Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
111178/21.3YIPRT.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL
RELAÇÃO JURÍDICA ADMINISTRATIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Para se aferir da competência do tribunal em razão da matéria há que ter em conta o pedido e a causa de pedir em que aquele se funda, atendendo à relação material controvertida tal como ela é apresentada pelo autor e ao pedido que dela decorre.
II – Tendo em consideração que os tribunais administrativos são os competentes para dirimir os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas, importa essencialmente apurar em cada caso o que se entende por “relação jurídica administrativa”.
III – A relação jurídica administrativo poderá ser entendida como aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
MUNICÍPIO DE LISBOA, intentou ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra MEDICAL ONE LDA., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 14 809,01€, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal de 4%, desde 02-12-2021 até efetivo e integral pagamento, alegando para tal, o incumprimento de um contrato de arrendamento comercial com prazo certo.
Foi proferida sentença que absolveu a ré da instância.
Inconformado, veio o autor apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[3]:
1- O Tribunal a quo sustenta a sua decisão na alínea f), do n.º 1, do artigo 4.º, do ETAF, a qual, nos termos da sentença recorrida, circunscreve que são da competência dos tribunais administrativos os litígios que tenham como objeto questões relativas a interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos de respetivo regime substantivo, ou de contratos que as partes tenham expressamente submetidos a um regime substantivo de direito público.
2- A redação da referida alínea foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de
outubro, não correspondendo à versão vigente à data da instauração da ação (02.12.2021), a qual se reporta aos litígios que tenham por objeto questões relativas à “Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo”.
3- Os autos não se reconduzem a uma questão de responsabilidade civil extracontratual, nos termos da atual alínea f), do n.º 1, do artigo 4.º do ETAF, pelo que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao subsumir a situação dos autos num normativo legal que não se lhe aplica.
4- A competência de um tribunal determina-se pela forma como o autor configura a ação, sendo definida pelo respetivo objeto, tal como se mostra delimitado pelo pedido formulado e pela respetiva causa de pedir.
5- No caso dos presentes autos, o pedido formulado pelo Autor, ora Recorrente, consiste na condenação da Ré, ora Recorrida, no pagamento das quantias devidas a título de rendas vencidas e não pagas, indemnização pela mora, e respetivos juros de mora vencidos e vincendos, sendo a causa de pedir o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, sendo que o interesse primacial que o Autor, ora Recorrente, visa obter com a instauração da ação é o pagamento das referidas quantias.
6- Considerando a relação material controvertida, a mesma não se enquadra na alínea f) como também em nenhuma das restantes alíneas do n.º 1, do artigo 4.º, do ETAF.
7- O presente litígio emerge de uma relação de natureza jurídico privada, tendo as partes especificamente submetido o contrato em apreço, conforme decorre da sua Cláusula Décima, às normas de direito privado, nomeadamente ao disposto no Novo Regime do Arrendamento Urbano.
8- Nos termos do disposto no artigo 200.º do Código do Procedimento Administrativo, o contrato de arrendamento celebrado entre as partes não é um contrato administrativo sujeito a um regime substantivo de direito administrativo, não sendo também um contrato celebrado nos termos da legislação sobre contratação pública, atento o previsto no artigo 4.º, n.º 2, alínea c), do CCP.
9- A situação dos autos não se prende com a validade de qualquer ato pré-contratual, uma vez que o Autor, ora Recorrente, apenas pretende o pagamento das quantias em dívida relativas ao contrato de arrendamento entre as partes celebrado, nem se subsume numa relação jurídica administrativa.
10- A apreciação do litígio in casu não é da competência dos tribunais administrativos e fiscais, mas sim dos tribunais judiciais atento o disposto no artigo 64.º do CPC, devendo, nessa conformidade, ser revogada a sentença recorrida.
A ré não contra-alegou.
Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[5],[6]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por MUNICÍPIO DE LISBOA, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:
1.) Saber qual o tribunal judicial materialmente competente para apreciar do pedido de pagamento de rendas vencidas no âmbito de um contrato de arrendamento comercial com prazo certo celebrado entre a EPUL – Empresa Pública de Urbanização de Lisboa e a Medical One Lda..       
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS
1.) Em 29.11.2012, a EPUL – Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) celebrou com a Medical One Lda., um contrato de arrendamento comercial com prazo certo relativo à loja sita na R …, … A, designada por Loja …, Edifício … do Lote …, no
Empreendimento Praça de Entrecampos, em Lisboa.
