Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
531/11.7TBBBR.L2-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: MANDATO FORENSE
DEVER DEONTOLÓGICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: No desempenho do seu mandato forense, não viola qualquer dever deontológico, o advogado que, em situações de sucessão de regimes legislativos – reforma da acção executiva, novo regime dos recursos – segue uma determinada interpretação que não vem a ser acolhida pelo tribunal, apesar de uma parte da jurisprudência se mostrar concordante com tal interpretação.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Na presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário H... demanda: L... pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 1.500.000,00, acrescida de juros de mora vencidos, desde a data da propositura da acção e até integral pagamento.
Para tanto, alega, em síntese, que:
- mandatou o R., na qualidade de advogado, para exigir judicialmente da sociedade Z... Lda., uma indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes decorrentes de incumprimento contratual ou enriquecimento sem causa;
- no âmbito da acção interposta nessa sequência, o R. deduziu incidente de liquidação de sentença cerca de três anos depois da data do respectivo trânsito em julgado, não deduziu reclamação ao despacho de condensação proferido nesse incidente e não apresentou alegações no recurso interposto da sentença final proferida no mesmo incidente, que, por isso, foi julgado deserto;
- devido à conduta do R., o A, que havia obtido uma condenação calculada em € 1.719.869,90, em 2007, apenas veio a receber pouco mais de € 300.000,00 em 2010, ficando prejudicado em montante não inferior a € 1.400.000,00;
- ainda devido à conduta do R, o A. sofreu os danos não patrimoniais que descreve, cuja compensação deve ser de montante não inferior a € 100.000,00.
Conclui, defendendo ter celebrado um contrato de mandato com o R, no âmbito do qual o R actuou contra a vontade e interesses do A, agindo de forma negligente, displicente e de má-fé.

O R contestou:
- invocando as excepções dilatória da incompetência territorial do Tribunal, por ser competente o Tribunal da Comarca de Lisboa, e da sua ilegitimidade passiva, por a sua actividade profissional, enquanto advogado, ser exercida no âmbito de uma sociedade de advogados, que foi a parte no contrato de mandato invocado pelo A;
- impugnando, no essencial, a factualidade relativa à alegada violação de devedores profissionais e aos danos sofridos pelo A, e defendendo que os danos patrimoniais que o A. alega reconduzem-se à figura da perda de chance, que não tem relevância indemnizatória quando resultante da deserção de um recurso, e que os juros moratórios, relativos à indemnização por danos não patrimoniais, apenas são devidos a partir da sentença;
- requerendo a intervenção acessória da seguradora A... Ltd., por a sua actividade profissional encontrar-se segura por contrato de seguro celebrado entre a sociedade de advogados referida e aquela seguradora.

O A. não replicou.
Foi julgada procedente a excepção dilatória da incompetência territorial do Tribunal e os autos remetidos para este Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (fls. 992 a 994).
O R. apresentou o articulado superveniente de fls. 1720 e segs., que foi admitido por despacho de 19.02.2013 (fls. 1753) e o A. notificado para responder, nada tendo dito.
Por despacho de fls, 1805 e 1806, foi a seguradora A... Ltd., admitida a intervir, acessoriamente, nos autos, a qual contestou, defendendo, em suma, que:
- existe falta de legitimidade passiva do R.;
- o A. não demonstra a verificação dos requisitos dos quais depende a alegada responsabilidade do R, maxime o dano e o nexo causal entre os actos e omissões imputados ao R;
- a conduta processual do A. integra um ostensivo abuso dos pretensos direitos invocados, na modalidade de supressio e desequilíbrio do exercício, pois decorrido tal período de tempo e face aos factos referidos, nunca seria admissível a conduta processual contraditória em análise, sendo por isso manifesta a improcedência da pretensão apresentada;
- os juros peticionados pelo A. devem ser contabilizados a partir do trânsito em julgado da decisão.

Por requerimento de 06.12.2013, veio o A. requerer a intervenção principal provocada de N... Sociedade de Advogados, RL, que não foi admitida, por extemporânea (cfr. despacho de fls. 1871).
Foi proferido despacho saneador, absolvendo o R do pedido (fls. 1897 a 1902), o qual foi revogado por acórdão da Relação de Lisboa, que julgou o R. parte legítima (fls. 1951 a 1963).
Procedeu-se à realização da audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção não provada e improcedente, absolvendo o R dos pedidos.

Foram dados como provados os seguintes factos:
1) O A. foi empreiteiro de obras públicas em nome individual até 1992 e detinha o número de contribuinte 800 709 772;
2) No âmbito dessa sua actividade, contratou em regime de subempreitada, com sociedade Z... Lda. (de que eram sócias as sociedades E... Lda., Z... S.A., D... S.A., e S...), os trabalhos de terraplanagens inerentes à empreitada de construção e prolongamento de segurança da pista 06/24 e ampliação da plataforma de estacionamento do aeroporto do Funchal;
3) A referida sociedade Z..., incumpriu com o contratualmente firmado, por sua culpa exclusiva, o que acarretou prejuízos ao A;
4) Em face de tal incumprimento, o A procurou os serviços jurídicos do R. para tratar desse assunto;
5) O R. trabalhava numa sociedade de advogados, situada à data, na Rua António Maria Cardoso;
6) O R. passou a ser advogado do Autor, mandatado para exigir judicialmente da referida Z... as indemnizações pelos danos emergentes e lucros cessantes, decorrentes do referido incumprimento contratual ou, em alternativa, pedir a condenação da mesma pelo enriquecimento sem causa que teria obtido, à custa dos trabalhos realizados pelo A;
7) Correu termos na 2.a Secção da 11ª Vara Cível de Lisboa uns autos de acção ordinária, em que foi autor H... e ré Z... Lda., registados sob o nº 7883/1987, instaurados no dia 31.07.1987, do qual fazem partes os actos que constam da certidão junta a fls. 1017 a 1653, nomeadamente:
a) petição inicial, subscrita pelo ora R., na qualidade de advogado (fls, 1019 a 1072);
b) contestação da ré aí Z... (fls. 1073 a 1161);
c) alegações do recurso de agravo interposto pela aí R. do despacho que admitiu a ampliação do pedido formulado pelo A. (fls. 1162 a 1172);
d) alegações do aí A., subscritas pelo aqui R., na qualidade de advogado, relativas ao recurso de agravo (fls. 1173 a 1188);
e) sentença datada de 15.07.2003, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a R. a pagar ao A.: «a) A quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, correspondente à parte proporcional da quantia de Esc. 350.879.000$ mencionada no ponto 42 dos factos provados que corresponder aos custos mencionados no ponto 47 dos mesmos factos provados, tendo em conta os diversos montantes peticionados pela R. ao dono da obra; b) A quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, correspondente aos lucros que o A. teria auferido se tivesse efectuado os trabalhos de escavação, carga e transporte de terras da zona do Caniçal para a obra dos autos, deduzidos dos lucros auferidos pelo A. por ter alugado à R. camiões para levar a cabo tais trabalhos; c) Juros de mora sobre as quantias referidas em a) e b), à taxa legal prevista para os créditos de empresas comerciais, desde a citação para a acção executiva, até integral pagamento; d) A quantia de 10.392,45; e) Juros de mora sobre a quantia referida em d), contados à taxa legal: 20,5% ao ano, desde 10/11/1987 até 05/02/1988; 20% ao ano, desde 06/02/1988 até 05/05/1988; 19% ao ano, desde 06/05/1988 até 19/03/1989; 18% ao ano, desde 20/03/1989 até 20/05/1993; 16,5% ao ano, desde 21/05/1993 até 20/11/1993; 16% ao ano, desde 21/11/1993 até 09/01/1994; de 15% ao ano, desde 10/01/1994 até 16/04/1999; de 12% ao ano, e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor, desde 17/04/1999 até integral pagamento» e condenou a R, como litigante de má-fé, em multa no valor de 50 UC (1189 a 1243);
f) alegações do recuso de apelação interposto pela aí R (fls. 1244 a 1260);
g) alegações do recurso de apelação interposto pelo aí A., subscritas pelo ora R na qualidade de advogado (fls. 1261 a 1304), utilizando papel timbrado com a firma N... Sociedade de Advogados; h) resposta às alegações do aí R, subscritas pelo aqui R., na qualidade de advogado, utilizando papel timbrado com a firma N... Sociedade de Advogados (fls. 1305 a 1322) ;
i) acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 02.12.2004, que decidiu
«(...) negar provimento ao agravo e em julgar improcedente a apelação da R. e parcialmente procedente a apelação do A.. Assim, confirma-se o despacho recorrido; quanto à sentença é a mesma alterada somente no que concerne à data a partir da qual se contam os juros sobre a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença aludida em l-a) daquela decisão, data essa que é aquela em que as sócias da R. receberam as quantias mencionadas no ponto 52) da matéria de facto provada»;
j) alegações do recurso de revista da aí R (fls. 1382 a 1433);
k) acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16.06.2005 , que decidiu negar a revista (fls. 1434 a 1439);
8) Correu termos pela l." Secção do 3º Juízo de Execução de Lisboa uns autos de execução comum registados sob o nº 15400/07.7YYLSB, instaurados em 28.05.2007, em que é exequente H... e executados Z... Lda., E... Lda., Z... Lda., D... S.A., e S..., do qual fazem parte os actos que constam da certidão junta a fls. 1697 a 1707, nomeadamente:
a) requerimento executivo subscrito pelo aqui R, na qualidade de advogado, do qual consta, nomeadamente: “A execução é interposta contra a Z... Lda. (doravante Z...) e contra as suas cinco sócias, na exacta medida em que, conforme se reconhece na sentença em execução, foram estas que receberam a indemnização do Dono de Obra, tendo sido reconhecido que a Z... foi constituída como uma sociedade meramente instrumental, razão pela qual foram duas sócias da referida Z... que pagaram a quantia exequenda já liquidada, no montante de 38.500 Euros (trinta e oito mil e quinhentos euros, em particular as sócias Z... S.A. e D... S.A., tendo cada uma pago ao Exequente, um cheque no montante de 19.250,00 Euros por cheque, passados das contas bancárias acima identificadas e cuja penhora se requer. O requerimento executivo contra as sócias da Executada Z... também é susceptível de se enquadrar no condicionalismo previsto no art. 57° do CPC » (1698 a 1702);
b) despacho datado de 22.06.2007, que rejeitou a execução e onde, nomeadamente, se escreve que «(...) sendo o título executivo uma sentença de condenação genérica, o incidente de liquidação terá que ser deduzido no próprio processo onde a sentença foi proferida (. . .)>> (fls. 1705 a 1707);
9) No lapso temporal entre o acórdão do STJ referido no nº 7 al. k) e a entrada da execução referida no nº 8, o R. manifestou ao A. que, em seu entendimento, era preferível um acordo que permitisse o rápido pagamento das quantias em que a sociedade Z... havia sido condenada;
10) No âmbito da acção referida no nº 7, correu termos incidente de liquidação iniciado no dia 18.06.2008, do qual fazem partes os actos que constam da certidão junta a fls. 1017 a 1653, nomeadamente:
a) requerimento inicial apresentado em 18.06.2008, subscrito pelo senhor advogado Dr. P..., que protestou juntar procuração, utilizando papel timbrado com a firma N... Sociedade de Advogados, e no qual pede a condenação da executada «a) (...) no pagamento da importância de 1.647.849,50 €, correspondente a um capital de 702.531,55 €, acrescido de juros de mora à taxa legal desde 31.1.96 até 1.4.07, juros estes computados no montante de 945.317,99€; por seu lado, o montante de capital acima referido (702. 531, 55€) corresponde a 89,4% do montante equivalente a 44,9% do montante da indemnização recebida pelas sócias da executada que foi de 350.870.000$00, a qual foi paga em 31.1.06. A percentagem de 44,9% da indemnização recebida correspondeu aos sobrecustos com explosivos e perfuração que foram os únicos sobrecustos também suportados pela Exequente, embora os custos suportados pela Exequente correspondem a 89,4% relativamente ao montante suportado pelas sócias da Executada com esses mesmos custos, conforme se comprova da matéria dada como provada e transcrita sob o nº 47 do Cap. I destas Alegações; b) (... ) um montante de 53.693,00 € pelas perdas de se não ter respeitado a exclusividade nas terras do Caniçal; c) pagamento de juros de mora à taxa legal calculados sobre os montantes referidos nas alíneas a) e b), calculados desde a data de citação da Executada e das suas sócias até efectivo pagamento» (1440 a 1462);
b) articulado de oposição apresentado pela aí ré, que termina pedindo se declare não provada e improcedente a liquidação dos sobrecustos de perfuração e explosivos (fls, 1463 a 1499);
c) despacho saneador e de condensação, datado de 11.11.2008 (fls. 1500 a 1502);
d) reclamação contra a selecção de facto apresentada pela aí ré (fls. 1504 a 1510);
e) resposta do aí autor a essa reclamação, subscrita pelo ora R., utilizando papel timbrado com a firma N... Sociedade de Advogados;
f) rol de testemunhas do aí autor, contendo duas testemunhas, ambos filhos do A. (fls. 1511), subscrito pelo ora R., utilizando papel timbrado com a firma N... Sociedade de Advogados (fls. 1511);
g) sentença datada de 24.04.2009, que fixou a quantia devida pela R. ao A. em € 130.792,53, acrescida de juros à taxa prevista para os créditos de empresas comerciais sobre € 101.952,89 desde o dia 31 de Janeiro de 1996 e sobre € 28.839,64 desde o dia 18 de Setembro de 2008 (1519 a 1528);
h) requerimento do aí autor, requerendo a aclaração da sentença, subscrito pelo ora R., utilizando papel timbrado com a firma N... Sociedade de Advogados (1584 a 1587);
i) alegações do recurso interposto pelo aí A. da sentença referida, subscritas pelo ora R.. utilizando papel timbrado com a firma N... Sociedade de Advogados (1529 a 1542);
j) alegações de recurso interposto pela aí R. da sentença referida (1543 a 1559);
k) despacho do Tribunal Relação de Lisboa, datado de 02.11.2009, ordenando a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a deserção dos recursos (fls. 1560 a 1563);
l) requerimento do aí A., pronunciando-se no sentido de ser conhecido o objecto dos referidos recursos, subscrito pelo ora R. e utilizando papel timbrado com a firma N..., Sociedade de Advogados (1564 a 1583);
m) despacho do Tribunal Relação de Lisboa, datado de 21.01.2010, julgando deserto os recursos (1588 a 1597);
n) reclamação do aí A. para a conferência, subscrita pelo ora R., utilizando papel timbrado com a firma N... Sociedade de Advogados (1598 a 1615);
o) acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.04.2010, indeferindo a reclamação e confirmando o despacho reclamado (fls. 1616 a 1631);
p) requerimento de interoposição de recurso para o Tribunal Constitucional, subscrito pelo ora R., utilizando papel timbrado com a firma N... Sociedade de Advogados (1632 a 1633);
q) despacho do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.06.2010, admitindo o recurso referido (fls. 1634);
r) decisão sumária proferida pelo Tribunal Constitucional, datada de 16.09.2010, de não conhecimento do recurso (fls, 1635 a 1638);
s) reclamação do aí A. para a conferência, subscrita pelo ora R., utilizando papel timbrado com a firma N... Sociedade de Advogados (1641 a 1648);
t) acórdão do Tribunal Constitucional de 10.11.2010, indeferindo a reclamação (fls. 1649 a 1653);
11) O R. encetou conversações com o mandatário da sociedade Z..., ao tempo, Dr. R..., para obter um acordo;
12) O R. reuniu, por diversas vezes, com a senhora advogada Dr.ª M..., com os outros filhos do Autor e com o A., onde, nomeadamente, defendia ser preferível a obtenção de um acordo que permitisse o rápido pagamento ao A. das quantias em que a sociedade Z..., havia sido condenada;
13) O R. e a senhora advogada Drª M... trocaram e-mails e faxes entre si;
14) Correu termos pela 1a Secção do 3.° Juízo de Execução de Lisboa uns autos de execução comum, registados sob o nº 16469/09.5YYLSB, instaurados em 05.08.2009, em que é exequente H... e executados Z... Lda., E... Lda., Z... Lda., D... S.A., e S..., do qual fazem partes os actos que constam a certidão junta a fls. 1654 a 1696, que aqui se dá por reproduzida, nomeadamente:
a) requerimento executivo deduzido contra a sociedade Z..., subscrito pelo aqui R., na qualidade de advogado (fls. 1698 a 1702), acompanhado de uma procuração subscrita pelo aí executado, na qual declara constituir seus bastantes procuradores o ora R. e o senhor advogado Dr. P... (1655 a 1678);
b) requerimento do aí exequente datado de 23.04.2010, requerendo que os sócios da executada, entretanto extinta, assumam a posição de executados e requerendo a penhora do saldo bancário que identifica (fls. 1679 a 1694);
c) despacho de 30.04.2010, determinando o prosseguimento da instância executiva contra os sócios da executada (fls. 1695);
d) despacho de 28.06.2010, autorizando a penhora de saldos (fls. 1696);
15) No âmbito dessa execução o A. recebeu a quantia de 330.786,23, relativa a dívida exequenda (€ 298.341,70), provisões pagas ao agente de execução (€ 232,45) e juros vencidos (€ 32.212,08);
16) O A. remeteu ao R., sob registo e aviso de recepção, a carta cuja cópia consta de fls. 966, datada de 07.02.2011, pela qual solicita que o R. «se digne remeter-me a conta, por escrito, do processo que lhe confiei»;
17) Em 06.10.2011, o Centro Nacional de Pensões pagava ao A. uma pensão de velhice no valor ilíquido de € 1.053,70, ficando retido na fonte € 36,11 relativo a IRS, sendo que no valor líquido da pensão estavam a ser feitos as deduções que constam de fls. 976 e 982, à ordem de duas execuções fiscais e de uma execução comum;
18) Na acção referida no nº 7, foi junta a procuração, cuja certidão consta de fls. 1765 a 1767 dos presentes autos, datada de 21.05.1987, através da qual o ora A. declarou constituir seu bastante procurador o Dr. L..., Advogado, com escritório na Rua António Maria Cardoso, nº 13, 2.°, em Lisboa, ao qual conferiu todos os poderes forenses em direito permitidos;
19) Na acção referida no nº 8, foi junta a procuração, cuja certidão consta de fls, 1780 a 1781 dos presentes autos, datada de 10.05.2007, através da qual o ora A. declarou constituir seu bastante procurador o Dr. L..., Advogado, com escritório na Rua D. Pedro V, nº 132, em Lisboa, ao qual conferiu os mais amplos poderes forenses em direito permitidos;
20) Encontra-se registada na Ordem dos Advogados, desde 28.10.2003, sob o nº 67/03, a sociedade de advogados N... Sociedade de Advogados, RL (responsabilidade limitada), sendo o R. seu sócio fundador;
21) A referida sociedade de advogados iniciou a sua actividade na data do registo, começando por se denominar N... Sociedade de Advogados, tendo adoptado a firma N... Sociedade de Advogados, RL, por deliberação de 03.01.2008;
22) O R. é advogado, encontrando-se inscrito na Ordem dos Advogados desde 16.04.1980, com a cédula profissional nº 4465L;
23) Toda a actividade profissional de advogado do R. é consagrada à referida sociedade;
24) O R. apenas suspendeu a sua inscrição por oito meses, devido ao exercício das funções de Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território do XVI Governo Constitucional;
25) O A. remeteu ao R. a carta cuja cópia consta de fls. 95 e 96 dos autos, datada de 20.08.2002, na qual escreveu, nomeadamente: «Quero desde já assegurar-lhe que não estou disposto a prescindir da integral cobrança de todos os valores que com todo o mérito V Exa. demonstrou em Tribunal - apropriados indevidamente por parte das empresas que constituíam o consórcio Z..., por serem aqueles correspondentes a prejuízos alheios»;
26) Em 1987, o A. deslocou-se ao escritório do R. com o intuito de demandar judicialmente a Z..., reclamando pretensões indemnizatórias;
27) O essencial dessas pretensões indemnizatórias assentava no facto de, aquando da execução dos trabalhos de movimento de terras e terraplanagens, o A. se ter deparado com uma percentagem de 48% de rocha dura, o que havia originado um sobrecusto das escavações, entendendo o Autor que deveria ser indemnizado pela Z... por esse sobrecusto;
28) Quando o A. se dirigiu ao escritório do R. tinha consciência que a acção referida no nº 6 se tratava de uma causa "quase perdida";
29) Era necessário provar factos contrários ao que o A. havia escrito pelo seu punho e proposto à Z...;
30) A parte na relação contratual com o Autor era a Z..., uma sociedade instrumental - na terminologia actual, uma SPV (Special Purpose Vehicle) - criada especificamente para um fim transitório (execução da empreitada de ampliação do Aeroporto do Funchal) e com uma duração limitada, e que, por estas circunstâncias, não tinha património;
31) O R. analisou a documentação e estudou afincadamente o assunto, tendo comunicado ao A. que a sua pretensão era difícil de obter ganho de causa, porquanto colidia expressamente com aquilo que o próprio A. tinha escrito com o seu punho e tinha sido plasmado no contrato;
32) O A. tinha apresentado à Z... uma segunda proposta na qual aumentava o preço em consequência do abandono de estimativa sobre a percentagem de rocha dura, assumindo, portanto, o risco da percentagem de rocha dura, suportando os riscos de acréscimo de custos daí advenientes;
33) No entendimento do R., transmitido ao Autor, o mérito da pretensão dependeria da aplicação de institutos jurídicos de contornos indeterminados, como a boa-fé e o enriquecimento sem causa, e, sobretudo, da prova de factos que permitissem infirmar aquilo que o próprio A. havia escrito e assinado pelo seu punho;
34) O A. esteve sempre ciente de que a sua pretensão tinha pouca margem de sucesso, mas pretendeu demandar judicialmente a Z...;
35) Em 2007, o Autor recebeu a quantia de € 10.392,45, mais juros, num total de cerca de € 40.000,00;
36) N... Sociedade de Advogados, na qualidade de tomador do seguro, e a Interveniente A... Ltd, na qualidade de seguradora, celebraram entre si o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional titulado pela apólice nº E_P-00016-001-11-C, até ao limite de € 300.000,00, no qual foi contratada uma franquia de € 3.000,00, a cargo do segurado, cuja cópia consta de fls. 1773 a 1776,1785 a 1792,1797 a 1803;
37) Correu termos no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados um processo disciplinar com o nº 440/2011-L1D da 4.a Secção, em que era participante o ora A e arguido o ora R, no âmbito do qual foi proferido, em 22.03.2012, acórdão que ordenou o arquivamento dos autos por falta de indícios de infracção disciplinar, o qual transitou em julgado em 30.04.2012, conforme certidão de fls. 1734 a 1751.

Inconformado recorre o A, concluindo que:
- A douta sentença do tribunal a quo por não conter a assinatura do MMJuiz é nula, nos termos do disposto no Art° 615, nº 1 alínea a) do C.P.C., e devido a tal omissão não pode produzir os seus efeitos.
- Ao A, enquanto empreiteiro de obras públicas, foram adjudicados os trabalhos de terraplanagem inerentes à empreitada de construção e prolongamento de segurança da pista 06/24, e ampliação da plataforma de estacionamento do Aeroporto do Funchal, pela "Z... Lda.". Perante o incumprimento contratual por parte da Z..., ao não pagar todos os trabalhos realizados pelo A este recorreu aos serviços do R. para obter o pagamento dos trabalhos realizados e bem assim pelos danos emergentes e lucros cessantes sofridos, ou, em alternativa pelo enriquecimento sem causa, da que a Z... recebeu do dono da Obra o valor dos trabalhos realizados pelo A.
- O Recorrido ao aceitar o mandato forense, ficou obrigado a exercer o mandato, de modo a agir de forma a defender os interesses do A, actuando com o zelo, cuidado e celeridade que o caso não só aconselhava, como eram necessários. Igualmente estava obrigado a utilizar todos os recursos da sua experiência e saber, que o tempo veio a demonstrar serem inexistentes.
- Com efeito, o A. logrou obter provimento na acção proposta contra a Z..., com a condenação desta a pagar ao A.: "a) A quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, correspondente à parte proporcional da quantia de Esc. 350.879.000$00 mencionada no ponto 42 dos factos provados que corresponde aos custos mencionados no ponto 47 dos mesmos factos provados, tendo em conta os diversos montantes peticionados pela R ao dono da obra; b) A quantia que se vier a liquidar em execução da sentença, correspondente aos lucros que o A. teria auferido se tivesse efectuado os trabalhos de escavação, carga e transporte de terras da zona do Caniçal para a obra dos autos, deduzidos dos lucros auferidos pelo A. por ter alugado à R. camiões para levar a cabo tais trabalhos; c) Juros de mora sobre as quantias referidas em a) e b) à taxa legal prevista para os créditos de empresas comerciais, desde a citação para a acção executiva, até integral pagamento; d) A quantia de 10.392,45; e) Juros de mora sobre a quantia referida em d), contados à taxa legal ...
- Assim, a douta sentença condenou a então R. a pagar ao A. uma quantia determinada e outra a determinar em incidente de liquidação da sentença.
- Se quanto à quantia fixada não surgiu qualquer óbice ao seu pagamento, o mesmo já não poderá dizer-se em relação à quantia a liquidar em execução da sentença. Quanto a esta o R., um ilustre advogado de mérito reconhecido, não conseguiu obter o conhecimento de qual o meio a utilizar para tornar a dívida certa, líquida e exigível pelo que, de uma forma infantil e irresponsável, optou por propor uma acção executiva, decorridos cerca de 2 anos após a prolação da douta sentença, sem que existisse um título executivo. Já anteriormente à reforma operada pelo Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, o art. 802.° do C.P.C. exigia que para a propositura de uma acção executiva a obrigação teria que tornar-se certa e exigível, caso não existisse título executivo. Porém ao R., pese o teor da douta sentença, suscitaram-se sérias dúvidas sobre o meio adequado a tornar a obrigação certa, líquida e exigível, pelo que, utilizando o factor sorte, recorreu à acção executiva.
- A acção executiva proposta, não obteve provimento, tal como perante um mandatário forense responsável, seria espectável., porque rejeitada por douto despacho de 22.06.2007, tal como transcrito no ponto 9, alínea b) do douto relatório, mas que também se transcreve "«( ... ) sendo o título executivo uma sentença de condenação genérica o incidente de liquidação terá que ser deduzido no próprio processo onde a sentença foi proferida ( ... )>>.
- Ora, se o R. tivesse estudado devidamente o processo em curso não poderia desconhecer o disposto nos Art.os 378.° e ss do antigo C.P.C., que prevê o regime da liquidação e seu formalismo.
- Após a tentativa falhada, o R pediu ao A. que elaborasse nova procuração, conferindo poderes forenses e ele próprio e um outro ilustre colega, o senhor Dr. P..., sendo este que deduziu o incidente de liquidação da sentença, apresentado em 18.06.2008, demonstrando-se à evidência a falta de competência do R, por carência de conhecimentos sobre a matéria em litígio e para a qual aceitou o mandato forense.
- O douto tribunal a quo alegou o possível e o impossível no seu douto relatório, para justificar o comportamento injustificável do R utilizando, para tanto, do art. 1161.° do C.C., que trata do contrato de mandato civil, que não tem aplicação ao mandato forense porque este é regulado pelo EOA e, como lei especial, prevalece sobre aquele regime. Se dúvidas pudessem existir, a seguinte transcrição dissipa-as: "Repare-se que o incidente de liquidação foi deduzido (em 18.06.2008) na sequência da rejeição (em 22.06.2007) da execução primeira instaurada, pelo que, quando muito, poderia imputar-se ao R. erro indesculpável de um meio inapto para obter a liquidação da sentença.” O douto tribunal deveria ter imputado ao recorrido um erro indesculpável pela utilização de um meio inapto para obter a liquidação da sentença, sinal de desconhecimento dos Art.os, 378.°, 379.° e 802.° todos do C.P.C.
- Mas o douto tribunal a quo também desculpabilizou o R. pela grosseira omissão das alegações ao requerimento de recurso interposto da sentença final do incidente (este proposto em 18.06.2008), e que por tal motivo foi considerado deserto, porque existiam interpretações contraditórias, sob o regime jurídico aplicável aos recursos. Ora, com todo o respeito, os Art.os 864.°-B e 685º-A, ambos do C.P.C. foram aditados pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, com entrada em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008, logo antes da interposição do incidente e muito tempo antes da prolação da sentença do incidente.
- Ainda que se tenha tentado desculpabilizar o recorrido, este violou os arts. 92.°, n. 2, 93.°, nº 2, e 95.°, nº 1, alíneas a), e b) do EOA, da versão então em vigor ou arts 97.°, nº 2, 98.°, nº 2 e 100.°, nº 1, alíneas a) e b) do novo EOA, que não permitem a desculpabilização do requerido. Mas o EOA para responsabilizar os advogados exige somente a mera culpa, tal como dispõe o art. 104.° do EOA, que se transcreve:
"Artigo 104º
Responsabilidade civil profissional
1 - O advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua actividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado pelo conselho geral e que tem como limite mínimo 250 000, sem prejuízo do regime especialmente aplicável às sociedades de advogados e do disposto no artigo 38º da Lei nº 2/2013, de 10 de Janeiro.
2 - Quando a responsabilidade civil profissional do advogado se fundar na mera culpa, o montante da indemnização tem como limite máximo o correspondente ao fixado para o seguro referido no número anterior, devendo o advogado inscrever no seu papel timbrado a expressão «responsabilidade limitada».
3 - O disposto no número anterior não se aplica sempre que o advogado não cumpra o estabelecido no 1 ou declare não pretender qualquer limite para a sua responsabilidade civil profissional, caso em que beneficia sempre do seguro de responsabilidade profissional mínima de grupo de € 50 000, de que são titulares todos os advogados não suspensos. "
- Assim, é evidente que não foram respeitadas as normas jurídicas aplicáveis do EOA, substituindo-as pelas normas do C.C., que como lei geral terá que subordinar-se à lei especial.
- Se dúvidas pudessem existir o ponto nº 1 do sumário do douto Acórdão do TRC, proferido no proc. 231/10.5TBSAT.C1, obtido na Internet que se transcreve: " 1. Porque a obrigação do advogado para com o seu constituinte é uma obrigação de meios impositiva de uma actuação diligente e sagaz, porque a nossa lei consagrou a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, existe, pelo menos na figura da perda de "chance', nexo de causalidade entre a sua decisão de prescindir das testemunhas e a improcedência da acção por falta de meios de prova"; esclarece-as, não sendo compatível com a "conclusão" do doutro tribunal a quo.
- O único meio concreto de prova foi a confissão do então R., em sede de depoimento de parte, que disse o seguinte: "Muito bem. Nessa altura, creio que foi em 2002/2003, não me recordo bem, saiu a reforma da acção executiva, saiu a reforma da acção executiva, e eu de facto, tive dúvidas. E tive dúvidas sobre qual seria o meio adequando, e lembro-me até de ter falado com dois juízes meus amigos, que faziam parte do Conselho Superior da Magistratura, de que eu fazia parte, com quem debati esta questão. E entendemos que de facto a forma adequada seria a liquidação em sede de execução e era isso que estava profundamente convicto. Como digo, tive até o cuidado de discutir esta matéria que era nova, que eu tinha algumas dúvidas e assim avancei tentando fazer o melhor que podia e que saba, dentro daquilo que eu achava que era o cumprimento da Lei e da reforma da acção executiva que era recente.”
- Pelo atrás alegado a douta sentença só poderia conduzir à condenação do Réu e aqui recorrido, e não à sua absolvição, como foi decretada, verificando-se não só a violação de normas legais e imperativas, nomeadamente os Art.os 1161.° do CC, que foi erradamente aplicado, porquanto as normas aplicáveis ao mandato forense são os Arts 92º, nº 2, 93.°, nº 2, e 95.°, nº 1, alíneas a), e b) do EOA, da versão então em vigor ou os arts. 97.°, nº 2, 98.°, nº 2 e 100.°, nº 1, alíneas a) e b) do novo EOA, como também o desprezo pela confissão do recorrido, na qual admitiu as suas falhas e desconhecimentos sobre os procedimentos processuais adequados, o mesmo se traduzindo num desconhecimento inaceitável do EOA..
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, decretando-se a alteração da sentença ou, se for o caso, a anulação da mesma, e que seja produzida uma outra que respeite a prova produzida.
Os RR contra-alegaram sustentando a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.
O presente recurso – para lá da questão da assinatura do juiz, de que nos ocuparemos em seguida – assenta em três questões fundamentais:
Primeira, o facto de a sentença ter enquadrado o pleito no âmbito jurídico do art. 1161º – mandato civil – em vez de aplicar o regime do EOA.
Segundo questão, não ter valorado devidamente, enquanto erro indesculpável – e confessado pelo Réu em depoimento de parte - que consistiu em não ter procedido ao incidente de liquidação da sentença antes de propor a acção executiva, o que levou a que esta não fosse aceite.
Terceira questão, a omissão grosseira dos seus deveres de advogado, pelo Réu, ao omitir as alegações de recurso, levando a que este fosse considerado deserto.
Quanto à assinatura.
Não consta da sentença a assinatura manuscrita do Mº juiz a quo. Entende o recorrente que estamos perante uma nulidade, nos termos do art. 615º nº 1 a) do CPC.
Sem razão.
Com efeito, nos termos do art. 17º nºs 1 e 3 da Portaria nº 114/2008 de 06/02, “os actos processuais dos magistrados judiciais são sempre praticados em suporte informático através do sistema informático CITIUS – Magistrados Judiciais, com aposição de assinatura electrónica qualificada ou avançada (...) A assinatura electrónica efectuada nos termos dos artigos anteriores substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos actos processuais”.
Para ocorrer a nulidade, necessário seria que o recorrente alegasse e demonstrasse que inexistia assinatura electrónica no âmbito do programa CITIUS, o que não fez.
Na verdade, tal assinatura electrónica existe, na plataforma CITIUS, mencionando-se tal assinatura sob o nº de referência 360269570.
Improcedendo a invocação de nulidade.
Quanto ao enquadramento jurídico seguido na sentença recorrida.
Na tese do recorrente, a sentença aplicou os factos no âmbito do quadro legal do mandato civil, art. 1161º do Código Civil, em vez de a enquadrar no regime normativo definido pelo Estatuto da Ordem dos Advogados.
Ora, se lermos a sentença recorrida, verifica-se que no momento em que começa a apreciar a conduta do Réu, o faz ao abrigo do art. 1161º do CC e dos arts. 97º nº 1 e 100º nº 1 b) do EOA (relativamente aos deveres do advogado).
Em seguida, passando à questão da não liquidação prévia à interposição da execução e à suposta omissão das alegações, o Mº juiz a quo aborda diversos princípios fundamentais da advocacia plasmados nos arts. 81º nº 1 e 89º do EOA, para sublinhar a independência e autonomia técnica do advogado no exercício das suas funções.
Mais adiante aborda-se a questão dos danos do A, para se concluir que os mesmos não ficaram demonstrados.
A fls. 2896 conclui o Mº juiz não ter havido violação pelo Réu do disposto no art. 1161º a), c) ou d) do CC e do disposto nos artigos 97º e seguintes do EOA.
A sentença recorrida abordou a matéria em causa quer no âmbito do art. 1161º quer no âmbito do EOA concluindo não ter o Réu violado qualquer dever profissional.
Logo, também aqui terá de soçobrar o recurso.
Passando agora à análise das actuações do Réu e constantes da decisão factual, nas quais o recorrente fundamenta a sua pretensão.
O Réu subscreveu o requerimento executivo na execução com o nº 15400/07.7YYLSB, de 28/05/2007. A execução viria a ser rejeitada, por despacho de 22/06/2007, com o fundamento que, sendo o título executivo uma sentença de condenação genérica, o incidente de liquidação terá de ser deduzido no próprio processo onde a sentença foi proferida.
Aquilo que o recorrente apelida de confissão do Réu no seu depoimento de parte, não passa, na verdade de um esclarecimento dos factos pelo Réu, referindo que, tendo ocorrido poucos anos antes (quatro) a reforma da acção executiva, subsistiam dúvidas quanto ao processo em que deveria ser deduzida a liquidação; daí ter trocado impressões com dois juízes seus amigos que faziam parte do Conselho Superior da Magistratura, tendo concluído que a liquidação deveria ser efectuada em sede de execução.
As dúvidas sobre a sucessão de leis no tempo e regime jurídico aplicável não são sinónimo de ignorância.
A sentença a executar fora proferida, em primeira instância, em 15/07/2003.
No acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 29/06/2007, podia ler-se que:
Considerada a redacção do art. 21º do DL nº 38/2003 de 08/03, que foi dada pelo DL nº 199/2003 de 10/09, a liquidação da sentença de condenação genérica proferida anteriormente a 15 de Setembro de 2003, ainda que não transitada em julgado, deve continuar a processar-se no âmbito da acção executiva em conformidade com o disposto no art. 806º do CPC (anterior redacção). O novo regime aplica-se nos ou relativamente aos processos declarativos em que, até 15 de Setembro de 2003, não tivesse sido proferida sentença em 1ª instância”. (acórdão disponível no endereço electrónico da DGSI).
No mesmo sentido o Acórdão da Relação do Porto de 16/01/2006.
Repare-se, por exemplo, que Lebre de Freitas no seu “A Acção Executiva Depois da Reforma”, edição de 2004, pág. 256, escrevia que, proferida condenação genérica e não dependendo a liquidação de simples cálculo aritmético, esta tem lugar, desde a reforma da acção executiva, em incidente do próprio processo declarativo, mas sem fazer menção à previsão do art. 21º do DL 38/2003.
Daí ter sido proferido acórdão de revista excepcional pelo STJ, a 11/04/2013, confirmando a orientação das Relações atrás citada.
No caso dos presentes autos, a sentença de condenação genérica foi proferida, na 1ª instância, antes de 15/09/2003.
Houve recurso para o Tribunal da Relação que alterou a sentença apenas no tocante à data em que se começariam a contar juros sobre a parte ilíquida da sentença. Esse acórdão data de 01/12/2004.
Posteriormente, o STJ negou a revista.
Perante isto, a questão de saber se o Réu deveria ter instaurado execução e aí efectuar a liquidação ou se esta liquidação teria de ser feita no processo onde a acção declarativa correu termos, está longe de ser a matéria de solução óbvia que o recorrente pretende.
O despacho que rejeitou a execução afirma que sendo o título executivo uma sentença de condenação genérica, o incidente de liquidação terá de ser deduzido no próprio processo onde a sentença foi proferida. Foi pois esta a motivação da rejeição e não outra qualquer. Contudo, tendo ocorrido sentença condenatória genérica na 1ª instância antes de Setembro de 2003, a solução, como vimos, está longe de ser pacífica.
Não nos cabe, como é óbvio, estar aqui a aferir do bem-fundado de um despacho proferido noutro processo. Mencionamos a situação apenas para mostrar que as dúvidas com que o Réu se debatia eram legítimas.
É inaceitável apelidar o comportamento do Réu, como faz a recorrente de “infantil e irresponsável”. Nem se pode falar de um “erro indesculpável” num domínio em que o problema vinha sendo discutido na jurisprudência das Relações e do STJ.
Quanto à razão de a execução ter sido instaurada apenas em 2007 – cerca de dois anos após o trânsito em julgado do acórdão do STJ que negou a revista na acção de condenação – não existem factos que apontem para uma incúria do Réu.
No seu depoimento, o Dr. N... refere que sempre achou preferível tentar um acordo com as empresas sócias que integravam a Z..., uma vez que a execução teria de ser dirigida contra esta, sendo que a Z... não dispunha de património. Portanto, em sede de execução – e como já sucedera na acção declarativa – teria de tentar obter a desconsideração da personalidade jurídica da Z... para poder efectuar penhora nas empresas associadas – essas sim, com amplo património – o que não deixava de se revelar problemático, já que a Z... teria de ser o executado, uma vez que a sentença a liquidar condenou a Z....
Não se vislumbra qualquer negligência do Réu, sendo que, insiste-se, a opção por intentar acção executiva em vez de proceder à liquidação nos autos onde foi proferida a sentença de condenação genérica, constituía uma opção debatida à data (2007) na jurisprudência.

Quanto à não junção de alegações com o requerimento do recurso.
Em 24/04/2009 foi proferida decisão, na acção visando a liquidação da sentença – deduzida após a já mencionada rejeição de uma primeira tentativa de liquidação na acção executiva – que fixou a quantia devida ao A em € 130.792,53, com acréscimo de juros à taxa prevista para as empresas comerciais.
Sobre tal decisão recaiu reclamação do aí A e subscrita pelo ora Réu e posteriormente um requerimento de recurso sendo, posteriormente, juntas as alegações. O facto de as alegações não acompanharem o requerimento de recurso viria a determinar a deserção deste.
O art. 685º-A do CPC que veio estabelecer o novo regime dos recursos, implicando a junção das alegações no próprio requerimento de recurso, foi introduzido pelo DL nº 303/2007 com entrada em vigor em 01/01/2008.
No art. 11º nº 1 desse DL referia-se que:
“Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor”.
O incidente de liquidação, no qual foi proferida sentença de que foi interposto o recurso ora em causa, deu entrada em 18/06/2008.
Na altura colocou-se a questão de saber se situações como o incidente de liquidação constituíam um processo novo para efeitos do DL 303/2007 ou se devia ser visto como inserido no processo declarativo, contando assim a data deste último.
Houve situações muito frequentes de requerimentos de recurso não acompanhados das alegações e conclusões, juntas posteriormente, ao abrigo da anterior legislação, art. 687º CPC – ver a este respeito Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 3º, pág. 41.
É que a liquidação prevista no âmbito da reforma introduzida pelo DL 38/2003 implica, como vimos que, no caso de sentença de condenação genérica, a liquidação tenha lugar nessa própria acção declarativa, como incidente da mesma, podendo até ocorrer a renovação da instância já declarada extinta (art. 378 nº 2 do CPC).
Num caso como este, não é fácil determinar se tal continuidade da instância não implicará considerar-se a data de instauração do processo declarativo de condenação como data a ter conta para efeitos de aplicação das leis no tempo, atento nomeadamente o art. 11º nº 1 do DL 303/2007.
O que queremos dizer com isto é que estamos de novo inserido numa questão de sucessão de leis no tempo, cujo interpretação não foi pacífica. A actuação do Réu tem de ser vista neste âmbito, optando pelo regime anterior a este diploma e resulta de uma interpretação da lei que, pelo menos na altura, estava longe de poder ser considerada isolada.
Não se trata, como a apelação poderia fazer crer, de um caso em que o Réu pura e simplesmente negligenciou a apresentação de alegações. As alegações foram apresentadas mas posteriormente ao requerimento de recurso.
De resto, a avaliar pela factualidade constante de i) a m) da decisão factual, a própria Ré nesse processo seguiu idêntica orientação no seu recurso.
Pelo que não vemos que o Réu tenha descurado o seu dever de desenvolver a sua actividade jurídica com adequada diligência e perícia.
Aliás, o próprio facto de o Réu ter levado à procedência a acção declarativa, que se afigura bem complexa, mostra um empenho ajustado aos problemas suscitados no litígio.
Dentro da sua independência técnica, o Réu tomou opões que relevaram de perspectivas jurídicas razoáveis, umas que viriam a obter ganho de causa, outras que viriam a ser recusadas.
É preciso não esquecer que o direito não é uma ciência empírica, assente em leis repetidamente testadas e confirmadas. O direito, as interpetações dos diversos normativos, implica mais um processo, frequentemente dialético, em que da oposição entre diversos entendimentos, acaba gradualmente por se fixar uma orientação dominante, mais ou menos aceite pela comunidade jurídica.
Situação ainda mais complicada quando deparamos com sucessão (e profunda) de regimes legislativos.
Para citar o nº 1 b) do art. 95º do EOA vigente à data, não se prova que o Réu não tenha estudado com cuidado e tratado com zelo a questão de que foi incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.
O Réu não mostrou incúria na sua actividade – o que seria o caso, por exemplo, de deixar passar o prazo sem deduzir recurso – ou falta de adequado estudo ou preparação nas interpretações jurídicas por que optou – o que seria o caso, para dar outro exemplo, de o Réu ignorar que deveria terminar as alegações de recurso com as conclusões. Estes exemplos reportam-se a situações pacificamente aceites pela comunidade jurídica, não se vislumbrando qualquer debate a este respeito.
Como vimos, não foi isto que se passou.
Não existindo violação dos seus deveres deontológicos nem se podendo assacar qualquer conduta culposa ao Réu, torna-se inútil abordar a matéria dos danos.

Concluindo-se assim que:
- No desempenho do seu mandato forense, não viola qualquer dever deontológico, o advogado que, em situações de sucessão de regimes legislativos – reforma da acção executiva, novo regime dos recursos – segue uma determinada interpretação que não vem a ser acolhida pelo tribunal, apesar de uma parte da jurisprudência se mostrar concordante com tal interpretação.

Termos em que se julga improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

LISBOA, 29/06/2017

António Valente

Ilídio Sacarrão Martins

Teresa Prazeres Pais