Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5714/07.1TBCSC.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIO EM CONDOMÍNIO
AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DA TOTALIDADE DOS CONDÓMINOS
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Tendo sido edificado por um dos condóminos, um espaço situado por baixo de duas fracções autónomas e tendo apenas como acesso o logradouro comum a outras fracções deste imóvel, posteriormente adaptado a apartamento habitacional, não demonstrando este condómino que tenha obtido o acordo de todos os condóminos para esta alteração, nem reunindo os requisitos para que se considere adquirido este espaço por usucapião, por lhe estar vedado quer por via do disposto no artº 1306, quer por via do disposto no artº 1415 e 1419, todos do C.C., quer ainda por via das regras de urbanismo previstas no RGEU, deve este ser condenado a demolir a referida edificação.

SUMÁRIO: (elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:

              
MNC, MB, MI e RC intentaram acção declarativa, com processo ordinário, contra IJ e mulher, IEJ, deduzindo o seguinte pedido:
«deve a acção ser julgada procedente por provada, por edificação abusivamente construída em propriedade comum, e em consequência,
a)- ser reconhecido o direito de propriedade comum do logradouro afecto às fracções “A”, “B”, “C”, “F”, abusivamente utilizado pelos Réus;
b)- ser o apartamento edificado no logradouro, havido como um acto ilegítimo de abuso de direito, considerado nulo e de nenhum efeito;
c)- ser ordenada a remoção de toda a construção realizada no espaço, a expensas dos Réus, devendo ser reposto no seu estado inicial;
d)- serem os Réus condenados no pagamento das custas, procuradoria condigna e demais legal.»

Alegam para tanto, e em síntese, que são donos do prédio composto por duas moradias geminadas, sito no Lugar da Torre, em Cascais, constituído em propriedade horizontal em 1988, com sete fracções autónomas (fracções A a G) e um logradouro com a área de 191,60 mts2, parte comum das fracções “A”, “B”, “C” e “F”, sendo os AA. proprietários respectivamente das fracções “B” e “C” (1ª A.), “F” (2ª A.), “G” (3ª A.) e “E” (4º A.).

Mais alegam que desde o início da constituição da propriedade horizontal, os RR. utilizavam a fracção como garagem passando, posteriormente, a utilizar um espaço sito por baixo das fracções “D” e “E”, como depósito de materiais de construção e a partir de Janeiro de 2007, converteram este espaço num apartamento, constituído por sala, dois quartos, casa de banho e kitchenette, sem título que os legitime, num espaço que é propriedade comum, sem autorização dos demais proprietários, sem alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e sem licenciamento camarário, tendo-o dado de arrendamento a terceiros, com o que lhes causam prejuízos.
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Citados os RR., apresentaram contestação pugnando pela improcedência da pretensão deduzida, alegando que todo o espaço existente foi atribuído às diversas fracções e que o R. marido apenas aproveitou um desnível do solo para edificar em 1984 um espaço para armazenagem dos seus pertences, por baixo das fracções “D” e “E” e ao mesmo nível das fracções “A”, “B”, “C” e “F”, e não no logradouro que é parte comum destas fracções.

Alegam que desde essa data e sem oposição dos AA. utilizaram este espaço, tendo procedido a obras de remodelação e melhoria em 2006 com conhecimento e sem oposição dos condóminos, pelo que em sede de reconvenção, peticionam o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o espaço edificado, ou se assim se não entender o reconhecimento do seu direito de propriedade com fundamento na respectiva aquisição por usucapião.
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Os AA. contestaram o pedido reconvencional, pugnando pela respectiva improcedência, por os RR. serem tão só possuidores precários por mera tolerância dos condóminos e ainda por o espaço em questão não ter correspondência em qualquer planta, descrição predial ou outra.
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Foi recebida a reconvenção e proferido despacho saneador, com dispensa da condensação, tendo sido requerida e admitida prova pericial, cujo relatório se mostra junto a fls. 180 e segs. dos autos.
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Na pendência da causa faleceram a A. MB que, em vida, já havia transmitido o seu direito de propriedade a MI, e a R. IEJ, tendo sido habilitados para com eles prosseguir a causa MI, na posição da A. e IJ, GJ e LJ, na posição da falecida R.
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Após procedeu-se a julgamento, findo o qual, foi proferida a seguinte
“IV– Decisão:
Pelo exposto, ao abrigo dos preceitos legais citados,
1.– declaro reconhecido o direito de propriedade comum do logradouro com a área de de 191,60 m², afecto ao uso exclusivo das fracções “A”, “B”, “C” e “F”,
2.– condeno os RR. a demolir, a suas expensas, a construção ilegal por eles edificada no espaço, por baixo das fracções “D” e “E”, resultante da diferença de cotas do terreno – abaixo do nível do solo relativamente ao arruamento público, de nível com o logradouro fronteiro, comum às fracções “A”, “B”, “C” e “F”, por onde se acede àquela, e
3.– julgo improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo os AA.
Custas da acção e da reconvenção a cargo dos RR.
Notifique e registe.”
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Não conformados com esta decisão, impetraram os RR. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1.– O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou a acção em epígrafe improcedente que ora se recorre, como a seguir se refere:
a)- declaro reconhecido o direito de propriedade comum do logradouro com a área de 191.60m2, afecto ao uso exclusivo das fracções “A”, “B”, “C”, e “F”; abusivamente utilizado pelos Réus.
b)- condeno os RR. A demolir as suas expensas, a construção ilegal por eles edificada no espaço, por baixo das fracções “D” e “E”, resultante da diferença de cotas do terreno – abaixo do nível do solo, relativamente ao arruamento público, de nível com o logradouro fronteiro, comum às fracções “A”, “B”, “C”, e “F”; , por onde se acede àquela, e ,
c)- Julgo improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo os AA.