2.) A EPUL dissolveu-se por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, tendo nessa sequência ocorrido o encerramento e liquidação da mesma.
3.) Sendo que, com a referida extinção da EPUL, operou-se a favor do Município de Lisboa a reversão de todos os direitos e obrigações pertencentes à então EPUL.
2.2. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[7] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER QUAL O TRIBUNAL JUDICIAL MATERIALMENTE COMPETENTE PARA APRECIAR DO PEDIDO DE PAGAMENTO DE RENDAS VENCIDAS NO ÂMBITO DE UM CONTRATO DE ARRENDAMENTO COMERCIAL COM PRAZO CERTO CELEBRADO ENTRE A EPUL – EMPRESA PÚBLICA DE URBANIZAÇÃO DE LISBOA E A MEDICAL ONE LDA..
O apelante alegou que “a situação vertente não se reconduz a uma questão de responsabilidade civil extracontratual, nos termos da aludida alínea f), do n.º 1, do artigo 4.º do ETAF, na versão aplicável e em vigor”.
Mais alegou que “o pedido formulado consiste na condenação da Recorrida, no pagamento das quantias devidas a título de rendas vencidas e não pagas, indemnização pela mora, e respetivos juros de mora vencidos e vincendos, sendo a causa de pedir o contrato de arrendamento celebrado, em tempo, entre a EPUL – Empresa Pública de Urbanização de Lisboa e a Ré, ora Recorrida”.
Alegou ainda que “o litígio emerge de uma relação de natureza jurídico privada, tendo as partes especificamente submetido o contrato às normas de direito privado, nomeadamente ao disposto no Novo Regime do Arrendamento Urbano”.
Assim, concluiu que “não é da competência dos tribunais administrativos e fiscais a apreciação deste litígio”.
O tribunal a quo decidiu que estando “a relação jurídica regulada por normas específicas do direito público, caberá aos tribunais administrativos a competência para o seu conhecimento, e não aos tribunais judiciais”.
Vejamos a questão.
Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais – art. 212º/3, da Constituição da República Portuguesa.
Na ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território – art. 37º/1, da Lei nº 62/2013, de 26-08, que aprovou a Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ).
A competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código – art. 60º/1, do CPCivil.
Na ordem interna, a competência ordena-se pelas diversas categorias de tribunais, de acordo com a matéria, o valor da causa, a hierarquia e o território – art. 60º/2, do CPCivil.
São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional – art. 64º, do CPCivil.
Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto – art. 1º/1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02.
Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais – art. 4º/1/a, do ETAF.
Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes – art. 4º/1/e, do ETAF.
Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo – art. 4º/1/f, do ETAF, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 214-G/ 2015, de 02-10.
Para se aferir da competência do tribunal em razão da matéria há que ter em conta o pedido e a causa de pedir em que aquele se funda, atendendo à relação material controvertida tal como ela é apresentada pelo autor e ao pedido que dela decorre[8].
Assim, a competência do tribunal afere-se dos termos em que a ação é proposta, determinando-se, pois, pelo pedido do autor[9], [10],[11],[12],[13],[14],[15],[16],[17],[18],[19],[20],[21],[22].
Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que o integram[23].
Na definição desta competência a lei atende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objeto, encarado sob um ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada[24].
Ora, sendo da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, a competência residual será, pois, destes tribunais[25],[26],[27],[28],[29],[30].
Isto é, os tribunais judiciais só não serão competentes se a lei atribuir competência a outros tribunais no confronto com as restantes ordens de tribunais constitucionalmente consagradas.
Por sua vez, os tribunais administrativos têm a sua competência limitada às causas que lhe são especialmente atribuídas nos termos do art. 212°/3, da CRPortuguesa e art. 1° do ETAF, cingindo-se tal competência ao julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais[31].
Assim sendo, os tribunais administrativos e fiscais serão os competentes para o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
E, o que se deve entender por relação jurídica administrativa, para efeitos de se determinar a competência material dos tribunais administrativos.
Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as ações e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público; (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal[32],[33],[34],[35],[36],[37],[38],[39].
Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil»[40]
Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal[41].
