Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9004/08-6
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REFORMATIO IN PEJUS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. Constitui entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência que a competência do tribunal, como pressuposto processual que é, determina-se pelos termos em o autor estruturou o pedido e a causa de pedir.
2. Estando em causa um litígio transnacional, em que pelo menos uma das partes está domiciliada num Estado Membro da CE, aplica-se o Regulamento (CE) 44/2001, em vigor desde 2002.03.01, por força do princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno.
3. O artigo 23º do Regulamento (CE) 44/2001 é menos exigente que o artigo 99º CPC, designadamente por não se exigir que a atribuição de jurisdição seja justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, e não envolva inconveniente grave para a outra (nº 3).
4. E não é necessário que o litígio tenha qualquer conexão com o país em que se localiza o foro eleito, bastando que uma das partes esteja domiciliada num Estado Membro da CE.
5. A designação atribuída pelas partes ao contrato não é decisiva, já que o tribunal não está vinculado ao nomen juris atribuído, como decorre do artigo 664º C.P.C.: o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito.
6. O princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no artigo 684º, nº 4, CPC impede que o recorrente que foi condenado em parte do pedido formulado pelo autor possa ser condenado na totalidade do pedido, quando o autor não tenha interposto recurso principal ou subordinado quanto à parte que lhe foi desfavorável.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório

B..., Limited, com sede em ... Cayman Islands, British West Indies, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C...., residente em ..., Madrid, Espanha, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 282.776,45, correspondente ao capital em dívida de € 274.452,92, acrescido de juros de mora vencidos e do respectivo imposto de selo, contados até à data da apresentação em juízo no montante de € 8.323,53, bem como, dos juros vincendos contados à taxa de 5,121%, acrescidos do respectivo imposto de selo, até integral pagamento.

Alega para tanto, e em síntese, que por contrato de abertura de crédito celebrado em 2000.12.22, concedeu ao R. um empréstimo no montante de € 270.000,00, o qual foi utilizado mediante crédito de conta bancária aberta em nome daquele, conta que se comprometeu a manter habilitada para reembolso de capital, juros, e pagamento de quaisquer comissões, encargos ou despesas inerentes ao empréstimo.
E, não obstante a referida conta não estar devidamente habilitada, e por razões meramente contabilísticas, o A. debitou em 2000.12.26, com data-valor de 2000.12.22, o saldo em dívida relativo ao empréstimo (€ 273.248,70), ficando a conta devedora pelo montante de € 273.599,32.
Acrescenta, nos artigos 9º e ss. da petição inicial, que em 2002.02.13, com data-valor de 2001.01.22, o A. repôs em vigor o empréstimo, creditando a referida conta pelo valor inicial do empréstimo (€ 270.000,00), tendo em 2003.06.22 debitado na referida conta a prestação trimestral de juros que se vencia nessa data, sem que a mesma estivesse provisionada, o mesmo sucedendo quando foram debitadas as prestações trimestrais de juros vencidas em 2003.09.22 e 2003.12.22.
Diz ainda que à data de 2004.12.22 o R. era devedor da quantia de € 270.000,00 relativa ao capital mutuado e de € 4.452,92 do saldo devedor da referida conta, no total de € 274.452,92, acrescida de juros contados à taxa Euribor a três meses, acrescida do spread de 1%, elevado para 2% em caso de mora, desde 2003.12.22. E que à data do incumprimento a taxa Euribor a 3 meses era de 2,121%, pelo que a taxa de juros moratória era de 5,121% ao ano.