2.– Refere a douta sentença, que no caso em apreço, “trata-se dum prédio construído em propriedade horizontal, e sujeito ao regime previsto nos arts. 1414º e seguintes do Código Civil, resultando ainda da escritura pública de constituição de propriedade horizontal, das certidões prediais e inscrições matriciais, que o logradouro com a área de 191,60m2, constituindo parte comum, ficou afecto às fracções “A”, “B”, “C” e “F”.
3.– “Que o espaço objecto de litígio tratava-se, inicialmente, de um armazém edificado pelo R. IJ(condómino proprietário da fracção "A") por baixo das fracções "D" e "E", aproveitando o espaço aí existente e resultante da diferença de cotas do terreno - abaixo do nível do solo relativamente ao arruamento público, de nível com o logradouro fronteiro, comum às fracções "A", "B", "C" e "F", e cujo acesso é feito através do mencionado logradouro, destinado à guarda dos materiais necessários à construção, sendo utilizando para esse efeito.”
4.– “O espaço assim edificado não consta dos projectos de construção aprovados e licenciados pela Câmara Municipal de Cascais e os Recorrentes cederam o respectivo uso a terceiros, e terminada a construção, em 1988, continuou a utilizar esse espaço como casa de arrumos e para serviços de apoio a outras obras por si efectuadas, nomeadamente, para serviços de carpintaria, utilização que foi sendo efectuada, desde o início, com o conhecimento dos condóminos e, até princípios do ano de 2007, sem oposição por parte destes.”
5.– O espaço assim edificado não consta dos projectos de construção aprovados e licenciados pela Câmara Municipal de Cascais, e os RR. cederam o respectivo uso a terceiros para habitação”
6.– “ E no que concerne ao espaço objecto da discórdia, dada a sua localização, verifica-se que foi edificado em espaço que deve ser considerado propriedade comum – por baixo das fracções “D” e “E”, rés-do-chão e primeiro andar da moradia 1, aproveitando o espaço aí existente e resultante da diferença das cotas de terreno, abaixo do nível do solo relativamente ao arruamento público, de nível, com o logradouro fronteiro, comum ás fracções “A”, “B”, “C”, e “F, cujo acesso é feito através deste mesmo logradouro - art. 1421º do Código Civil”

7.– Com a afirmação proferida que tal espaço deve ser propriedade comum, não podem os Recorrentes concordar, uma vez que:
8.– Já em 1984, 1988, a área ocupada por essa edificação já estava ocupada.
9.– Sendo certo que o título constitutivo, como supra mencionado, referia um logradouro, não fazendo constar a área constante do espaço objecto dos autos, sendo, que como é sabido, a escritura de propriedade horizontal é feita com base em certidão camarária.
10.– Como aliás resulta amplamente provado nos autos.
11.– A edificação foi começada a construir em 1984 pelo Recorrente marido e concluída em 1988.
12.– A constituição do título de propriedade horizontal é de 1988.
13.– As primeiras aquisições são de 1989.
14.– A acção é de 2007.
15.– A edificação que agora se reclama foi feita em 1984.
16.– A acção foi proposta em 16 de Julho de 2007.
17.– A ocupação, posse e propriedade da edificação pelos Recorrentes nunca foi alvo de oposição desde 1984 até 2007 – 23 anos!!!
18.– Apenas faltava entregar o projecto na CMC, para legalizar este espaço.
19.– Não o fez em devido tempo, e vê-se agora a braços com o presente processo.
20.– Se na data da escritura de constituição da propriedade horizontal, o espaço objecto do litígio, já tinha uma área de 160 metros quadrados edificada, como armazém, estaleiro, arrecadação, o que fosse, então, a vistoria da Câmara, a certidão da Câmara e o título constitutivo da propriedade horizontal estão completamente em oposição à realidade física dos imóveis o que torna o próprio título nulo e as subsequentes vendas também, nos termos dos disposto nos arts. 1418 e sgts do Código Civil
21.– Sendo certo, que todos os condóminos ao adquirirem as suas fracções essa área do logradouro de 191,60m, que agora tanto se arrogam seus proprietários (porque já é uma casa!) já estava edificada, e tal era do seu conhecimento, como resulta da matéria de facto assente.
22.– Essa área NUNCA foi fisicamente um espaço comum.
23.– A escritura é que tem um lapso baseado numa certidão camarária.
24.– Não houve abuso de direito nem violação da propriedade comum dos Recorridos porque estes NUNCA foram possuidores da zona edificada e que agora reclamam.
25.– Na realidade, o titulo constitutivo está desconforme com a realidade física desde a sua constituição, em 1988, como bastamente supra referido!!!!
26.– Refere ainda mais uma vez a douta sentença proferida “as inovações na propriedade comum especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal…
27.– Pois atente-se que não são inovações, tudo fisicamente já lá estava, apenas sofreram obras no interior que tanto quanto é do nosso humilde conhecimento não carecem de autorização camarária, nos termos do RJUE e demais legislação aplicável
28. Nomeadamente o previsto no art. 6º do dec. 26/2010 de 30 de Março – que introduz alterações ao RJUE : consigna que as obras sem controlo prévio nunca podem alterar a estrutura ou infra-estrutura licenciada, não mudar a cércea, não intervir na fachada ou forma das coberturas. É importante salientar também que este tipo de enquadramento não é passível de ser aplicado em zonas classificadas ou em vias de classificação.
Assim as obras sem necessidade de licença camarária são as seguintes:
Obras de conservação
Obras de alteração no interior sem intervenção na estrutura ou infra-estrutura

