.
7. A progenitora não adquiriu competências parentais para cuidar da filha
8. A prestação de cuidados a MK… foi desde sempre assegurada pelas técnicas das CA, mesmo quando a progenitora MF… estava presente.
9. A progenitora desinvestiu na relação com a filha MK…, adotando uma conduta de alienação parental.
10. A progenitora ausentava-se do Centro da Mãe, sem autorização, regressando quando entendia, sem sequer se preocupar com MK…, com a satisfação das suas necessidades, e sem acautelar que as suas ausências eram desestabilizadoras para a filha, nesta fase tão importante do seu crescimento e vinculação afetiva e securizante.
11. Junta-se a pares que consomem bebidas alcoólicas em excesso e substâncias estupefacientes, com pernoita em locais que se desconhece, o mesmo sucedendo atualmente na CAR GP…, como disso é exemplo a saída para passar o fim-de-ano fora da CAR sem autorização
12. Quando regressava ao centro da Mãe apresentava sinais de consumo de estupefacientes, o que continua a suceder atualmente quando regressa à CAR GP….
13. A progenitora não consegue gerir as suas emoções e sofrimento daí decorrente, e conjugar as suas necessidades de adolescente com as necessidades de prestação de cuidados à sua filha e carece de suporte familiar estruturado e adequado.
14. Não consegue controlar os impulsos e cumprir com os compromissos/responsabilidades que lhe são atribuídos quer quanto ao seu projeto de vida, quer quanto à prestação e cuidados à filha.
15. Idealiza que o projeto de vida adequado para si e para a filha é a integração em novo espaço de acolhimento residencial e para tal manifesta vontade em ser ouvida pelo tribunal, mas na RAM.
16. A progenitora adota comportamentos de risco que comprometem a continuidade de uma prestação minimamente adequada dos cuidados parentais, assim como o seu projeto socioeducativo individual e está desinteressada, desinvestiu em si e na sua filha.
17. A progenitora está ausente da vida da filha desde março de 2019 e os cuidados que prestou à filha MK… foram inadequados, pontuados pela ausência e de desinvestimento emocional da mãe, o que comprometeu o estabelecimento de uma vinculação segura entre MK… e a figura materna, fundamental para esta fase da sua vida.
18. Desde que está acolhida na CAR GP…, a progenitora efetuou 3 contacto telefónicos a equipa técnica da CAR onde está MK…, fundamentalmente para saber se a avó materna a tinha visitado.
19. A progenitora entende que a avó materna deveria assumir a guarda e a prestação de cuidados a MK… até que atingisse a maioridade.
20. O progenitor completou 18 anos a …/06/….
21. Apresenta um percurso de vida marcado pela desvalorização/ abandono da escolaridade,
22. Encontra-se desempregado
23. Consome estupefacientes,
24. Em janeiro de 2019 o progenitor devido a um quadro de alucinações e agressividade recorreu a apoio e acompanhamento na Unidade de Tratamento de Toxicodependência e, esteve internado na casa de saúde S. João de Deus para contenção de impulsos, tendo abandonado o tratamento antes do seu termo.
25. O progenitor apresenta sinais de instabilidade psíquica e imprevisibilidade de comportamentos, com maior incidência em situações de stress que comprometem a sua capacidade parental.
26. O progenitor padece de problemas do foro psiquiátrico e psicológico.
27. O progenitor não controlava a agressividade e impulsos e recorria à agressão física e psicológica.
28. O progenitor, não visita a filha desde 27/04/2018, nem contacta a CAR .
29. Nenhum dos progenitores conhece as rotinas e necessidades de MK… e não conseguem prestar-lhe os cuidados de que carece.
30. Mesmo quando estavam ambas integradas no Centro da Mãe, a progenitora e o progenitor não conseguiam sem a intervenção dos técnicos da CAR prestar os cuidados essenciais à criança, como sejam a alimentação e higiene e, responder de forma adequada às suas solicitações emocionais.
31. A relação dos progenitores era instável, marcada por rutura e reconciliação.
32. A avó materna não reúne condições para apoiar a neta, tanto mais que se demite da sua responsabilidade de prestar cuidados a MF….
33. A avó materna não aderiu à intervenção, e não é capaz de impor regras e limites à progenitora e de assegurar à neta a prestação dos cuidados de que carece.
34. Não visita MK… na CA.
35. A progenitora de M… e avó materna de MK…, não está disponível para prestar o apoio emocional incondicional e uma prestação de cuidados consistente à filha e à neta.
36. A pressão da progenitora para que a avó materna assumisse a prestação de cuidados a MK…, levou a um maior afastamento da neta e ao abandono do plano de intervenção subscrito na CA (que previa a realização de convívios da avó com a criança, três vezes por semana, com participação nas rotinas de K…
37. A avó materna, deixou de comparecer às entrevistas/reuniões agendadas e de responder aos contactos e não permitiu a realização e visita domiciliária em agosto de 2019.
38. Da aplicação do Guia de Avaliação das Capacidades Parentais, à avó materna resultou que evidencia comportamentos com caraterísticas de cronicidade e indicadores de inviabilidade de uma intervenção técnica com sucesso, por parte dos serviços, em tempo útil para MK….
39. A família paterna alargada, põe em causa a paternidade de MK…,
40. A família paterna alargada não se constitui alternativa e não estava disponível para prestar quaisquer cuidados a MK…, nem a visita.
41. A avó paterna apresentava um quadro depressivo e está centrada na situação do filho.
42. A família paterna alargada não tem qualquer contacto com MK….
43. MK… está em acolhimento residencial desde que nasceu e, desde …/05/… no centro de acolhimento GT….
44. MK… não convive com a progenitora desde março de 2019.
45. MK…, passou a evidenciar sinais de uma vinculação insegura, porquanto a presença da mãe não era permanente, sendo que atualmente não demonstra sofrimento com a ausência da progenitora.
46. MK… está inserida em contextos residenciais desde o seu nascimento e exposta a múltiplos cuidadores, evidenciando sinais de vinculação perturbada, e com urgência de reparação, traduzidos desde o seu acolhimento em carência afetiva, choro/birras frequentes, solicitação de atenção constante/exclusiva do adulto e ultimamente na assunção de comportamentos agressivos dirigidos aos pares.
Da instrução da causa provou-se ainda:
47. A tia-avó paterna, PM…, irmã de MM… (avó paterna de MK…), quando contactada pela EMAT, recusou assumir qualquer responsabilidade para com a sobrinha-neta
48. A tia-avó paterna, NM…, irmã de JC… (avô paterno de MK…), quando abordada pela EMAT, aceitou a assunção da responsabilidade parental da sobrinha-neta, numa perspetiva e com o objetivo de aliviar a dor vivida pelo pai, FV…, e pela sua família.
49. Em 03 de março de 2020, NV… expressou vontade em realizar um convívio com a criança.
50. A tia avó paterna faz parte de agregado familiar é de tipologia monoparental, com uma filha menor a cargo (LM…, de 7 anos, estudante no 2.º ano de escolaridade), e a residir com um elemento de família alargada (mãe de NV… - CJ…, de 68 anos, pensionista).
51. Os elementos residem numa habitação T3 e integrado no Bairro da Nazaré.
52. NV… e a filha ocupam um quarto.
53. A habitação apresenta-se organizada e salubre, na qual se observam sinais de liberdade de criatividade e de expressão para LC… (prima de MK…), sendo esta manifestamente investida e valorizada no espaço familiar (existem fotos e trabalhos escolares a decorar todos os espaços da habitação).
54. NV… assume ter reatado a relação com JoC… (pai da sua filha), no decurso da pena de prisão que este se encontra a cumprir, realizando visitas regulares e perspetivando voltar a viver em união de facto com este, após o términus do cumprimento da pena, previsto para dezembro próximo – situação que imporia a saída deste agregado, de NV… e da sua filha, L..., já que a sua mãe, CB… é perentória na sua recusa em que JoC… habite ou entre na sua casa.
55. NV… tem vindo a exercer a profissão de Esteticista, em regime de part-time,
56. NV… viveu uma relação de conjugalidade com JoC… (pai de sua filha, LC…), marcada por violência doméstica (com perseguição no local de trabalho, e em casa), tendo sido aplicada uma medida de afastamento com vigilância eletrónica e pena de prisão (3,5 anos, segundo informou), que se encontra a cumprir
57. A tia materna e a sua progenitora têm uma visão critica negativa da família materna de MK…, não concebendo a manutenção ou promoção de uma proximidade relacional com esta a família
58. Nem NV… nem CB… têm qualquer relação estabelecida com MK…, não representando no momento qualquer ligação conhecida da criança.
59. A família paterna onde se insere o progenitor reside num apartamento de tipologia T3, integrado no conjunto habitacional da Nazaré, adquirida pelos próprios em regime de crédito habitação.
60. A habitação apresenta-se organizada e salubre.
61. Dispõe de mobiliário e equipamento essencial à satisfação das necessidades básicas da família, verificando-se atualmente maior investimento e valorização das condições de conforto e de estética, nomeadamente na reorganização de espaços e condições de luminosidade.