Contestou o R., excepcionando a incompetência absoluta em razão da nacionalidade, alegando, em síntese, não haver convenção atributiva de jurisdição por o próprio banco reconhecer que o empréstimo titulado pelo documento nº 1 está extinto por efeito do lançamento a débito da quantia mutuada efectuado pelo próprio banco, e que o A. não pode unilateralmente repor em vigor um contrato já extinto, não tendo sido convencionado entre A. e R. um novo empréstimo. E que, à falta de convenção atributiva de jurisdição, o tribunal competente é o do domicílio do R., nos termos do artigo 2º do Regulamento (CE) 44/2001, do Conselho, de 2000.12.22.
E que, ainda que se invocasse o pacto atributivo de jurisdição, ele seria inválido nos termos do artigo 99º CPC por a causa não ter qualquer conexão com a ordem jurídica portuguesa nos termos do artigo 65º e 65º A CPC.
Defendeu-se ainda por impugnação, dizendo que o contrato celebrado, apesar de denominado «contrato de abertura de crédito», é um mútuo, pois a quantia mutuada foi depositada de uma só vez na conta do R., devendo o reembolso ser efectuado por uma única vez.
Acrescenta que o A., ao proceder ao lançamento na conta do R., sem o seu consentimento nem autorização, da quantia de € 270.000,00 do capital mutuado e de € 3.599,32, montante que não justifica na petição inicial, considerou como liquidado o capital mutuado, não podendo «repor» em vigor o anterior empréstimo porque isso equivale à concessão de um novo empréstimo a que o R. não deu o seu acordo.
Replicou o A., reiterando que o empréstimo não foi pago e procedendo à alteração da causa de pedir, limitando-a aos artigos 1º a 8º da petição inicial, e do pedido que passa a ser o da condenação do R. no pagamento da quantia de € 325.291,17, correspondendo € 273.248,70 a capital e € 52.042,47 a juros vencidos, acrescida de juros à taxa contratualmente prevista (Euribor a três meses, acrescida do spread de 1%, elevado para 2% e caso de mora), desde a data do incumprimento (2001.12.22), até integral pagamento. E que naquela data a taxa Euribor era de 3,339%, pelo que a taxa de juros moratórios é de 6,339%.
Diz ainda que, fundando-se a causa de pedir no incumprimento do contrato junto com a petição inicial tem de ser atendido o pacto atributivo de jurisdição, que é válido, por a conta utilizada para o empréstimo se encontrar domiciliada no PB, Av. da Liberdade, em Lisboa. E que, mesmo que assim não se entendesse, sendo a relação controvertida de natureza contratual, à luz do Regulamento (CE) 44/2001, a acção tanto poderia ser instaurada no tribunal do domicílio do R., como no do lugar do cumprimento da obrigação.
Treplicou o R., opondo-se à alteração da causa de pedir e do pedido, dizendo que procedem de abuso do direito e da má fé do A., por ter reconhecido que o contrato de mútuo não se encontrava em vigor, e que, ainda que se admita a alteração da causa de pedir, devem ser rejeitados os factos que a integram, como decorre dos artigos 9º e ss. da petição inicial. E reafirmou o que disse na contestação relativamente à excepção de incompetência.
Foi proferido despacho saneador, no qual foi relegada para final a apreciação da excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da nacionalidade, e se admitiu o incidente de alteração do pedido e da causa de pedir, tendo sido fixada a matéria de facto relevante.
Foi realizado julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou:
- improcedente a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da nacionalidade;
- procedente a acção, condenando o R. a pagar ao A. a quantia de € 282.776,45, correspondente ao capital em dívida de € 274.452,92, acrescido de juros de mora vencidos e do respectivo imposto de selo, contados até à data da apresentação em juízo no montante de € 8.323,53, bem como, dos juros vincendos contados à taxa de 5,121%, acrescidos do respectivo imposto de selo, até integral pagamento.
A fls. 327-30, a A. pediu rectificação da sentença por a fundamentação apontar para a condenação nos termos peticionados pela A. após a alteração do pedido e da causa de pedir, e a condenação se reportar ao pedido formulado na petição inicial.
A A. pediu a aclaração do despacho que indeferiu o pedido de rectificação, a qual foi indeferida por despacho transitado em julgado.

Inconformado, apelou o R., apresentando as seguintes conclusões:
«QUANTO À INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES

A) Resulta dos autos assente que:
a) A. e R. celebraram em 22.12.2000, em George Town, Ilhas Caimão, o instrumento de fls. 7-8 denominado "contrato de abertura de crédito";
b) Do teor do aludido contrato, consta, entre outros, que a A. tem sede em George Town, Cayman Islands, British West Indies;
c) O R. tem nacionalidade espanhola e residência em Madrid, Espanha;
d) Consta do aludido contrato que ao mesmo é aplicável o disposto na Legislação Portuguesa e para todas as questões e litígios emergentes será competente o Tribunal da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro;
e) O R. sempre deu instruções à "Caixa Cataluña" para transferir os montantes para um Banco sediado nas Ilhas Caimão, não referindo que tais pagamentos se devessem fazer através de Portugal.
B) Extinta a obrigação de reembolso da quantia mutuada e, consequentemente o mútuo que a titulava, como decorre dos próprios articulados da A. e dos documentos que juntou, deixou de subsistir a cláusula atributiva de jurisdição;
C) A extinção da obrigação é reconhecida pela própria A. quando propõe a acção – arts 7° e 9° e seguintes da p.i.;
D) Momento em que se afere a competência;
E) Aferição que não foi afectada pela alteração da causa de pedir e do pedido, porquanto se mantiveram os mesmos pressupostos e fundamentos da extinção da obrigação;
F) Nos presentes autos não se discutem divergências quanto ao conteúdo do contrato, mas questões subsequentes à sua extinção, ou seja, em concreto, quais os efeitos do débito em conta efectuado pela A. em 22.12.2001;
G) Ainda que se entendesse que nestes autos se dirimem litígios emergentes do contrato de fls. 7-8, o pacto atributivo de jurisdição careceria de validade, face ao disposto nos artigos 61°, 65°, 65°-A e 99°, todos do C. Processo Civil;
H) Não se vê, nem vem alegado, que a relação jurídica material tenha conexão com mais de uma ordem jurídica;
I) Ao invés, a falta de conexão com a ordem jurídica portuguesa está patenteada nos autos: O Banco A. é estrangeiro, não tendo sede em Portugal, o R. é de nacionalidade espanhola e não tem domicílio em Portugal, o contrato não foi assinado em Portugal, não se convencionou que o local de cumprimento fosse o território português, e não se provou que a conta estivesse domiciliada em Portugal;
E,
J) Como se vê dos documentos juntos com a petição inicial, assim como da resposta à matéria do n° 2 da base instrutória, o contrato foi sendo executado e cumprido fora do território português;
L) Face ao que dispõe o art° 99°, n° 3 do C.P.C., não está provado ou sequer alegado, o que constituía ónus da A., que a eleição do foro se justificou por interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, e que tal não envolveu inconveniente grave para a outra.
M) Rege, pois, no caso, a regra da competência em função do domicílio do demandado, decorrente do n° 2 do Regulamento citado, que só cederá a favor de uma outra erigida pelas partes no âmbito da sua autonomia se respeitados os limites que a lei impõe.
Donde se referir no considerando 11. do citado Regulamento do Conselho que «As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular-se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, excepto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. (...)».
N) Violou, assim, a douta sentença recorrida, as normas dos artigos 61°, 65°, 65°-A e 99° do C. P. Civil, e art°s 2°, n° 1 e 3° do Regulamento (CE) do Conselho n° 44/2001.