29.– O que é manifestamente o caso dos autos. E que não foi tido em conta pelo Tribunal à quo!!!
30.– Antes pelo contrário, interpretou erroneamente mais uma vez este preceito.
31.– Esse espaço não sofreu qualquer alteração no aspecto exterior da edificação existente desde 1984, como resulta provado nos autos.
32.– Depois de ser finalizada a construção das duas moradias, em 1988, continuou a ser usado pelos Recorrentes, e desde o início sempre teve água, electricidade e rede de esgotos, e casa de banho.
33.– O solo/logradouro de 191.60m, especificado no título constitutivo está totalmente atribuído aos condóminos, não tendo havido alteração na área do logradouro parte comum de algumas fracções tal como consta do título.
34.– Acresce que consta da certidão matricial junta à PI que a construção ficou concluída em 5/2/88 e a composição do prédio inscrito sobre o artigo 7393, e constata-se não é a composição real e física do imóvel
35.– Existindo uma real desconformidade.
36.– A legalização daquele espaço, é da competência da Câmara Municipal de Cascais.
37.– E resulta provado nos autos, que a construção das duas moradias foi vistoriada, e devidamente licenciada pela Câmara Municipal de Cascais.
38.– Sendo certo, que ilegalidade/desconformidade nunca foi arguida, desde 1984, ou ainda que seja desde 1988, nem pelas oras Recorridas, nem por qualquer entidade.
39.– Mais, trata-se duma ilegalidade administrativa, que não pode ser suprida judicialmente.

40.– Dispõe o art. 1419º n.º 1 do Código Civil:
2.-Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos.”

41.– No caso em apreço, e salvo o devido respeito, ao decidir, como decidiu, afirmando que o espaço edificado, está em propriedade comum, o tribunal está a interpretar erroneamente este preceito, uma vez, que a presente “decisão judicial vem alterar o título constitutivo, porque a área do logradouro comum, é precisamente a que existia à data do título constitutivo, não podendo agora acrescer a seu bel prazer, a área de 160mt, a título de parte comum!!!!!
42.– Pois a acrescer a área de 160m2, alterava-se ilegitimamente a metragem constante do título constitutivo para 356m2, e o projecto licenciado passaria duma área de 640m2, para uma área de 800m2!!!!
43.– Pelo que o tribunal a quo, está a violar expressamente este preceito legal.
44.– E é o próprio tribunal a quo, que reconhece que a alteração do título constitutivo de propriedade horizontal, não pode ser suprido judicialmente, como é por demais consabido, e é contra a lei.
45.– Pois o tribunal não tem competência para tal
46.– Por outro lado, o tribunal a quo, ao afirmar que é uma construção ilegal, está proferir uma afirmação/decisão que não pode proferir.
47.– Pois quem tem competência para determinar se a construção é legal ou ilegal é a Câmara Municipal de Cascais, e não qualquer outra entidade, nos termos dos arts 4 e segts do RJUE
48.– Tal ilegalidade/desconformidade nunca foi arguida, desde 1984.
49.– E trata-se duma ilegalidade administrativa, que não pode ser suprida judicialmente.
50.– Mais se reitera, que quando os Recorridos adquiriram as suas fracções já tinham conhecimento que não havia um “abuso de direito” porque a edificação já se encontrava concluída como armazém/estaleiro/carpintaria/ arrecadação, e já possuía casa de banho, e sempre foi utilizada pelos Recorrentes.
51.– Portanto, nunca utilizaram abusivamente esse espaço, que inclusivamente é anterior à sua aquisição das fracções pelos ora Recorridos, como este muito bem sabem, senão vejamos;
52.– A recorrida NC– fracção B – cave esquerda adquiriu a sua fracção em Julho de 1999 (10 anos depois da construção feita pelo Recorrente);
53.– A mesma recorrida – fracção c – cave direita – adquiriu esta fracção em Julho de 1999 (10 anos depois da construção feita pelo Recorrente)
54.– O rés do chão moradia um – fracção D – foi adquirida por AE, 5/01/89 e por JCem 10/05/99.
55.– O primeiro andar da moradia um foi adquirido em 11/05/98 primeira vez – fracção E – por JF, depois em 6/7/98 por MARIA ISABEL MONTEVERDE e em 12/4/2005 por RC
56.– A moradia dois – res do chão – fracção F – foi adquirida em 12/10/89
57.– A moradia 2 – 1º andar – fracção G – foi adquirida em 12/01/89 por MI
58.– Em 10/Fevereiro de 1988 foi outorgado o titulo constitutivo da propriedade horizontal.
59.– Mais se dirá, ainda que por mero dever de patrocínio, que Abuso de direito têm os Recorridos, quando apenas reclamam o espaço objecto de discórdia, quando este espaço, por vias das obras interiores que sofreu, passa a ter características de habitação.
60.– Querendo manifestamente aproveitar-se de uma obra já feita APENAS melhorada pelos Recorrentes, com o seu trabalho, e a suas expensas, para beneficio do Recorridos, aproveitando-se do erro do título constitutivo.
61.– Refere o artigo 1420º do Código Civil que “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”.
62.– O espaço já edificado e ocupado desde 1984, não violou, nem viola o título constitutivo porque não alterou a área, parte comum, do logradouro e não pode ser considerada parte comum, por não se encontrar sequer descrita no título constitutivo.
63.– Refere o artigo 1416º do Código Civil no seu nº 1 “que a falta de requisitos legalmente exigidos importa a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal e a sujeição do prédio ao regime da compropriedade pela atribuição a cada consorte da quota que lhe tiver sido fixada (as permilagens) em conformidade com o artigo 1418º do mesmo diploma legal”.
64.– A violação do n.º 3, também importa a nulidade do título constitutivo: a não coincidência entre o fim a se destina cada fracção ou parte comum e o que foi fixado no projecto aprovado determina a nulidade do título constitutivo.
65.– As percentagens das fracções que se encontram no título constitutivo da propriedade horizontal não foram alteradas, bem como a área do logradouro e partes comuns, não foi alterada.
66.– Pelo que o tribunal a quo, mal andou ao interpretar, como interpretou as normas supra citadas.
67.– Assim sendo, a parte comum mantém-se inalterada, o aspecto exterior da edificação objecto da discussão nestes autos, mantém-se inalterada desde a data em que o Recorrente ainda era o construtor e único dono de todo o imóvel.
68.– Nesta acção, não podemos apenas lançar mão da figura do título de propriedade horizontal.
69.– Há que se atentar na data da conclusão da obra – 1988 – a data da oposição dos condóminos – 2007 – 19 anos após a ocupação da edificação vêm os Recorridos reclamar NÃO da ocupação ilegal de área comum, porque essa que vem referida no título constitutivo mantém-se,
70.– Vêm reclamar isso sim da compropriedade da habitação designada pelos perito como Habitação A-2.
71.– Pertencer a todos ou somente aos Recorrentes, o espaço edificado que não consta do título constitutivo!!!!
72.– Se pertencer a todos os condóminos não há problema, se mas se for só a um é que já não pode ser!!!
73.– O douto Tribunal a quo ao mandar demolir a edificação por se considerada edificada em espaço comum, é que, ao contrário do que refere na douta sentença recorrida, altera ilegitimamente o título constitutivo acrescentando ao logradouro a área de 160 metros quadrados que corresponde à área da edificação, querendo converter tal área em espaço comum, o que manifestamente não pode acontecer, e é contrário à lei.
74.– Acresce que quando a douta sentença refere no Ponto IV – Decisão, n.º 1 “ declaro reconhecido o direito de propriedade comum do logradouro com a área de 191,60m2, afecto ao uso exclusivo das fracções “A”, “B”, “C” e “F”,
75.– Sempre se dirá que o reconhecimento do direito de propriedade comum da área de 191,60 metros quadrados já está reconhecida no título constitutivo pelo que não se alcança o sentido de tal decisão.
76.– Por outro lado, a construção apesar de ilegal, foi edificada há mais de 20 anos e ocupada pelo menos desde 1984 pelos Recorrentes, sem mais considerando, já é sua por usucapião.
77.– Pois, sempre se dirá, ainda que por mero dever de patrocínio, que o uso, gozo e fruição, isto é a posse, traduz-se manifestamente numa posse pública e de boa fé, cfr. Art. 1258º, 1259º, 1260º, 1261º e 1262º, todos do Código Civil.
78.– Pelo que e salvo melhor opinião, os Recorrentes adquiriram o direito real de gozo por o espaço objecto dos presentes autos estar na sua posse há mais de vinte anos, (desde 1984), direito que desde já invoca, sendo que como já bastamente resulta provado nos autos, que os Recorrentes, sempre agiram como proprietários do espaço e com a convicção plena de serem possuidores titulados do direito de propriedade do espaço objecto dos presentes autos.