62. As principais fontes de rendimento da família advêm dos rendimentos de trabalho de JV…, avô paterno, como Operador de Armazém na Cooperativa Agrícola do Funchal, em S. Martinho e o subsídio de doença de MG…, avó paterna
63. JV… pratica agricultura de subsistência numa horta urbana camarária, retirando produtos agrícolas para consumo próprio do agregado;
64. Atendendo à situação de doença oncológica (cancro da mama) da avó paterna, com início de tratamentos em maio de 2019, foi atribuído a MG… um grau de Incapacidade de 60%.
65. A dinâmica familiar é marcada dominância de JV… no agregado, integrada numa cultura de supremacia masculina e secundarização do papel das figuras femininas, com submissão destas à vontade e determinações daquele;
66. JV… descredibiliza e culpabiliza os Serviços e Técnicos intervenientes nos processos em que a família esteve envolvida (nos processos relativos a FV… e atualmente a MK… (DGRSP, Saúde, EMAT, Centro da Mãe, CA GT…), com consequente falta de adesão a um plano de intervenção sólido e consistente;
67. Desvaloriza e nega os comportamentos assumidos pelo filho, FV…;
68. Assume uma atitude de confronto na resolução de conflitos (tanto nas relações de intimidade como nas relações sociais), como indicador de afirmação e assertividade pessoal;
69. MG…, adotando uma posição de mediadora no espaço das relações familiares, assume uma atitude de submissão face ao marido, não se conseguindo afirmar nas suas posições distintas no que se refere às práticas educativas ou funcionamento familiar;
70. Apresenta um estado de saúde fragilizado, tendo terminado recentemente o esquema terapêutico (que envolveu cirurgia, quimioterapia e radioterapia) para o cancro da mama que lhe foi diagnosticado, encontrando-se de baixa clínica (cerca de 1 ano)
71. FV… mantém-se integrado na família, submisso à vontade paterna no que se refere ao seu projeto futuro;
72. Manifesta desvalorização do seu percurso aditivo e comportamental disruptivo (de absentismo escolar, de violência física e verbal, inclusive para com a mãe de MK…), remetendo-o simplesmente para o passado, sem outros impactos na sua vida para além das lições que dele refere ter tirado;
73. Projeta um futuro de vida sem a maturidade de um projeto realisticamente sustentado – tem como único projeto (sem alternativas equacionadas) a integração na vida militar, perspetivando um contrato durante 6 anos - não obstante os condicionalismos de vida pessoal a serem provavelmente considerados nos testes de admissão, atendendo ao seu envolvimento com o sistema penal e ao estado de saúde mental (consumo de aditivos);
74. Atribui ao seu pai e à sua mãe a capacidade para se responsabilizarem pela filha, alheio às dificuldades que daqui possam advir, na gestão da vida diária da família,
75. Quando se manteve no Centro da Mãe, e com orientação, inicialmente a progenitora conseguia assegurar os cuidados básicos à MK….
76. A MF… esteve acolhida no CAT “GP…” desde …/06/…, juntamente com a irmã Ca… (também esta menor de idade).
77. A inserção de M… na mesma CAR que a irmã CA… destabilizou esta última, levando a uma regressão, no que tange aos comportamentos de desafio, desobediência, desorganização.
78. M… consome estupefacientes e bebidas alcoólicas;
79. Estabeleceu relacionamento amoroso com jovem que saiu da CAR;
80. Tal relacionamento é a sua prioridade o atual contexto, sendo esse o seu objetivo, tal como já o foi, o relacionamento com o pai da sua filha;
81. Está em abandono escolar;
82. Não acata nem aceita quaisquer orientações da CAR;
83. Ausenta-se reiteradamente da CAR sem autorização, e permanece fora em paradeiro desconhecido, dias a fio;
84. Adota comportamentos de oposição e, desrespeito pelas regras, de forma reiterada e que se têm agravado,
85. Quando retornava à CAR não apresentava qualquer explicação e exigia que lhe sejam assegurados os seus direitos;
86. O relacionamento entre as irmãs é ambíguo e desequilibrado, pautado pela concorrência entre ambas, o que as destabiliza;
87. Replica na relação com os pares e no namoro a agressividade física que vivenciou;
88. Estabelece relações de dependência, canalizando toda a atenção para o parceiro, anulando-se a si própria, em detrimento de tudo o resto;
89. Desde o Natal, após visita surpresa da família, nunca mais houve contactos por banda da progenitora;
90. Existem fortes laços afetivos entre a jovem e a família materna;
91. Devido ao maior consumo de substancias estupefacientes, passou a beneficiar de acompanhamento psicológico, ao qual aderiu;
92. A avó materna face à atual situação da filha, disponibilizou-se para a acolher;
93. Reconhece, contudo, que não conseguirá supervisiona-la, impondo-lhe regras e limites;
94. Desde 05 de maio de 2020 que a medida de acolhimento residencial aplicada em beneficio da progenitora passou a ser executada no Patronato de São José, em Chaves
95. A progenitora não possui averbada qualquer condenação
96. O progenitor possui averbada a aplicação de medida tutelar educativa de acompanhamento educativo pela prática de factos suscetíveis de integrar a prática de um crime de furto qualificado.
Factos não provados (além da matéria conclusiva ou de direito)
i. O progenitor já foi condenado pela prática de crime de roubo, em pena de prisão suspensa na sua execução.
ii. A progenitora não tem para com a filha ligação emocional.
*
4. Fundamentação de Direito:
*
Se o Tribunal recorrido não observou na decisão recorrida os princípios da intervenção mínima, da continuidade das relações psicológicas, da prevalência da família e da subsidiariedade e se a decisão deve ser revogada e aplicada medida de acolhimento pelos avós paternos ou medida provisória nesse sentido?
Conforme alegado na alegação de recurso e sintetizado nas conclusões D e seguintes, entende o progenitor que a decisão recorrida, que aplicou a medida de confiança com vista a futura adoção, não observou os princípios que mencionou e constantes do artigo 3.º, 34.º e 35.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de setembro, conforme concretizou:
“a) Princípio da Intervenção Mínima – pois aplica a medida de confiança com vista à adoção, a mais gravosa do elenco legal, sem que previamente, e ainda que com carácter temporário, promovesse outra medida de proteção visando a manutenção da M… no seio da sua família biológica;
b) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas – havendo a possibilidade de manter a Menor no seio familiar, essa deve ser tentada;
c) Prevalência da família – não obstante os relatórios e perícias revelarem diversos défices familiares em competências de extrema relevância para o desenvolvimento da Menor, é igualmente certo que se encontram dentro de um padrão médio no campo sócio-económico em Portugal, pelo que, não será esse um fator determinante na tomada de decisão pela aplicação da medida de ultima ratio;
d) Subsidiariedade – sendo uma medida de ultima ratio, deve ocorrer apenas quando as outras medidas legalmente previstas se revelarem insuficientes, incapazes de atingir a proteção dos superiores interesses da criança, ou absolutamente esgotadas”.
Vejamos:
A intervenção para a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo visa garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (cfr. artigo 1.º da LPCJP).
A intervenção para promoção dos direitos da criança ou jovem em perigo só é legítima, quando os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto puserem em perigo a sua segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento (cfr. artigo 3.º da LPCJP).
De acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.
A situação de perigo a debelar tem de ser atual, constituindo, aliás, essa atualidade um dos princípios norteadores da intervenção, como resulta do que dispõe a alínea e) do art. 4º da LPCJP.
Como resulta do artigo 34º da LPCJP, o objetivo das medidas de promoção - enunciadas no art. 35º da mesma lei - é afastar esse perigo, proporcionando à criança ou ao jovem as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, “ou seja, a sua finalidade é consequência lógica dos fundamentos substantivos da intervenção.” (assim, Tomé de Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, 7.ª ed., p. 65).
Para a aferição da subsistência da atualidade do perigo que ditou anterior medida de promoção e proteção “basta (…) a história pessoal passada dos pais (…) e a prognose de que este comportamento disfuncional não se inverteu nem existe a probabilidade de se vir a inverter num futuro próximo, para que esta alínea (a alínea d) do nº 1 do art. 1978º do Código Civil) possa funcionar (…)” (assim, Helena Boliero e Paulo Guerra; A Criança e a Família – Uma questão de Direito(s), 2ª edição, p. 362).
No artigo 4.º da LPCJP enunciam-se os vários princípios que devem orientar a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, a saber:
a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;
d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;
e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;
h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável;
i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;
j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção;
k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.
Espelham estes princípios a concepção do legislador constitucional acerca do papel da criança e do jovem na família e os deveres recíprocos desta para com a criança, na promoção do seu desenvolvimento integral.
Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos – nº 5 do artigo 36º da CRP –, não podendo estes ser separados daqueles, a não ser que os pais não cumpram para com eles os seus deveres fundamentais e, neste caso, sempre mediante decisão judicial (cfr. artigo 36.º, n.º 6, da CRP).
