Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3991/20.1T8OER-B.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: CITAÇÃO
NULIDADE
SUPRIMENTO
INTERVENÇÃO RELEVANTE NO PROCESSO
PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
JUNÇÃO AOS AUTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A junção aos autos, por parte do citando, do comprovativo do pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social, na modalidade de nomeação de patrono, não constitui intervenção relevante para os efeitos previstos no art. 189 do C.P.C., não podendo considerar-se que, não tendo o R. então arguido a nulidade da citação, esta ficou sanada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
B , R. na ação declarativa sob a forma comum que, com o valor de € 30.00,01, contra si e outros foi instaurada por A , veio, em 25.1.2022, arguir a falta de citação ou a nulidade da citação edital, invocando, no essencial, que não funcionou como devia o sistema de retenção de correspondência de que o R. dispunha na Estação de Correios para efeitos de notificação, e que não foi tida em conta a situação de pandemia então vigente, com suspensão de prazos processuais e procedimentais, circunstância que não foi, por sua vez, refletida na citação edital levada a cabo. Mais refere que a citação edital não foi também precedida das necessárias diligências com vista à averiguação do paradeiro do R..
O A. respondeu, concluindo pela intempestividade da pretensão e pela inexistência da nulidade.
Em 28.10.2022, foi sobre aquele requerimento proferido despacho nos seguintes termos: “Por requerimento datado de 25/01/2022, veio o R. B arguir a falta de citação ou a nulidade da citação edital, alegando, para tanto e em síntese, que, em virtude de não se encontrar permanentemente na morada sita na Rua … LISBOA, possui um sistema de retenção de correspondência na Estação de Correios para o efeito de qualquer notificação.
E, analisando o percurso da primeira carta de citação, Registo RE674168818PT, verifica-se que em 7 de Dezembro foi dirigida ao Apartado para efeitos de notificação, em vez de ser retida pelo referido sistema de retenção, cfr. documento 2 junto.
Por outro lado, apesar de constar que o destinatário foi notificado para levantar um objecto, a verdade é que não o foi. Além disso, estávamos em pleno Estado de Emergência, tendo sido apresentada reclamação em 7/5/2021 aos CTT da prática de irregularidades na prestação do serviço, cfr. documento 3 junto.
Deste modo, não foi por culpa imputável ao R. que a carta não lhe chegou ao seu conhecimento.
Ainda, em razão da pandemia, o R. foi residir predominantemente com a sua companheira, desde 1/3/2020, para a Rua … em Lisboa, conforme atestado de residência que se junta como documento número 4.
Acresce que, a citação edital é afixada no dia 4/3/2021, quando todos os actos e prazos estavam suspensos pela Lei n.° 4-B/2021 de 1 de fevereiro, E da citação edital não consta qualquer alusão a esta suspensão pelo que a mesma é nula, quer pela data que é afixada, quer por omissão da menção à suspensão dos prazos em virtude da mencionada Lei n.° 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
Por fim, a citação é nula porquanto nem no momento da citação por carta registada, nem o Ministério Público para poder contestar a acção, se realizaram diligências para obter informações junto das autoridades policiais.
No exercício do seu contraditório, o A. defende que o requerimento do R. é manifestamente intempestivo.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 188.°, n.° 1 do Código de Processo Civil que
1 - Há falta de citação:
a) Quando o ato tenha sido completamente omitido;
b) Quando tenha havido erro de identidade do citado;
c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital;
d) Quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade;
e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
2 - Quando a carta para citação haja sido enviada para o domicílio convencionado, a prova da falta de conhecimento do ato deve ser acompanhada da prova da mudança de domicílio em data posterior àquela em que o destinatário alegue terem-se extinto as relações emergentes do contrato; a nulidade da citação decretada fica sem efeito se, no final, não se provar o facto extintivo invocado.
A citação é, pois, o acto através do qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender - artigo 219.° do Código de Processo Civil.
Porém, nos termos do artigo 189.° do Código de Processo Civil, se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.