79.– Dispõe o art. 1287º do Código Civil:
80.– A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.
81.– Por todo o exposto, só se poderá concluir pelo reconhecimento do direito de propriedade dos Recorrentes, do espaço objecto dos presentes autos
82.– Questão diferente é o dever de a legalizar e que não consta desta acção.
83.– Nem a ilegalidade da mesma, foi arguida por qualquer parte, como já supra referido.
84.– O espaço discutido nos autos não consta do título executivo, por isso, é um espaço que deve ser legalizado, por quem tem direito e legitimidade de o fazer: o seu dono, ou seja, in casu, os Recorrentes.
85.– Foram eles que o construíram, e melhoraram, tudo com o seu trabalho e a suas expensas, e que o têm utilizado desde 1984.
86.– Ora, no caso sub judice, a boa fé dos Recorrentes é espelhada ao fazerem o título constitutivo com a realidade legal das fracções existentes não reservando para si a edificação (armazém) de molde a legalizarem a habitação mais tarde por ser deles, e nem pensaram nisso porque a edificação já existia, já por eles era ocupada desde pelo menos 1984 e em 1988 só faltava legalizá-la após a construção acabada.
87.– Pelo que mal andou o tribunal a quo, ao decidir como decidiu, julgando improcedente o pedido reconvencional formulado pelos Réus, ora recorrentes, carecendo de apreciar, com fundamento na ilegalidade da edificação, situação sobre a qual já nos bastamente nos pronunciámos.
88.– Termos em que deve a douta sentença proferida ser revogada, e substituída por outra que reconheça que reconheça a incompetência do Tribunal a quo, para decidir da alteração do título constitutivo, quando decide que aquele espaço, se trata duma construção ilegal em propriedade comum aos condóminos das fracções “A”,”B”, “C” e “F”, que reconheça a incompetência do tribunal a quo, para decidir sobre a ilegalidade da construção, não condene os Recorrentes na construção da demolição, seja reconhecido o direito de propriedade do espaço edificado ou, caso assim não seja considerado, lhes seja reconhecido tal direito por aquisição, do mesmo, por usucapião.
89.– Foram violadas as normas legais atrás mencionadas.

Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente, sendo a sentença ora recorrida ser revogada, e em consequência, ser substituída por outra:
1.– Que reconheça a incompetência e ilegitimidade do Tribunal a quo, para decidir da alteração do título constitutivo, quando decide que espaço objecto do litígio, se trata duma construção ilegal em propriedade comum aos condóminos das fracções “A”,”B”, “C” e “F”.
2.– Que reconheça a incompetência do Tribunal a quo, para decidir sobre a ilegalidade da construção.
3.– Não condene os Recorrentes na demolição da construção expensas
4.– Que reconheça a pretensão dos Réus ora Recorrentes, uma vez que o espaço que se discute, não foi por eles utilizado abusivamente, nem é propriedade dos Recorridos, já se encontra construído há 20 anos, e na posse de boa fé do Recorrente desde essa data, sem oposição de ninguém, e em consequência seja reconhecido o direito dos Recorrentes de propriedade do espaço edificado, ou caso assim não seja considerado, lhes seja reconhecido tal direito por aquisição, do mesmo, por usucapião.
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Não constam interpostas contra alegações.
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QUESTÕES A DECIDIR.

Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar:

a)- Se se verificam os requisitos para se considerar adquirido pelos RR. a propriedade do espaço por estes edificado e localizado por baixo das fracções “D” e “E” do imóvel sito no Lugar da Torre, em Cascais, registado na C.R.P. de Cascais sob o nº 000, ou se ao invés devem ser condenados a demolir este espaço por edificado em parte comum;
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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes adjuntos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

1.– O R. marido levou a cabo a construção, concluída em 1988, de duas moradias geminadas, designadas por moradias um e dois, sendo a primeira composta de cave, rés-do-chão e 1º andar, e a segunda composta de rés-do-chão, 1º andar, garagem e logradouro, que constituem o prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº 000, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 000.

2.– O referido imóvel ocupa uma superfície total de 640 m2, sendo 231 m2 de área coberta e 409 m2 de logradouro.

3.– Por escritura pública de 10 de Fevereiro de 1988, lavrada no Cartório Notarial de Oeiras, o imóvel em causa foi objecto de constituição em propriedade horizontal, ficando com sete fracções autónomas, destinadas a venda, com a seguinte composição:
Fracção “A” – garagem no logradouro;
Moradia Um
Fracção “B” – cave esquerda;
Fracção “C” – cave direita;
Fracção “D” – rés-do-chão e logradouro com a área de 27,40 m2;
Fracção “E” – 1º andar e logradouro com a área de 30 m2;
Moradia Dois
Fracção “F” – rés-do-chão;
Fracção “G” – 1º andar e logradouro com a área de 160 m2.
O logradouro com a área de 191,60 m2 ficou comum às fracções “A”, “B”, “C” e “F”.

4.– Não existia comunicação entre este logradouro e as fracções “D”, “E” e “G”, que apenas têm de ter acesso à respectiva entrada, onde se concentram todos os contadores da electricidade, tendo, no entanto, sido aberto um portão no topo nascente do prédio, que permite agora a interligação entre o mesmo e o logradouro da fracção “G”.

5.– Os RR procederam à venda das fracções “B” a “G”, reservando para si a fracção “A”.

6.– A aquisição da propriedade das fracções “B” e “C”, por compra, encontra-se registada a favor da A. MNC.

7.– A aquisição da propriedade da fracção “E”, por compra, encontra-se registada a favor do A. RC.

8.– A aquisição da propriedade da fracção “G”, por compra, e da fracção “F”, por doação, encontra-se registada a favor da A. MI.

9.– Aquando da construção das moradias, o R. IJaproveitou um espaço, por baixo das fracções “D” e “E”, resultante da diferença de cotas do terreno – abaixo do nível do solo relativamente ao arruamento público, de nível com o logradouro fronteiro, comum às fracções “A”, “B”, “C” e “F” – para aí edificar um armazém destinado à guarda dos materiais necessários à construção, utilizando-o para esse efeito.

10.– O respectivo acesso é feito através do mencionado logradouro.

11.– Terminada a construção, em 1988, continuou a utilizar esse espaço como casa de arrumos e para serviços de apoio a outras obras por si efectuadas, nomeadamente, para serviços de carpintaria.

12.– Tal utilização tem vindo a ser efectuada, desde o início, com o conhecimento dos condóminos e, até princípios do ano de 2007, sem oposição por parte destes.

13.– Durante o ano de 2006, os RR. levaram a cabo obras de remodelação e melhoramento desse espaço, que está constituído por uma sala, dois quartos, uma casa de banho e uma kitchenette, ocupando uma área de 160 m2.

14.– As obras em causa foram efectuadas à vista de todos os condóminos.

15.– Beneficia de luz natural através de duas janelas – que não têm a área mínima correspondente às áreas dos respectivos compartimentos – uma fresta gradeada e porta envidraçada.

16.– O mesmo dispõe de fornecimento de água e de electricidade, com contadores próprios, e de rede de esgotos.

17.– Os consumos de água e de electricidade são suportados pelos RR.

18.– Dispõe de chaminé para saída de fumos e gases.

19.– Os RR. cederam o uso deste espaço a terceiros, para habitação.

20.– O espaço assim edificado não consta dos projectos de construção aprovados e licenciados pela Câmara Municipal de Cascais.