Pela proteção da maternidade e paternidade, consagrada no art. 68º da CRP, os pais têm direito à “protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (…)”.
Mas as crianças, também elas sujeitos de direitos fundamentais, têm, por seu lado, direito “à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições” – cfr. n.º 1 do art. 69.º da CRP -, cabendo ao Estado assegurar especial proteção às crianças órfãs, em estado de abandono ou que se encontrem, por qualquer forma, privadas de um ambiente familiar normal (cfr. artigo 69.º, n.º 2, da CRP).
Como se salientou no Acórdão do STJ de 05-04-2018 (Processo: 17/14.8T8FAR.E1.S2, rel. ROSA RIBEIRO COELHO), “é na criação de medidas tendentes a assegurar essa proteção a crianças privadas de um ambiente familiar normal que surge, entre outros diplomas legais, a já citada Lei de Proteção de Crianças e Jovens e Perigo, onde se erige como primeiro princípio por que se deve orientar e a que deve obedecer a intervenção do Estado, o interesse superior da criança, prescrevendo o seu art. 4º, alínea a) que “a intervenção deve atentar prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”.
No mesmo sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança (Nova Iorque, 26-01-1990, ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90) enuncia que: “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” (cfr. artigo 3.º, n.º 1).
E, conforme resulta do artigo 9º da mesma Convenção, à semelhança do que consta do nº 6 do artigo 36.º da CRP, a criança não deve ser separada dos pais, salvo se as entidades competentes decidirem que essa separação é necessária no interesse superior da criança, decisão que pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança.
Ou seja: “A Constituição não exclui, naturalmente, que possa haver situações em que, no interesse dos filhos, seja restringido o direito dos pais à educação e à manutenção dos filhos, impondo ao Estado, no artigo 69.º, um dever de protecção das crianças e admitindo inclusivamente, no artigo 36.º, n.º 6, como ultima ratio, uma decisão judicial que ordene a separação dos filhos dos pais” (assim, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., 2010, p. 833).
A adoção, uma vez verificados os respetivos pressupostos, é, na realidade, “uma forma constitucionalmente adequada de protecção dos interesses das crianças «privadas de um ambiente familiar normal» (nº 2 do art. 69º da Constituição)” (cfr. Acórdão do STJ de 16-03-2017, proc. nº 1203/12.OTMPRT5-B.P1.S13, rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA).
Trata-se, aliás, de um instituto jurídico que a Constituição salvaguarda no artigo 36.º, n.º 7, tanto na sua existência como na sua estrutura fundamental, sendo, para além de uma forma de constituição da família, “um instrumento fundamental de protecção das crianças abandonadas, discriminadas, oprimidas ou abusadas” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., 2010, p. 839).
O interesse superior da criança constitui “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (assim, Almiro Rodrigues; “Interesse do menor, contributo para uma definição”, in Revista Infância e Juventude, nº 1, 1985, pp. 18-19).
“O conceito interesse da criança, enquanto instrumento operacional cuja utilização e confiada ao juiz, é uma noção em desenvolvimento contínuo e progressivo, de natureza polimorfa, plástica e essencialmente não objetivável, que pode assumir todas as formas e vigorar em todas as épocas e em todas as causas. Deve, no entanto, entender-se por superior interesse da criança e do jovem, o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições liberdade e dignidade” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-03-2019, Processo: 1/16.7T1VFC.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE).
Este conceito “só adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças” (assim, Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6ª ed., p. 42).
“O núcleo do conceito em causa servirá, pois, de fator primordial na escolha da medida de promoção e proteção a aplicar, incumbindo ao julgador optar pela que melhor satisfaça o direito da criança a um desenvolvimento integral, no plano físico, intelectual e moral, devendo a difícil tarefa de assegurar a tutela efetiva dos direitos dos pais em confronto com os direitos da criança ser orientada e, em última análise, determinada pela necessária prevalência dos interesses desta última” (assim, o Acórdão do STJ de 05-04-2018 (Processo: 17/14.8T8FAR.E1.S2, rel. ROSA RIBEIRO COELHO).
A aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção – art. 35º, alínea g) da LPCJP - pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva das situações que enuncia.
Nesse sentido, o artigo 1978.º do CC dispõe que:
“1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:
a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) Se os pais tiverem abandonado a criança;
d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.
4 - A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela”.
Como refere José Lino Saldanha Retroz Galvão Alvoeiro (Confiança judicial com vista a futura adoção, Universidade do Minho, Dezembro de 2015, p. 125), “o que avulta nesta previsão legal é que a confiança judicial dispensa a necessidade de verificação da imputação, a título culposo, dos comportamentos, ativos ou omissivos, dos progenitores para com os filhos.
Com efeito, a confiança judicial pode também ser decretada sempre que os pais, independentemente de culpa, coloquem em grave perigo o seu próprio filho.
Pressupõe-se aqui, pois, uma mera avaliação objetiva do modo como os pais desempenham a função parental e da forma como se relacionam com os filhos.
Neste particular e para a avaliação do tipo de ações e omissões causadores do perigo grave, é mister compreender que o incumprimento, ou o deficiente cumprimento, do exercício das responsabilidades parentais resulta, vastas vezes, não de atos conscientes e voluntários dos pais mas por motivos atinentes a mera incapacidade, a falta de empenho, à simples inexperiência, a determinados parâmetros culturais, a doença, a desvios comportamentos ou, ainda, em razão da dependência de determinadas substâncias, como estupefacientes ou álcool”.
Em diversas situações concretas, a jurisprudência tem vindo a concretizar os termos em que é legítima, admissível e proporcionada a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção em razão do perigo grave para a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança e em razão da revelação de manifesto desinteresse dos progenitores pelo filho.
Assim, por exemplo, no Acórdão do STJ de 18-10-2018 (Processo: 533/14.1TBPFR.P2.S1, rel. ABRANTES GERALDES) concluiu-se que tal medida é justificada se se verifica:
“- Uma prolongada situação de incumprimento das responsabilidades parentais por parte de cada um dos progenitores, praticamente desde que os menores nasceram, sem perspetivas de melhoria, apesar da intervenção de entidades assistenciais, quer na fase em que interveio a CPCJ, quer depois da entrada em tribunal do processo judicial de promoção e proteção de menores;
- O internamento dos menores em estabelecimento desde há cerca de 4 anos, sem que tivessem surtido efeito medidas de correção do comportamento dos progenitores com vista a assumirem as suas responsabilidades parentais;
- O insucesso de medidas complementares que, num processo judicial instaurado em 2014, foram determinadas pela Relação em 2016, visando possibilitar a modificação estrutural do comportamento dos progenitores e evitar a medida de confiança dos menores com vista a futura adoção;
- A ausência de qualquer familiar em condições de assumir as responsabilidades parentais;
- A verificação de que aquela medida é a única suscetível de proteger os menores e tutelar os seus superiores interesses”.
Por seu turno, no Acórdão do STJ de 25-09-2018 (processo n.º 20085/16.7PRT.P1.S1.S1.S1, rel. ACÁCIO DAS NEVES) concluiu-se que “revelando a factualidade provada que os progenitores não chegaram a criar verdadeiros laços de afetividade com a criança, mostrando-se comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, conclui-se ser a situação dos autos subsumível no art. 1978.º, n.º 1, al. d), do CC, sendo, por isso, adequada a medida de confiança do menor a instituição com vista a futura adoção”.
Por sua vez, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-04-2017 (Processo: 39/14.9T8CBR.C1, rel. ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO) decidiu-se que:
“I – De acordo com o preceituado no art.º 38º-A, al. b), da LPCJP, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art.º 1978º do Código Civil e que consiste na colocação da criança ou jovem sob a guarda de instituições com vista a futura adopção (…).
Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o interesse da criança, particularmente através da adopção”.
Por seu turno, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-12-2019 (Processo: 1722/19.8T8PBL.C1, rel. ALBERTO RUÇO) considerou-se que:
“I - O critério para decidir se se deve ordenar a confiança de um menor com vista a futura adoção consiste em apurar se ocorre uma situação em que se verifica a inexistência de vínculos afetivos próprios da filiação entre pais e filhos ou uma situação em que tais vínculos estejam «seriamente comprometidos».
II - Se os progenitores não conseguem cumprir os deveres de pais e os filhos não podem estar na sua companhia, com isto impedem no presente a formação dos “vínculos próprios da filiação” e idêntico prognóstico tem de ser feito para o futuro quando não há factos que indiciem alteração do seu comportamento para futuro, pelo que o interesse dos filhos indica que o caminho a seguir é o da adoção (artigos 1978.º-A do Código Civil, 35.º, n.º 1, alínea g), e 38.º-A e 62.º-A da LPCJP)”.