Deste modo, podemos entender por relações jurídico-administrativas as (a) que se estabelecem entre duas pessoas coletivas públicas ou entre dois órgãos administrativos, desde que não haja nas mesmas indícios claros da sua pertinência ao direito privado (b) em que um dos sujeitos, pelo menos, atua no exercício de um poder de autoridade, com vista à realização de um interesse público legalmente definido (c) em que o sujeito público ou privado atua no cumprimento de deveres administrativos, de autoridade pública, impostos por motivos de interesse público[42],[43],[44],[45].
Será, pois, à luz do conceito de relação administrativa que as alíneas do art. 4.º do ETAF devem ser lidas e interpretadas, posto que, essencial para que a competência seja deferida aos tribunais administrativos é que o litígio se insira no âmbito de uma relação dessa natureza, o mesmo é dizer numa relação onde a administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público[46],[47],[48],[49],[50],[51].
Nesta ação, o apelante/autor, entidade pública, vem peticionar o pagamento de rendas vencidas relativas a um contrato de arrendamento comercial outorgado com a apelada/ré, entidade privada, no qual sucedeu na posição de senhorio por força da extinção da primitiva entidade outorgante, isto é, uma ação relativa à execução de um contrato.
Assim, o pedido de pagamento de rendas vencidas reporta-se a um contrato de arrendamento comercial celebrado entre as partes, no qual a primitiva entidade outorgante, além de ter atuado desprovida de poderes de autoridade, as partes também não remeteram expressa ou implicitamente a regulação da sua relação a um regime substantivo de direito administrativo, mas sim, para o regime substantivo de direito privado.
A causa de pedir tem pois, por base um alegado incumprimento pela apelada de um contrato de arrendamento comercial celebrado com a (extinta) EPUL e, relativamente ao qual, são peticionados o pagamento das rendas vencidas e não pagas.
Estamos, pois, perante um contrato de natureza e objeto exclusivamente de direito privado, porquanto não se mostra regulado por normas de direito público, nem foi objeto de uma expressa remissão, das partes, para aplicação de um regime substantivo de direito público[52].
Pela leitura das cláusulas contratuais verifica-se que a matéria que delas consta entronca em obrigações típicas e lidimas de um regime contratual regido por regras e assunções normativas tipicamente de natureza civil privada.    
Tal, resulta de as partes terem submetido o contrato de arrendamento, como decorre da sua cláusula décima, ponto 1, às normas de direito privado, em particular, ao Novo Regime do Arrendamento Urbano e, competente para a resolução de um conflito que viesse a surgir na execução do contrato o foro da comarca de Lisboa, que não o foro administrativo.
Temos, pois, que as relações entre as partes são de natureza privada, tendo a EPUL, à qual sucedeu a apelante com a respetiva extinção, arrendado à apelada uma loja sita na Rua …, em Lisboa, mediante o pagamento de uma renda mensal devida pela sua utilização, para exercício de uma atividade comercial.
Ora, só estão abrangidos pelo âmbito da jurisdição administrativa questões (validade dos respetivos atos pré contratuais, interpretação, validade e execução) relativas a dois tipos de contrato: contratos administrativos e contratos submetidos a regras de contratação pública.
Não estando o contrato submetido a regras de contratação pública, a jurisdição administrativa será a competente apenas se o contrato em causa for qualificado como contrato administrativo, pois a Administração Pública tem a possibilidade de celebrar contratos submetidos a um regime de direito privado[53],[54].
Os contratos da Administração Pública são contratos de direito privado, salvo quando a sua qualificação como administrativos resulte de normas ou da conjugação de critérios de administratividade (constantes do art. 280º/1, do Código de Contratos Públicos, aprovado pelo DL n.º 18/2008, de 29-01), deles dependendo portanto a qualificação de quaisquer contratos como administrativos.
No caso, além de não se estar perante um contrato qualificado pela lei como administrativo, as partes também não o qualificaram como tal, nem resulta do respetivo clausulado que o hajam submetido a um regime substantivo de direito público, pois não se mostram inseridas quaisquer cláusulas insuscetíveis de consagração em contratos privados, designadamente, a conferir ao contraente público poderes de autoridade[55],[56].
Não se vislumbra, pois, a existência de uma qualquer qualificação da aludida relação jurídica como uma relação jurídico-administrativa, portanto, suscetível de determinar a competência dos tribunais administrativos.