21.– Correu termos pelo extinto 1º Juízo de Competência Especializada Cível do Tribunal de Família e de Menores e de Comarca de Cascais o Procedimento Cautelar Comum n. 1953/07.3, no âmbito do qual foi proferida a decisão que consta do documento junto a fls. 85/92 dos autos. 
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Analisando as conclusões da recorrente, funda esta a sua discordância relativamente à decisão objecto de recurso, essencialmente nos seguintes pontos:
-o tribunal recorrido não tem competência nem legitimidade para aferir da legalidade da construção edificada pelo R. marido;
-este edificou-a há mais de 23 anos, nunca tendo existido oposição de qualquer dos demais condóminos, pelo que se verificam os requisitos de aquisição por usucapião;
-a decisão sob recurso ao mandar demolir a edificação por se considerada edificada em espaço comum, altera ilegitimamente o título constitutivo acrescentando ao logradouro a área de 160 metros quadrados que corresponde à área da edificação, querendo converter tal área em espaço comum, o que é contrário à lei;

Decidindo

a) Se se verificam os requisitos para se considerar adquirido pelos RR., a propriedade do espaço por estes edificado e localizado por baixo das fracções “D” e “E” do imóvel sito no Lugar da Torre, em Cascais, registado na C.R.P. de Cascais sob o nº 0000, ou se ao invés devem ser condenados a demolir este espaço por edificado em parte comum;

Considerou o tribunal recorrido a seguinte fundamentação:
“No caso sub judice, em face do teor da escritura pública de constituição da propriedade horizontal, das descrições prediais e inscrições de propriedade e das certidões matriciais, constata-se que o logradouro com a área de com a área de 191,60 m², constituindo propriedade comum, ficou afecto às fracções “A”, “B”, “C” e “F”, que têm o respectivo uso exclusivo.
(…)
Ora o espaço objecto de litígio tratava-se, inicialmente, de um armazém edificado pelo R. IJ(condómino proprietário da fracção “A”) por baixo das fracções “D” e “E”, aproveitando o espaço aí existente e resultante da diferença de cotas do terreno – abaixo do nível do solo relativamente ao arruamento público, de nível com o logradouro fronteiro, comum às fracções “A”, “B”, “C” e “F”, cujo acesso é feito através do mencionado logradouro, destinado à guarda dos materiais necessários à construção, sendo utilizando para esse efeito.
Terminada a construção, em 1988, continuou a utilizar esse espaço como casa de arrumos e para serviços de apoio a outras obras por si efectuadas, nomeadamente, para serviços de carpintaria, utilização que foi sendo efectuada, desde o início, com o conhecimento dos condóminos e, até princípios do ano de 2007, sem oposição por parte destes.
Durante o ano de 2006, os RR. levaram a cabo obras de remodelação e melhoramento desse espaço, que está constituído por uma sala, dois quartos, uma casa de banho e uma kitchenette, ocupando uma área de 160 m2, obras que foram efectuadas à vista de todos os condóminos.
O espaço assim edificado não consta dos projectos de construção aprovados e licenciados pela Câmara Municipal de Cascais, e os RR. cederam o respectivo uso a terceiros, para habitação.
Como já dito, o prédio em questão encontra-se submetido ao regime de propriedade horizontal, direito distinto da propriedade singular e com um estatuto jurídico diferenciado desta, que se corporiza no respectivo título constitutivo e se deve conformar com as normas legais que o regem, de carácter imperativo.
E, no que concerne ao espaço objecto de discórdia, (…) Pelas suas características configura uma nova fracção (edificada em propriedade comum), cuja construção não se mostra licenciada pela Câmara Municipal de Cascais, não se mostra autorizada por todos os condóminos e gera desconformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal.
Trata-se, pois, do resultado de obras que constituem inovação.
Ora as inovações na propriedade comum, quando alterem as características do prédio, especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal, encontram-se submetidas ao regime jurídico previsto para as modificações do mesmo título.
E, no que respeita à modificação deste, preceitua o artigo 1419º nº 1, do Código Civil, que, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 1422º-A, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos.
Tal como vem sendo entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, não é possível modificar o título constitutivo por meio de decisão judicial, já que a única forma de essa modificação operar é através de escritura pública outorgada por todos os condóminos.
(…)
Neste entendimento, que subscrevemos sem reservas, e em face do circunstancialismo fáctico adquirido, importa concluir pela ilegalidade da edificação efectuada pelos RR., não podendo, por este meio – sentença judicial – verem reconhecido um direito de propriedade singular sobre a referida edificação, motivo porque irrelevante se torna apreciar se ocorrem os requisitos da aquisição do direito de propriedade por usucapião.
(…)
Tratando-se de uma construção ilegal em propriedade comum, aos AA. assiste direito à respectiva demolição, que se mostra possível desde que mantidos os elementos estruturais – vigas, pilares e muros de suporte – como resulta da perícia efectuada.
Do explanado resulta que deve acolher-se a pretensão dos AA., improcedendo a pretensão dos RR.” 

Posto isto, alegavam os AA. a construção de uma edificação pelo R. marido, por baixo das fracções “D” e “E” e ao nível do logradouro que serve as fracções “A”, “B”, “C” e “F”, ilegal por não licenciada, não constante das respectivas plantas, nem do título constitutivo da propriedade horizontal, peticionando a sua remoção a expensas dos RR.

Alegavam os RR., em contraponto, que tal construção foi contemporânea da construção das moradias, que sempre a utilizaram sem oposição dos condóminos, que realizaram obras de renovação e melhoramento sem oposição destes, razão pela qual em reconvenção peticionavam que lhes fosse reconhecido o direito de propriedade sobre este espaço edificado.

Ora, não sendo pelos RR. expressamente peticionada a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, com o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre esta edificação com a área de cerca de 160 mts 2, o certo é que o pretendido, a ser deferido,  corresponde a uma implícita alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, mediante decisão judicial que reconhecendo a existência de uma edificação, reconhecesse os RR. como seus exclusivos proprietários, quer por a terem edificado, quer por a terem adquirido por usucapião.