Por sua vez, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-05-2017 (Processo: 4626/10.6TBPTH-H.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO) decidiu-se sobre a matéria nos seguintes termos:
“O princípio do primado da família biológica não é absoluto, já que a lei se refere expressamente à prevalência da integração em família, e esta pode ser obtida também pela promoção da sua adopção, se a família biológica não puder garantir devidamente a segurança, a saúde, a educação e o desenvolvimento são e harmonioso dos filhos. E isto nem sempre significa que não possam existir, e amiúde até existem, laços afectivos entre a família biológica e a criança. Significa tão-somente que os mesmos apenas se sobrepõem quando existam relações afectivas estruturantes, de grande significado e de referência para o seu saudável e harmonioso desenvolvimento”.
De modo semelhante, se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-04-2018 (Processo: 669/13.6TBPTM.E1, rel. FRANCISCO MATOS): “O princípio da prevalência da família impõe, uma vez esgotadas todas as possibilidades de reintegração da criança na sua família biológica, a promoção da sua integração numa família de adoção, assim se reconhecendo o seu direito a um projecto de vida e à integração familiar estável”.
Noutra perspetiva, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-06-2014 (Processo: 461/13.8TMBRG.G1, rel. FILIPE CAROÇO) apreciou a temática nos seguintes termos: “Não sendo expectável a aquisição das competências mais elementares dos pais biológicos para prover aos cuidados normais de uma filha com cerca de um ano de idade, falta de preparação que se apresenta crónica e motivou apoio social por várias entidades, ao longo de 15 anos, sem qualquer êxito, e justificou já a adoção de uma outra filha mais velha, deve aquela criança ser entregue para adoção. Naquele quadro circunstancial não se justifica melhor averiguação das condições de vida da avó da menor que já teve necessidade de apoio da Segurança Social, vive na Alemanha desde data recente, onde já teve trabalho e agora está desempregada e que, pese embora tenha manifestado vontade de acolher a neta, não colaborou como podia e devia com o processo, deixando incerta a sua motivação, a sua determinação e, assim também, o futuro da criança, sendo preferível a adoção”.
A mesma Relação de Guimarães concluiu, no Acórdão de 21-09-2017 (Processo: 1549/15.6T8GMR.G1, rel. HEITOR GONÇALVES), que: “São pressupostos da medida de confiança da criança a instituição com vista a futura adopção no caso da verificação objectiva de uma das situações elencadas nas als a) a e) do nº1, designadamente a circunstância de os pais colocarem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor – al. d)- ou tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação”.
Também sobre o momento temporal de aplicação da medida, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-03-2017 (Processo: 530/16.2T8BRG.G1, rel. ELISABETE VALENTE) concluiu o seguinte:
“A incapacidade da função parental e a necessidade de definição da medida que, em termos estáveis, melhor viabilize a protecção do menor e a realização plena dos seus interesses a fim de evitar os manifestos prejuízos para a formação e desenvolvimento da menor, ou seja, de um projecto de vida, deve ser o mais célere possível, já que o bom desenvolvimento da menor não pode esperar eternamente pela mudança de atitude dos pais. A medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção só deverá ser adoptada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural (princípio da prevalência da família biológica, expresso no art.º 4.º, alínea g) da LPCJP) e não puder salvaguardar-se a continuidade das ligações afectivas”.
Na Relação de Lisboa enunciam-se, sobre a temática, os seguintes arestos:
- De 05-11-2015 (Processo: 6368/13.1TBALM.L1-2, rel. JORGE LEAL): “Constitui pressuposto da medida de confiança de menor para adoção que “não existam” ou “se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação” - tal situação será constatada “pela verificação objectiva” de qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil (corpo do n.º 1 do art.º 1978.º). Ou seja, a ocorrência de qualquer dessas situações constituirá via necessária para a demonstração da inexistência ou do sério comprometimento do vínculo afetivo entre o progenitor e a criança, para o efeito da confiança da criança para adoção; adicionalmente, porém, haverá que apreciar se essas situações traduzem, em concreto, inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação”;
- De 12-03-2019 (Processo: 1/16.7T1VFC.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE): “A não existência ou o sério comprometimento de vínculos afetivos próprios da filiação é um requisito autónomo, de que há que há que fazer prova, não constituindo a verificação objetiva de uma das situações previstas nas cinco alíneas do art. 1978.°, n.º 1, presunção iuris et de iure de que aqueles vínculos não existem ou se encontram seriamente comprometidos. De outro modo, ou seja, se apenas houvesse que fazer prova de uma dessas situações, seria inútil a exigência de que os vínculos afetivos próprios da filiação não existissem ou estivessem seriamente comprometidos. Não basta, portanto, que estejam seriamente comprometidos os vínculos económico-sociais próprios da filiação, sendo necessário que o estejam também, ou que não existam sequer, os vínculos afetivos próprios da filiação. Para se aquilatar dessa vinculação afetiva é absolutamente essencial perscrutar o modo como o progenitor se relaciona com o menor, a capacidade comunicacional daquele para com a criança, a forma como compreende as necessidades as necessidades desta ou até o modo como as encara. A dimensão afetivo/relacional é indispensável na identificação dos indicadores da(s) boa(s) competência(s) parental(ais) e inclui a capacidade do adulto de: a) mostrar empatia e de se colocar no ponto de vista da criança; b) comunicar com a criança; c) compreender as necessidades desenvolvimentais físicas, sociais, cognitivas e afetivas da criança; d) servir de exemplo/modelo socialmente adequado; e) lidar com o stresse, a agressividade e a frustração. No apuramento do grau de vinculação afetiva tem, além do mais, de se avaliar até que ponto os progenitores conseguirão colocar os interesses da criança à frente dos seus próprios interesses, sacrificando estes e dando prioridade àqueles. Sempre que todos estes fatores primordiais estejam fortemente diminuídos (ou não existem de todo), ou quando o incumprimento dos deveres inerentes ao exercício capaz das responsabilidades atinge um grau intolerável e um ponto de irreversibilidade terá de se concluir pelo comprometimento sério dos vínculos afetivos próprios da filiação. Importa, pois, fazer sempre uma apreciação global e ampla de todas as circunstâncias apuradas em cada caso concreto à luz do superior interesse da criança, visto de modo atual e concreto, sendo que o conceito de gravidade e de comprometimento sério dos vínculos afetivos próprios da filiação devem ser apreciados, tendo em conta a idade do menor, as suas necessidades, o seu grau de desenvolvimento e estado de saúde, assim como o comportamento global dos pais no exercício das suas funções parentais, não bastando a mera reclamação do filho no momento da confiança judicial. Ou seja, não basta que haja relação afetiva entre pais e filhos, é necessário que esta assuma a natureza de verdadeira relação pai/mãefilho, com a inerente auto-responsabilização do progenitor pelo cuidar do filho, por lhe dar orientação, estimulá-lo, valorizá-lo, amá-lo e demonstrar esse amor de forma objetiva e constante, de molde que a própria criança encare o progenitor como referência com as referidas caraterísticas”; e
- De 28-03-2019 (Processo 8113/13.2TCLRS.L1, rel. ADEODATO BROTAS):
“I –O Princípio do Superior Interesse da Criança, funciona como critério basilar de interpretação e aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção, constituindo mesmo o elemento principal de orientação do juiz na ponderação e decisão do caso concreto.
II Esse Princípio permite aferir se em determinada situação concreta o corte definitivo das relações afectivas entre pais e crianças estará a violar o direito da criança à manutenção das relações afectivas com os progenitores, ou a proteger-lhe o direito a um são e equilibrado desenvolvimento a nível da saúde, formação e educação.
III A parentalidade biológica, desprovida dos seus factores típicos e inerentes, como o amor, o carinho, os cuidados, a atenção, a disponibilidade, o empenho, a preocupação, o acompanhamento dos filhos, não pode ser considerada relação familiar sã e equilibrada, mas antes lesiva dos interesses da criança.
IV-A preocupação do juiz terá de centrar-se na busca de uma solução e de um projecto de vida para criança que lhe proporcione um desenvolvimento o mais harmonioso possível e que corresponda ao seu Superior Interesse. Isto mesmo que o juiz tenha de decidir que essa solução passa por um projecto de vida fora da relação biológica, se e quando a relação parental se mostrar inexistente, seriamente prejudicial ou violadora do frágil desenvolvimento harmonioso da Criança.
V-Se a quebra de vínculos se verificar pelo lado dos pais, mesmo que as crianças manifestem afectividade por aqueles, a solução não poderá de deixar de considerar que os pais, que não tenham vínculos afectivos pelos filhos, nunca poderão assumir correctamente as suas responsabilidades parentais, sob pena de se colocar a criança em perigo.
VI-O Desinteresse nos filhos traduz o comportamento contrário estar interessado nos filhos. É a atitude de falta de cuidado e atenção para com tudo o que lhes diga respeito.
VII-A criança encontra-se em perigo se se verifica uma situação de incerteza sobre o seu bem-estar físico ou psicológico, a sua capacidade de resistência, o seu equilíbrio mental e social ou vê diminuída na sua auto-estima. Está em perigo, quando não recebe os cuidados ou afeição adequados á sua idade e situação pessoal, quando é sujeita a comportamentos que afectam o seu equilíbrio emocional, como sucede quando é exposta a violência interparental”.