Quanto ao mérito da causa
O) A A. actuou nesta acção com má-fé e abuso de direito;
P) Veio no art° 7° da p.i. alegar que, debitou em 26.12.2001, com data valor de 22.12.2001, o saldo em dívida relativo ao empréstimo, o que se encontra evidenciado no doc. n° 2 que juntou;

Q) E, no artº 9°, que em 13.03.2002, com data-valor de 22.01.2002, «repôs em vigor o empréstimo», «creditando a conta pelo valor pelo qual o mesmo inicialmente havia sido concedido (270.000,00 €)», o que se acha comprovado no doc. n° 3 que então juntou;

R) Nos artigos 10° e 11° da p.i. alega o débito na conta dos juros vencidos em 22.06.2003, 22.09.2003 e 22.12.2003, na sequência e por causa do crédito operado em 13.03.2002, com data valor de 22.01.02, o que é evidenciado nos docs. 4, 5 e 6 que então juntou;
S) Pede, na p.i. a condenação do R. no pagamento da quantia de 274.452,92 €, que incluem juros vencidos desde 22.12.2003, data em que a A. fixa o incumprimento do ora Apelante, e pede juros vincendos à taxa de 5,121%;
T) Face à contestação do R., a A., na Réplica, vem limitar a causa de pedir aos factos dos artigos 1 ° a 8° da petição inicial e dos artigos 1 ° a 9° da Réplica;
U) Altera o pedido para 273.248,70 €, que incluem juros vencidos desde 22.12.2001, data em que a A. fixa agora o incumprimento do R., e pede juros vincendos à taxa de 6,339%;
V) No art° 3° da Réplica volta a admitir o lançamento a débito efectuado em 26.12.2001;
X) No art° 5° da Réplica alega que os lançamentos posteriormente levados à conta de depósitos à ordem do R. foram efectuados no pressuposto de que o doc. n° 3 junto pelo R. com a contestação havia sido efectivamente assinado por este;
Z) O que sabia não corresponder à verdade, sendo o Banco como foi o autor do citado documento;
AA) Alega no art° 7° da Réplica que o contrato junto sob doc. n° 3 com a contestação não era apto para produzir quaisquer efeitos, mas, contraditoriamente e sem denodo vem, logo no art° 9°, dizer que as prestações de juro debitadas no decurso do ano de 2003 – docs. 4, 5 e 6 - , o foram em execução da cl. 6ª do citado doc. n° 3;
AB) Do exposto se vê que a A. age de má-fé ao mudar radicalmente a sua linha de actuação, aproveitando os factos que lhe interessavam e eliminando os que lhe eram desfavoráveis;
AC) Sendo certo que uns não podem ser apreciados sem os que lhe foram subsequentes e que, no seu conjunto, integram a relação material controvertida;
AD) i) A A. deduziu, assim, pretensão que sabia ser infundamentada face aos artigos 9° e seguintes da p.i.;
ii) alterou, na réplica, a verdade dos factos e omitiu factos relevantes;
iii) usou de forma maliciosa e abusiva instrumentos que o direito adjectivo confere, o de alterar a causa de pedir e o pedido;
AE) A A. agiu com dolo, porque conscientemente «deu o dito por não dito», trocando uma relação jurídica controvertida por outra totalmente distinta, com violação dos mais básicos princípios de boa-fé, infringido o disposto no art° 266°-A do C.P.C. e litigando de má-fé nos termos do art° 456°, 2, do C.P.C.;
AF) A A. agiu também com abuso de direito: reconheceu na p.i. que o contrato de fls. 7-8 já não estava em vigor, tendo dado causa, ela própria, à extinção e inexigibilidade da obrigação de reembolso da quantia mutuada;
AG) Trata-se de um caso de "venire contra factum proprium"; excedeu, com manifesto excesso, os limites impostos pelo fim económico e social do direito que o art° 334° do C. Civil tem em vista, o que conduz à supressão do direito que invoca;