No presente caso, por requerimento datado de 10/12/2021, veio o R. B juntar aos autos comprovativo de pedido de concessão de apoio judiciário, o que, aliás, fundamentou a cessação da intervenção do Ministério Público em sua representação por despacho datado de 6/01/2022. A arguição da nulidade de citação ocorreu no dia 25/01/2022.
Deste modo, não tendo o R. arguido na primeira intervenção processual a nulidade da citação, a mesma sanou-se.
Isto porque A função primordial da citação é de carácter informativo, visando dar a conhecer ao Réu a pendência da causa e proporcionar-lhe a oportunidade de defesa - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pág. 228. Com efeito, se, não obstante o vício, quem deveria ter sido citado está no processo, o intuito informativo típico da citação está, afinal, assegurado - idem, ibidem.
Assim sendo, face ao exposto, julgo improcedente a arguida nulidade de citação.
Custas pelo R., que se fixam no mínimo legal.
Registe e notifique.
(…).”
Inconformado, interpôs recurso o R. B, apresentando as respetivas alegações que culmina com as seguintes conclusões que se transcrevem:
 “
1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho que decidiu indeferir a arguição da falta de citação ou a nulidade da citação, debruçando-se o mesmo somente pela nulidade da citação julgando-a improcedente.
2. Apenas se tendo debruçado sobre a nulidade e não sobre a falta de citação, tal configura uma situação de omissão de pronúncia, que também se argui para todos os efeitos legais.
3. O douto despacho recorrido densificou-se na sanação da nulidade, porque “Deste modo, não tendo o R. arguido na primeira intervenção processual a nulidade da citação, a mesma sanou-se.”
4. Factualmente diz-nos o douto despacho recorrido: “No presente caso, por requerimento datado de 10/12/2021, veio o R. B juntar aos autos comprovativo de pedido de concessão de apoio judiciário, o que, aliás, fundamentou a cessação da intervenção do Ministério Público em sua representação por despacho datado de 6/01/2022. A arguição da nulidade de citação ocorreu no dia 25/01/2022.”
5. Parece existir um claro erro quanto à data descrita, porquanto foi em 27/12/2022 (férias judiciais), que deu entrada no processo a comunicação, devidamente documentada, do pedido de apoio judiciário feito pelo R. junto da Segurança Social.
6. O recorrente juntou pedido de apoio judiciário em 27/12/2021, na modalidade de nomeação de defensor oficioso e dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e com essa comunicação interromperam-se imediatamente a contagem de todos os prazos.
7. A jurisprudência maioritária entende através de uma interpretação actualista que “...no sentido de que a intervenção relevante da parte na causa, para os efeitos previstos no art. 189° do Cód. Proc. Civil, pressupõe um acesso ao processo electrónico que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial hoje não garante.”
8. Mas o caso dos autos respeita à comunicação devidamente documentada somente por parte do R., sem qualquer representação, de que havia pedido apoio judiciário, o que, salvo melhor opinião, nunca poderá configurar uma primeira intervenção no processo.
Mas mais, mesmo que nada mais houvesse,
9. Por despacho de 6/1/2022, o Ministério Público cessou a sua intervenção, despacho que foi notificado ao R. em 19/1/2022, deixando de ser considerado o R. como revel a partir dessa data, pelo que a arguição da falta de citação e nulidade da citação tendo entrado nos autos em 25/1/2022, foi tempestiva.
10. Mas reitera-se, o R. não possui conhecimentos especiais pelo que nunca deveria ter sido considerado como acto próprio com efeitos de curso de prazo a mera junção aos autos do pedido de apoio judiciário que fez.”
Pede a procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que reconheça a tempestividade da arguição da falta de citação ou nulidade de citação do ora apelante.
Em contra-alegações, sustentou o A./apelado o acerto do julgado, concluindo:

1- Não assiste qualquer razão ao Apelante para interpor o presente Recurso, uma vez que o despacho recorrido não merece qualquer censura.