No que concerne à medida de confiança com vista a futura adoção, a mesma aplica-se quando se encontram esgotadas as possibilidades de, no seio da família biológica, ou família alargada, proporcionar à criança as condições que ela necessita para o seu desenvolvimento, crescimento, segurança, saúde, bem-estar e educação, estando definitivamente comprometidos os vínculos afectivos com a família de origem.
“A aplicação desta medida atendendo a todas as suas consequências (corte com a identidade biológica e genética no caso da adopção plena), só em última linha, quando já não é possível manter a criança no seio da sua família biológica, é que deverá ser aplicada.
A decisão de aplicação da medida tem de ser rápida, atendendo ao tempo útil da criança. Esta exigência de celeridade vem consagrada no art.º 36.º, n.º 7 da CRP, que impõe ao Estado a criação de formas céleres para a tramitação destes processos. A medida tem por finalidade a promoção e a protecção das crianças. O seu objectivo nada tem a ver com a protecção dos progenitores ou com a punição dos seus comportamentos. Se se protelar a aplicação da medida, dando-se demasiadas oportunidades aos pais para reversão dos seus comportamentos, a criança permanecerá por tempo indeterminado nas instituições, vendo a sua infância arruinada e não tendo a oportunidade de crescer numa família funcional. Esta medida surge assim, na tentativa de evitar a duplicação de processos, aumentando a celeridade processual” (Sara Caçador; Abordagem Teórico-prática da intervenção do Tribunal na aplicação da medida de confiança judicial com vista a futura adopção, UCP, 2012, p. 9, consultado em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/13687/1/Tese%20de%20Mestrado%20Sara%20Ca%C3%A7ador.pdf).
Ora, será que a decisão recorrida obnubilou os critérios legais aplicáveis e postergou os aludidos princípios da intervenção mínima, do primado da continuidade das relações psicológicas profundas, da prevalência da família e da subsidiariedade?
Vejamos:
Relativamente ao princípio da intervenção mínima, entende o progenitor que o Tribunal aplica a medida mais gravosa, sem que previamente, e ainda que, com caráter temporário, promovesse outra medida tendo em vista a manutenção da criança no seio da família biológica.
Como resulta do aludido princípio, a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo.
Ora, que a intervenção em razão da proteção da criança dos autos se mostra indispensável para a promoção dos seus direitos é questão que se mostra perfeitamente líquida, sendo certo que, nos pouco mais de dois anos de vida, a mesma já beneficiou de medidas temporárias de acolhimento residencial, que não tiveram qualquer evolução que permitisse concluir que os progenitores ou algum familiar pudesse constituir, de forma consistente, parte do projeto futuro de vida da criança.
Respigando de alguns factos da matéria factual apurada pelo Tribunal recorrido verifica-se claramente comprovada esta conclusão:
Quanto à progenitora:
- Abandonou o Centro da Mãe em março de 2019, aí tendo deixado MK… e após ter saído do Centro da Mãe, recusou a sua integração juntamente com MK… em CAR, sita no continente;
- Desde cedo manifestou vontade de sair do Centro da Mãe, e passou a efetuar saídas não autorizadas, aí deixando MK…, após o que abandonou definitivamente o Centro da Mãe e, passou a pernoitar, algumas vezes na casa da sua mãe, até ser integrada na CAR GP…, em Vila Real de Santo António;
- Não adquiriu competências parentais para cuidar da filha;
- A prestação de cuidados a MK… foi desde sempre assegurada pelas técnicas das CA, mesmo quando a progenitora estava presente, tendo esta desinvestido na relação com a filha, adotando uma conduta de alienação parental.
- Ausentava-se do Centro da Mãe, sem autorização, regressando quando entendia, sem sequer se preocupar com a filha, com a satisfação das suas necessidades, e sem acautelar que as suas ausências eram desestabilizadoras para a filha, nesta fase tão importante do seu crescimento e vinculação afetiva e securizante;
- Junta-se a pares que consomem bebidas alcoólicas em excesso e substâncias estupefacientes, com pernoita em locais que se desconhece, o mesmo sucedendo atualmente na CAR GP…, como disso é exemplo a saída para passar o fim-de-ano fora da CAR sem autorização e quando regressava ao Centro da Mãe apresentava sinais de consumo de estupefacientes, o que continua a suceder atualmente quando regressa à CAR GP…;
- Não consegue gerir as suas emoções e sofrimento daí decorrente, e conjugar as suas necessidades de adolescente com as necessidades de prestação de cuidados à sua filha e carece de suporte familiar estruturado e adequado, nem consegue controlar os impulsos e cumprir com os compromissos/responsabilidades que lhe são atribuídos quer quanto ao seu projeto de vida, quer quanto à prestação e cuidados à filha;
- Adota comportamentos de risco que comprometem a continuidade de uma prestação minimamente adequada dos cuidados parentais, assim como o seu projeto socioeducativo individual e está desinteressada, desinvestiu em si e na sua filha, estando ausente da vida desta desde março de 2019 e os cuidados que prestou à filha MK… foram inadequados, pontuados pela ausência e de desinvestimento emocional da mãe, o que comprometeu o estabelecimento de uma vinculação segura entre MK… e a figura materna, fundamental para esta fase da sua vida;
- Desde que está acolhida na CAR GP…, a progenitora efetuou 3 contacto telefónicos a equipa técnica da CAR onde está MK…, fundamentalmente para saber se a avó materna a tinha visitado, entendendo que esta deveria assumir a guarda e a prestação de cuidados a MK… até que atingisse a maioridade.
Quanto ao progenitor:
-Apresenta um percurso de vida marcado pela desvalorização/ abandono da escolaridade, estando desempregado e consumindo estupefacientes;
- Em janeiro de 2019, devido a um quadro de alucinações e agressividade, recorreu a apoio e acompanhamento na Unidade de Tratamento de Toxicodependência e, esteve internado na casa de saúde S. João de Deus para contenção de impulsos, tendo abandonado o tratamento antes do seu termo, apresentando sinais de instabilidade psíquica e imprevisibilidade de comportamentos, com maior incidência em situações de stress que comprometem a sua capacidade parental, padecendo de problemas do foro psiquiátrico e psicológico;
- Não controlava a agressividade e impulsos e recorria à agressão física e psicológica;
- Não visita a filha desde 27/04/2018, nem contacta a CAR;
- Nenhum dos progenitores conhece as rotinas e necessidades de MK… e não conseguem prestar-lhe os cuidados de que carece.
Quanto à avó materna:
- Não reúne condições para apoiar a neta, tanto mais que se demite da sua responsabilidade de prestar cuidados a MF…, não tendo aderido à intervenção, e não é capaz de impor regras e limites à progenitora e de assegurar à neta a prestação dos cuidados de que carece, nem a visita na CA;
- Não está disponível para prestar o apoio emocional incondicional e uma prestação de cuidados consistente à filha e à neta;
- A pressão da progenitora para que a avó materna assumisse a prestação de cuidados a MK…, levou a um maior afastamento da neta e ao abandono do plano de intervenção subscrito na CA (que previa a realização de convívios da avó com a criança, três vezes por semana, com participação nas rotinas de K…, tendo deixado a avó materna de comparecer às entrevistas/reuniões agendadas e de responder aos contactos e não permitiu a realização e visita domiciliária em agosto de 2019;
- Da aplicação do Guia de Avaliação das Capacidades Parentais, à avó materna resultou que evidencia comportamentos com caraterísticas de cronicidade e indicadores de inviabilidade de uma intervenção técnica com sucesso, por parte dos serviços, em tempo útil para MK….