AH) Face ao exposto, se o incidente de alteração da réplica e da causa de pedir eram formalmente admissíveis, já o pedido formulado deveria ter sido rejeitado – art° 665° do C.P.C.;
AI) Violou, assim, a douta sentença recorrida, o disposto nos artigos 266°-A, 456°, n° 2 e 665°, todos do C.P.C. e art° 334° do C. Civil;
Em todo o caso,
AJ) Do conjunto de factos alegados pela A. – ainda que só limitados aos enunciados na réplica –, assim como dos documentos juntos sob n°s 2 a 6 com a petição inicial e mantidos na réplica, resulta a improcedência do pedido da A.;
AL) O débito em conta na conta de depósitos à ordem do R., efectuado em 22.12.2001, do montante do capital mutuado (270.000 €), acrescido de 3.599,32 € produziu o efeito de pagamento do capital mutuado e do restante saldo em dívida da mesma conta;
AM) O Banco A. pôs dessa forma à disposição do R. aquela quantia, e simultaneamente fez--se pagar, com a mesma, do seu crédito sobre o R. àquela data;
AN) Nos termos da cláusula 7ª do contrato de fls. 7-8, o reembolso do capital mutuado seria efectuado por débito em conta do mutuário, na data do vencimento do empréstimo. O que se verificou.
AO) Não ficou demonstrada nos autos qual a causa que levou o Banco a adiantar fundos ao R. para pagamento da quantia mutuada, sendo certo que deverá ter-se em conta que para garantia do cumprimento do aludido contrato foi constituído um penhor de depósito a prazo com grau de cobertura de 125%, como consta da cláusula 10ª do contrato;
AP) O referido adiantamento de fundos por parte do Banco configura um "descoberto em conta";
AR) Com o "descoberto" operou-se simultaneamente o pagamento integral da quantia mutuada, titulada pelo contrato de fls. 7-8, ficando, assim, a prestação integralmente cumprida nos termos dos arts 762° e 763° do C. Civil, extinguindo-se a correspondente obrigação, pelo que a sentença recorrida, ao acolher a tese da A., violou o disposto nas citadas disposições legais;
AS) Questão diversa que não cabe no âmbito desta acção, são as subsequentes consequências na esfera jurídica patrimonial de cada uma das partes, designadamente em termos de "deve" e "haver", decorrentes das operações bancárias efectuadas a partir do referido "descoberto";
Acresce que,
AT) Ainda que por mera hipótese se aceitasse a exigibilidade da obrigação de reembolso, sempre a fixação da quantia condenatória não se enquadra nos parâmetros da lei;
AU) A A. ao peticionar o saldo devedor de conta, não especifica a origem dos vários movimentos, designadamente, a origem e fundamento do pedido da quantia de 4.452,92 €, no caso do pedido formulado na p.i., nem da quantia de 3.248,70 € no caso do pedido formulado na Réplica;
AV) Quanto aos juros, a A. não alega qual a taxa aplicável em cada momento e não só à data do alegado incumprimento, como o impunha a cláusula 5ª do contrato de fls. 7-8;
AX) Questões a que o Apelante se referiu nos artigos 32°, 47° e 61° da contestação;
AZ) Ao acolher o pedido infundamentado da A., como descrito, o Tribunal "a quo" julgou do mesmo modo infundamentadamente, violando a norma do n° 2 do artº 659° do C.P.Civil;
BA) A douta sentença recorrida viola o disposto nos artigos 61°, 65°, 65°-A, 99°, 266°-A, 456°, n° 2, 515°, 659°, n° 2 e 665°, todos do C. P. Civil, 2° e 3° do Regulamento (CE) n° 44/2001 e 334°, 762° e 763° do C. Civil;
BB) Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se o R., ora Apelante, da instância, ou quando assim se não entenda, absolvendo-se o R. do pedido,
Como é de Justiça!».