2- A primeira intervenção do Apelante nos Autos depois de consumada a citação edital ocorreu efetivamente a 27/12/2021.
3- Nessa sua primeira intervenção não arguiu qualquer nulidade da mesma citação.
4- Pese embora a intervenção tenha ocorrido sem a intervenção de mandatário, ela ocorreu de facto.
5- Porque pelo facto de essa intervenção se ter consumado com a apresentação de cópia de pedido de apoio judiciário, não fica prejudicada a intervenção processual.
6- Porque o artigo 189° do CPC é perentório em considerar como termo do prazo para arguir a nulidade da citação edital à primeira intervenção do R. nos autos.
7- Porque nem essa nem outra disposição legal condiciona a intervenção a uma determinada forma ou característica.
8- Teremos de concluir que a junção do comprovativo do pedido de apoio judiciário, não tem qualquer efeito suspensivo quanto ao prazo para arguir a nulidade da citação edital.
9- Tal como teremos de concluir que andou bem a Meritíssima Juiz a quo ao ter decidido considerar extemporâneo o pedido de nulidade da referida citação.”
O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II- Fundamentos de Facto:
Com interesse para a apreciação do presente recurso, e para além do que acima consta do relatório, considera-se provado, em face dos autos e por consulta do processo via Citius, que:
1) Por despacho de 4.3.2021, foi ordenado que se procedesse à citação edital do R. B depois que fossem efetuadas as diligências necessárias nos termos do art. 236, nº 1, do C.P.C.;
2) Realizada a citação edital, foi citado o Ministério Público, em 30.6.2021, para contestar em representação do R.;
3) Em 10.12.2021, veio a Advogada Drª S… requerer autorização para consulta eletrónica do processo “devendo para o efeito, ser a signatária inserida no sistema informático Citius”;
4) Em 14.12.2021 foi a mesma Advogada notificada de que lhe fora concedido o prazo de 10 dias para consulta no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais;
5) Em 27.12.2021, juntou o R. B aos autos comprovativo de ter solicitado apoio judiciário junto da Segurança Social, juntando cópia do requerimento respetivo onde consta que o pedido inclui a “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” e a “Nomeação e pagamento de compensação de patrono”, que a finalidade do pedido é “Contestar a ação”, mais especificando no final que requer a “Nomeação de defensor oficioso”;
6) Em 6.1.2022, e sob promoção do Ministério Público, declarou-se cessada a representação por este daquele R. e, considerando-se que o prazo para contestar terminara em 15.9.2021, decidiu-se: “(…) indefere-se a requerida – por via da junção do comprovativo do pedido de apoio judiciário – suspensão dos autos até à nomeação de Patrono para efeitos de dedução da contestação, aguardando-se pela data já designada para julgamento nos presentes autos.”;
7) O R. foi notificado daquele despacho em 19.1.2023, por carta registada com data de 7.1.2022;
8) Em 25.1.2022, o R. apresentou requerimento, subscrito pelo Advogado Dr. A…, a arguir a falta de citação ou a nulidade da citação edital, protestando juntar procuração forense que apresentou depois em 23.2.2022 e que veio a ser admitida;
9) Em 25.5.2022, informou a Ordem dos Advogados nos autos que, na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário, foi nomeado ao beneficiário B, no âmbito do processo, a Advogada Drª C...;
10) Em 6.6.2022, informou a Segurança Social nos autos que fora deferido a B o requerimento de proteção jurídica nas modalidades de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, Nomeação e pagamento de compensação de patrono”.
*
III- Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Compulsadas as conclusões acima transcritas, cumpre analisar:
- da nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
- da tempestividade da arguição da falta de citação ou nulidade de citação do R. B.
A) Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia:
Diz o apelante/R. que a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, porque foi invocada a falta de citação e a nulidade da citação, mas o tribunal apenas se pronunciou sobre esta última e não também sobre a falta de citação.
Vejamos.
As nulidades da decisão encontram-se previstas no art. 615 do C.P.C. (aplicável ex vi do art. 613, nº 3, do C.P.C.), constituindo deficiências que não podem confundir-se com o erro de julgamento.