Isto porque, os pedidos formulados pela apelante não se mostram enquadráveis na esfera de competência material dos tribunais administrativos, porquanto a sua atuação, no âmbito da relação contratual estabelecida com a apelada, não se mostra revestida de quaisquer poderes de autoridade ou são impostos por motivos de interesse público, não sendo a relação estabelecida entre as partes de natureza jurídica administrativa[57], [58], [59],[60],[61],[62].
Concluindo, será, pois, o juiz 4, do juízo local cível de Lisboa, do tribunal judicial da comarca de Lisboa, onde foi intentada esta ação para pagamento de rendas vencidas e não pagas relativas a um contrato de arrendamento comercial, o competente, em razão da matéria, para a preparar e julgar.
Destarte, procedendo o recurso, há que revogar a decisão recorrida que decidiu “caber aos tribunais administrativos a competência para o seu conhecimento e não aos tribunais judiciais”, determinando o prosseguimento dos autos pelo tribunal judicial da comarca de Lisboa, juízo local cível de Lisboa, juiz 4, por ser o materialmente competente para preparar e julgar a ação, local onde foi instaurada a ação.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos pelo tribunal judicial da comarca de Lisboa, juízo local cível de Lisboa, juiz 4, por ser o tribunal materialmente competente para preparar e julgar a ação.       
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pela apelada (na vertente de custas de parte, por outras não haver[63]), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida (no recurso de apelação, tenha ou não acompanhado o recurso, é o recorrido vencido responsável pelo pagamento das custas[64])[65].
                                     
Lisboa, 2023-05-25[66],[67]
Nelson Borges Carneiro
Inês Moura
Vaz Gomes

[1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[2] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.
[3] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2, do CPCivil.
[4] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2, do CPCivil.
[5] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.
[6] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[7] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º/3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.
[8] A competência em razão da matéria dos tribunais e agora das suas secções para a preparação e julgamento de uma ação deve ser aferida em concreto, tendo em atenção o respetivo regime legal, e a natureza da relação substancial em causa, a partir dos seus sujeitos, causa de pedir e pedido – Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2015-02-05, Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES, http://www.dgsi. pt/jtrp.
[9] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, p. 91.
[10] A competência dos tribunais afere-se pelos termos em que a ação é proposta, determinando-se, pois, pelo pedido do autor – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-07-06, Relator: RAMALHO PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[11] A competência do tribunal, sendo um pressuposto processual, afere-se pelo pedido e respetivos fundamentos, nos termos em que são configurados pela A – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-02-20, Relator: RIBEIRO CARDOSO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[12] A competência jurisdicional é aferida em relação ao objeto do processo – pedido e causa de pedir - apresentado pelo autor, valendo essa aparência como realidade, para o efeito de se determinar se o tribunal é ou não dotado de competência – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-01-10, Relator: MANUEL CAPELO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[13] A competência material é determinada em função da forma como o Autor configura a ação, causa de pedir e pedido – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2010-02-11, Relator: MANUEL GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[14] A determinação da jurisdição competente para decidir a ação, tem de ser aferida em função dos termos em que o autor formulou a sua pretensão e os fundamentos em que a sustentou – pedido e causa de pedir – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2009-06-04, Relatora: ONDINA ALVES, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[15] A competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da relação jurídica controvertida tal como é configurada pelo autor, em termos do pedido e da causa de pedir e da própria natureza dos sujeitos processuais – Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2017-11-07, Relator: ISAÍAS PÁDUA, http://www.dgsi.pt/jtrc.
[16] A competência do tribunal afere-se pelos termos em que a ação foi proposta e pelo pedido do autor – Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2011-03-31, Relator: AMARAL FERREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrp.