Quanto à família paterna mais alargada:
- Põe em causa a paternidade de MK…, não constituindo alternativa e não estava disponível para prestar quaisquer cuidados a MK…, nem a visita, não tendo qualquer contacto com esta;
- A avó paterna apresentava um quadro depressivo e está centrada na situação do filho;
- A tia-avó paterna, PM…, irmã de MM… (avó paterna de MK…), quando contactada pela EMAT, recusou assumir qualquer responsabilidade para com a sobrinha-neta;
- A tia-avó paterna, NM…, irmã de JC… (avô paterno de MK…), quando abordada pela EMAT, aceitou a assunção da responsabilidade parental da sobrinha-neta, numa perspetiva e com o objetivo de aliviar a dor vivida pelo pai, FV…, e pela sua família, expressando em 03-03-2020, vontade em realizar um convívio com a criança;
- A tia avó paterna faz parte de agregado familiar é de tipologia monoparental, com uma filha menor a cargo (LM…, de 7 anos, estudante no 2.º ano de escolaridade), e a residir com um elemento de família alargada (mãe de NV… - CJ…, de 68 anos, pensionista), residindo numa habitação T3 e integrado no Bairro da Nazaré, ocupando NV… e a filha, um quarto, apresentando-se a habitação organizada e salubre, na qual se observam sinais de liberdade de criatividade e de expressão para LC… (prima de MK…), sendo esta manifestamente investida e valorizada no espaço familiar (existem fotos e trabalhos escolares a decorar todos os espaços da habitação);
- NV… assume ter reatado a relação com JoC… (pai da sua filha), no decurso da pena de prisão que este se encontra a cumprir, realizando visitas regulares e perspetivando voltar a viver em união de facto com este, após o términus do cumprimento da pena, previsto para dezembro próximo – situação que imporia a saída deste agregado, de NV… e da sua filha, L…, já que a sua mãe, CB… é perentória na sua recusa em que JC… habite ou entre na sua casa;
- NV… tem vindo a exercer a profissão de Esteticista, em regime de part-time;
- NV… viveu uma relação de conjugalidade com JC… (pai de sua filha, LC…), marcada por violência doméstica (com perseguição no local de trabalho, e em casa), tendo sido aplicada uma medida de afastamento com vigilância eletrónica e pena de prisão (3,5 anos, segundo informou), que se encontra a cumprir;
- A tia materna e a sua progenitora têm uma visão critica negativa da família materna de MK…, não concebendo a manutenção ou promoção de uma proximidade relacional com esta a família;
- Nem NV… nem CB… têm qualquer relação estabelecida com MK…, não representando no momento qualquer ligação conhecida da criança;
- A família paterna onde se insere o progenitor reside num apartamento de tipologia T3, integrado no conjunto habitacional da Nazaré, adquirida pelos próprios em regime de crédito habitação, que se apresenta organizada e salubre, dispondo de mobiliário e equipamento essencial à satisfação das necessidades básicas da família, verificando-se atualmente maior investimento e valorização das condições de conforto e de estética, nomeadamente na reorganização de espaços e condições de luminosidade;
- As principais fontes de rendimento da família advêm dos rendimentos de trabalho de JV…, avô paterno, como Operador de Armazém na Cooperativa Agrícola do Funchal, em S. Martinho e o subsídio de doença de MG…, avó paterna;
- JV… pratica agricultura de subsistência numa horta urbana camarária, retirando produtos agrícolas para consumo próprio do agregado;
- Atendendo à situação de doença oncológica (cancro da mama) da avó paterna, com início de tratamentos em maio de 2019, foi atribuído a MG… um grau de Incapacidade de 60%.
- A dinâmica familiar é marcada dominância de JV… no agregado, integrada numa cultura de supremacia masculina e secundarização do papel das figuras femininas, com submissão destas à vontade e determinações daquele;
- JV… descredibiliza e culpabiliza os Serviços e Técnicos intervenientes nos processos em que a família esteve envolvida (nos processos relativos a FV… e atualmente a MK… (DGRSP, Saúde, EMAT, Centro da Mãe, CA GT…), com consequente falta de adesão a um plano de intervenção sólido e consistente, desvalorizando e negando os comportamentos assumidos pelo filho, FV…, assumindo uma atitude de confronto na resolução de conflitos (tanto nas relações de intimidade como nas relações sociais), como indicador de afirmação e assertividade pessoal;
- MG…, adotando uma posição de mediadora no espaço das relações familiares, assume uma atitude de submissão face ao marido, não se conseguindo afirmar nas suas posições distintas no que se refere às práticas educativas ou funcionamento familiar, apresentando um estado de saúde fragilizado, tendo terminado recentemente o esquema terapêutico (que envolveu cirurgia, quimioterapia e radioterapia) para o cancro da mama que lhe foi diagnosticado, encontrando-se de baixa clínica (cerca de 1 ano);
- FV… mantém-se integrado na família, submisso à vontade paterna no que se refere ao seu projeto futuro, manifestando desvalorização do seu percurso aditivo e comportamental disruptivo (de absentismo escolar, de violência física e verbal, inclusive para com a mãe de MK…), remetendo-o simplesmente para o passado, sem outros impactos na sua vida para além das lições que dele refere ter tirado;
- Projeta um futuro de vida sem a maturidade de um projeto realisticamente sustentado – tem como único projeto (sem alternativas equacionadas) a integração na vida militar, perspetivando um contrato durante 6 anos - não obstante os condicionalismos de vida pessoal a serem provavelmente considerados nos testes de admissão, atendendo ao seu envolvimento com o sistema penal e ao estado de saúde mental (consumo de aditivos).
Não se vislumbra, pois, violação do aludido princípio relativamente à decisão recorrida.
Por seu turno, o progenitor considera ainda ter a decisão recorrida violado o princípio do primado da continuidade das relações psicológicas profundas porque havendo a possibilidade de manter a Menor no seio familiar, essa deveria ser tentada.
O “primado da continuidade das relações psicológicas profundas” traduz que a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante.
Ora, também neste ponto, verificada a matéria de facto apurada se conclui que não assiste razão ao progenitor.
É que a criança teve medidas de acolhimento residencial, sem que se possa concluir que a manutenção da mesma no seio da família biológica possa resultar no são desenvolvimento da criança.
Repare-se que MK… está em acolhimento residencial desde que nasceu e, desde 24/05/2019 no centro de acolhimento GT…, não convivendo com a progenitora desde março de 2019 e a referida criança passou a “evidenciar sinais de uma vinculação insegura, porquanto a presença da mãe não era permanente, sendo que atualmente não demonstra sofrimento com a ausência da progenitora”. “MK… está inserida em contextos residenciais desde o seu nascimento e exposta a múltiplos cuidadores, evidenciando sinais de vinculação perturbada, e com urgência de reparação, traduzidos desde o seu acolhimento em carência afetiva, choro/birras frequentes, solicitação de atenção constante/exclusiva do adulto e ultimamente na assunção de comportamentos agressivos dirigidos aos pares”.
Ou seja: Nenhuma das soluções temporárias que têm sido consideradas para a criança lhe proporcionam uma família para o seu futuro, elemento imprescindível para assegurar o seu desenvolvimento harmonioso.
A vivência da criança com vários cuidadores, sem estabilidade, não lhe tem proporcionado a consistência que só uma convivência familiar proporciona, não sendo admissível que a situação de inconstância e de incerteza no seu percurso futuro, se perpetue.
Quanto ao princípio da “Prevalência da família” - que se traduz “na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável” – não se afigura que o mesmo tenha sido postergado na decisão recorrida, pois, a mesma visa integrar a criança numa família com vista à promoção da sua adoção, tendo em vista a sua estabilidade.
Note-se, aliás, que o próprio progenitor admite que os vários relatórios e perícias realizados revelam “diversos défices familiares em competências de extrema relevância para o desenvolvimento da Menor”, sendo que os mesmos não são explicáveis pelo padrão sócio-económico da família biológica, antes, pela ausência de condições dos membros que a integram para se constituírem elementos ativos – e duradouros e estáveis - do projeto de vida da MK….
Depois, nos mais de dois anos de vivência da criança, nenhuma das pessoas da família alargada assumiu um papel responsável relativamente à satisfação das necessidades e interesses da criança.
Ou seja: Não basta ter vontade de cuidar da criança – como manifestado em sede de debate judicial – se tal vontade nunca foi traduzida em ações concretas que pudessem evidenciar uma alteração de comportamento tendente a criar laos e condições de vida que lhes permitissem acolher a criança.
Finalmente, o princípio da “Subsidiariedade” implica que a intervenção protetiva “deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais”.
Ora, não se mostra que a intervenção judicial tenha sido inadequada, tanto mais que, para a aplicação da medida em questão, reside nos tribunais a competência exclusiva para o efeito (cfr. artigo 38.º da LPCJP).
A adequação e proporcionalidade da medida aplicada, sabida a sua particular natureza, não são colocadas em causa perante os factos apurados.
A factualidade provada demonstra que os progenitores puseram em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação e o desenvolvimento da criança, mantendo-se a estrutural incapacidade, que paulatina e reiteradamente revelaram, para cuidarem da MK….
E o mesmo se diga relativamente à família materna/paterna mais alargada, que, na realidade, não se mostra que constituam válida alternativa à medida aplicada pelo Tribunal recorrido.
A clara, detalhada e congruente (com a matéria de facto apurada) fundamentação expendida na decisão recorrida –que, aliás, foi tomada em tribunal misto, composto por juiz de carreira e juízes sociais – espelha, de forma clarividente, as razões em que assentou a decisão, sem que as considerações produzidas mereçam qualquer censura:
“Quanto ao progenitor dúvidas não podem existir que está preenchida a alínea e) do n.º 1 deste dispositivo legal (e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança).
Na verdade, o progenitor, sem qualquer justificação, desinteressou-se do destino da sua filha não tendo qualquer contacto com ela desde 27 de abril de2018 (note-se que a criança nasceu em … de março de …), não querendo saber do seu estado e demitindo-se integralmente dos seus deveres como pai não existindo, pois, qualquer vínculo afetivo próprio da filiação pelo que está perfeitamente arredada qualquer possibilidade de reintegração da criança junto do progenitor.
Apenas quando confrontado com a possibilidade de aplicação de medida de confiança com vista a futura adoção e, apenas em sede de debate judicial, veio reivindicar a possibilidade da criança passar a ficar aos seus cuidados e da sua família alargada.