A decisão será nula, de acordo com o art. 615, nº 1, al. d), do C.P.C., quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Este preceito deve conjugar-se com o nº 2 do art. 608 do mesmo Código, constituindo a nulidade da decisão a sanção para a inobservância deste último normativo.
Assim, ao juiz cabe resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nessa medida, se o mesmo deixar de pronunciar-se sobre questões que, nos moldes indicados, devia apreciar, a sentença é nula.
Tais questões são, por sua vez, os problemas concretos a decidir e não os argumentos utilizados pelas partes na defesa das suas posições([1]).
No despacho proferido apenas se analisou a oportunidade da apresentação, pelo R. B, do requerimento de 25.1.2021, concluindo-se que a nulidade da citação se encontrava sanada porque não fora invocada em tempo próprio. Ou seja, aquele despacho não chegou a debruçar-se sobre os vícios concretamente arguidos, apenas apreciando a tempestividade da sua arguição.
Ora, a falta de citação (art. 188 do C.P.C.) e a nulidade da citação em sentido estrito (art. 191 do C.P.C.), constituem modalidades de nulidade da citação em sentido lato([2]).
Por conseguinte, ao concluir pela sanação da nulidade da citação é manifesto que o Tribunal a quo se referiu à nulidade da citação em sentido lato, não havendo qualquer omissão de pronúncia.
De resto, a referência específica à falta de citação, por um lado, e à nulidade da citação em sentido estrito, por outro, sempre se mostraria irrelevante, como o próprio recorrente reconhece, ao afirmar na alegação que “É verdade que a extemporaneidade obvia ao conhecimento quer de uma quer de outra.”
Em suma, forçoso é concluir que a decisão não padece do vício formal que lhe é assacado, improcedendo a argumentação recursiva nesta parte.
B) Da tempestividade da arguição da falta de citação ou nulidade de citação do R. B:
Na decisão recorrida, acima transcrita, julgou-se sanada a invocada nulidade de citação, em virtude do mencionado R. ter tido intervenção no processo em 10.12.2021, o que determinou o despacho de 6.1.2021 a justificar a cessação da intervenção do Ministério Público em sua representação, e apenas arguiu a nulidade da citação em 25.1.2022, não o tendo feito por isso, e como seria necessário, na primeira intervenção processual.
No recurso sustenta o apelante a tempestividade da arguição.
Analisando.
Como atrás referimos, a lei distingue duas modalidades de nulidade da citação, em sentido lato, que se traduzem na falta de citação, prevista no art. 188 do C.P.C., e na nulidade da citação (em sentido estrito), aludida no art. 191 do mesmo Código. A primeira constitui uma nulidade principal que pode ser invocada em qualquer estado do processo, é de conhecimento oficioso e só se sana com a intervenção do interessado nos autos (cfr. arts. 189, 196 e 198, nº 2, do C.P.C.), enquanto a segunda tem, em princípio, de ser invocada e dentro do prazo da contestação, exceto nos casos de citação edital e de não indicação do prazo para contestar (cfr. arts. 191, nº 2, 196 e 198, nº 1, do C.P.C.).
Sendo a citação edital, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo (art. 191, nº 2).
Se tal não ocorrer, já não poderá ser mais tarde invocada nem conhecida oficiosamente, considerando-se sanada, como expressamente prevê o art. 189 do C.P.C.: “Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.”
No caso, o R. B, aqui apelante, veio a ser citado editalmente, e é esse ato que, além do mais, pretende impugnar.
Será, por conseguinte, indispensável definir o que deve entender-se por primeira intervenção do citado na causa, sendo que é nesse momento processual que deve ser “logo” arguida a falta de citação.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, a propósito do art. 189 do C.P.C.([3]): “(…) Ao intervir, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir juris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se. A exigência da imediata arguição da nulidade evita processados posteriores que o interesse da defesa, confrontado com o do autor e com o interesse geral, não justificaria que viessem a ser anulados.