[17] A competência dos tribunais em razão da matéria afere-se pelos termos em que a ação é proposta e determina-se pela forma como o autor estrutura o pedido e os respetivos fundamentos – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2018-12-17, Relator: AMÍLCAR ANDRADE, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[18] A competência dos tribunais é aferida em função dos termos em que a ação é proposta, seja quanto aos seus elementos objetivos (natureza da pretensão ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou ato donde teria resultado esse direito, etc.), seja quanto aos seus elementos subjetivos (identidade das partes) – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2017-06-08, Relatora: MARIA DOS ANJOS MELO NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[19]  Para aferir da competência de um tribunal deve atender-se à natureza da pretensão formulada ou do direito para o qual o demandante pretende a tutela jurisdicional e ainda aos factos jurídicos invocados dos quais emerge aquele direito, ou seja, ao pedido e à causa de pedir – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2018-09-27, Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[20] A competência, tal como ocorre com qualquer pressuposto processual, afere-se em face do pedido formulado, concatenado com a causa de pedir, ou seja, com a natureza da relação material em litígio tal como é configurada pelo autor – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2022-07-13, Relator: FERNANDO CABRAL DE ANDRADE, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[21] A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como definida pelo autor no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2017-01-26, Relatora: ANA CRISTINA DUARTE, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[22] Para aferir da competência material do tribunal não basta atender ao pedido, havendo que ponderar o modo como o autor configura a ação na sua dupla vertente, pedido e causa de pedir, tendo ainda em conta as circunstâncias disponíveis que revelem sobre a exata configuração da causa – Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2013-07-11, Relator: MATA RIBEIRO, http://www.dgsi.pt/jtre.
[23] ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, p. 197.
[24] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pp. 94/5.
[25] A competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual, conferindo-lhes o primeiro competência para todas as causas cujo objeto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial e o segundo, competência para todas as causas que, apesar de não terem por objeto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2021-07-06, Relatora: MICAELA SOUSA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[26] A competência dos tribunais comuns judiciais determina-se por um critério residual, cabendo-lhes, por regra, julgar todas as causas que não estejam atribuídas a outra jurisdição – Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2017-11-07, Relator: ISAÍAS PÁDUA, http://www.dgsi.pt/jtrc.
[27] Os tribunais judiciais, constituindo os tribunais regra dentro da organização judiciária, gozam de competência não discriminada, por isso sendo chamados de competência genérica, gozando os demais, tribunais especiais, de competência limitada às matérias que lhes são especialmente cometidas. Que o mesmo é dizer que a competência dos tribunais judiciais se determina por um critério residual, ou de exclusão de partes - tudo o que não estiver atribuído aos tribunais especiais. Segundo o critério da competência residual, incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objeto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial – Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2017-09-12, Relator: PIRES ROBALO, http://www.dgsi.pt/jtrc.
[28] A competência dos tribunais judiciais é uma competência residual, o que vale dizer que são da sua competência todas as causas não atribuídas a outra ordem jurisdicional, nomeadamente, à administrativa. (cfr. arts. 64º do CPC e 40º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário) – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2018-12-17, Relator: AMÍLCAR ANDRADE, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[29] 1. Os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada (competência residual), enquanto os restantes tribunais têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especificamente atribuídas – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2022-07-13, Relator: FERNANDO CABRAL DE ANDRADE, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[30] A competência dos tribunais comuns é residual, estendendo-se a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais – Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2013-07-11, Relator: MATA RIBEIRO, http://www.dgsi.pt/jtre.
[31] Nos termos do estatuído no artigo 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 1º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais o fator atributivo da competência aos tribunais administrativos radica na existência de uma relação jurídica administrativa, que pressupõe sempre a intervenção da Administração Pública investida no seu poder de autoridade (jus imperium), isto é, o exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2021-07-06, Relatora: MICAELA SOUSA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[32] GOMES CANOTILHO – VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, volume II, 4ª ed., p. 567.
[33] Para a determinação do domínio material da justiça administrativa continua a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado, tendo de considerar-se relações jurídicas públicas aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido. O que pressupõe um conjunto de relações onde a Administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público – VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Lições, 8ª edição, pp. 57/58.
[34] Relação jurídica administrativo é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração – FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, volume III, pp. 439/440.
[35] O critério mais adequado para distinguir o direito público do direito privado é o designado por teoria dos sujeitos, nos termos do qual, o direito privado regula as relações jurídicas estabelecidas entre particulares ou entre particulares e o Estado ou outros entes público, mas intervindo estes despidos de «imperium» ou poder soberano. Se a relação jurídica disciplinada pela norma não se apresenta com estas características, estamos perante uma norma de direito público, onde, pelo menos um dos sujeitos da relação disciplinada é um ente titular de autoridade e que intervém nessa veste, sendo, pois, detentor do poder de emitir comandos que se imponham a outrem, mesmo sem ou contra a vontade dos destinatários – MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, p. 16.
