Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1499/18.4T8LSB.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: SEGURO DE VIDA
SEGURO DE GRUPO
CONTRATO DE ADESÃO
CLAUSULA ABUSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Quando estão em causa questões de que o tribunal pode/deve conhecer oficiosamente, como é o caso da nulidade de uma cláusula contratual geral inserida num contrato de adesão, contrato esse no qual se fundamenta o pedido da A., não se coloca uma qualquer situação de excesso de pronuncia, quando o tribunal se pronuncia sobre a mesma, uma vez que sendo tal nulidade de conhecimento oficioso não há limitação imposta pelo princípio do dispositivo.
2. As declarações das partes enquanto meio de prova têm de ser ponderadas com todas as cautelas pelo tribunal, não podendo olvidar-se que as partes estão diretamente interessadas no desfecho da ação e que, por isso, não raras vezes prestam declarações de forma não isenta e comprometida. Na medida em que incidem muitas vezes sobre factos controvertidos que lhes são favoráveis, as declarações da parte não podem, em regra, ser consideradas como suficientes para determinar a verificação desses mesmos factos, ainda mais se são contrariadas por outros elementos de prova credíveis.
3. Num seguro de incapacidade o risco que se pretende acautelar são as consequências que para o segurado podem resultar da circunstância de ficar numa tal situação de debilidade funcional que o torna incapaz de fazer a sua vida normal e de auferir rendimentos pelo seu trabalho, em razão de invalidez absoluta e definitiva, com diminuição das capacidades para os atos normais da vida diária espelhadas numa incapacidade de 60% ou mais, sendo nessa previsão que, com lealdade e seriedade, se encontra o equilíbrio das prestações.
4. O conceito de incapacidade estabelecido em cláusula contratual geral que exige, na consideração da situação de invalidez absoluta e definitiva, que a pessoa segura necessite de recorrer de modo contínuo à assistência de terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária, identificados como os mais básicos- comer, vestir-se e cuidar da sua higiene - exigindo na prática uma total e absoluta falta de autonomia, quase só equiparável a um estado vegetativo, já nada tem a ver com a afetação da capacidade de trabalho e de obtenção de rendimentos ou com uma diminuição das capacidades para o exercício de uma vida normal que sempre é indiciada por uma incapacidade funcional de 60%, antes vai além deste conceito e da razão de ser do contrato, determinando um desequilíbrio das prestações contratuais e frustração da confiança do segurado, sendo abusiva por desproporcionada e contrária boa fé e por isso nula.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
Vem MF…, propor a presente ação declarativa de condenação a seguir a forma comum, contra a Ageas Portugal, Companhia de Seguros de Vida, S.A., pedindo que seja declarada verificada a situação contratual prevista nas garantias constantes do documento que junta como documento nº1 e adendas e a R. condenada a reconhecer a situação de invalidez total e definitiva e invalidez profissional da A. bem como no pagamento de 100% de capital seguro- €75.000,00 cumulado com 200% do capital seguro -€150.000,00 e numa compensação pelo incumprimento contratual em valor a estabelecer pelo arbítrio do tribunal.
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido que, ao abrigo de protocolo celebrado com a Ordem dos Médicos, celebrou com a R. em 2005 um contrato de seguro do ramo vida grupo mediante o qual a R. se obrigou a garantir o risco por morte e invalidez da segurada. O capital seguro é de €75.000,00 sendo que a A. garantia a título principal por circunstância da morte da segurada o pagamento do capital de seguro em vigor à data do evento assegurando, ainda, a título de garantia adicional e em caso de invalidez total e definitiva da segurada, o pagamento do capital seguro o pagamento do capital seguro previsto para a garantia principal morte em vigor à data do evento gerador da invalidez; tal garantia é cumulável com a garantia complementar de invalidez profissional pelo que se for reconhecido o estado de invalidez profissional à pessoa segura haverá lugar a um pagamento adicional de 200% do capital seguro da garantia principal Morte. Tal garantia complementar –invalidez profissional- seria acionada de acordo com o contrato, quando o grau de incapacidade funcional para o reconhecimento do estado de invalidez seja fixado em 60%. A A., foi aposentada por incapacidade tendo sido fixada incapacidade absoluta e permanente para o exercício da sua atividade profissional pela Junta Médica da CGA tendo pelo SNS sido fixada incapacidade de 0,7144 e 0,7600.
Devidamente citada, a R. apresentou contestação, pedindo a improcedência da ação. Alega que os critérios contratuais de definição da incapacidade para reconhecimento do estado de invalidez não se esgotam na verificação da incapacidade superior a 60%, incapacidade que declara desconhecer, alegando, ainda, que o acidente que a A. descreve, não configura sinistro para efeitos de contrato de seguro. Junta as condições gerais, especiais e particulares do contrato.
A A. em resposta veio impugnar os documentos juntos declarando desconhecer se a versão das condições apresentada corresponde à base contratual existente e invocada no art.1º da petição inicial.
Foi realizada audiência prévia na qual foi afirmada a validade da lide e fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, tendo sido no mesmo aditado um tema de prova.
Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de € 225.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação, e absolvendo-a do demais peticionado.
É com esta decisão que a R. não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. A Sentença do Tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente por provada e decidiu (i) condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €225.000,00, (ii) condenar a Ré a pagar à Autora os juros de mora sobre a quantia referida supra, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação, (iii) absolver a Ré do mais que lhe vinha pedido.
2. Considerou o Tribunal, in casu, que se encontravam reunidos os requisitos necessários para o efeito e que a clausula constante da condição especial 06, ao impor o requisito da necessidade de auxílio de terceira pessoa para os atos normais da vida era abusiva e, em consequência, declarou a nulidade da mesma nesse segmento.
3. A Recorrente deixará demonstrado que o Tribunal a quo errou na resposta que deu a alguns factos assentes bem como alguns controvertidos, em concreto, ao dar como provados os factos 1.º, 45.º (por incompleto) e 46.º da fundamentação de facto e ao julgar não provados os factos 1º a 3º, da fundamentação de facto.
4. Por outro lado, o objeto do recurso destina-se, igualmente, a aditar factos que o Tribunal a quo desconsiderou e que deveriam ter sido aditados aos factos provados, por terem sido demonstrados à saciedade através de prova documental e testemunhal oferecida nos presentes autos bem como à demonstração de erro na interpretação e aplicação do Direito.
5. Em sede de alegações orais finais a Autora invocou que a clausula constante da condição especial 06, do contrato de seguro ramo vida, celebrado entre Autora e Ré, ao indicar como requisito para o reconhecimento da invalidez total e definitiva, a necessidade de auxílio de terceira pessoa para os atos normais da vida, é uma clausula abusiva por contrária à boa fé, favorecendo a posição da seguradora e que, como tal, deverá ser declarada a sua nulidade, tendo o Tribunal a quo julgado nesse sentido.
6. Sucede que, a invocação da nulidade da clausula constante da condição especial 06, não seguiu os trâmites processuais a que se encontrava obrigada, na medida em que apenas tendo sido arguida pela Autora em sede de alegações orais finais não permitiu à ora Recorrente, exercer cabalmente o seu direito ao contraditório.
7. O principio do contraditório consagrado, desde logo, no artigo 3.º/3, do CPC, determina o dever do juiz de observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, não lhe sendo licito decidir questões de direito ou de facto sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
8. O Tribunal pretendendo decidir sobre uma qualificação jurídica diferente daquela que foi alegada, peticionada e contestada deveria, pelo menos, ter dado a oportunidade à Ré de exercer o seu direito ao contraditório.
9. O exercício do direito do contraditório tem de se traduzir num exercício cabal do contraditório, na medida em que, deve ser possível proporcionar às partes, iguais oportunidades de alegação e contraditório, sob pena de estarmos perante situações de indefesa e de decisões surpresa. O que aconteceu nos autos.
10. Neste enquadramento, a Ré nunca teria oportunidade de atempada e cabalmente analisar a questão e de a ela responder, gerando assim uma situação de indefesa e, no limite, uma decisão surpresa.
11. Pelo que, mesmo no plano das questões de direito, o princípio do contraditório visa proibir a decisão surpresa, o que poderá levar a que, passada a fase dos articulados e já na fase de decisão final, o tribunal deva abrir um incidente de auscultação prévia das partes, se se lhe deparar com uma solução de direito do litígio com que as partes não podiam contar e sobre a qual não tiveram antes a possibilidade de se pronunciarem.
12. Acresce que, além do princípio do contraditório, a conduta do Tribunal viola igualmente o princípio da igualdade das partes, previsto no artigo 4.º, do CPC.
13. O Tribunal a quo confrontado com a arguição de nulidade, por abusiva e contra a boa fé, de parte da clausula constante da condição especial 06, do contrato de seguro ramo vida, apenas em sede de alegações orais e finais, deveria ter concedido prazo à ora Ré de forma a que lhe fosse possível analisar cabalmente a questão e responder.
14. Não o tendo feito o Tribunal a quo levou a que ocorresse uma situação de indefesa e de decisão surpresa, em direta e ostensiva violação dos princípios do contraditório e da igualdade, previstos nos artigos 3 e 4, do CPC, pelo que nos encontramos perante uma nulidade processual que coloca em causa todo o processado, nos termos do artigo 3.º/3, artigo 4.º e artigo 195.º/1 todos do CPC.
15. Na presente demanda o Tribunal a quo extravasou o âmbito das questões que foram submetidas à sua análise e que lhe cabia solucionar.
16. Dúvidas não existem de que caberá às partes o enquadramento fáctico do processo e a alegação dos factos relevantes que serão tidos em conta (artigo 5º/1 e artigo 552.º/1/ al. d), ambos do CPC). Resultando de tais preceitos, que tanto na PI como na Contestação, os factos essenciais que as partes queiram trazer a juízo têm de estar presentes.
17. Ora, os factos de que dependeria a alegação de decisão do instituto da nulidade tratam-se de factos essenciais que não tendo sido alegados/demonstrados em sede de PI, não podem fundamentar a decisão do Tribunal por qualificação jurídica distinta da que foi peticionada e contestada pelas partes, sob pena de violação do princípio do dispositivo.
18. Pelo que, tendo-se pronunciado sobre questões que não devia apreciar, não tendo sido alegados/demonstrados os factos essenciais para determinada qualificação jurídica, a Sentença incorreu em excesso de pronúncia, razão pela qual a decisão recorrida é nula, nos termos e por força do disposto no artigo 615.º/1/d) do CPC.
19. No que diz respeito à decisão sobre a matéria de facto importa desde logo referir que, por análise da fundamentação de facto constante da sentença recorrida verifica a ora Recorrente que não obstante a prova testemunhal, deveria o Tribunal a quo ter chegado a conclusão diversa no que toca a determinados factos relevantes para o julgamento da causa, em concreto, a Recorrente entende que o Tribunal errou ao julgar como provados os factos nºs 1.º, 45.º (por incompleto) e 46.º, e ao julgar como não provados os pontos 1.º, 2.º e 3.º.
20. Quanto ao facto provado n.º 1, conforme resulta claro dos documentos juntos com o Requerimento da Ré, de 02.07.2018, na sequência de notificação feita em audiência prévia, o contrato de seguro do ramo vida, celebrado entre a Autora e a Ré, remonta a 1998, por correspondência à Apólice n.º …, Adesão n.º …, nos termos do Boletim Individual de Adesão junto aos autos.
21. Pelo que, o Tribunal teria e deveria de considerar que o contrato de seguro ramo vida celebrado entre as partes, foi celebrado em 1998 e não em 2005.
22. Note-se igualmente que do depoimento das testemunhas resulta claro o facto de o contrato de seguro em causa ter sido celebrado em 1998, vigorando desde então (IS… – minuto 00:02:10 a 00:03:08; JM… - minuto 00:01:50 a 00:02:40; G… - minuto 00:06:20 a 06:25, de minuto 00:15:25 a 00:15:45 e de minuto 00:15:50 a 00:16:00.
23. Até a Autora (cfr. minuto 00:02:55 a 00:03:20, do depoimento) ouvida em sede de declarações de parte menciona que o contrato de seguro de vida em causa nos presentes autos foi celebrado em 1998 (e de igual forma a sua mandatária o faz em sede de alegações orais finais), o que para todos os efeitos deveria ter sido considerado como confissão, nos termos do previsto no artigo 453.º/2, ex vi artigo 466.º/2, do CPC.
24. A Autora sempre soube que o contrato de seguro de grupo do ramo vida foi celebrado com a Ré, em 1998, e não apenas em 2005, ficando por explicar o porquê de na PI ter invocado como data de celebração do contrato de seguro o ano de 2005.
25. Assim, em prol da justiça material, estão reunidas as condições para a modificação do facto provado n.º 1, quanto à data de celebração do contrato de seguro ramo vida entre a Autora e a Ré.
26. Neste sentido, deverá o facto n.º 1, ser alterado sendo considerado como provado que: “A A. celebrou com a R. em 26.10.1998, então denominada «Axa Portugal, Companhia de Seguros de Vida, SA» um contrato de seguro de vida grupo, através da apólice n.º …, Adesão n.º …, ramo: Temporário Vida Grupo Aberto, mediante o qual a R. se obrigou a garantir o risco por morte e invalidez da segurada, conforme doc. junto a fls. 18 e ss.”
27. Quanto à resposta ao facto provado n.º 45 e aos factos não provados n.º 1 e 2, o Tribunal a quo desconsiderou o facto de as testemunhas arroladas pela Ré terem explicado qual o procedimento normal aquando da celebração de um contrato de seguro de grupo ramo vida porquanto não estavam presentes no momento da celebração e entrega do clausulado contratual à Autora, tendo valorizado apenas e tão só o depoimento da Autora (que se encontra eivado de contradições e imprecisões como se deixará devidamente demonstrado).
28. Para tanto veja-se os depoimentos de IS… - minuto 00:10:20 a 00:11:37; JM… - minuto 00:03:05 a 00:04:57 e de minuto 00:15:00 a 00:15:35; GA… – minuto 00:07:00 a 00:08:15, de minuto 00:14:20 a 00:14:33, de minuto 00:23:00 a 00:24:30, e de minuto 00:26:10 a 00:26:30).
29. Tais depoimentos demonstram inequivocamente qual o procedimento, atual e à data, aquando da celebração de um contrato de seguro de grupo ramo vida, que passa pela (i) apresentação de um Boletim Individual de Adesão – que se encontra junto aos autos datado de 1998, assinado e confirmado pela Autora; (ii) escolha de qual a opção que mais se adequa ao segurado – constando do Boletim Individual de Adesão que a Autora escolheu a opção 2; (iii) avaliação de risco da seguradora – o que foi feito e avaliado, e se nada resultar em contrário e (iv) emissão da apólice completa – com todo o clausulado – que é entregue / enviada aos segurados.
30. Sendo que tal procedimento é alvo de controle de qualidade e que inexistem razões para se considerar que no caso da Autora o procedimento tenha sido diferente, para tanto veja-se o depoimento da testemunha JM… que esclarece que (cfr. minuto 00:05:27 a 00:06:15).
31. Acontece que, tais depoimentos foram claramente desconsiderados pela Sentença recorrida, que apenas valorou as declarações de parte da Autora, incorrendo em erro porquanto os mesmos foram credíveis e relataram de modo unívoco qual o procedimento existente agora, e à data, em caso de celebração do contrato de seguro.
32. Ora, salvo o devido respeito, não podia, de igual modo, o Tribunal a quo fazer apelo às declarações de parte Autora para fundamentar a referida resposta aos factos provados e não provados.
33. O depoimento da Autora, em sede de declarações de parte, encontra-se repleto de contradições o que por si só, demonstra a falta de credibilidade de que padece o seu depoimento, com uma versão à medida das suas necessidades.
34. No início do seu depoimento a Autora questionada sobre se tinha em seu poder o Boletim Individual de Adesão, de 1998, começou por dizer que à data não lhe foi entregue o Boletim e só tinha os recibos de pagamento, para depois vir dizer que afinal lhe deram um duplicado no momento da assinatura (minuto 00:07:57 a 00:009:50e minuto 00:28:10 a 00:28:40).
35. Resulta inequívoco que aquando da celebração do contrato de seguro de grupo ramo vida, foi entregue à Autora a documentação: duplicado do Boletim Individual de Adesão e a totalidade do clausula contratual, composto por condições gerais, especiais e particulares, tendo ficado demonstrado que é esse o procedimento e nada leva a crer que não tenha sido seguido no caso da Autora.
36. E resulta pouco credível as declarações da Autora que aquando da descrição da documentação que tinha na sua posse, tenha começado por dizer que só tinha os recibos dos pagamentos para depois dizer que tinha ficado com um duplicado do Boletim Individual de Adesão no momento da assinatura, em 1998.
37. Ora, o depoimento não merece qualquer credibilidade, desde logo, pela forma hesitante com que a Autora descreveu quais os documentos que tinha ou que não tinha na sua posse (apenas logrando responder com a intervenção da sua mandatária), e para além disso, porque atento o tempo decorrido não é de todo credível uma situação em que a Autora diga perentoriamente que se lembra que não lhe explicaram as condições do contrato de seguro, mas que tenha optado pela opção, mas não se lembre porquê (!)
38. Por outro lado, o clausulado contratual foi novamente remetido à Autora, pelo menos, em mais duas ocasiões distintas, nomeadamente, aquando de uma alteração contratual efetuada em novembro de 2004, bem como aquando da comunicação da incapacidade atribuída pela Ré à Autora, em fevereiro de 2017.
