Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FERREIRA DE ALMEIDA | ||
Descritores: | INCOMPETÊNCIA MATERIAL REMESSA DO PROCESSO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/27/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | -Dispõe o art. 99º, nº2, do C.P.Civil que, decretada a incompetência depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada. -Demandadas pessoas diversas, e reportando-se a incompetência do tribunal comum apenas a uma delas, deve considerar-se inaplicável o disposto no citado preceito. -Uma vez que, assim se não entendendo, efectuada a remessa, e mantendo-se a mesma na causa, viria o pedido deduzido contra a restante demandada a ser apreciado por tribunal que, nessa parte, careceria de competência material. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa. Relatório: 1.-S... Lda, propôs, contra APRAM - Administração dos Portos da Região Autónoma da Madeira e C... Lda, acção sob a forma ordinária, a correr termos na comarca da Madeira - Instância Central, pedindo a condenação das RR. a reparar os prejuízos alegadamente decorrentes do encerramento do cais onde se situa o respectivo estabelecimento comercial. Proferida decisão, julgando o tribunal incompetente em razão da matéria, relativamente ao pedido formulado contra a R. APRAM, veio a A. requerer a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal. Indeferido o requerido, dessa decisão interpôs a A. o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões : -Viola o disposto no n°2 do art. 99° do CPC a decisão de indeferimento de remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal por atender aos motivos não justificados apresentados na oposição da R. -Admitindo, sem conceder, que a oposição venha a ser considerada justificada, entende a A. que a decisão do tribunal quando afirma que "nos presentes autos mantém-se estabilizada a instância quanto à Ré C... Lda, a qual não foi afetada pela referida declaração de incompetência", pretendendo prosseguir os autos só em relação a esta, é violadora de princípios de direito internacional, constitucional e processual. -No exercício da sua actividade o Tribunal deverá respeitar o disposto no art. 6º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que assegura o direito a um processo equitativo - ali estabelece-se que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativamente por um tribunal imparcial que decidirá sobre a determinação dos seus direitos civis. -Tal decisão de prosseguir os autos contra uma das duas demandadas viola também o disposto no n°5 do art. 20° da Constituição da República Portuguesa que garante a efectiva tutela jurisdicional. -A Constituição impõe que "para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos". -Este princípio de efectiva tutela jurisdicional encontra-se também plasmado no art. 26º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, mas é posto em causa por aquela decisão. -O Código de Processo Civil consagra no seu art. 2° aquele princípio ao referir o seguinte: "a proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar". -A decisão do tribunal de se arrogar competente para uma R., impedindo a remessa dos autos para o tribunal administrativo, violou o disposto no art. 3°, nº4, e 4° do C.P.Civil, na medida em que se consubstanciou na produção de uma decisão surpresa que violou o estatuto de igualdade substancial das partes na aplicação de uma sanção processual. -De forma a permitir um equilíbrio entre as partes e a fazer valer o princípio da economia processual o art. 99°, nº2, do CPC dispensou o acordo entre aquelas no reenvio do processo para o tribunal reputado competente, mas permitiu que o réu apresentasse oposição, desde que justificada. -Com isto pretendeu o legislador impedir que o réu, mediante a remessa dos autos para outro tribunal, ficasse prejudicado na sua defesa, já que a fase dos articulados encontrava-se encerrada. -No caso concreto, a APRAM, na fase de articulados apresentou a sua defesa, a mesma que apresentaria caso o processo tivesse inicialmente sido proposto no tribunal administrativo, pelo que os motivos que alegou - estabilização da instância quanto à outra R., a C..., e a situação de desaforamento - não são justificados. -Para que seja atendida a oposição da R. e, por via disso, indeferido o pedido de remessa dos autos para o tribunal competente, é necessário que a mesma mostre que tal acto a prejudicará na sua defesa, que no novo tribunal não será exercida ou será de forma limitada, o que não aconteceria no tribunal onde foi absolvida. -Só se o motivo mostrar que a remessa para outro tribunal acarretará prejuízos para a sua defesa, em virtude desse reenvio, é que a oposição da R. pode ser atendida. -Nenhum motivo ligado à perda de direito de defesa apresentou a APRAM na sua oposição, pelo que esta não deveria ter sido atendida. -Se o requerimento para declaração de incompetência absoluta em relação à R. APRAM foi apreciado de forma positiva pelo tribunal, a partir do trânsito em julgado desta decisão está aberta a possibilidade à A. de fazer uso da faculdade do n°2 do art. 99º do C.P.Civil. -A decisão do tribunal de considerar-se competente para julgar somente uma das duas RR. inicialmente