Contra-alegou o A, pugnando pela manutenção do decidido.

A fls. 400 vº foi proferido despacho solicitando ao Banco de Portugal o envio das taxas Euribor 3 meses desde a data da celebração do contrato, o que foi respondido a fls. 406 a 449, tendo as partes sido notificadas.

2. Fundamentos de facto
A 1ª instância considerou provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação:
2.1. Com data de 22/12/2000 e local George Town, Ilhas Caimão, foi subscrito pela A. "B..., Limited" e pelo R. C... o instrumento constante de fls. 7-8 denominado "contrato de abertura de crédito", do qual consta, além do mais, o seguinte:

«Mutuário
Cliente C..., residente em ..., Madrid, Espanha.
Mutuante
B.... ( ..) e com sede em ..., George Town, Cayman Islands, neste contrato designado abreviadamente por Banco.
1. Moeda/Montante
Pelo presente contrato de abertura de crédito o Banco empresta ao Mutuário o montante de EUR: 270.000,00 (...), nos precisos termos e condições adiante indicados.
2. Forma de Utilização
O referido empréstimo será utilizado mediante crédito na conta com o N. ° ....
3. Finalidade
O presente financiamento destina-se, exclusivamente, a ser utilizado para a Apoio à Tesouraria, podendo o Banco, em caso de utilização para qualquer outra finalidade, exigir o imediato e integral vencimento da dívida e consequente pagamento.
4. Prazo
1 ano, desde a data do presente documento, vencendo-se o empréstimo a 2001/12/22, data em que o capital mutuado deverá ser integralmente amortizado.
5. Taxa de Juro
A taxa de juro aplicável será a taxa EURIBOR a 3 meses, ou seja a Taxa média que for oferecida entre um painel de Bancos com maior volume de negócios no Mercado Monetário da Zona Euro, oferecida ao Banco para a sua tomada de fundos na moeda do empréstimo (EUR), acrescida de 1% (...), que será elevada para 2% (...) em caso de mora.
Nesta data, a taxa fixada nos termos da presente cláusula corresponderá a uma taxa nominal anual de 5,905% e a uma taxa anual efectiva (TAE) de 6,1234%, calculada nos termos do Dec. Lei 220/94 de 23 de Agosto.
6. Pagamento de juros
Os juros serão debitados trimestralmente ocorrendo o primeiro débito em 22 de Março de 2001.
7. Reembolso de Capital
O capital mutuado será reembolsado integralmente na data de vencimento do empréstimo, por débito em conta do Mutuário.
(...).
9. Débitos em Conta
Para o reembolso do capital, débito de juros, incluindo os de mora, e pagamento de quaisquer comissões, encargos ou despesas inerentes ao presente empréstimo, o Mutuário compromete-se a manter habilitada a referida conta Nº ... autorizando, desde já, o Banco a proceder a movimentação daquela conta ou, título supletivo outra conta titulada pelo Mutuário junto do Banco em nome pessoal ou através de sociedade ou trust que lhe pertença.
11. Incumprimento
No caso de o Mutuário incumprir qualquer das obrigações ou compromissos acima expressos, incluindo os referidos nas "Condições Gerais de Crédito", tenham ou não natureza pecuniária, bem como no caso de incumprir qualquer outra dívida perante o Banco ou terceiros, poderá o Banco exigir o pagamento de toda a dívida incluindo capital, juros, encargos e acessórios, sem necessidade de qualquer outra formalidade ou notificação.
12. Alteração de Domiciliação
O Banco poderá a qualquer momento alterar a domiciliação do presente empréstimo, para qualquer outra sua sucursal ou filial no exterior.
13. Lei aplicável e Foro Competente
Ao presente contrato é aplicável o disposto na Legislação Portuguesa e para todas as questões e litígios emergentes será competente o tribunal da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro" (alínea A) dos Factos Assentes).
2.2. A A. creditou ao R. a quantia de € 273.248,70, e em 22/12/2001, a A. debitou ao R. a quantia de € 273.599,32 (alínea B) dos Factos Assentes).
2.3. O R. tem nacionalidade espanhola e residência em ..., Madrid, Espanha (alínea C) dos Factos Assentes).
2.4. O R. sempre deu instruções à "Caixa Cataluña" para transferir directamente os montantes para um Banco sediado nas Ilhas Caimão, não referindo que tais pagamentos se devessem fazer através de Portugal (resposta ao quesito 2.°)
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
- incompetência absoluta em razão da nacionalidade, que passa pela análise das seguintes sub-questões:
- aplicabilidade do Regulamento (CE) 44/2001, do Conselho, de 2001.12.22;
- validade do pacto atributivo de jurisdição – o artigo 99º CPC e o princípio do primado do direito comunitário;
- relativamente ao mérito da causa:
- a alteração da causa de pedir e a alegada má fé e abuso de direito por parte da apelada;
- a qualificação do contrato e alegada extinção da obrigação;
- a alegada ilegalidade da fixação da quantia condenatória.
3.1. Da incompetência em razão da nacionalidade
Após transcrever os artigos 65º e 99º, CPC, e 23º do Regulamento CE , o Mmº Juiz a quo concluiu que, em face do teor do contrato celebrado entre as partes, afigura-se válido o pacto de atribuição de jurisdição aos tribunais portugueses para apreciação dos litígios dele emergentes, julgando improcedente a excepção de incompetência em razão da nacionalidade.
É o seguinte o teor da cláusula 13ª do contrato, epigrafada «Lei aplicável e Foro Competente»:
Ao presente contrato é aplicável o disposto na Legislação Portuguesa e para todas as questões e litígios emergentes será competente o tribunal da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro" (alínea A) dos Factos Assentes).
O apelante atacou a decisão em vários planos.
Sustentando que o que está em causa, mesmo depois da alteração do pedido e da causa de pedir, são questões subsequentes à extinção do contrato, concretamente quais os efeitos do débito em conta efectuada pela apelada em 2001.12.22, defende que a cláusula atributiva de jurisdição deixou de existir.
Subsidiariamente, para a eventualidade de se entender que nestes autos se dirimem litígios emergentes do contrato de fls. 7-8, afirma que o pacto carece de validade face aos artigos 61º, 65º, 65º A e 99º, todos do CPC, por a relação controvertida não ter qualquer relação com a ordem jurídica portuguesa, não estando sequer alegado que a eleição do foro e justificou por interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, e que não envolve grave inconveniente para a outra.
Conclui que se aplica ao caso a regra do domicílio do devedor, constante do artigo 2º, nº 1, e 3º, do Regulamento CE 44/2001.
Recordem-se os factos relevantes para a apreciação desta questão:
a) A. e R. celebraram em 22.12.2000, em George Town, Ilhas Caimão, o instrumento de fls. 7-8 denominado "contrato de abertura de crédito";
b) Do teor do aludido contrato, consta, entre outros, que a A. tem sede em George Town, Cayman Islands, British West Indies;
c) O R. tem nacionalidade espanhola e residência em Madrid, Espanha;
d) Consta da cláusula 13ª do referido contrato que ao mesmo é aplicável o disposto na Legislação Portuguesa e para todas as questões e litígios emergentes será competente o Tribunal da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro;
e) O R. sempre deu instruções à "Caixa Cataluña" para transferir os montantes para um Banco sediado nas Ilhas Caimão, não referindo que tais pagamentos se devessem fazer através de Portugal.