Ou seja, o suposto vício, “erro de julgamento” imputado pelos RR. à sentença recorrida, nas suas conclusões 41 e 42, verificar-se-ia, necessariamente como consequência directa da sua pretensão, pois que então estes até agora inexistentes, no título, 160 mts2, passariam a existir, pertença exclusiva dos condóminos RR., proprietários da fracção “A”, sendo certo que este reconhecimento da propriedade só poderia operar se constituísse esta uma fracção autónoma (se reunidos os respectivos requisitos).

É que, ao contrário do referido pelos RR., a sentença recorrida não alterou o título constitutivo, nem mandou acrescer à área do logradouro comum, esta área de 160 mts., mas antes determinou que os RR. demolissem “a suas expensas, a construção ilegal por eles edificada no espaço, por baixo das fracções “D” e “E”.

Diga-se aliás que têm razão, os RR. na sua conclusão 42º, ao referirem que “a acrescer a área de 160m2, alterava-se ilegitimamente a metragem constante do título constitutivo para 356m2, e o projecto licenciado passaria duma área de 640m2, para uma área de 800m2!!!!”. Concorda-se, não pode ser e é por não poder ser, que procedeu o pedido formulado pelos AA. e improcedeu o pedido formulado pelos RR. no sentido de serem reconhecidos proprietários desta área.

Aliás, a questão que se coloca, é se este espaço edificado pelos RR. e por este usado desde 1988, seria susceptível de aquisição, mormente por usucapião, assim se alterando o título constitutivo da propriedade horizontal.

A resposta, no seguimento do entendimento expressado pela decisão recorrida, só pode ser negativa.

Conforme dispõe o artº 1414 do C.C., apenas as fracções que constituem unidades independentes podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal, estando estas ligadas entre si pela existência de partes comuns afectas ao uso de todas ou algumas unidades (uso exclusivo dos condóminos que a ela têm acesso).

Especifica ainda o artº 1415 do C.C. como critério integrador de constituição em propriedade horizontal, fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com uma saída própria para uma parte comum do prédio, ou para a via pública.

Assim, o que caracteriza o regime de propriedade horizontal é a fruição de um edifício por parcelas ou fracções independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afectos ao serviço do todo, segundo o estabelecido nos artigos 1414º e seguintes do Código Civil.

Trata-se, em suma, da coexistência, num mesmo edifício, de propriedades distintas perfeitamente individualizadas, ao lado da compropriedade de certos elementos, forçosamente comuns.

Assim, “a propriedade horizontal é integrada por um concurso de dois direitos. Há um direito de plena propriedade sobre as partes privativas (cada condómino é pleno proprietário de cada uma das fracções independentes de que se compõe o prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal) e este direito é uma plena “in res potestas” conferindo os poderes de proprietário. Coexiste com esta plena propriedade, uma compropriedade nas partes comuns (cada um dos condóminos é, além de proprietário pleno da sua parte privativa, comproprietário das partes comuns), que está ligada à propriedade plena da parte privativa, de tal forma que, na alienação do direito de propriedade horizontal vão coenvolvidos a propriedade sobre a parte privativa e o direito de compropriedade sobre as partes comuns.” (Direitos Reais, Mota Pinto, págs. 274).
Nos termos do disposto no artº 1417 do C.C, a propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, a requerimento de cada consorte, desde que se verifiquem as circunstâncias previstas no artº 1415 do C.C.

Por sua vez, dispõe o artigo 1418 do C.C., que no título constitutivo serão especificadas as partes do edifício que correspondem às várias fracções, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio podendo ainda este título indicar a menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum, o regulamento do condomínio e a previsão do compromisso arbitral para resolução dos litígios emergentes da relação de condomínio.

Ora, o R. marido e sua falecida mulher constituíram a propriedade horizontal sobre este imóvel sito na R. das Pereiras, nº 52, em Cascais, indicando como fracções autónomas, apenas as nele descritas, consignando como parte comum, apenas às fracções “A”, “B”, “C” e “F”, o logradouro com a área de 191,60 m2.

Nesta escritura não se fez constar qualquer edificação, para armazenagem ou não, apesar de já nesta data existir este compartimento adaptado a armazém, como fracção própria de um dos condóminos.

Neste sentido existia realmente uma desconformidade entre a realidade física e o título constitutivo, imputado aos próprios RR. que celebraram a escritura e sendo certo que o que não for designado no título como parte privada se presume (por exclusão) como parte comum do imóvel, objecto de compropriedade por todos os demais condóminos.

Sendo consideradas comuns por exclusão de partes, todas aquelas que no respectivo título de constituição de propriedade horizontal, não foram especificadas como fracções autónomas e individualizadas, refere Pires de Lima e Antunes Varela no seu Código Civil, em anotação ao artº 1421, a págs. 420 “No elenco das coisas forçosa ou necessariamente comuns cabem não só as partes do edifício que integram a sua estrutura (como elementos vitais de toda a construção), mas ainda aquelas que, transcendendo o âmbito restrito de cada fracção autónoma, revestem interesse colectivo, por serem objectivamente necessárias ao uso comum do prédio.

Quanto às primeiras (as que pertencem à estrutura da construção), elas são comuns, ainda que o seu uso esteja afectado a um só dos condóminos, pela razão simples de que a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos.

Quanto às segundas a sua utilidade pode ser mais ou menos ampla, mas a justificação da sua natureza está no facto de constituírem, isolada ou conjuntamente com outras, instrumentos do uso comum do prédio.

Esta edificação, existente, não sendo parte imperativamente comum, poderia ter sido especificada como fracção autónoma no título constitutivo da propriedade horizontal, ou poderia ainda ser objecto de aquisição por usucapião, desde que, num caso e noutro, fossem observados os requisitos previstos no artº 1415 do C.C. – unidade distinta e independente, com acesso próprio e directo à via ou a parte comum do prédio. (neste sentido vidé Ac. R.Lisboa de 20/11/2007, relatora Rosa Ribeiro Coelho, Proc. nº 5404/2007-7, disponível para consulta in www.dgsi.pt).