[36] São relações jurídico-administrativas: i) em princípio, aquelas que se estabelecem entre duas pessoas coletivas públicas ou entre dois órgãos administrativos (relações intersubjetivas públicas e relações interorgânicas), desde que não haja nas mesmas indícios da sua clara pertinência ao direito privado; ii) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos (seja ele público ou privado), atua no exercício de um poder de autoridade, com vista à realização de um interesse público legalmente definido; iii) aquelas em que esse sujeito atua no cumprimento de deveres administrativos, de autoridade pública, impostos por motivos de interesse público – MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA – RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, pp. 25/26.
[37] Deve entender-se por relação jurídico-administrativa aquela que é estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjetivas, acrescentando que poderá tratar-se de uma relação jurídica intersubjetiva (como a que ocorre entre a Administração e os particulares), inter administrativa (quando se estabelece entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender) ou inter orgânica (quando se interpõe entre órgãos administrativos da mesma pessoa coletiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem) e, por outro lado, que tais relações jurídicas podem ser simples ou bipolares consoante decorram entre dois sujeitos ou surjam entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica – CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Dicionário de Contencioso Administrativo, 2007, pp. 117/118.
[38] Para efeitos de determinação da competência material dos tribunais administrativos, é decisivo o critério constitucional plasmado no artº 212º, nº 3 da Lei Fundamental, nos termos do qual compete aos tribunais dessa jurisdição especial o "julgamento de ações que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas"– Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-10-07, Relator: FERREIRA DE ALMEIDA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[39] A regra básica da atribuição de competência aos tribunais administrativos é a da apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2017-01-26, Relatora: ANA CRISTINA DUARTE, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[40] GOMES CANOTILHO – VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, volume II, 4ª ed., p. 567.
[41] GOMES CANOTILHO – VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, volume II, 4ª ed., p. 567.
[42] O conceito de relações jurídico-administrativas deve ser entendido como uma referência à possibilidade de alargamento da jurisdição administrativa a outras realidades diversas das tradicionais formas de atuação (ato, contrato e regulamento), complementando aquele critério. Pretende-se, com o recurso a este conceito genérico, viabilizar a inclusão na jurisdição administração do amplo leque de relações bilaterais e poligonais, externas e internas, entre a Administração e as pessoas civis e entre entes da Administração, que possam ser reconduzidas à atividade de direito público, cuja característica essencial reside na prossecução de funções de direito administrativo, excluindo-se apenas as relações jurídicas de direito privado. Trata-se de um conceito suficientemente dúctil e flexível para enfrentar os desafios do «novo direito administrativo», mas que não pode deixar de ser entendido como complementar da tradicional dogmática das formas de atuação administrativa – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-03-26, Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.
[43]  O conceito de relação jurídica administrativa pode, ser tomado em diversos sentidos. Em sentido subjetivo, onde se inclui qualquer relação jurídica em que intervenha a Administração, designadamente uma pessoa coletiva, pelo que tenderia a privilegiar-se igualmente um critério orgânico como padrão substancial de delimitação. Já em sentido predominantemente objetivo, abrangeria as relações jurídicas em que intervenham entes públicos, mas desde que sejam reguladas pelo Direito Administrativo. E há ainda um outro sentido, que faz corresponder o carácter «administrativo» da relação ao âmbito substancial da própria função administrativa – Ac. Supremo Tribunal Administrativo de 2009-10-28, Relator: PIRES ESTEVES, http://www.dgsi.pt/jsta.
[44] Estamos ante uma relação jurídica administrativa temos de isolar dois elementos: (i) por um lado, um dos sujeitos há de ser uma entidade pública ou se for privada deve atuar como se fosse pública; e (ii) por outro lado, os direitos e os deveres que constituem a relação hão de emergir de normas legais de direito administrativo ou referir-se ao âmbito substancial da própria função administrativa – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-03-26, Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.
[45] Se no âmbito do antigo ETAF a pedra de toque para a atribuição de competência em razão da matéria aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais se encontrava nos conceitos de gestão pública e gestão privada, hoje, na intenção do legislador, para se fugir a essa dicotomia e às zonas cinzentas da mesma, dever-se-á passar a utilizar o conceito de relação jurídica administrativa tido como conceito/quadro muito mais amplo – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2011-05-26, Relatora: TERESA ALBUQERQUE , http://www.dgsi.pt/jtrl.