Constitui entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência que a competência do tribunal, como pressuposto processual que é, determina-se pelos termos em o autor estruturou o pedido e a causa de pedir.
Nas palavras de Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pg. 91,
«A competência do Tribunal - ensina REDENTI - afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)»; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor.»
Segundo Salvador da Costa, no acórdão do STJ de 2008.12.15, www.dgsi.pt.jstsj, proc. 08B3962, «Para determinação da competência do tribunal em razão da matéria importa ter em linha de conta, além do mais, a estrutura do objecto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido formulados na acção, no momento em que a mesma é intentada, independentemente da natureza estritamente civil ou laboral das normas jurídicas aplicáveis. Dir-se-á, assim, que a competência em razão da matéria se determina pelo pedido e os factos que lhe servem de causa de pedir.»
A nível jurisprudencial e a título meramente exemplificativo, refiram-se os acórdãos do S.T.J., de 2004.11.18, Salvador da Costa, 2004.05.13, Afonso de Melo, 2004.02.12, Araújo Barros, 2004.01.27, Fernandes Magalhães, 2002.03.06, Emérico Soares, 1999.02.09, Garcia Marques, em www.dgsi.pt.jstj.proc. 04B3847, 04A1213, 04B128, 03A4065, 01S3359, 98A1250, respectivamente, e da Relação de Lisboa, de 2006.02.22, Duro Cardoso, em www.dgsi.pt.jtrl. proc. 8083/2005-4; da Relação de Coimbra, de 2006.03.08, Hélder Roque, www.dgsi.pt.jtrc., proc. 210/06.
O pedido e a causa de pedir, tal como emergem da alteração formulada na réplica e admitida por despacho de fls. 85-6, transitado em julgado, reportam-se ao incumprimento do contrato de fls. 7-8, no qual se insere a cláusula que integra o pacto atributivo de jurisdição.
Sem prejuízo de maior desenvolvimento desta questão oportunamente, não colhe a tese da extinção do contrato de mútuo pelo reembolso da quantia mutuada, pois que está assente que o apelante não procedeu ao pagamento da quantia mutuada na data do vencimento do empréstimo, não se podendo equiparar uma mera operação contabilística do banco ao efectivo reembolso do empréstimo.
Estamos claramente perante um litígio emergente do contrato de fls. 7-8, pelo que soçobra a pretensão de que com o reembolso da quantia mutuada deixou de subsistir a cláusula atributiva de jurisdição.
E ainda que se considerasse o pedido e a causa de pedir tal como emergem da petição inicial, ainda estaria em causa, em última análise, um litígio emergente do contrato de fls. 7-8, tendo em conta os critérios de interpretação da declaração negocial, plasmados nos artigos 236º e ss., CC: não obstante as operações efectuadas pela apelada, o que se discute é o incumprimento do referido contrato: as operações levadas a cabo pela apelada decorreram da circunstância de a quantia mutuada não ter sido restituída na data do vencimento. E não tendo sido subscrito novo contrato (cfr. fls. 45-7), todas as operações têm necessariamente de ser reportadas ao contrato em causa nos autos (fls. 7-8).
Passando à problemática da competência internacional propriamente dita, conforme refere Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I , pg. 124, «as normas de competência internacional definem a susceptibilidade de exercício da função jurisdicional pelos tribunais portugueses, tomados no seu conjunto, relativamente a situações jurídicas que apresentam elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras».
Tais normas podem ser de origem interna ou supra-estaduais.
Importa, pois, determinar qual o regime aplicável ao pacto atributivo de jurisdição: se os artigos 65º, 65º A e 99º CPC, ou se o Regulamento (CE) 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial (doravante Regulamento). E, a ser aplicável o Regulamento, quais os normativos pertinentes (se o artigo 2º, se o 23º).
Estando em causa um litígio transnacional, em que pelo menos uma das partes está domiciliada num Estado Membro da CE, aplica-se o Regulamento (CE) 44/2001, em vigor desde 2002.03.01, por força do princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno.
Com efeito, a Constituição, ao estabelecer no seu artigo 8º, nº 2, que as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português, consagrou a tese da recepção automática condicionada apenas ao facto de a sua eficácia interna depender da publicação oficial (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, 5ª edição, pg. 913).
Aliás, o próprio artigo 65º CPC, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 38/2003, de 08.03, logo no seu nº 1, ressalva o que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, ou seja, só reclama aplicação se não se aplicar o que esteja previsto em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais.
Estabelecido que se aplica o Regulamento, há que determinar qual dos artigos convocados que se aplica – se o 2º, se o 23º.
Sustenta o apelante a aplicação do artigo 2º, que estabelece o foro da residência do demandado (Madrid), argumentando com o considerando nº 11 do Regulamento nos termos do qual «As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular-se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, excepto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. (...)»,
O artigo 2º, nº 1, consagra de forma residual o foro do domicílio do réu, ao estabelecer que, sem prejuízo do disposto no presente Regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.
O artigo 3º, nº 1, numa formulação apenas aparentemente restritiva, diz que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2ª a 7ª do presente capítulo.
A secção que releva para o caso vertente é a 7ª, epigrafada «Extensão de competência».
É nesta secção que se insere o artigo 23º, cujo nº 1 é do seguinte teor:
«Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado - Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou
b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou
c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado».
Este normativo é menos exigente que o artigo 99º CPC, designadamente por não se exigir que a atribuição de jurisdição seja justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, e não envolva inconveniente grave para a outra (nº 3).
Assim, estando o apelante domiciliado num Estado-Membro e tendo sido convencionada, por escrito, a competência do tribunal da comarca de Lisboa, importa concluir pela validade do pacto atributivo de jurisdição inserto nessa cláusula.
A tal não obsta a circunstância de o tribunal eleito não ter qualquer conexão com a relação material litigada, contrariamente ao pretendido pelo apelante.
Com efeito, e como se nota no acórdão do STJ, de 2007.05.17, Oliveira Vasconcelos, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07B1001,
«O facto de o Estado do tribunal competente por via daquele pacto não ter qualquer conexão com a relação material em litígio não é relevante, uma vez que não é proibido pelo citado Regulamento. Nela e conforme decorre do estabelecido no referido artigo 23º e também do artigo 21º, apenas se exige que pelo menos uma das partes esteja domiciliada num dos Estados – membros e que as partes atribuam competência aos Tribunais de um Estado-membro através de um acordo que deve assumir a forma escrita ou verbal com confirmação escrita.
Nada mais».
Trata-se de um corolário do princípio da autonomia da vontade, sendo certo que não foi assacado qualquer vício à referida cláusula.
A atribuição de jurisdição através de cláusulas contratuais é a que melhor se coaduna com o considerando nº 11 do Regulamento, atento o elevado grau de certeza que encerra, pois, contrariamente ao que sucede com o critério do domicílio do réu, sabe-se à partida qual o tribunal em que deve ser instaurada a acção, independentemente da indagação do domicílio do réu, que pode não ser o mesmo que à data da contratação.