Tal postura foi corroborada pelo avô paterno (o qual também assumiu que não tem contacto com a neta desde que ela saiu do Centro da Mãe).
Ora resulta à evidencia que a família paterna não tem qualquer ligação à criança, desconhece o seu estado de desenvolvimento, as suas rotinas, as suas preferências.
“O desinteresse só releva se for manifesto, isto é, aparente, evidente, ostensivo e exteriorizado em comportamentos facilmente apreensíveis por terceiros, como sejam: a ausência de visitas ao filho institucionalizado; a falta de contribuição para o sustento do filho acolhido por terceiros; o desconhecimento dos gostos e interesses da criança; a falta de indagação sobre o desenvolvimento e comportamento do filho institucionalizado ou acolhido por pessoa singular ou família(…)
No entanto, pode-se assentar que não há desinteresse manifesto quando os pais encetam uma série de medidas para recuperarem a guarda dos filhos (mesmo em sede judicial) ou quando ainda antes da institucionalização procuraram melhorar as suas condições ou até quando um dos progenitores sinaliza uma situação de risco imputável ao outro progenitor e demonstra genuíno desejo de ter a criança à sua guarda.
Todavia, não poderão ser meras afirmações platónicas dos progenitores, sem qualquer correspondência em atitudes genuínas nem em consequências práticas, a sustentar um juízo probatório de inexistência do desinteresse manifesto.(…)” (cfr tribunal da relação de Lisboa de 12/03/2019, in ww.dgsi.pt).
Ora face ao entendimento acima descrito, o qual subscrevemos na integra, conclui-se sem margem para dúvidas que toda a vontade manifestada em sede de debate judicial nunca foi traduzida em ações concretas que pudessem evidenciar uma alteração de comportamento tendente a criar laos e condições de vida que lhes permitissem acolher a criança.
Refira-se que a única pessoa que apresentou uma postura que considerou em primeira linha o interesse da criança foi a avó paterna que reconheceu as limitações para criar uma criança de tenra idade com todo o encargo e dificuldade que isso acarreta, sendo certo que face á dinâmica familiar apreendida nos autos, a ser cogitável a possibilidade de integração da criança neste agregado, esta, incumbência iria recair sobre ela (pese embora o grave problema de saúde com que se debate)
Foi ainda aventada a possibilidade da criança integrar o agregado familiar de duas tias avós paternas, mas o mesmo raciocino é válido neste particular uma vez que até à altura de ser posta à consideração do tribunal a eventual aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção, nunca antes estes familiares haviam manifestado qualquer interesse na situação da criança.
Conclui-se, pois, que está arredada qualquer possibilidade de integração da criança no meio natural de vida junto do progenitor (e/ou sua família alargada)
Quanto à progenitora a situação é à partida diferente uma vez que esta ao longo do processo sempre manifestou uma postura de total rejeição da possibilidade de ser aplicada a medida sugerida.
No entanto, após o nascimento da MK…, a progenitora não conseguiu conduzir a sua vida focada na maternidade: deixou a filha no Centro da Mãe em março de 2019 (a sua permanência no Centro da Maefoi pautada por ausências, deixando a filha aos cuidados das técnicas), recusou a sua integração juntamente com MK… em CAR, sita no continente;
pauta os seus relacionamentos sociais com pessoas que que consomem bebidas alcoólicas em excesso e substâncias estupefacientes, com pernoita em locais que se desconhece; não consegue gerir as suas emoções e sofrimento daí decorrente, e conjugar as suas necessidades de adolescente com as necessidades de prestação de cuidados à sua filha e carece de suporte familiar estruturado e adequado; não consegue controlar os impulsos e cumprir com os compromissos/responsabilidades que lhe são atribuídos quer quanto ao seu projeto de vida, quer quanto à prestação e cuidados à filha.
Idealiza que o projeto de vida adequado para si e para a filha é a integração em novo espaço de acolhimento residencial e para tal manifesta vontade em ser ouvida pelo tribunal, mas na RAM.
Está centrada nas suas necessidades, é imatura, tem limitações intelectuais incompatíveis com o desempenho das funções parentais.
A progenitora entende que a avó materna deveria assumir a guarda e a prestação de cuidados a MK… até que atingisse a maioridade, no entanto a avó materna não partilha dessa vontade, o levou a um maior afastamento da neta e ao abandono do plano de intervenção subscrito na CA (que previa a realização de convívios da avó com a criança, três vezes por semana, com participação nas rotinas de K…, deixou de comparecer às entrevistas/reuniões agendadas e de responder aos contactos e não permitiu a realização e visita domiciliária em agosto de 2019.
Acresce que da aplicação do Guia de Avaliação das Capacidades Parentais, à avó materna resultou que evidencia comportamentos com caraterísticas de cronicidade e indicadores de inviabilidade de uma intervenção técnica com sucesso, por parte dos serviços, em tempo útil para MK….
Assim apenas resta por concluir que a integração da criança ao meio natural de vida junto da progenitora ou junto da avó materna não teria outro resultado que não fosse sujeitar a criança aos comportamentos e omissões que determinaram o acolhimento residencial e eventualmente a uma ulterior aplicação/ manutenção de medida de promoção e proteção.
Ora o comportamento, saliente-se, não culposo da progenitora tem como consequência que esta não consiga delinear um projeto de vida consistente para a sua filha.
Pese embora seja inegável a afetividade que a progenitora demonstra ter para com a filha, aquela não conseguiu até à presente data alterar os seus comportamentos, mantendo uma vida desregrada e desfocada sem priorizar as necessidades da filha.
Não é por estar a atingir a maioridade que a vida da progenitora se alterará de maneira radical permitindo-lhe imediatamente conseguir ter meios e conhecimentos para criar uma criança.
Essas ferramentas foram-lhe postas à disposição, mas não foram aproveitadas, não podendo a filha ficar a aguardar que a progenitora se reorganize (o que não fez até agora).
Os comportamentos dos progenitores têm como consequência que estes não consigam delinear um projeto de vida consistente para a criança, não podendo esta ficar eternamente à espera que os pais reorganizem a sua vida e adquiram ferramentas pessoais (não materiais) que lhes permita o exercício de uma parentalidade segura e estável que garantisse todos os cuidados que uma criança necessita. Como se afirma pertinentemente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5/11/2015 (in www dgsi.pt), “Sendo certo que os vínculos afetivos que obstam à aplicação da medida sob análise são os “próprios da filiação”: não basta que haja relação afetiva entre pais e filhos, é necessário - demonstrar esse amor de forma objetiva e constante, de molde que a própria criança encare o progenitor como referência com as referidas caraterísticas. Pais são aqueles que cuidam dos filhos no dia a dia, são aqueles que cuidam da segurança, da saúde física e do bem estar emocional das crianças, assumindo na íntegra essa responsabilidade”(sublinhado nosso).
Por outro lado, não existe qualquer retaguarda da família alargada materna que lhe pudesse servir de suporte nos cuidados a prestar à filha em meio natural de vida.
Mostra-se assim preenchido os pressupostos do n.º 1, alíneas d) e e), do artigo 1978º, do Código Civil, (d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança) estando ainda comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação.
Importa ainda analisar a questão da perspetiva da criança:
MK… está em acolhimento residencial desde que nasceu nunca tendo conhecido qualquer vivência numa família.
Não podemos olvidar que há um meio envolvente de cada criança que facilita ou impede a organização da sua vida psíquica.
A criança, dada a sua idade, precisa de dispor de uma família que lhe possa proporcionar um projeto de vida gratificante, com atenção e cuidados que uma qualquer criança necessita, para a fim de se evitarem futuras sequelas na sua personalidade e sensibilidade, sendo que o seu acolhimento dura já há tempo demais, um tempo excessivo para esta criança e para o seu desenvolvimento integral.
Enquanto a progenitora esteve acolhida no Centro da Mãe, MK…, passou a evidenciar sinais de uma vinculação insegura, porquanto a presença daquela não era permanente (face às várias saídas não autorizadas que aquela fazia)
Atualmente a criança não demonstra sofrimento com a ausência da progenitora, tanto mais que não tem contato pessoal com ela desde março de 2019 (note-se que a progenitora foi transferida para CA em território continental apenas em junho de 2019).
Por outro lado, a criança não tem qualquer ligação à família paterna e ao progenitor, face ao desinteresse por eles manifestado ao longo da curta vida desta criança
MK… está, assim, inserida em contextos residenciais desde o seu nascimento (inicialmente no Centro da Mãe e posteriormente no Centro de Acolhimento Temporário da Tabua) e exposta a múltiplos cuidadores, evidenciando sinais de vinculação perturbada, e com urgência de reparação, traduzidos desde o seu acolhimento em carência afetiva, choro/birras frequentes, solicitação de atenção constante/exclusiva do adulto e ultimamente na assunção de comportamentos agressivos dirigidos aos pares.