demandadas limita à A. o exercício do seu direito substantivo: o de ver ressarcidos todos os prejuízos decorrentes do encerramento do cais onde se localiza o seu estabelecimento comercial. -Requerido o envio do processo para o tribunal administrativo, ao tribunal a quo não assiste o direito de levar a A. a limitar o número de RR. que esta demandou, convidando-a a escolher contra quem quer prosseguir os autos. -Tendo a A. manifestado a intenção de ver o processo tal como o arquitetou - com a PI formulada nos termos em que o fez - não pode o tribunal decidir prosseguir os autos somente em relação à R. C.... -Ao decidir desta forma, o tribunal está a prejudicar a possibilidade da A. de fazer valer do direito substantivo subjacente à presente situação, negando uma tutela efectiva do seu direito de ser indemnizada. -Dispondo a lei (art. 498°, n°1, C.Civil) que o prazo para reclamar o direito de indemnização prescreve passados três anos sobre a data em que o lesado teve conhecimento dos factos geradores de responsabilidade civil, tal prazo já há muito se extinguiu, já que aqueles ocorreram em Fevereiro de 2012. -Estando-se já no mês de Maio de 2016 sem que o processo tenha chegado a um fim, não é da responsabilidade da A. o decurso deste longo período superior a três anos. -Não pode a A. aproveitar os efeitos civis desta ação para propor nova acção, ao abrigo do disposto no art. 279° do CPC, pois já passaram 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância - trânsito esse necessário para fazer uso da faculdade expressa no art. 99°, n°2, do CPC, que a A. pretendia exercer e exerceu. -Se é verdade que a A. poderia ter solicitado o envio dos autos para o tribunal administrativo após o trânsito em julgado do acórdão da Relação, que absolveu da instância as chamadas, não quer dizer que fosse obrigada a fazê-lo. -Tanto mais que, antes do trânsito em julgado de tal decisão a R. APRAM, que havia, em contestação, alegado que "a referida parte superior da falésia constitui zona costeira, cuja conservação e reabilitação é da responsabilidade da Câmara Municipal da Ponta do Sol e da Direção Regional do Ambiente" (as chamadas), veio reconhecer o seguinte: a APRAM "trata-se de uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, a quem compete, v.g., administrar o domínio público hídrico na sua área de jurisdição, área que está em causa nestes autos". -A atitude do tribunal acabou por consubstanciar-se na produção de uma sentença surpresa, pois nada levava a crer que, exercendo, como a lei permite, a faculdade do disposto no nº2 do art. 99° do C.P.Civil, a A. fosse surpreendida com a atitude do tribunal em dividir uma única acção com duas RR. em duas acções, mantendo parte contra uma R. e ignorando outra parte. -Se é certo que o muro pertence à C..., sendo esta responsável pela sua manutenção, no entender da A., também certo é que a escarpa, área sujeita à jurisdição da APRAM, havia sido alvo de trabalhos encomendados pela APRAM, que responde pela manutenção da mesma. -Ao julgar somente a C..., deixam de ter utilidade os factos trazidos aos autos relativos à APRAM, com a agravante de a A. jamais poder deduzir qualquer pedido contra esta a este respeito. -Mesmo que pudesse deduzir qualquer pedido contra ela em sede de jurisdição administrativa, desacompanhada da C..., a mesma contestaria que a responsável era esta e estava a ser demandada pela A. no tribunal judicial. -Porque a instância não se encontrava estabilizada em termos de competência - estabilizada estaria se o tribunal fosse competente para apreciar a acção tanto em relação a uma ré como a outra - o tribunal não pode escolher uma ré para prosseguir os autos quando a outra foi absolvida, recusando ao autor a possibilidade de exercer a faculdade do nº2 do art. 99° do C.P.Civil. -Termos em que deverá a presente apelação proceder, revogando-se a decisão ora recorrida, que deverá ser substituída pelo deferimento dos autos para o Tribunal Administrativo do Funchal. Em contra-alegações, pronunciou-se a apelada APRAM pela confirmação do julgado. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2.Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação da requerida remessa dos presentes autos ao tribunal administrativo. Dispõe o art. 99º, nº2, daquele diploma que, decretada a incompetência depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada. No caso, tendo sido demandadas pessoas diversas, a declarada incompetência do tribunal comum reporta-se, todavia, apenas à R. APRAM - pelo que, independentemente da oposição desta, desde logo, se deve considerar inaplicável o disposto no citado preceito. Sob pena de, assim se não entendendo, efectuada a pretendida remessa, e mantendo-se a mesma na causa, vir o pedido deduzido contra a restante demandada a ser apreciado por tribunal que, nessa parte, careceria de competência material. Irrelevando as demais considerações a tal respeito expendidas, forçoso se torna, pois, concluir pela improcedência da pretensão da apelante. 3.Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida. Custas pela apelante. Lisboa,27.10.2016 Ferreira de Almeida - relator Catarina Manso - 1ª adjunta Alexandrina Branquinho - 2ª adjunta | ||
Decisão Texto Integral: |