[46] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-03-26, Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.
[47] A fim de alcançar a natureza administrativa de uma relação jurídica, deverá fazer-se um juízo de articulação entre a cláusula geral do artigo 1.º, n.º 1, e os critérios do artigo 4.º, ambos do ETAF, posto que a aludida natureza apenas se alcança perante uma diversidade de elementos de conexão e será o referido artigo 4.º, na sua delimitação positiva (n.º 1), bem como na negativa (n.ºs 2 e 3), que permitirá clarificar aquilo que está, efetivamente, abrangido pelo âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-03-26, Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.
[48] O artigo 1.º do ETAF adota o critério da relação jurídico-administrativa para aferição da competência dos tribunais administrativos e o artigo 4.º contém um elenco exemplificativo de casos-tipo que se consideram ser da competência dos tribunais administrativos – Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2021-03-25, Relatora: CRISTINA DÁ MESQUITA, http://www.dgsi.pt/jtre.
[49] Além do conceito de relação jurídica administrativa, enquanto critério decisivo para determinar a competência material dos tribunais administrativos, o artigo 4º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais enuncia as matérias que, em concreto, são identificadas como sendo da competência dos tribunais administrativos – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2021-07-06, Relatora: MICAELA SOUSA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[50] Já o critério para aferir da competência dos tribunais administrativos deve ser o da natureza da relação jurídica concreta subjacente ao litígio, devendo essa relação jurídica assumir a natureza administrativa e o litígio que lhe subjaz situar-se no âmbito da previsão do artº. 4º do ETAF – Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2017-11-07, Relator: ISAÍAS PÁDUA, http://www.dgsi.pt/jtrc.
[51] A delimitação da competência material entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais deixou de se fazer com base na distinção tradicional entre «atos de gestão pública e atos de gestão privada», assentando agora essencialmente num critério material, fundado na natureza das relações jurídicas em causa («relação jurídica administrativa»), e não na dos respetivos titulares. Na falta de clarificação legislativa do conceito constitucional de «relação jurídica administrativa», deve entender-se que corresponde a relação jurídica pública, em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público, legalmente definido – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2020-09-24, Relatora: MARIA JOÃO MATOS, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[52] Um contrato de aquisição de serviços por um hospital «entidade pública empresarial» a uma sociedade privada apenas se qualificará como «contrato administrativo» se o hospital celebrar o contrato como «contraente público». Para tal é necessário que se verifique uma das seguintes circunstâncias: i. que as partes qualifiquem o contrato como administrativo ou o submetam a um regime substantivo de direito público; ou, ii. que o contrato seja celebrado no exercício de «funções materialmente administrativas» – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2019-02-19, Relatora: HIGINA CASTELO, http://www.dgsi.pt/jtrl..
[53] Os órgãos da Administração Pública podem celebrar contratos administrativos, sujeitos a um regime substantivo de direito administrativo, ou contratos submetidos a um regime de direito privado – art. 200º/1, do Código de Procedimento Administrativo.
[54] As pessoas coletivas de direito público, pelo simples facto de serem sujeitos jurídicos têm uma capacidade de direito privado, da qual resulta que podem ter património privado e dispor dele e, de uma maneira geral, que podem tomar parte em relações jurídicas de direito privado, utilizando os instrumentos jurídicos que o direito privado coloca à disposição de todos os sujeitos jurídicos, desde que isso não seja incompatível com a sua natureza nem com a prossecução das necessidades públicas que constituem o quadro das suas atribuições – MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O Problema do Contrato Administrativo, No Quadro Normativo Decorrente do Código dos Contratos Públicos Revisto, p. 38.
[55] O que é determinante para distinguir um contrato administrativo de um contrato de direito privado é averiguar se o concreto contrato contém cláusulas ditas como «exorbitantes», também referidas como «cláusulas de Direito Administrativo», que possam corresponder à previsão de “momentos de autoridade” e que sejam de se considerar «poderes exorbitantes do direito privado», pois que se assim se dever concluir, será forçoso que se admita que tal contrato implica poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante particulares, devendo caracterizar-se como contrato administrativo – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2011-05-26, Relatora: TERESA ALBUQERQUE , http://www.dgsi.pt/jtrl.
[56] Com a nova redação conferida ao artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais foi abandonada a distinção tradicional entre atos de gestão pública e atos de gestão privada, de tal modo que, em concreto, a alínea e) do n.º 1 desse normativo legal, abstrai da natureza das normas que materialmente regulam o contrato, passando a integrar no âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos a apreciação de questões de validade, interpretação e execução de contratos que tenham sido submetidos a um procedimento pré-contratual de direito público ou relativamente aos quais a lei preveja a possibilidade da sua submissão a esse procedimento, de modo que a natureza administrativa da relação jurídica litigiosa decorre, não do conteúdo do contrato ou da qualidade das partes, mas das regras de procedimento pré-contratuais aplicadas ou aplicáveis – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2021-07-06, Relatora: MICAELA SOUSA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[57] Para efeito de inclusão no contencioso administrativo, devem considerar-se relações jurídicas administrativas externas ou interpessoais: a) as relações jurídicas entre a Administração e os particulares, incluindo: i) as relações entre as organizações administrativas e os cidadãos (ditas «relações gerais de direito administrativo»), mas também; ii) as relações entre as organizações administrativas e os membros, utentes ou pessoas funcionalmente ligados a essas organizações (as chamadas «relações fundamentais» no contexto das «relações especiais de direito administrativo») e; iii) as relações entre entes que atuem em substituição de órgãos da Administração (no contexto do exercício privado de poderes públicos, por exemplo, os tradicionais concessionários, capitães de navios ou de aeronaves, federações de utilidade pública desportiva, a que se juntam hoje múltiplas entidades credenciadas para o exercício de funções de autoridade) e os particulares; b) as relações jurídicas administrativas, incluindo: i) as relações entre entes públicos administrativos, mas também; ii) as relações jurídicas entre entes administrativos e outros entes que atuem em substituição de órgãos da Administração, e ainda; iii) certas relações jurídicas entre órgãos de diferentes entes públicos (quando a circunstância de se tratar de órgãos de pessoas coletivas distintas puder ser considerada decisiva ou dominante para a caracterização da relação, como, por exemplo, no caso da delegação de atribuições) – Ac. Supremo Tribunal Administrativo de 2009-10-28, Relator: PIRES ESTEVES, http://www. dgsi.pt/jsta.
[58]  É da competência da jurisdição comum (cível), e não do foro administrativo, o julgamento de uma ação em que uma empresa privada de segurança reclama de uma Câmara Municipal o pagamento do preço de serviços de vigilância prestados em diversas instalações municipais e contratados verbalmente, sem precedência de concurso público. Tais contratos não são administrativos porque não tiveram por objeto a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas administrativas e, além disso, não incluíram cláusulas exorbitantes, ou seja, cláusulas que, justificadas pela prevalência do interesse público, revelem que a atividade da empresa de segurança ficou submetida à autoridade e direção dos órgãos camarários – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2006-04-27, Relator: NUNO CAMEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[59] O contrato pelo qual um particular assume a exploração de um bar/cafetaria nas instalações de um hospital público tem natureza meramente privada e não administrativa, porque as relações jurídicas que dele derivam em nada se distinguem das que, em idêntico caso, se estabeleceriam entre dois particulares – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-03-09, Relator: BETTENCOURT DE FARIA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[60] Cabe aos tribunais judiciais comuns, como jurisdição de competência genérica ou residual, o conhecimento do litígio emergente do incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, celebrado entre uma sociedade comercial e uma empresa pública, não submetido pelas partes a um regime de direito substantivo público – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-09-21, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[61] Estando em causa o alegado incumprimento de contrato-promessa de compra e venda de imóvel, em que uma das partes (a Ré) é uma pessoa coletiva de direito público, mas não tendo as partes submetido o contrato a um regime substantivo de direito público, não cabe a competência para o pleito aos tribunais administrativos – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2009-11-12, Relator: TIBÉRIO SILVA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[62] Caso a relação jurídica diga respeito a um litígio de natureza privada, a decidir por aplicação de normas de direito privado, e ainda que um dos sujeitos seja uma entidade pública, então o tribunal administrativo não é o competente, antes o é o tribunal comum – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2015-12-17, Relator: ANTÓNIO SANTOS, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[63] Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do nº 1 do artigo 529º, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[64] O princípio da causalidade também funciona em sede de recurso, devendo a parte vencida nele ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[65] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.
[66] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.
[67] Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.