Improcedem, pois, as conclusões A a N.

3.2. Da alteração da causa de pedir e a alegada má fé e abuso de direito por parte da apelada
Sustenta o apelante que a apelada agiu de má fé por ter alterado radicalmente a sua linha de actuação ao, na réplica, restringir a causa de pedir aos factos enunciados nos artigos 1º a 8º, abandonando os factos referidos nos artigos 9º e ss., alterando também o pedido formulado, nos termos que mais pormenorizadamente constam do relatório.
Segundo afirma, com esta actuação a apelada aproveitou os factos que lhe eram favoráveis, eliminando os desfavoráveis, e «dando o dito por não dito», trocou uma relação jurídica controvertida por outra totalmente distinta.
Conclui dizendo que se o incidente de alteração da réplica e da causa de pedir eram formalmente admissíveis, já o pedido formulado deveria ter sido rejeitado, nos termos do artigo 665° do C.P.C..
A primeira observação que a tese do apelante suscita é a de que a problemática da alteração do pedido e da causa de pedir se encontra ultrapassada, por ter sido decidida por despacho transitado em julgado, tendo-se formado caso julgado formal, que impede a sua reapreciação (cfr. artigo 677º CPC).
Se considerava ilegal a alteração do pedido deveria ter oportunamente recorrido da decisão.
Sempre se dirá que a alegação dos factos enunciados nos artigos 9º e ss. da petição inicial, que o apelante entende lhe serem desfavoráveis, redundou em benefício para si, como decorre da comparação do pedido inicial e do pedido reformulado.
O mesmo sucedendo com o documento nº 3 junto com a contestação, a fls. 45-7.
Trata-se de uma proposta de contrato, denominado abertura de crédito, com data correspondente ao vencimento do empréstimo a que se reporta o contrato de fls. 7-8 (2001.12.22), já assinada pelo representante da apelada, e que tinha por objecto o empréstimo da quantia de € 270.000,00, tal como o contrato de fls. 7-8, mas com prazo mais dilatado – 3 anos - e taxa de juro inferior em 1,557% (4,348% em vez de 5,905%). Ou seja, um contrato em condições mais favoráveis para o apelante!
O que ocorreu, na verdade, foi um lapso do banco que partiu do princípio que tal contrato tinha sido assinado pelo apelante, o que não sucedera. Não se considera, no entanto, que a negligência tenha sido tão grave que justifique a censura subjacente a uma condenação como litigante de má fé, tanto mais que, ao ser confrontado com a situação, alterou o pedido e a causa de pedir, reconduzindo a causa de pedir ao incumprimento do contrato de fls. 7-8, sem que o apelante se insurgisse contra essa alteração no momento próprio, como já se referiu supra.

Entende ainda o apelante que a apelada agiu também com abuso do direito, por ter reconhecido na petição inicial que o contrato de fls. 7-8 já não estava em vigor, tendo dado causa, ela própria, à extinção e inexigibilidade da obrigação de reembolso da quantia mutuada, que agora pretende repristinar, razão por que entende dever ser rejeitada a pretensão da apelada, sob pena de violação do artigo 334º CC.
Mais uma vez o apelante faz apelo a factualidade que já não releva nos autos por força da alteração da causa de pedir efectuada na réplica, o que implica necessariamente o naufrágio da sua pretensão, sem necessidade de outros considerandos.
No número seguinte analisaremos a problemática da alegada extinção da obrigação.
O recurso não pode deixar de improceder nesta parte.

3.3 Da qualificação do contrato e da alegada extinção da obrigação
As partes celebraram o contrato junto a fls. 7-8, intitulado «contrato de abertura de crédito».
Contrato de abertura de crédito é, nas palavras de Calvão da Silva, Direito Bancário, Almedina, pg. 365 «o contrato pelo qual um banco se vincula a ter à disposição da outra parte uma quantia em dinheiro por certo período de tempo ou por tempo indeterminado, obrigando-se esta ao reembolso das importâncias levantadas e ao pagamento de juros acordados na data do vencimento».
A designação atribuída pelas partes ao contrato não é decisiva, já que o tribunal não está vinculado ao nomen juris atribuído, como decorre do artigo 664º C.P.C.: o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito.
A qualificação do contrato há-de decorrer da sua interpretação, tendo em conta as regras estabelecidas nos artigos 236º e ss. C.C..
Assim, não obstante a sua designação, estamos perante um contrato de mútuo bancário, em virtude de a quantia emprestada ter sido lançada de uma só vez na conta do apelante, devendo ser reembolsada na totalidade de uma única vez.
O apelante obrigou-se, para além do pagamento dos juros trimestrais, a reembolsar a quantia mutuada no termo do prazo convencionado, o que não fez.
A posição sustentada pelo apelante em sede de recurso raia a litigância de má fé, ao pretender prevalecer-se de uma pretensa extinção do contrato de mútuo, consubstanciado no documento de fls. 7-8, por força de um lançamento efectuado pela apelada na conta titulada pelo apelante por razões meramente contabilísticas, quando não pode ignorar que não procedeu ao pagamento da quantia mutuada.
O raciocínio do apelante é linear: estando estipulado na cláusula 7ª do contrato que o reembolso do capital mutuado seria efectuado por débito na conta do mutuário na data do vencimento do empréstimo, o lançamento efectuado pela apelada, alegadamente por razões meramente contabilísticas, sem que estivesse subjacente o efectivo pagamento da quantia mutuada, teria o condão de extinguir a obrigação de reembolso!
Sem que o apelante tivesse desembolsado qualquer quantia!