Não foi, no entanto, este espaço, posteriormente convertido em apartamento, especificado como fracção autónoma no título constitutivo da propriedade horizontal pelo R. marido e sua falecida esposa, que a constituíram, apesar de ter existência física e não o foi, pelas mesmas razões que obstam agora à pretensa aquisição por usucapião pelos RR.

A aquisição por usucapião não se destina a dar cobertura a actos de clandestinidade ou a obter por via deste instituto aquilo que não poderia ser obtido por outra via.

O referido espaço, não consta como tal das plantas do imóvel, não tem acesso directo para a via pública, apenas se podendo aceder ao mesmo por um logradouro comum às fracções “A”, “B”, “C” e “F”, não resulta que reúna os requisitos necessários para poder ser considerado fracção autónoma, nem tal foi invocado pelos RR.
Ora, conforme refere Henrique Mesquita (in “A propriedade horizontal”, pág. 94) “o título constitutivo é um acto modelador do estatuto da propriedade horizontal e as suas determinações têm natureza real e, portanto, eficácia erga omnes. Trata-se de um dos poucos casos em que a autonomia da vontade pode intervir na fixação do conteúdo dos direitos reais, o qual, nesta medida, deixa de ser um conteúdo típico. Estas regras embora resultantes de uma declaração negocial, adquirem força normativa ou reguladora vinculando, desde que registadas, os futuros adquirentes das fracções, independentemente do seu assentimento”.

Porém, a liberdade de modelação do regime da propriedade horizontal está fortemente condicionada não apenas pelo facto de se tratar de um direito real, subordinado ao princípio da tipicidade, mas também por razões de interesse público, designadamente decorrentes dos direitos de edificação e do ambiente, de forma a evitar dar cobertura por esta via a situações de clandestinidade, como é o caso dos autos, sem que se perceba ou faça sequer sentido a pretensão exposta apenas em sede de recurso de que o tribunal é incompetente para apreciar a ilegalidade da referida construção, incumbindo à CM essa fiscalização.

Trata-se em primeiro lugar de questão que não foi colocada em sede própria e não apreciada pelo tribunal recorrido, não sendo sequer a questão tratada subsumível, à mera questão da legalidade ou ilegalidade das obras, face a normativos municipais, mas antes de enquadramento com o regime da propriedade horizontal.

Assim, como no âmbito do condomínio, pela sua natureza e função, o valor privilegiado é o da estabilidade, compreende-se que a lei, no já citado art. 1419º, nº 1, confira ao título constitutivo da propriedade horizontal um carácter de imutabilidade, permitindo a sua alteração apenas quando ocorra acordo expresso de todos os condóminos, devidamente corporizado em escritura pública ou documento particular autenticado.

Pretende-se assim evitar que a posição relativa de cada condómino seja alterada por via negocial sem o seu consentimento, em clara violação do disposto no artº 1306 do C.C.
Daqui se conclui que a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal apenas pode ser efetuada em conformidade com o preceituado no art. 1419º, nº 1 do Cód. Civil e nunca através de decisão judicial, que se funde, designadamente, na aquisição por usucapião (neste sentido Acs. STJ de 15.11.2011, proc. 718/03.6 TBPNL.L1.S1, de 20.10.2011, proc. 369/2002.E1.S1, de 13.12.2007, proc. 07A3023; Ac. Relação do Porto de 30.9.2014, proc. 1388/09.3 TBPVZ.P1 todos disponíveis in www.dgsi.pt.), com mexcepção do previsto no artº 1422-A do C.P.C.

Posto isto, “a usucapião só opera a aquisição do direito real por forma correspondente ao direito sobre o qual se exerce a posse (…) na propriedade horizontal, o direito de propriedade exclusiva só se pode exercer sobre frações autónomas, perfeitamente individualizadas no título constitutivo (arts. 1414º, 1415º, 1418º e 1420º do Cód. Civil). Assim, a usucapião apenas é possível quanto a frações autónomas inteiras e desde que reunidos os requisitos que permitiriam a sua constituição como fracção autónoma (Cfr. Ac. STJ de 13.12.2007, proc. 07A3023, disponível in www.dgsi.pt). Aliás, se tal fosse permitido estar-se-ia a infringir a norma legal contida no art. 1419º, nº 1 do Cód. Civil que exige para a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal o acordo de todos os condóminos consubstanciado em escritura pública ou documento particular autenticado.” (Ac. da R.Porto de 13/09/16, relator Rodrigues Pires, Proc. nº 2144/10.1TBPVZ.P1.)

Assim sendo, tendo sido edificado por um dos condóminos, um espaço situado por baixo de duas fracções autónomas e tendo apenas como acesso o logradouro comum a outras fracções deste imóvel, posteriormente adaptado a apartamento habitacional, não demonstrando os RR. que tenham obtido o acordo de todos os condóminos para esta alteração, nem reunindo os requisitos para que se considere adquirido este espaço por usucapião, o que lhes está vedado quer por via do disposto no artº 1306, quer por via do disposto no artº 1415 e 1419 do C.C., quer ainda por via das regras de urbanismo previstas no RGEU, a apelação improcede assim no seu todo.   
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DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação julgar improcedente a apelação e confirmar na íntegra a decisão recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa 28/06/18


                                           
(Cristina Neves)                                          
(Manuel Rodrigues )                                           
(Ana Paula A.A. Carvalho)