A confiança judicial com vista à adoção protege o interesse da criança de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, tendo em conta o tempo da criança, que não é o mesmo que o tempo dos pais, sendo que, os problemas de que padecem os progenitores do menor não são resolúveis com o tempo, impondo assim definir o futuro da criança, sendo certo que, tendo em conta a concreta incapacidade dos progenitores em assegurar a sua saúde, bem estar, desenvolvimento e educação, o destino do menor passaria inevitavelmente por um acolhimento prolongado, assim impedindo a criança de alcançar um projeto de vida alternativo e que acautelaria o seu interesse superior e bem estar.
O superior interesse da criança é o critério prioritário e prevalente na promoção dos seus direitos e na sua proteção, sendo que, em caso de colisão desse interesse com o “interesse da família”, prevalece o interesse em alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança, devendo prevalecer são os concretos direitos e interesses desta, bem como as suas específicas necessidades.
Deste modo, e em face de toda a factualidade vinda de enunciar, o tribunal não poderá confiar a criança à sua mãe ou ao seu pai e nem sequer há qualquer possibilidade de ser entregue a algum elemento da família alargada. (cfr acórdão do tribunal da relação de Coimbra, 27 de Abril de 2017, in www.dgsi.pt) (…)”.
A vida da MK… não pode ficar em suspenso à espera de que os progenitores pretendam assumir as suas responsabilidades parentais, nem se afigura, por tudo o que consta supra, que algum dos elementos da família mais alargada pudesse constituir válido e efetivo conteúdo para a concretização do projeto de vida da criança, não se verificando qualquer prognose de que assim possa suceder.
Aliás, o próprio recorrente assinala o caráter precário e temporário da supressão de apoio que os avós paternos, no seu entender, constituiriam, tendo em vista a sua posterior “entrega” à progenitora.
Como bem conclui o Ministério Público:
“45- A criança está em acolhimento residencial desde que nasceu nunca tendo conhecido qualquer vivência numa família, exposta a múltiplos cuidadores, evidenciando sinais de vinculação perturbada, e com urgência de reparação, traduzidos desde o seu acolhimento em carência afetiva, choro/birras frequentes, solicitação de atenção constante/exclusiva do adulto e ultimamente na assunção de comportamentos agressivos dirigidos aos pares.
46- Precisa de dispor de uma família que lhe possa proporcionar um projeto de vida gratificante, com atenção e cuidados que uma qualquer criança necessita, para a fim de se evitarem futuras sequelas na sua personalidade e sensibilidade, sendo que o seu acolhimento dura já há tempo demais, um tempo excessivo para esta criança e para o seu desenvolvimento integral.
47- Não tem qualquer ligação à família paterna e materna e aos progenitores, face ao desinteresse por eles manifestado ao longo da curta vida.
48- Está arredada qualquer possibilidade de integração da criança no meio natural de vida junto do progenitor e ou da progenitora e ou sua família alargada.
49- A confiança judicial com vista à adoção protege o interesse da criança de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, tendo em conta o tempo da criança, que não é o mesmo que o tempo dos pais, sendo que, os problemas de que padecem os progenitores da criança, não são resolúveis com o tempo, impondo assim definir o futuro para aquela, sendo certo que, tendo em conta a concreta incapacidade dos progenitores em assegurar a sua segurança, bem-estar, desenvolvimento e educação, o destino do menor passaria inevitavelmente por um acolhimento prolongado, assim impedindo a criança de alcançar um projeto de vida alternativo e que acautelaria o seu interesse superior e bem estar (…).
57- Esse direito, atenta a sua idade, não se compadece com delongas dos progenitores em criar as condições adequadas ao seu regresso à família natural e, com soluções provisórias assentes em desejos, sem suporte na concreta realidade.
58- Os progenitores e os avós paternos, não têm qualquer projeto de vida sustentável para a filha/neta, nem revelam condições e competências para dela cuidarem de forma permanente e, de o fazerem em prol do seu superior interesse a um crescimento salutar e harmonioso.
59- Havendo colisão do superior interesse da criança com o interesse da família biológica, deve prevalecer, pois, o interesse em alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança, como o fez o tribunal a quo no acórdão sob escrutínio.
60- Não foi violado qualquer dos supra citados princípios e, apenas a medida de confiança com vista a adoção, nos moldes e como foi decidida, é suscetível de acautelar os superiores direitos e interesses desta criança a pertencer a uma família”.
Em síntese, pode concluir-se que:
I) A aplicação das medidas de proteção – enunciadas no artigo 35.º da LPCJP – visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto e a mesma encontra-se submetida aos princípios que devem orientar a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo (artigo 4.º da LPCJP).
II) O rumo fundamental da intervenção protetiva deve ter em conta, de modo primordial, o superior interesse da criança e do jovem, atendendo prioritariamente aos seus interesses e direitos – ao seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade -, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
III) Em caso de colisão do interesse da criança com os interesses dos familiares (progenitores/família biológica alargada), prevalece o interesse em alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança, preponderando os concretos direitos e interesses da criança, bem como as suas específicas necessidades.
IV) A aplicação da medida de confiança com vista à adoção – art. 35º, alínea g) da LPCJP - pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva de qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978.º do CC, nomeadamente, se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança (al. d) ) ou, se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança (al. e) ).
V) Sendo a proteção da criança dos autos indispensável para a promoção dos seus direitos, tendo a criança nos pouco mais de dois anos de vida beneficiado de medidas temporárias de acolhimento residencial, que não tiveram qualquer evolução que permitisse concluir que os progenitores ou algum familiar pudesse fazer parte do projeto de vida da criança, a aplicação da medida de confiança judicial com vista a futura adoção não viola o princípio da intervenção mínima, consignado no artigo 4.º, al. d) da LPCJP, nem o da subsidiariedade, consignado no artigo 4.º, al. k), da mesma lei, tanto mais, que a competência para a aplicação de tal medida reside, em exclusivo, nos tribunais (cfr. artigo 38.º da LPCJP).
VI) Mostra-se ter sido valorado convenientemente o “primado da continuidade das relações psicológicas profundas” – que traduz que a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, prevalecendo as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante – na medida em que a progenitora não tem convivência com a criança desde março de 2019 e a criança passou a “evidenciar sinais de uma vinculação insegura, porquanto a presença da mãe não era permanente, sendo que atualmente não demonstra sofrimento com a ausência da progenitora”, estando inserida em contextos de colocação residencial desde o nascimento e exposta a múltiplos cuidadores, evidenciando sinais de vinculação perturbada, e com urgência de reparação, traduzidos desde o seu acolhimento em carência afetiva, choro/birras frequentes, solicitação de atenção constante/exclusiva do adulto e ultimamente na assunção de comportamentos agressivos dirigidos aos pares.
VII) Não se mostra ter sido violado o princípio da “Prevalência da família” se a medida de confiança com vista a futura adoção tem em vista um projeto de futuro e estabilidade, que a família biológica, nuclear e alargada, não lhe poderia proporcionar.
VIII) Para aferir da subsistência de perigo para a criança, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 1978.º do CC, cumpre efetuar um juízo de prognose de que o comportamento disfuncional não se inverteu nem existe a probabilidade de se vir a inverter num futuro próximo.
IX) Se o progenitor, injustificadamente, se desinteressou do destino da criança, não tendo contacto com esta desde poucos dias após o nascimento, não querendo saber do seu estado e demitindo-se integralmente dos seus deveres como pai não existindo qualquer vínculo afetivo próprio da filiação, se a progenitora, não conseguiu delinear um projeto de vida consistente para a sua filha e mantém uma vida desregrada e desfocada sem priorizar as necessidades da filha, com quem estabeleceu uma vinculação intermitente, não tendo contacto com a mesma há mais de um ano, está arredada a possibilidade de reintegração da criança junto dos progenitores. Para além disso, não existindo qualquer retaguarda da família alargada materna ou paterna que lhe pudesse servir de suporte nos cuidados a prestar à filha em meio natural de vida e não podendo a criança- que se encontra em acolhimento residencial desde que nasceu, nunca tendo conhecido vivência numa família - ficar eternamente à espera que os pais, ou a restante família, reorganizem a sua vida e adquiram ferramentas pessoais (não materiais) que lhes permita o exercício de uma parentalidade segura e estável que garanta os cuidados que uma criança necessita, conclui-se que apenas a confiança judicial com vista a futura adoção (artigos 35º, al. g) e 38º-A, da LPCJP e artigo 1978º, n.º 1, alíneas d) e e) n.º 2 e 3, do CC), protege o interesse da criança de não ver protelada a definição da sua situação e acautela convenientemente o seu direito a ter um desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Assim, não tendo sido violados quaisquer normativos e mostrando-se que a medida tomada é a única que se adequa ao interesse da criança em questão, complexiva e concretamente considerado, deve manter-se a decisão recorrida, sendo julgada improcedente a apelação.
*
A responsabilidade tributária incidirá sobre o recorrente, atento o seu integral decaimento – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC – sem prejuízo do apoio judiciário de que, presentemente, beneficia.
*
5. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida proferida em 24-06-2020.
Custas pelo recorrente, atento o seu integral decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo, presentemente, beneficia.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 10 de setembro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes