Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
131/21.3YUSTR.L1-PICRS
Relator: ELEONORA VIEGAS
Descritores: ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO DE JULGAMENTO
SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DA COIMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONTRA-OEDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I.–Não viola o princípio da proporcionalidade o exercício do direito de resposta nos termos do art. 65.º da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho), atempadamente exercida e aceite, num texto com um número de palavras inferior ao da reportagem emitida pela estação de televisão.

II.–O RGCO não contém qualquer norma que permita a suspensão da execução da coima, que é, por natureza, de espécie económica, sendo, além do mais, graduada de acordo com a capacidade económica do condenado. Não se trata de uma lacuna que deva ser preenchida por norma do Código Penal e sim de uma opção do Legislador, que expressamente a previu em legislação sectorial avulsa.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–RELATÓRIO


A ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) condenou a RTP – Rádio Televisão Portuguesa, S.A., (RTP) no pagamento de uma coima de €40.000,00 pela violação, a título doloso, dos artigos 68.º, n.ºs 1 e 2 e artigo 69.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho (Lei da Televisão).

Interposto recurso de impugnação judicial pela RTP, foi proferida sentença confirmando a decisão recorrida e suspendendo, em metade e pelo período de 1 (um) ano, a coima de 40.000 (quarenta mil euros) em que a Recorrente, RTP – Rádio e Televisão Portuguesa, S.A., vai condenada, pela violação, a título doloso, do disposto nos artigos 68.º, número 1 e 69.º, número 1 da LTSAP, nos termos constantes no artigo 50.º do Código Penal, aplicado por remissão do artigo 32.º do RGCO.

Inconformada com a sentença, dela veio recorrer a RTP, formulando as seguintes conclusões:

O Tribunal a quo, na sentença que proferiu, decidiu dar como não provado o seguinte facto:

Na sequência de diversos contactos com o Sr. Dr. R… a jornalista S… ficou convicta de que a Ambimed remeteria, nessa data, um texto mais curto para a emissão no programa desse mesmo dia (pág. 17 da sentença).

A prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento é contraditória com a decisão de dar o facto supra identificado como não provado, uma vez que:

No seu depoimento em Audiência de Discussão e Julgamento de 06.12.2021, a testemunha S…, jornalista da Recorrente à data da emissão da reportagem, (i)-referiu que, no seguimento das conversas que foram mantidas com R…, legal representante da Ambimed, ficou convencida de que iam receber um novo texto, (ii)-afirmou que o envio de outro texto por parte da Ambimed foi algo que ficou claro e ficou convencida de que a Recorrente iria receber novo contacto da Ambimed, não tendo razão para duvidar da palavra de R…; e (iii)-da combinação com R…, resultou que este ia enviar uma nova resposta por e-mail, lembrando-se de V…, que à data da reportagem era o Diretor Adjunto de Informação, ter dado o seu e-mail ao legal representante da Ambimed para esse efeito;

A testemunha V…, no depoimento da sessão de Audiência de Discussão e Julgamento de 06.12.2021, afirmou (i)-ter-lhe sido dito por R… que iria ser reenviado o direito de resposta ou feita uma versão mais curta; e (ii)- que, no âmbito do diálogo mantido com R…, este terá dito que retornaria ao contacto, pelo que ficaram à espera de resposta;

A testemunha P…, que à data da reportagem era o Diretor de Informação da Recorrente, no seu depoimento na sessão de julgamento de 14.01.2022, afirmou que lhe foi transmitido por V… que a Ambimed ia reenviar o direito de resposta em forma mais curta;

R…, legal representante da Ambimed, no seu depoimento na sessão de julgamento de 14.01.2022, assumiu que, no seguimento dos contactos de S… e V…, o assunto tinha ficado do lado da Ambimed, aceitando que a Recorrente ficou a aguardar por uma resposta.

Todas as testemunhas admitiram ter sido criada a convicção na Recorrente de que a Ambimed remeteria nesse dia um texto mais curto para emissão no programa, tendo o Tribunal a quo notado que R…, legal representante da Ambimed, deixou junto da Recorrente a convicção de reponderação do teor do direito de resposta.

Nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: c) erro notório na apreciação da prova.”

No que respeita ao facto não provado IV, verifica-se (i)-uma contrariedade com o depoimento de todas as testemunhas – nenhum deles desvalorizado na sentença – o que se revela injustificado por si; e (ii)-uma contradição entre a motivação de facto que consta da sentença relativa ao depoimento de R… já que o Tribunal a quo constatou que aquele tinha aceitado reponderar os termos do direito de resposta.

Da prova produzida resultou que a Ambimed quis reponderar o direito de resposta enviado, deixando a Recorrente à espera de saber o que emitir, sendo que, in casu, a prova testemunhal produzida em Tribunal revela um sentido contrário ao da decisão proferida.

Ao ter dado como não provado o referido facto IV, o Tribunal a quo incorreu num erro notório na apreciação da prova, que assim deve ser considerado, passando a constar da matéria dada como provada o seguinte facto: Na sequência de diversos contactos com o Sr. Dr. R…, a jornalista S… ficou convicta de que a Ambimed remeteria, nessa data, um texto mais curto para a emissão no programa desse mesmo dia.

Caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, deve ser dado como provado o seguinte facto: Na sequência de diversos contactos com o Sr. Dr. R…, a jornalista S… ficou convicta de que a Ambimed remeteria um texto mais curto para a emissão no programa.

O Tribunal a quo deu, ainda, como não provados os seguintes factos:
XXIII.–Ao recusar a publicação do texto de resposta acima descrito, a Arguida representou a subversão do exercício do direito de resposta do seu titular como uma consequência necessária da sua conduta, bem como a perda de relevância da resposta à reportagem em causa nos autos, sabendo que não podia solicitar alterações ao texto de resposta nos termos em que o fez, conformando-se com tal possibilidade, com consciência da ilicitude da sua conduta.
III.– Num programa como o «Sexta às 9”, a emissão de um direito de resposta com quatro páginas é desproporcional e desadequado à duração do referido programa.
Estes dois “factos” tratam-se de conclusões, juízos de valor e de direito, não podendo constar do elenco de factos dados como provados ou não provados, devendo, assim, ser dados como não escritos.

Numa publicação impressa, a leitura de um direito de resposta está na disponibilidade do leitor, sendo que na televisão ou rádio, o ouvinte ou telespetador que esteja a assistir a uma emissão é confrontado com o direito de resposta, cabendo-lhe a iniciativa de não ouvir, desligando, silenciando ou mudando de canal.

O direito de resposta ou de retificação em antena é um palco privilegiado para o respondente, mesmo quando já teve oportunidade de o fazer e de unilateralmente apresentar a sua verdade, sendo que tal circunstância agrava a retração do trabalho jornalístico, limitando o poder-dever de informar, ínsito na liberdade de imprensa (artigo 38.º da Constituição).

Não pode deixar de se interpretar o requisito previsto no artigo 67.º, n.º 4, segunda parte, da LTSAP, à luz do espírito da Constituição, pelo que no caso da emissão dos direitos de resposta em televisão, a duração total da resposta deve ser proporcional e adequada à duração e às caraterísticas do programa onde tem de ser emitida.

Conforme é facto notório e público, o “Sexta às 9” era um programa de jornalismo de investigação emitido semanalmente pela RTP à sexta-feira, às 21h, com uma duração aproximada de 30 minutos, pelo que a emissão de um direito de resposta com quatro páginas e com conteúdo repetido da própria reportagem – como foi o caso do direito de resposta da Ambimed emitido a 29 de junho de 2018 (cf. fls. 20 a 28) – é desproporcional, por desadequado à duração do referido programa.

Acrescentando-se que a Recorrente tem um dever de anunciar a programação, nos termos previstos no artigo 29.º da LTSAP, sendo que um direito de resposta com a dimensão apresentada causaria perturbações nessa programação: ou quanto ao conteúdo do programa ou quanto à sua duração. Nestes termos, a emissão do direito de resposta com quatro páginas, iria implicar que (i)- estendesse a duração do programa, violando o artigo 29.º do LTSAP; (ii)-ou cortasse no conteúdo daquele programa de jornalismo de investigação, violando o artigo 29.º do LTSAP, censurando o direito constitucional à informação - independentemente do que fizesse, ao passar o direito de resposta tal como foi enviado – o que faria caso a Ambimed o tivesse confirmado – e, em ambos os casos, praticando uma contraordenação.

O comportamento da Recorrente não se traduz numa recusa na emissão de um direito de resposta, porque, como referiu V…, o que estava em causa era um ajustamento textual, tentando-se chegar a acordo quanto à proporcionalidade com a reportagem emitida e com vista a ter em conta elementos que estavam a ser repetidos, sendo que, se o acordo não fosse possível, a resposta seria emitida como enviada.

A dimensão do direito de resposta que seria exercido pela Ambimed, por restringir os direitos da Recorrente, viola o princípio da proporcionalidade, tal como previsto no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

A recusa de eliminação ou adequação do direito de resposta em termos compatíveis com a sua leitura integral durante a emissão do “Sexta às 9” – que se retira da falta de resposta da Ambimed à solicitação da RTP – fundamenta a recusa da divulgação da totalidade do texto, de acordo com o disposto no artigo 68.º, n.º 2, da LTSAP, pelo que não se pode considerar ilícita tal recusa.

O disposto nos artigos 67.º a 69.º da LTSAP não colide com a possibilidade de as partes comunicarem, com vista a ajustar o direito de resposta, sendo que uma interpretação distinta implica uma restrição excessiva da liberdade de imprensa, prevista no artigo 38.º da Constituição, dado que a liberdade editorial que é concedida aos meios de comunicação social permite solicitar alterações aos elementos que são remetidos para exercício de direito de resposta e ou de retificação, desde que as alterações não coloquem em causa o exercício dos referidos direitos, o que é reforçado pelo regime do consentimento do titular consagrado nos artigos 31.º, n.º 2, alínea d), e 38.º, n.º 1 do Código Penal, aplicáveis ex vi artigo 32.º do RGCO.

Ao transmitir aos jornalistas da Recorrente que iria repensar o exercício do direito de resposta, R… consentiu na não transmissão, até novo contacto, do direito de resposta exercido, o que é causa de exclusão da ilicitude, nos termos do disposto nos artigos 31, n.º 2, alínea d), e 38.º do Código Penal, aplicáveis ex vi artigo 32.º do RGCO – sendo R… a pessoa indicada dar este consentimento, na medida em que, na qualidade de legal representante da Ambimed, foi quem assinou o direito de resposta (cf. fls. 29 a 32).

Por mera cautela de patrocínio, caso não se considere que a Ambimed consentiu na não emissão da reportagem, a convicção que criou na Recorrente levou a que esta ficasse em erro sobre a ilicitude do seu ato, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do RGCO, uma vez que ao ter sido criada, por R…, a convicção de que um novo texto iria ser enviado, e caso se entenda que não existiu consentimento, a Recorrente, ao não passar o direito de resposta, agiu em erro sobre a ilicitude, pois supôs que poderia não ter de fazê-lo, agindo sem culpa.

Para além da ausência de qualquer ilícito contraordenacional semelhante no seu registo, não pode ser, contudo, ignorado que, a Recorrente não deixou de emitir o direito de resposta, tendo em consideração que existiu um contexto negocial (cf. facto provado XXIX) com a Ambimed, que ficou de dar resposta sobre o que fazer em relação ao direito de resposta, mas que nada disse.

Assim, (i)-perante mais de 65 anos sem qualquer ilícito contraordenacional de semelhante natureza, (ii)-num caso em que o respondente aceitou repensar o direito de resposta e (iii)- tendo deixado de existir o programa que deu origem ao direito de resposta, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a coima aplicada deverá ser integralmente suspensa ou, caso assim não se entenda, suspensa na sua execução em mais de metade.

Termina pedindo a sua absolvição da infração pela prática da qual vem condenada e, pedindo que, caso assim não se entenda, que a coima aplicada seja integralmente suspensa ou suspensa na sua execução em mais de metade, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, aplicável ex vi artigo 32.º do RGCO.
*

A ERC respondeu, formulando as seguintes conclusões:

A.–ENQUADRAMENTO

a)-No essencial, a Recorrente sustenta a nulidade da Sentença no seguinte:
I.–Na sequência dos contactos levados a cabo pela Coordenadora do Programa “Sexta às 9” e pelo Diretor Adjunto de informação da RTP com o representante legal da Ambimed, os colaboradores da RTP ficaram convencidos de que a Visada lhes faria chegar uma versão mais curta do texto;
II.–Esses mesmos contactos telefónicos criaram a convicção nos jornalistas da RTP que, em caso de silêncio da Ambimed (não sendo enviada nova versão do direito de resposta reformulado), tal significaria a desistência da Visada na prossecução do seu direito de defesa, facto que fundamenta a recusa da divulgação;
III.–O texto de direito de resposta enviado pela Ambimed, com quatro páginas e integrando conteúdo repetido da própria reportagem, viola o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP);
IV.–A emissão do direito de resposta com as características do texto enviado pela Ambimed consubstanciaria uma violação do artigo 29.º, da LTSAP, na medida em que haveria um aumento ou corte na duração do programa “Sexta às 9”;

B.–A AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO DO RECURSO APRESENTADO

i)–Considerações preliminares

b)-A RTP vem requerer, em sede de Recurso da Sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, a sua absolvição da prática de infração a que foi condenada, por violação, a título doloso, do disposto nos artigos 68.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, da LTSAP, nos termos constantes no artigo 50.º, do CP, aplicado por remissão do artigo 32.º, do RGCO.
c)-Os presentes autos tratam da decisão e transmissão do direito de resposta tomada pelos jornalistas da RTP, em relação ao direito de resposta da Ambimed, visada numa reportagem no programa “Sexta às 9”, transmitida pela RTP, e não da legalidade no exercício do direito de resposta da Ambimed.
d)-O n.º 1, do artigo 68.º, da LTSAP, que contém os fundamentos pelos quais poderá o operador televisivo recusar a emissão de um direito de resposta, não se aplica ao caso.
e)-O direito de resposta foi apresentado “tempestivamente, por quem para isso tinha legitimidade, não carecia manifestamente de fundamento, estava limitada pela relação direta e útil com as referências em causa, continha-se dentro do número de palavras legalmente exigido (o programa tinha 3151 palavras e o texto de resposta 928), não continha expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolvessem responsabilidade criminal ou civil, tinha sido remetida por procedimento que comprovava a sua receção e invocava expressamente o exercício do direito de resposta” (Cfr. página 33 da Sentença).

ii)–Do recurso da matéria de facto

f)-Analisados os artigos 12.º a 44.º, das motivações de recurso (e que correspondem à parte substantiva do mesmo), verificamos que, no essencial, a Recorrente pretende recorrer da matéria de facto apurada pela Sentença recorrida.
g)-Nos artigos 12.º a 34.º, das motivações de Recurso, a Recorrente sustenta que o facto IV, da matéria de facto considerada não provada, deveria ter sido considerada provada, motivo pelo qual considera que a decisão deveria ser revista, nos termos e para os efeitos do artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.
h)-Contudo, não existiu qualquer erro notório na apreciação da matéria de facto, o que aliás resulta do próprio recurso.
i)-O alegado erro resulta, de acordo com a Recorrente, da articulação conjunta das conclusões retiradas pela Recorrente dos depoimentos prestados por S… (artigo 15.º, das motivações do Recurso), de V… (artigo 16.º, das motivações do Recurso), de P… (artigo 17.º, das motivações do Recurso) e de R… (artigos 18.º e 19.º, das motivações do Recurso). A necessidade de articular todas estas conclusões evidencia que o erro, a existir, nunca será notório.
j)-Por outro lado, a Recorrente esquece que a Sentença recorrida assenta a sua motivação quanto à matéria de facto por documentos idóneos para a sua demonstração, a cuja análise crítica se procedeu, designadamente a transcrição da reportagem objeto dos autos (fls. 20 a 28); o texto enviado pela Ambimed para a RTP como direito de resposta (fls. 29 a 32); o fax de resposta da RTP, no dia seguinte, aceitando o direito de resposta e comunicando a sua emissão no dia 16 de junho de 2017 (fls. 33); as mensagens de correio eletrónico, remetidas pela Jornalista Coordenadora do Programa ao representante da Ambimed, afirmando não aceitar o texto da resposta tal como enviado e solicitando alterações (fls. 34 a 35 e 36 a 41), no dia 16 de junho, pelas 16h22 e 16h39m; a mensagem de correio eletrónica remetida pelo Diretor Adjunto da RTP ao representante da Ambimed, afirmando que a RTP possuía documentos que inviabilizavam o direito de resposta e de retificação, mensagem que finaliza através da solicitação de alteração do texto por parte da Ambimed (fls. 42 e 43). Valorou-se, ainda, a documentação atinente à queixa apresentada junto da ERC e os ofícios trocados (fls. 46 a 47b).
k)-Ora, a Recorrente não imputa qualquer erro notório na apreciação da prova quanto a estes elementos e que foram determinantes para a formação da convicção do Tribunal.
l)-Assim, em face do exposto, não existe qualquer erro notório na apreciação da matéria de facto, motivo pelo qual deve ser considerado improcedente, por inadmissível, o recurso consubstanciado nos artigos 12.º a 34.º, das motivações de Recurso, quanto ao facto IV, da matéria de facto considerada não provada.
m)-Por outro lado, nos artigos 35.º a 44.º, das motivações de recurso, a Recorrente alega que o facto provado XXIII e o facto considerado não provado III consubstanciam juízos valorativos de direito e conclusivos e não matéria de facto.
n)- O facto dado como provado XXIII consubstancia os elementos necessários para a integração do elemento subjetivo o que, considerando-se provado ou não provado, é sempre matéria de facto.
o)-Quanto ao facto não provado III, também dúvidas não subsistem que é matéria factual atendendo, aliás, às exigências legais quando ao tamanho e proporcionalidade do direito de resposta.
p)-Em face do exposto, deve igualmente considerar-se como improcedente o recurso consubstanciado nos artigos 35.º a 44.º, das motivações de recurso.

iii)–Da alegada convicção criada na RTP da desistência do exercício do direito de resposta

q)-Parte da argumentação da Recorrente reside no facto de que a Coordenadora do Programa “Sexta às 9” e o Diretor Adjunto de informação da RTP terão alegadamente ficado convencidos de que o representante legal da Ambimed lhes faria chegar uma versão mais curta do texto, indo ao encontro do peticionado pelos colaboradores da RTP, no próprio dia da exibição do programa.
r)-Contudo, e conforme ficou claro na Sentença, a conduta da Coordenadora do Programa “Sexta às 9” e do Diretor Adjunto de informação da RTP “carece, em absoluto, de amparo legal” (cfr. página 33 da Sentença).
s)-Na eventualidade de a RTP ter considerado excessiva a extensão do texto e, por isso, a transmissão do mesmo desproporcional em face ao formato do programa, tal constatação deveria ter sido comunicada ao Visado, em conformidade com o disposto no n.º 2, do artigo 68.º, da LTSAP (nas vinte e quatro horas seguintes à receção do direito de resposta), o que não sucedeu.
t)-Pelo exposto conclui-se que não existe qualquer fundamento legal, nem para uma alegada e hipotética negociação, nem para a recusa da transmissão do direito de resposta, por parte da RTP.

iv)–A alegada desproporcionalidade do texto

u)-A Recorrente vem alegar que, do disposto na segunda parte do artigo 67.º, n.º 4, da LTSAP resulta que o direito de resposta tem de ser interpretado à “luz do espírito da Constituição, pelo que no caso da emissão dos direitos de resposta em televisão, a duração total da resposta deve ser proporcional e adequada à duração e às caraterísticas do programa onde tem de ser emitida” – cfr. conclusão XII do Recurso.
v)-É verdade que nas restrições feitas à liberdade de informação terá de existir uma ponderação proporcional na compatibilização entre os dois direitos em jogo, ambos de consagração constitucional (artigo 26.º, n.º 1 e artigo 37.º, n.º 4, ambos da CRP).
w)-Contudo, não é essa discussão que consubstancia o objeto dos presentes autos.
x)-A única menção legal à necessidade de proporcionalidade entre a extensão do direito de resposta e a extensão do programa no qual o mesmo terá de ser transmitido, vem no n.º 4, do artigo 67.º, da LTSAP.
y)-Não interessam, na averiguação de proporcionalidade, a extensão ou a periodicidade do programa, mas tão só a extensão do texto/guião que acompanha o mesmo, tendo de se verificar uma proporcionalidade entre o número de palavras desse, e o número de palavras do texto do direito de resposta.
z)-No caso, e como salienta a Sentença recorrida, “o texto da reportagem continha 3151 palavras e o texto de resposta 928 palavras, observando, escrupulosamente, a proporcionalidade exigida pela Lei, razão, aliás, porque o sobredito texto foi validado pela Direcção Jurídica da RTP”.
aa)-Do artigo 29.º, da LTSAP, resulta que os operadores têm a obrigação de informar o público sobre o conteúdo e alinhamento da programação, com uma antecedência mínima de 48h e, excecionalmente menos, mas somente nos casos em que a própria natureza dos acontecimentos transmitidos o justifique.
bb)-Dos factos provados VIII a XIV conclui-se que, o Diretor de Informação da RTP, no dia 08/06/2017, informou a Ambimed da aceitação do direito de resposta e de que o mesmo seria transmitido no dia 16/06/2017.
cc)-Assim, a RTP estava, desde o dia 08/06/2017, em condições e em tempo de informar, antecipadamente e em cumprimento do artigo 29.º, da LTSAP, o público sobre a alteração do conteúdo ou do alinhamento da programação, evitando, desse modo, uma violação do referido preceito.

C.–DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA COIMA

i.-Da admissibilidade desta figura na LTSAP

dd)-A Sentença recorrida decidiu aplicar ao presente caso o instituto da suspensão da execução da coima, nos termos do artigo 50.º, do CP, determinando a suspensão, em metade e pelo período de um ano, a execução da coima de € 40.000,00, em que a Recorrente foi condenada. Nos artigos 98.º a 103.º, das motivações de recurso, a Recorrente requer que a coima seja integralmente suspensa.
ee)-A suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º a 53.º, do CP) é uma pena de substituição da pena de prisão aplicável, naturalmente, somente às pessoas singulares, como também o são a pena de multa (artigo 45.º, do CP), a pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade (artigo 46.º, do CP), a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º, do CP) e a pena de admoestação (artigo 60.º, do CP).
ff)-Por sua vez, as penas de substituição aplicáveis às pessoas coletivas consagradas no CP são: a pena de admoestação (artigo 90.º-C, do CP), a pena de caução de boa (artigo 90.º-D, do CP) e a pena de vigilância judiciária (artigo 90.º-E, do CP).
gg)-Nem o próprio CP prevê a possibilidade de aplicação da suspensão da execução de pena à pena de multa que venha a ser aplicada a uma pessoa coletiva.
hh)-Também na Doutrina não se encontra assente a aplicação analógica da suspensão da execução da pena de prisão prevista no artigo 50.º, do CP ao RGCO, por força do artigo 32.º, deste último diploma (por todos, Albuquerque, Paulo Pinto de, “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 1.ª Edição, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011, p. 117).
ii)-Atualmente, a figura da suspensão da execução da coima encontra-se prevista em várias legislações avulsas, como é o caso do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras no seu artigo 223.º, o artigo 415.º do Código dos Valores Mobiliários, o artigo 31.º do Regime Quadro das Contra-Ordenações do Sector das Comunicações e o artigo 20.º-A da Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais, o que não sucede na LTSAP.
jj)-O Tribunal da Relação do Porto, veio esclarecer, a propósito da admissibilidade da suspensão da execução da coima nas contraordenações ambientais, que a figura da suspensão na execução só faria sentido em relação às sanções acessórias, previstas no artigo 21.º, do RGCO, e já não relativamente às coimas, na medida em que as primeiras poderão ser substancialmente mais gravosas do que as segundas (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 20/11/2013, proferido no âmbito do processo n.º 2140/11.1TBPRD.P1).
kk)-Acresce que no artigo 80.º, da LTSAP não é feita qualquer menção à figura da suspensão da execução da coima, não sendo razoável promover uma inspiração na figura o artigo 50.º, do CP, sem que exista a consagração expressa de tal hipótese nos preceitos da legislação avulsa específica que regulam as atividades de comunicação social e da televisão.
ll)-Pelos motivos expostos, considera-se que a suspensão da execução da pena não é aplicável às contraordenações sancionadas no âmbito da LTSAP, pelo que a Sentença recorrida, nesta parte, incorre em nulidade ou, caso assim se não entenda, em erro na interpretação e aplicação do direito.

iii.–Da decisão de suspensão da execução da coima

mm)-Ainda que se entenda que a figura da suspensão da execução da coima é aplicável no âmbito de contraordenações sancionáveis ao abrigo da LTSAP – o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio –, a mesma não é suscetível de ser aplicada no presente caso (e muito menos quanto à totalidade do valor).
nn)-O pressuposto material para a suspensão da execução da coima (único a que nos podemos referir pela natureza da sanção em causa) é o da adequação da mera censura do facto e da ameaça do pagamento (total) da coima às necessidades de prevenção geral e especial (Albuquerque, Paulo Pinto de, “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 1.ª Edição, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011, p. 226).
oo)-Nos critérios de escolha para as penas de substituição – conforme decidiu a Sentença, ao optar pela suspensão da execução – não cabe tecer considerações atinentes à culpa. A culpa, enquanto mero limite da pena (nos termos do artigo 40.º, n.º 2, do CP) apenas desempenha a sua função ao nível da determinação da medida concreta da pena (seja ela uma pena principal ou uma pena de substituição), não intervindo ao nível da operação de escolha da pena.
pp)-No que concerne ao conteúdo/teor do programa, a sua natureza não o isenta de cumprir os preceitos legais de direito de resposta, que garantem aos Visados das reportagens o exercício dos seus direitos de personalidade – direito ao bom nome e reputação – que existem enquanto “um instrumento de defesa das pessoas contra qualquer opinião ou imputação de carácter pessoal ofensiva ou prejudicial, ou contra qualquer notícia ou referência pessoal inverídica ou inexata” (cfr. Canotilho, J.J. Gomes e Moreira, Vital “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 4.ª Edição revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 575-576).
qq)-Por outro lado, o argumento de que a suspensão da execução da coima se justifica pelo facto de a RTP não registar infrações semelhantes, dentro dos 10 anos pelo decurso dos quais o programa esteve no ar não procede, na medida em que poderão ter ocorrido casos em que poderá ter havido semelhante conduta sem sustento legal, culminando numa restrição ilícita do direito de resposta, por parte da RTP.
rr)-Por último, quando a RTP é condenada pela prática de contraordenação e ao pagamento de correspondente coima, não é o programa “Sexta às 9” que está a ser condenado, mas sim a operadora enquanto um todo, cumprindo-se as necessidades de prevenção especial na medida em que a operadora continue a existir, pelo que é irrelevante o programa em concreto ter terminado.

O Ministério Público respondeu, concluindo o seguinte:

1.–O objeto do presente recurso é delimitado pelas conclusões da sua motivação e restrito à matéria de direito, sem prejuízo da cognição pelo Tribunal ad quem dos vícios constantes do texto da decisão recorrida, pelo que não se emite pronúncia sobre as questões relacionadas com a matéria de facto e com a livre apreciação da prova;
2.–A recorrente invoca expressamente a alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal, norma que exceciona a cognição do Tribunal ad quem unicamente quanto à matéria de direito, referindo-se a vícios, de conhecimento oficioso, que têm necessariamente de se extrair do texto da sentença e que, por si só ou em conjugação com as regras de experiência comum, evidenciem notórias insuficiências, contradições ou erros no teor da decisão proferida;
3.–O texto da douta sentença não padece do vício invocado pelo recorrente, porquanto daí consta a descriminação da prova produzida em audiência, a descrição do raciocínio lógico-dedutivo da valoração da mesma, os factos dados como provados e a sequente aplicação do direito;
4.–Não existe qualquer contradição entre a motivação de facto e o facto não provado IV, pois o texto da douta sentença não tem sequer a virtualidade de, para qualquer homem-médio, causar confusão ou dúvida quanto à razão do facto em apreço ter sido considerado por não provado;
5.–Da mera leitura da decisão e da análise do restante processado, resulta, com meridiana certeza, que a mesma procedeu à correta determinação das normas legais e à sua acertada aplicação.
                                                   
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
*

II.–Questões a decidir

Atentas as conclusões formuladas pela Recorrente, que condensando as razões da sua divergência com a decisão recorrida delimitam o objecto do recurso e definem as questões a decidir (cf. artigos 402º, 403º e 412º, n.º 1 do Código de Processo Penal), exceptuando as que sejam de conhecimento oficioso, importa apreciar e decidir neste caso: (i)-erro notório na apreciação da prova; (ii)-erro de julgamento; (iii)-suspensão da execução da coima.
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III.–Fundamentação

III.1.–Matéria de facto

Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:

I.–A RTP – Rádio e Televisão de Portugal, S.A., é um operador televisivo, conforme inscrição n.º 523387 na Unidade de Registos da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
II.–A Arguida é titular de vários serviços de programas ao abrigo do Contrato de Concessão do Serviço Público de Televisão, no âmbito do exercício da atividade de televisão, incluindo o serviço de programas denominado RTP1, de acesso não condicionado livre, de âmbito nacional, com emissão regular desde 1957 (conforme registo na ERC datado de 2005).
III.–No âmbito da sua atividade, a Arguida é responsável pelo serviço de programas RTP1 que emite o programa “Sexta às 9”.
IV.–O “Sexta às 9” encontra-se em emissão desde 2011 e é um «programa dedicado ao jornalismo de investigação sobre alguns dos casos mais polémicos da sociedade portuguesa» - Disponível em https://www.rtp.pt/programa/tv/p36586, consultado em 12-03-2021 - apresentado pela jornalista e coordenadora do programa, S…. É transmitido à sexta-feira, a partir das 21 horas, no serviço de programas RTP1.
V.–A partir das 21 horas do dia 19 de maio de 2017, o programa “Sexta às 9” emitiu uma reportagem sobre uma incineradora, propriedade da sociedade Ambimed – Gestão Ambiental, Lda.
VI.–A reportagem abordava a questão do tratamento de resíduos hospitalares perigosos por esta incineradora, a qual alegadamente estaria a ser alvo de várias denúncias de favorecimento.
VII.–Em 7 de junho de 2017, a sociedade Ambimed – Gestão Ambiental, Lda. enviou texto para o operador RTP, exercendo o seu direito de resposta e de retificação, previsto nos artigos 65.º e 67.º da LTSAP, cujo teor se dá por reproduzido.
VIII.–No dia 8 de junho de 2017, a Ambimed – Gestão Ambiental, Lda. recebeu um fax subscrito pelo diretor de informação da RTP, P…, no qual este comunica que o texto de resposta apresentado iria ser transmitido na próxima edição do programa “Sexta às 9” a 16 de junho de 2017, não sendo logo transmitido no dia seguinte à receção do texto (sexta-feira) apenas porque o programa não estava incluído na grelha de programação. Na missiva, cujo teor se dá por reproduzido, salientou-se, ainda, que estava em causa um direito de resposta e não um direito de retificação.
IX.–No dia 16 de junho de 2017, a jornalista e coordenadora do programa, S…, enviou duas mensagens de correio eletrónico dirigidas ao Dr. R…. (representante de Ambimed), afirmando não aceitar o texto de resposta tal como foi enviado e a solicitar alterações ao mesmo.
X.–Na primeira mensagem de correio eletrónico enviada pelas 16h22, cujo teor se dá por reproduzido, a jornalista S… convidou a empresa Ambimed à alteração do texto de resposta, com base em quatro fundamentos: (i)-ser longo, devendo ser reduzido a uma página; (ii)-entrar em detalhes que os telespetadores não irão perceber e, por isso, não reparar eventuais danos; (iii)-o operador RTP possuir documentos que alegadamente confirmam o que foi emitido na reportagem em causa, os quais inviabilizam por completo o direito à retificação, e (iv)-o operador RTP ter dado espaço para uma entrevista e a Ambimed a ter negado.
XI.–A jornalista S… finaliza a mensagem de correio eletrónico descrita no ponto anterior afirmando ser esta a única forma de procederem à transmissão do texto de resposta nesse dia (16 de junho de 2017).
XII.–Na segunda mensagem de correio eletrónico enviada pelas 16h39m, cujo teor se dá por reproduzido, a jornalista S… enviou resposta a rebater cada um dos parágrafos que compõem o texto de resposta apresentado pela Ambimed, os quais, na sua opinião, inviabilizavam o direito de retificação solicitado.
XIII.–Às 18h59 do dia 16 de junho de 2017, o diretor adjunto de informação, V…, enviou uma mensagem de correio eletrónico dirigida ao representante da Ambimed (Dr.R…), cujo teor se dá por reproduzido, no qual fazia referência ao fax enviado pelo diretor de informação, afirmando, contudo, que a RTP possuía elementos documentais que poderiam inviabilizar os fundamentos do direito de resposta e de retificação solicitados pela Ambimed, não se encontrando a RTP em posição de transmitir as partes do texto de resposta que se reportam ao direito de retificação.
XIV.–O diretor adjunto de informação finaliza a mensagem de correio eletrónico descrita no ponto anterior solicitando a alteração do texto de resposta enviado pela Ambimed, uma vez que a RTP está legalmente impedida de selecionar e recompor ela própria os textos de resposta e de retificação.
XV.–O texto de resposta enviado pela empresa Ambimed não foi transmitido pelo serviço de programas RTP1, propriedade da Arguida.
XVI.–A Arguida não comunicou à Ambimed, por escrito e nas vinte e quatro horas seguintes à receção do texto, os motivos justificativos da recusa da transmissão do seu texto de resposta.
XVII.–A Arguida solicitou alterações ao texto de resposta no próprio dia por si confirmado para a respetiva transmissão – 9 dias após a aceitação do texto – e a menos de cinco horas da emissão do programa “Sexta às 9” em que seria emitido o texto em causa.
XVIII.–O texto da reportagem emitida na emissão do dia 19 de maio de 2017 do programa “Sexta às 9” é composto por 3151 (três mil cento e cinquenta e três) palavras e o texto de resposta enviado pela Ambimed conta com 928 palavras (novecentas e vinte e oito) palavras.
XIX.–Em 17 de julho de 2017, deu entrada na Entidade Reguladora um recurso por denegação ilegítima do direito de resposta e retificação apresentado por Ambimed – Gestão Ambiental, Lda. contra o serviço de programas RTP1, detido pelo operador RTP, cujo teor se dá por reproduzido.
XX.–Por ofícios datados de 19 de julho de 2017 [com as referências SAI-ERC/2017/7288 e n.º SAI-ERC/2017/7289], foram o operador RTP e respetivo Diretor de Informação notificados para se pronunciarem no âmbito do recurso apresentado por Ambimed – Gestão Ambiental, Lda..
XXI.–Em 22 de agosto de 2017, foi o operador RTP notificado da Deliberação ERC/2017/169 (DR-TV), adotada pelo Conselho Regulador em 11 de agosto de 2017, através da qual foi dado provimento ao recurso apresentado pela sociedade Ambimed, por se constatar que o operador RTP recusou, de forma ilegítima, o seu direito de resposta ao não proceder à transmissão do seu texto, porquanto não existiam fundamentos legais para tal recusa, ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do artigo 68.º da LTSAP.
XXII.–Pela citada Deliberação ERC/2017/169 (DR-TV), foi determinada à Arguida a transmissão do texto de resposta de Ambimed – Gestão Ambiental, Lda., o que veio a acatar e, ainda, a instauração de autos de contraordenação.
XXIII.–Ao recusar a publicação do texto de resposta acima descrito, a Arguida representou a subversão do exercício do direito de resposta do seu titular como uma consequência necessária da sua conduta, bem como a perda de relevância da resposta à reportagem em causa nos autos, sabendo que não podia solicitar alterações ao texto de resposta nos termos em que o fez, conformando-se com tal possibilidade, com consciência da ilicitude da sua conduta.
XXIV.–Pela sua longa atividade enquanto operador de televisão, com emissão regular desde 1957, e detentora de vários serviços de programas que se dedicam regularmente à prática da atividade televisiva, a Arguida não pode deixar de ter presente o regime decorrente da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP).
XXV.–Ao receber o texto de resposta mas não proceder à respetiva transmissão referida nos pontos precedentes, a Arguida sabia e sabe que está obrigada a cumprir determinados requisitos formais e temporais nesta matéria, nomeadamente a comunicar, por escrito, os motivos dessa recusa ao titular do direito e que não o podia fazer para além das vinte e quatro horas seguintes à receção da resposta ou retificação, previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 68.º da LTSAP, mais sabendo, ainda, que os motivos apresentados para esta recusa não encontrariam justificação na lei.
XXVI.–A Arguida praticou os factos descritos de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

XXVII.–A Arguida possui antecedentes contraordenacionais, tendo já sofrido as seguintes condenações:

I.–Admoestação pela Decisão 4/PC/2011, adotada pelo Conselho Regulador em 02-03-2011, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 24.º, n.º 6 e 34.º, n.º 1, alínea a), do Código da Publicidade;
II.–Admoestação pela Decisão 5/PC/2011, adotada pelo Conselho Regulador em 02-03-2011, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 24.º, n.º 6 e 34.º, n.º 1, alínea a), do Código da Publicidade;
III.–Admoestação pela Decisão 6/PC/2011, adotada pelo Conselho Regulador em 02-03-2011, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 24.º, n.º 6 e 34.º, n.º 1, alínea a), do Código da Publicidade;
IV.–Coima de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) pela Decisão 10/PC/2011, adotada pelo Conselho Regulador em 27-04-2011, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 29.º e 76.º, n.º 1, alínea a) da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP);
V.–Admoestação pela Decisão 31/PC/2011, adotada pelo Conselho Regulador em 27-10-2011, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 29.º e 76.º, n.º 1, alínea a) da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP);
VI.–Admoestação pela Decisão 11/PC/2012, adotada pelo Conselho Regulador em 06-06-2012, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 24.º, n.º 6 e 34.º, n.º 1, alínea a), do Código da Publicidade;
VII.–Admoestação pela Decisão 13/PC/2012, adotada pelo Conselho Regulador em 25-07-2012, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos pelos artigos 29.º e 76.º, n.º 1, alínea a) da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP);
VIII.–Admoestação pela Deliberação 9/2013 (PUB-TV-PC), adotada pelo Conselho Regulador em 16-01-2013, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 24.º, n.º 6 e 34.º, n.º 1, alínea a), do Código da Publicidade;
IX.–Admoestação pela Deliberação 17/2013 (AUT-TV-PC), adotada pelo Conselho Regulador em 24-01-2013, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 29.º e 76.º, n.º 1, alínea a) da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP);
X.–Admoestação pela Deliberação 18/2013 (SOND-PC), adotada pelo Conselho Regulador em 24-01-2013, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 10.º e 17.º da Lei das Sondagens;
XI.–Admoestação pela Deliberação 22/2013 (SOND-PC), adotada pelo Conselho Regulador em 24-01-2013, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 7.º e 17.º da Lei das Sondagens;
XII.–Admoestação pela Deliberação 225/2013 (OUT-TV-PC), adotada pelo Conselho Regulador em 25-09-2013, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 29.º e 76.º, n.º 1, alínea a) da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP);
XIII.–Admoestação pela Deliberação 27/2015 (CONT-TV-PC), adotada pelo Conselho Regulador em 11-02-2015, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 27.º, n.ºs 4 e 7 e 76.º, n.º 1, alínea a) da LTSAP;
XIV.–Admoestação pela Deliberação 32/2015 (PROG-TV-PC), adotada pelo Conselho Regulador em 04-03-2015, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 29.º e 76.º, n.º 1, alínea a) da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP);
XV.–Coima no valor de 12.500,00€ (doze mil e quinhentos euros) por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-10-2016, proferido no processo n.º 223/16.0YQSTR.L1, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 33.º, n.º 4 e 76.º, n.º 1, alínea a) da LTSAP;
XVI.–Coima no valor de 11.250,00€ (onze mil duzentos e cinquenta euros) pela Deliberação ERC/2017/249 (PROG-TV-PC), adotada pelo Conselho Regulador em 06-02-2017, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 29.º e 76.º, n.º 1, alínea a) da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP);
XVII.–Admoestação pela Deliberação ERC/2018/63 (PROG-TV-PC), adotada pelo Conselho Regulador em 18-04-2018, pela prática de infração prevista e punida pelos artigos 34.º, n.º 3 e 76.º, n.º 1, alínea a) da LTSAP.
XXVIII.–Por referência ao ano de 2018, em sede de IRC, a Arguida declarou vendas e serviços prestados no valor de €214.179.721,33 e um resultado líquido do período no valor de €129.828,73.
XXIX.–Os jornalistas S… e V… tentaram chegar a um acordo com a Ambimed quanto à extensão do direito de resposta, que julgavam desproporcionado para a duração do programa e contendo a retificação de factos que consideravam devidamente comprovados.

E os seguintes factos como não provados:

I.–Por não ser compatível a leitura de um texto tão extenso em televisão, sobretudo num programa com as caraterísticas do «Sexta às 9», o direito de resposta exercido pela Ambimed foi recusado devido à sua extensão, após análise cuidada da carta remetida.
II.–É razão suficiente para justificar a não emissão do direito de resposta, a circunstância de a AMIBED ter tido oportunidade para se pronunciar sobre os factos relatados em sede de contraditório e por a sua posição ter sido divulgada na reportagem emitida em Maio de 2017.
III.–Num programa como o «Sexta às 9», a emissão de um direito de resposta com quatro páginas é desproporcional e desadequada à duração do referido programa.
IV.–Na sequência de diversos contactos com o Sr. Dr.R…, a jornalista S… ficou convicta de que a Ambimed remeteria, nessa data, um texto mais curto para a emissão no programa desse mesmo dia.
V.–Nada tendo sido remetido pela AMIBED, ficou a jornalista convencida de que a referida sociedade desistira do direito de resposta.
VI.–A recusa de eliminação ou reformulação do direito de resposta em termos compatíveis com a sua leitura integral durante a emissão do «sexta às 9» retira-se da falta de resposta da AMBIMED à solicitação da jornalista S… e fundamenta a recusa da divulgação na totalidade do texto.
VII.–A AMIBED podia, sem dificuldade, ter exercido o seu direito de resposta em termos mais sucintos do que aqueles em que o pretendeu fazer, o que para si não acarretava qualquer prejuízo, tendo optado por não o fazer.
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III.2.–Do mérito do recurso

III.2.1.- Matéria de facto e erros notórios na apreciação da prova
Dispõe o art. 75.º do RGCO (Regime Geral da Contra-Ordenações) que, se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”.

Da alegação da Recorrente resulta que o que entende tratar-se de erros notórios na apreciação da prova mais não é do que impugnação da matéria de facto. Uma divergência entre a sua convicção pessoal sobre a prova produzida em audiência e a convição que o Tribunal firmou sobre os factos, no âmbito da livre apreciação da prova nos termos do art. 127.º do CPP. Com efeito, o que a Recorrente alega é, em suma, que face aos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, o Tribunal fez uma errada apreciação da prova produzida. Adianta por isso uma nova redacção dos factos impugnados e requer a eliminação de factos que entende não consubstanciarem, na realidade, factos.

Ora, a invocação do vício de erro notório da apreciação da prova não pode servir para contornar a regra geral ínsita no art. 75.º do RGCO, de que este tribunal de rescurso conhece apenas da matéria de direito.

O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência[1]. Verfica-se quando, na apreciação da prova, o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente[2]. Quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei - vícios da decisão, não do julgamento. O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida [3].

Ora, percorrendo a sentença, não se vislumbra qualquer vício de erro notório na apreciação da prova, a que alude o artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal.

Nem qualquer contradição da motivação de facto ou da decisão em relação à prova produzida, conforme alegado pela Recorrente, que continua a pretender impugnar a decisão sobre a matéria de facto com fundamento na sua convicção sobre a prova que foi produzida.

Nenhum dos factos considerados provados, ou não provados, contraria com toda a evidência a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, segundo o ponto de vista de um homem de formação média.

Pelo que o recurso improcede, nesta parte.
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III.2.2.–Princípio da proporcionalidade

Alega a Recorrente que não pode deixar de se interpretar o requisito previsto no artigo 67.º, n.º 4, segunda parte, da LTSAP, à luz do espírito da Constituição, pelo que no caso da emissão dos direitos de resposta em televisão, a duração total da resposta deve ser proporcional e adequada à duração e às características do programa onde tem de ser emitida. E que tendo a Recorrente o dever de anunciar a programação, nos termos previstos no artigo 29.º da LTSAP, sendo que um direito de resposta com a dimensão apresentada causaria perturbações nessa programação.

Vejamos.

Dispõe o art. 67.º, n.º4, precisamente da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido, aprovada pela Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho, com última alteração introduzida pela Lei n.º 74/2020, de 19 de Novembro – pelo que não se percebe o realce que a Recorrente pretende dar à especificidade de se tratar de um programa de televisão – que, o conteúdo da resposta ou da rectificação é limitado pela relação directa e útil com as referências que as tiverem provocado, não podendo exceder o número de palavras do texto que lhes deu origem”.

Ora, de acordo com a matéria de facto provada (XVIII), o texto da reportagem emitida na emissão do dia 19.05.2017 no programa “Sexta às 9” era composto por 3151 palavras e o texto de resposta enviado pela Ambimed conta com 928 palavras. O que se contém dentro do limite estabelecido pelo Legislador, não se afigurando, por qualquer razão, desproporcional.

Quanto ao anúncio da programação, estabelece o art. 29.º da referida Lei da televisão:
1-Os operadores de televisão devem informar, com razoável antecedência e de forma adequada ao conhecimento pelo público, sobre o conteúdo e alinhamento da programação dos serviços de programas televisivos de que sejam responsáveis.
2-A programação anunciada, assim como a sua duração prevista e horário de emissão, apenas pode ser alterada pelo operador de televisão com uma antecedência superior a quarenta e oito horas.
3-A obrigação prevista no número anterior pode ser afastada quando a própria natureza dos acontecimentos transmitidos o justifique, por necessidade de cobertura informativa de ocorrências imprevistas ou em casos de força maior.
4-Independentemente da antecedência com que se verifiquem e das razões que as determinem, as alterações de programação referidas nos n.ºs 2 e 3 devem ser comunicadas ao público no serviço de programas a que respeitem.
5-O anúncio da programação prevista para os serviços de programas televisivos efectuado em serviços ou órgãos de comunicação social diversos é obrigatoriamente acompanhado do identificativo a que se refere o n.º 4 do artigo 27.º, devendo tal informação ser facultada pelo operador responsável.

Dispõe, por seu turno, o art. 68.º:
1-Quando a resposta ou a rectificação forem intempestivas, provierem de pessoas sem legitimidade, carecerem manifestamente de fundamento ou contrariarem o disposto nos n.ºs 4 ou 5 do artigo anterior, o operador de televisão ou o operador de serviços a pedido pode recusar a sua emissão, informando o interessado, por escrito, acerca da recusa e da sua fundamentação, nas vinte e quatro horas seguintes à recepção da resposta ou rectificação.
2-Caso a resposta ou a rectificação violem o disposto nos n.ºs 4 ou 5 do artigo anterior, o operador convida o interessado, no prazo previsto no número anterior, a proceder à eliminação, nas 48 horas seguintes, das passagens ou expressões em questão, sem o que fica habilitado a recusar a divulgação da totalidade do texto.

Tal não sucedeu. 

Da matéria de facto resulta que o direito de resposta foi exercido de modo tempestivo pelo seu titular, a AMBIMED, junto do operador RTP; que comunicou por escrito, na pessoa do director de informação e dentro do prazo legal de vinte e quatro horas, a aceitação desse exercício do direito de resposta (artigo 68.º, nº 1 da LTSAP).

Com a aceitação da resposta o Director de Informação da RTP considerou, pelo menos tacitamente, reunidos todos os pressupostos previstos nos artigos 67.º e 68.º da LTSAP: foi apresentada tempestivamente, por quem para isso tinha legitimidade, não carecia manifestamente de fundamento, estava limitada pela relação directa e útil com as referências em causa, continha-se dentro do número de palavras legalmente exigido, não continha expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolvessem responsabilidade criminal ou civil, tinha sido remetida por procedimento que comprovava a sua recepção e invocava expressamente o exercício do direito de resposta. 

Resulta ainda do ponto VIII da matéria de facto que a RTP, através do seu Director de Informação, esclareceu que a exibição do texto de resposta da Ambimed ocorreria na edição seguinte do programa “Sexta às 9”, que teria lugar apenas no dia 16 de Junho de 2017, e não no dia 9 (dia seguinte), precisamente por não estar prevista na grelha de programação a transmissão do programa em data anterior. 

Pelo que se impõe concluir que a Recorrente tinha, na edição do programa “Sexta às 9” que teria lugar no dia 16 de Junho de 2017, o dever de emitir a resposta da Ambimed e as condições para cumprir o seu dever de anunciar a programação nos termos previstos no artigo 29.º da LTSAP.

Como acertadamente se escreveu na sentença recorrida, “apesar desta aceitação, expressa e documentada, do exercício do direito de resposta, a Coordenadora do Programa e o Director Adjunto de Informação da Recorrente decidiram encetar, junto do queixoso, um procedimento que carece, em absoluto, de amparo legal: a cerca de 5 horas da emissão do Programa, persuadindo-o quer da ineficácia do seu texto, quer da sua incorreção (exigindo a sua redução a uma página), lograram criar no legal representante do queixoso a aparência de que apenas em caso de aperfeiçoamento o seu texto seria emitido, obstaculizando o exercício atempado de tal direito.
Tal conduta por não encontrar, como se referiu, amparo sequer perfuntório na Lei, não consente a conclusão de que, na ausência de uma resposta por parte do queixoso – resposta que não era legalmente devida e que surge na sequência de pergunta que não tem fundamento legal – estava a Recorrente legitimada para recusar a transmissão.”

A dimensão do direito de resposta da Ambimed não restringia os direitos da Recorrente, nem violava o princípio da proporcionalidade, tal como previsto no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

O direito tutelado neste caso era o direito de resposta, não se vendo que direito da Recorrente era posto em causa com a transmissão de um texto de resposta que cumpria os requisitos legalmente previstos, incluindo em termos de dimensão (com menos 2223 palavras do que o texto da reportagem emitida no dia 19.05.2017), e que tinha sido recebida e aceite pelo Director de Informação da RTP oito dias antes da data prevista para a sua transmissão no programa “Sexta às 9” de 16.06.2017.
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III.2.3.–Erro de julgamento

Causa de exclusão da ilicitude ou erro sobre a ilicitude do acto

Alega a Recorrente que a falta de resposta da Ambimed à solicitação que lhe foi feita, equivale a uma recusa de eliminação ou adequação do direito de resposta em termos compatíveis com a sua leitura integral durante a emissão do “Sexta às 9”, o que justifica a recusa da divulgação da totalidade do texto, de acordo com o art. 68.º, n.º2 da LTSAP, não sendo, por isso, ilícita.

Sem razão, no entanto.

De acordo com o n.º2 do art. 68.º, já citado, Caso a resposta ou a rectificação violem o disposto nos n.ºs 4 ou 5 do artigo anterior, o operador convida o interessado, no prazo previsto no número anterior, a proceder à eliminação, nas 48 horas seguintes, das passagens ou expressões em questão, sem o que fica habilitado a recusar a divulgação da totalidade do texto.”

Sendo de vinte e quatro horas a contar da recepção da resposta ou rectificação o prazo previsto no n.º1 do art. 68.º.

Os n.ºs 4 e 5 do art. 67.º dispõem que:
4- O conteúdo da resposta ou da rectificação é limitado pela relação directa e útil com as referências que as tiverem provocado, não podendo exceder o número de palavras do texto que lhes deu origem.
5-A resposta ou a rectificação não podem conter expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolvam responsabilidade criminal ou civil, a qual, neste caso, só ao autor da resposta ou rectificação pode ser exigida.

Ora, no caso:

A solicitação da jornalista da RTP à Ambimed, para que esta alterasse o texto de resposta (facto X), foi feita no dia 16.06.2017, muito depois do prazo de 24 horas a contar da recepção da resposta, previsto no n.º1 do art. 68.º; o texto apresentado ao abrigo do direito de resposta já havia sido recebido e aceite pelo Director de Informação; e os quatro fundamentos que constavam da mensagem enviada à Ambimed com a solicitação de alteração do texto da resposta, não respeitavam ao previsto nos nºs 4 e 5 do art. 67.º

Os fundamentos invocados para solicitar a alteração do texto da resposta, a menos de 5 horas do início do programa onde deveria ser emitido, respeitavam: à dimensão do texto, que deveria ser reduzido a uma página; ao próprio teor do texto de resposta, que continha detalhes que os telespectadores não iriam perceber e que, por isso, não repararia eventuais danos; à falta de razão da Ambimed, possuindo a RTP documentos que alegadamente confirmam o que foi emitido na reportagem em causa, pelo que não haveria qualquer retificação; a Ambimed ter recusado a entrevista proposta pela RTP.

Pelo que a recusa foi, efectivamente, ilícita.

O disposto nos arts. 67.º e 68.º da LTSAP não colide com a possibilidade de as partes comunicarem. Naturalmente, desde que não seja posto em causa o exercício do direito de resposta do visado/interessado. Os referidos artigos contêm as normas que devem regular essa comunicação, nomeadamente os prazos em que esta deve ocorrer. O que no caso não foi respeitado, não existindo qualquer restrição excessiva da liberdade de imprensa.

Dos factos que constam como provados nos pontos XI a XV resulta que a jornalista rebateu cada um dos parágrafos que compõem o texto de resposta apresentado pela Ambimed e que, na sua opinião, inviabilizavam o direito de rectificação solicitado; que o Director adjunto de informação insistiu com a Ambimed que a RTP possuía documentos que poderiam inviabilizar os fundamentos do direito de resposta e de rectificação solicitados, não se encontrando a RTP em posição de transmitir as partes do texto de resposta que se reportam ao direito de rectificação, pedindo que fosse alterado o texto de resposta enviado; tendo a RTP acabado por não transmitir o texto de resposta enviado pela Ambimed. O que só veio a fazer depois de notificada da Deliberação de 11.08.2017 do Conselho da Entidade Reguladora.

Não se verifica nenhuma causa de exclusão da ilicitude ou erro sobre a ilicitude por parte da RTP, nada resultando da matéria de facto que permita concluir que o legal representante da Ambimed consentiu na não transmissão do texto que apresentou no exercício do seu direito de resposta, ou sequer que iria enviar novo texto de resposta. Do ponto XXIX da matéria de facto provada resulta apenas que os jornalistas tentaram chegar a um acordo com a Ambimed, tendo em conta que julgavam a resposta desproporcionada para a duração do programa e que consideravam determinados factos comprovados. No mais, os factos que continuam a ser alegados pela Recorrente em sede de recurso (a convicção da jornalista de que a Ambimed iria enviar um texto mais curto e de que aquela sociedade desistira do direito de resposta) foram considerados não provados na sentença recorrida.

Pelo que o recurso improcede, nesta parte.
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III.2.4.– Suspensão da execução da coima

Entende a Recorrente que a coima aplicada deveria ter sido integralmente suspensa na sua execução ou, pelo menos, em mais de metade. Alega que não deixou de emitir o direito de resposta e que existiu um contexto negocial com a Ambimed, que ficou de dar resposta sobre o que fazer em relação ao direito de resposta mas que nada disse. E, ainda, que não tem antecedentes por ilícitos contra-ordenacionais de semelhante natureza, tendo o programa que deu origem ao direito de resposta deixado de existir.

Decidiu-se na sentença que embora o RGCO não o preveja expressamente, afigura-se que o Tribunal pode ponderar a aplicação, subsidiária e devidamente adaptada, do instituto de suspensão da execução da coima, inspirado no artigo 50.º do Código Penal”, suspendendo a execução da coima nos termos do art. 50.º do CP, “aplicável por remissão do artigo 32.º do RGCO e artigo 18.º do RGCO.”

Na sua resposta ao recurso a ERC sustentou que a suspensão da execução da pena não é aplicável às contra-ordenações sancionadas no âmbito da LTSAP, pelo que a sentença recorrida incorreu em nulidade ou, caso assim não se entenda, em erro na interpretação e aplicação do Direito.

Com efeito, nem o RGCO nem a LTSAP prevêm a possibilidade de suspensão da execução da coima, sendo as normas do Código Penal subsidiariamente aplicável ao regime substantivo das contra-ordenações, nos termos do art. 32.º do RGCO, em tudo o que não for contrário à presente lei”. Assim, a aplicação subsidiária do Código Penal só ocorrerá quando existir de facto uma lacuna que deva ser preenchida por recurso às normas penais.
O RGCO não contém qualquer norma que permita a suspensão da execução da coima, que é, por natureza, de espécie económica sendo, além do mais, graduada de acordo com a capacidade económica do condenado. Não se trata de uma lacuna que deva ser preenchida por norma do Código Penal (ou, como se escreveu na sentença, inspirada em norma do Código Penal) e sim de uma opção do Legislador. Que expressamente a introduziu em legislação sectorial, como no art. 415.º do Código de Valores Mobiliários, no art. 20.º-A da Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais (embora seja discutido na jurisprudência se não é apenas aplicável às sanções acessórias), ou no art. 175.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, que estabelece Medidas de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo. Tendo surgido pela primeira vez consagrada em 1992 no art. 223.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras sem que, nas três alterações que o RGCO já teve depois daquela data, tenha sido introduzida qualquer modificação nessa matéria[4].

Contudo, a ERC não recorreu da sentença e, conforme decorre do estatuído no artigo 412.º, n.º 1, do CPP, aqui aplicável ex vi art.º 74.º, n.º 4, do RGCO, o objecto do presente recurso é delimitado pelas conclusões da motivação do recurso interposto e admitido, restrito à matéria de direito, nos termos do disposto no art.º 75.º, n.º 1, do RGCO, e sem prejuízo da cognição pelo Tribunal ad quem dos vícios constantes do texto da decisão recorrida, no âmbito da previsão do art.º 410.º, n.º 2, do CPP.

Pelo que, não constituindo a questão da possibilidade de suspensão da execução da coima objecto do presente recurso, apenas interposto pela Visada RTP, nem uma questão que seja de conhecimento oficioso, a apreciação terá de cingir-se ao alegado no recurso da RTP relativamente à suspensão parcial da execução da coima aplicada.

Entende a RTP que a coima aplicada deveria ter sido integralmente suspensa na sua execução porquanto não deixou de emitir o direito de resposta e por ter existido um contexto negocial com a Ambimed, que ficou de dar resposta sobre o que fazer em relação ao direito de resposta mas que nada disse.

De facto, resulta da matéria de facto que a RTP acabou por emitir o direito de resposta, mas, cfr. consta do ponto XXII da matéria de facto, apenas na sequência da Deliberação ERC/2017/169 (DR-TV), que determinou à Arguida a transmissão do texto de resposta de Ambimed – Gestão Ambiental, Lda., e, ainda, a instauração de autos de contraordenação.

Bem como que, depois de o Director de Informação ter confirmado a transmissão do texto recebido no exercício do direito de resposta da Ambimed (ponto VIII), que houve o envio à Ambimed de várias mensagens de correio electrónico por parte da Jornalista S… e do Director Adjunto de Informação V… (pontos IX a XIV). Contudo, não constando da matéria de facto provada qualquer resposta, aceitação das “sugestões”, ou qualquer outro indício de que a Ambimed aceitou rever o texto enviado na sequência daquelas mensagens – apenas que a RTP tentou chegar a um acordo (cfr. ponto XXIX) - dificilmente  o contexto pode ser qualificado de “negocial”. Sendo que, na ausência de qualquer resposta, sempre permaneceria válida a aceitação do texto por parte do Director de Informação e o dever de o emitir no dia que foi comunicado.

Alega a Recorrente, por ultimo, que não tem antecedentes por ilícitos contra-ordenacionais de semelhante natureza, tendo o programa que deu origem ao direito de resposta deixado de existir.

O facto de o programa em questão ter deixado de ser transmitido não assume especial relevância, considerando que a prática da contra-ordenação é imputável à Recorrente RTP e não a qualquer responsável pelo programa em questão. RTP que tem os antecedentes contra-ordenacionais que constam do ponto XXVII da matéria de facto (de I a XVII), mostrando-se, por isso, justificada apenas a suspensão da execução da coima na parte decidida pela sentença recorrida.

O recurso, conclui-se, deve ser julgado improcedente.
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IV.–Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3UC.
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Lisboa, 26.09.2022


Eleonora Viegas - (Relatora)
Ana Mónica Mendonça Pavão - (1ª Adjunta)
Luís Ferrão - (2º Adjunto)



[1]Cfr. ac. do STJ de 17.03.2004, proc. n.º 03P2612
[2]cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª Edição, 2000, Ed. Verbo, p. 341
[3]Cfr. ac. do STJ de de 15.07.2009, proc. n.º 103/09
[4]No sentido de que a suspensão da execução da coima, não estando prevista no RGCO, não é aplicável por via do seu art. 32.º, v. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações …”, UCP, 2011, citando ainda José Gonçalves da Costa, “Contra-Ordenações…”, 1995, CEJ.