(…)
A intervenção do Ministério Público em representação do ausente ou incapaz não sana a falta de citação deste.(…).”.
Por sua vez, afirmam António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, comentando o mesmo art. 189 do C.P.C.([4]): “(…) «arguir logo a falta» significa fazê-lo na primeira intervenção processual.
2. A solução aqui consagrada radica no seguinte entendimento: se, não obstante o vício, quem deveria ter sido citado está no processo, o intuito informativo típico da citação está, afinal, assegurado. Mas para o efeito, «intervir no processo» pressupõe que o réu ou o Ministério Público estão em condições que permitem concluir que está superada uma situação de revelia absoluta.(…).”
Podemos, por isso, concluir, sem esforço, que a intervenção relevante para efeito da arguição da nulidade da citação será aquela que pressupõe o conhecimento do processo pelo demandado que lhe seria dado pela citação.
Como se disse no Ac. da RP de 17.12.2008([5]): “(…) A intervenção relevante deve, como acima se referiu, preencher as finalidades da citação; pressupõe, portanto, o conhecimento do processo que esta propiciaria. Só assim seria legítimo presumir que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.(…).”
Por sua vez, na tramitação dos processos em suporte de papel, era comum concluir que a simples junção de procuração a mandatário judicial seria suficiente para pôr termo à revelia absoluta, constituindo intervenção processual que faz pressupor o conhecimento do processo, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação([6]).
No entanto, e como já defendemos no Ac. desta RL de 5.11.2019([7]), a realidade processual é hoje diversa pelo que, ainda que exista um processo físico em suporte de papel, o acesso à tramitação eletrónica do mesmo – indispensável a uma análise completa e detalhada do processo – implicará a junção de uma procuração forense que, nessa medida, constitui, em si mesma, o pressuposto de qualquer intervenção nos autos.
Sufragamos, assim, no essencial, o entendimento seguido na mais recente jurisprudência, no sentido de que a intervenção relevante da parte, designadamente para os efeitos previstos no art. 189 do C.P.C., pressupõe um acesso ao processo eletrónico que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial hoje em dia não garante([8]).
Por conseguinte, tal como sustentámos no aresto referido, não deverá, no atual quadro normativo, considerar-se que a simples junção da procuração forense afasta a possibilidade de ulterior arguição de vício de nulidade por falta de citação. Pelo menos nos 10 dias subsequentes (cfr. art. 149 do C.P.C.).
Conforme se concluiu no Ac. da RE de 3.11.2016, citado em rodapé: “(…) Tendo presente a realidade social, económica e a própria evolução tecnológica, inclusivamente na dimensão do acesso ao direito através do recurso a ferramentas informáticas, de acordo com os cânones de uma boa interpretação, estando a hermenêutica actualista legitimada pelo Código Civil e pela Teoria do Direito, o julgador tem de tomar em consideração as circunstância de tempo e de modo em que a lei deve ser aplicada e, como corolário lógico, no domínio da Tramitação Electrónica dos Processos Judiciais preconizada pela Portaria nº280/2013, de 26/08, não é legítima a conclusão que a simples apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema electrónico e constitui pressuposto de qualquer actuação processual futura, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes e preclude a hipótese de suscitar a competente nulidade.(…).”
Revertendo para o caso em análise, é evidente que, quanto mais não fosse por argumento de maioria de razão, jamais poderia considerar-se relevante para os efeitos previstos no art. 189 do C.P.C., a junção aos autos, por parte do citando, do comprovativo do pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social na modalidade de nomeação de patrono, posto que, nesse caso, nem o R. tem acesso à tramitação eletrónica do processo nem, tão pouco, se acha acompanhado do advogado que o represente.
De resto, sempre seria de atentar no regime da proteção jurídica instituído pela Lei nº 34/2004, de 29.7 (LAJ). Dispõe, com efeito, o nº 4 do art. 24 daquele Diploma que: “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.”