Na tese do apelante, a extinção da obrigação decorreria de um descoberto em conta - contra o qual, aliás, se insurgiu, designadamente no artigo 39º da contestação, dizendo que não foi convencionado nem por si autorizado -, cujas consequências teriam de ser apuradas noutra sede.
Por outras palavras, considera o alegado descoberto em conta ilegal, mas pretende prevalecer-se de uma pretensa extinção da obrigação por força do mesmo descoberto!
É evidente que a obrigação não se extinguiu e que a apeada tem direito a exigir o reembolso do capital mutuado acrescido dos juros remuneratórios e moratórios.
É manifesto que o recurso não pode deixar de improceder também nesta parte.

3.4. Da alegada ilegalidade da fixação da quantia condenatória
O apelante, para a eventualidade de se considerar exigível a obrigação de reembolso, invoca que a fixação da quantia condenatória não se enquadra nos parâmetros da lei, porquanto a apelada, ao peticionar o saldo devedor de conta, não especificou a origem dos vários movimentos, designadamente, a origem e fundamento do pedido da quantia de € 4.452,92, no caso do pedido formulado na petição inicial, nem da quantia de € 3.248,70 no caso do pedido formulado na réplica.
E que não alegou qual a taxa aplicável em cada momento, e não só à data do alegado incumprimento, como o impunha a cláusula 5ª do contrato de fls. 7-8.
Considera, assim, que o tribunal, ao acolher o pedido infundamentado da apelante julgou igualmente infundamentadamente, violando o disposto no artigo 659º, nº 2, CPC.
Em primeiro lugar, tendo havido alteração do pedido, há que considerar apenas o pedido alterado, tal com o resulta da réplica, por o outro ter deixado de subsistir.
No entanto, o Mmº Juiz a quo condenou o apelante no pedido formulado na petição inicial, o que motivou pedido de rectificação da sentença, indeferido por despacho de fls. 337, cujo pedido de aclaração foi igualmente indeferido a fls. 374, não tendo a apelada recorrido.
Em segundo lugar, a apelada não tinha de alegar a taxa de juro aplicável a cada momento, já que a taxa convencionada correspondia à Euribor 3 meses acrescida de 1%, acrescida da cláusula penal de 2% em caso de mora, dependendo assim de mero cálculo aritmético, sendo certo que a taxa Euribor é de fácil acesso, por ser objecto de publicação.
Relativamente à questão suscitada no artigo 32º da contestação, de que o banco não justifica a quantia de € 3.599,32, que acresce ao capital mutuado (€ 270.000,00), decorre do contexto da alegação da apelada que se trata de quantia relativa a juros, pois afirma no artigo 7º que «por razões meramente contabilísticas, não obstante a referida conta (identificada no anterior artigo 2º) não se encontrar habilitada para o efeito, o banco autor debitou em 26.12.2001, com data valor de 22.12.2001, o saldo em dívida relativamente ao empréstimo», concluindo, no artigo seguinte, «Ficando essa mesma conta devedora pelo montante de € 273.599,32».

Assim sendo, face aos montantes exigidos pela apelada, o que o apelante poderia alegar em sua defesa é que os juros estavam mal calculados, pois é de presumir que a quantia exigida para além do capital corresponda a juros.
As questões referidas nos artigos 47º e 61º, na parte em que transcendem a matéria dos artigos 1º a 8º da petição inicial, são irrelevantes, pelas razões já enunciadas.
Em síntese, o apelante tem de reembolsar a quantia de € 270.000,00, acrescida dos juros remuneratórios, vencidos em 2001.03.22, à taxa de 5,649%, em 2001,06.22, à taxa de 5,433%, em 2001.09.22, à taxa de 4,69% e em 2001.12.22, à taxa de 4,339%, num total de 283.422,06 acrescida de juros de mora desde 2001.12.22, à taxa de 6,339%, quantia em muito superior àquela em que o apelado foi condenado.
O artigo 684º, nº 4, CPC, ao consagrar que os efeitos do julgado na parte não recorrida não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo, acolheu o princípio da proibição da reformatio in pejus.
Conforme explicam Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. III, pg. 33, «a decisão do tribunal de recurso não pode, assim, ser mais desfavorável ao recorrente que a decisão recorrida».
Continuam os mesmos autores, a pg. 34:
«O princípio da proibição da reformatio in pejus impede que o recorrente que foi condenado em parte do pedido formulado pelo autor possa ser condenado na totalidade do pedido, quando o autor não tenha interposto recurso principal ou subordinado quanto à parte que lhe foi desfavorável».
Nessa medida, há que confirmar a decisão recorrida.
4. Decisão
Termos em que julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 2009.09.17
Márcia Portela
Carlos Valverde
Granja da Fonseca