Por sua vez, o prazo interrompido nestes moldes inicia-se, nomeadamente, a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação (art. 24, nº 5, al. a), do mesmo Diploma), conhecendo o requerente do apoio judiciário essa nomeação([9]).
Daqui se retira que o legislador pretendeu justamente acautelar que o R. não ficasse prejudicado no seu direito de defesa por se encontrar desacompanhado de advogado e, assim, determina que o prazo que estiver em curso se interrompa até que se concretize a nomeação solicitada.
Na situação sub judice, ainda que se considerasse já terminado o prazo para a apresentação da contestação, cremos que, face à apresentação pelo R. do comprovativo do pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social na modalidade de nomeação de patrono, não poderiam, sem mais, prosseguir os autos sem que se mostrasse assegurado – nomeadamente em audiência de julgamento – o patrocínio requerido. De outro modo frustrar-se-ia, em toda a linha, o direito de defesa do R. beneficiário do apoio judiciário naquela modalidade.
Concluímos, deste modo, em contrário do decidido no despacho sob recurso, que a junção aos autos, por parte do R. B, em 27.12.2021 – e não em 10.12.2021, como por manifesto lapso se refere (ver pontos 3 a 5 supra) – do comprovativo do pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social na modalidade de nomeação de patrono não constitui intervenção relevante para os efeitos previstos no art. 189 do C.P.C., desde logo porque não faz pressupor, em si mesma, o conhecimento do processo, de modo a presumir-se que o R. prescindiu então, conscientemente, de arguir a nulidade da citação.
Assim, quando em 25.1.2022 o R. apresentou requerimento, subscrito pelo Advogado Dr. A…, por si constituído, a arguir a falta de citação ou a nulidade da citação, protestando juntar procuração que apresentou depois em 23.2.2022 e que foi admitida nos autos, estava em tempo de o fazer, porque essa foi, para todos os efeitos, a sua primeira intervenção processual, não tendo ficado então sanada a eventual nulidade da citação, como se entendeu em 1ª instância.
De resto, só em 25.5.2022 a Ordem dos Advogados veio informar que, na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário, fora nomeado patrono ao beneficiário B (ponto 9 supra)
Considera-se, pois, tempestiva a arguição pelo R. B da falta de citação ou da nulidade da citação.
Constituindo este o objeto único do recurso, e não também a apreciação da existência do vício – acrescendo que, não tendo embora o R. arrolado testemunhas, protesta, além do mais, naquele seu requerimento de 25.1.2022, apresentar documentos (artigo 28º), requerendo ainda se oficie junto dos CTT por informação sobre a remessa da carta para citação – cumpre revogar o decidido, devendo em 1ª instância apreciar-se agora da arguida nulidade da citação em sentido lato.
*
IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando, por consequência, o despacho recorrido e determinando se aprecie em 1ª instância da nulidade de citação, em sentido lato, arguida pelo R. B em 25.1.2022.
Custas pelo apelado.
Notifique.
*
Lisboa, 16.5.2023
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho                        
Edgar Taborda Lopes
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[1] Cfr. J. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 143.
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 4ª ed. pág. 385.
[3] Ob. cit., pág. 390.
[4] “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2018, Vol. I, pág. 228.
[5] Proc. 0835621, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, ver o Ac. da RG de 5.4.2011, Proc. 172/10.6TBC-C.G1, e o Ac. da RP de 25.11.2013, Proc. 192/12.6TBBAO-B.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Proc. 66733/05.5YYLSB-C.L1, disponível em www.dgsi.pt, da mesma relatora e subscrito também pela aqui 1ª adjunta, que seguimos de perto.
[8] Ver o Ac. da RE de 3.11.2016, Proc. 1573/10.5TBLLE-C.E1, o Ac. da RG de 29.6.2017, Proc. 1762/16.9T8VNF-I.G1, e o Ac. da RL de 6.7.2017, 21296/12.0YYLSB-A.L1-6, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Ver o Ac. do TC nº 515/2020, com força obrigatória geral, DR nº 225/2020, Série I, de 18.11.2020.