39. Da prova documental resulta do documento n.º 6, junto com a Contestação, que a ora Recorrente, aquando da comunicação das condições do produto Vida Grupo, em carta datada de 12.11.2004, remeteu em anexo as novas condições gerais, especiais e particulares e do documento n.º 8, da PI, resulta que com a notificação da atribuição de uma incapacidade de 35%, em carta datada de 10.02.2017, foram novamente juntas as condições especiais, tendo sido inclusivamente chamada a atenção para a condição especial 010, de invalidez profissional.
40. Da prova testemunhal vejamos os depoimentos de IS… (de minuto 00:02:10 a 00:03:08, de minuto 00:11:38 a 00:12:53, de minuto 00:41:05 a 00:41:50 de minuto 00:17:27 a 00:18:30, e JM… (de minuto 00:06:25 a 00:07:35 e de minuto 00:08:07 a 00:08:26) e GA… (de minuto 00:32:15 a 00:32:30).
41. O facto é que quer em 2004 quer em 2017, foram enviadas todas as condições que compõem o clausulado contratual.
42. Acresce que o contrato de seguro ramo vida em toda a sua vigência – desde 1998 – sofreu apenas duas alterações contratuais – uma em 2002 referente a um aumento de capital pedido da Autora (documento 2, do requerimento de 21.06.2018) e outra em 2004 referente a uma melhoria das condições do seguro apresentado pela companhia (documento n.º 6, da Contestação) e que no demais se encontra inalterado. Confirmado pela testemunha IS… (minuto 00:49:00 a 00:50:48) e pela Autora (minuto 00:37:50 a 00:38:10).
43. Por último, resultam ainda evidências que a Autora conhecia e lhe foi explicado o contrato de seguro celebrado com a Ré, desde logo, porque ao celebrar o contrato teve de escolher entre as várias opões existentes dentro do produto seguro ramo vida, o pedido de aumento de capital de sua iniciativa, o facto de ter beneficiado a título de incapacidade temporária do seguro e o pedido para acionar a garantia de invalidez profissional constante do contrato (e da qual não teria conhecimento se não conhecesse o contrato).
44. A testemunha IS… confirma que a Autora teve de escolher uma opção na adesão ao contrato de seguro do ramo vida (de minuto 00:03:40 a 00:03:47, de minuto 00:04:10 a 00:04:55).
45. A testemunha JM… indica novamente a necessidade da escolha pelo segurado de uma das opões contempladas dentro do contrato de seguro ramo vida (de minuto 00:20:30 a 00:21:30, e de minuto 00:23:35 a 00:24:17).
46. A testemunha IS… esclarece que a Autora no passado beneficiou do pagamento de incapacidade temporária ao abrigo da apólice em discussão nos presentes autos (de minuto 00:16:10 a 00:16:52), o que veio a ser confirmado pela testemunha AM… (de minuto 00:02:50 a 00:03:40).
47. A própria Autora demonstra que tem conhecimento do contrato de seguro na medida em que mesmo alegando o seu desconhecimento, a verdade é que pretendeu acionar uma garantia de invalidez profissional que se encontrava contemplada no mesmo (cfr. minuto 00:42:30 a 00:43:30).
48. Mais acresce que, tendo a Autora em momento algum apresentou qualquer pedido de esclarecimentos, objeção, reclamação ou recusa. Veja-se o depoimento de JM… (de minuto 00:13:15 a 00:13:33) e IS… (de minuto 00:15:22 a 00:15:50).
49. Não é credível que uma médica de profissão (cfr. minuto 00:01:39 a 00:01:42, do depoimento iniciado pelas 11:03:13 na audiência de 30.11.2018) que, enquanto tal, possui um nível de instrução acima da média, tenha contratado um seguro sem ter ficado com qualquer documentação do mesmo, que tenha escolhido uma opção sem que lhe fossem explicadas as condições da apólice, que não se recorde se o contratou em 1998 ou em 2005, que tenha solicitado um pedido de aumento de capital, que tenha usufruído da apólice aquando da incapacidade temporária e que tenha pedido a ativação de uma garantia prevista no seu contrato, apenas por conversas com outros médicos, alegando desconhecer o clausulado do mesmo (!)
50. Neste sentido e pelo exposto supra, deverão o facto provado n.º 45 e os factos não provados n.º 1 e 2, serem alterados sendo considerado como provado que:
- A Autora tinha conhecimento e foram-lhe explicadas as condições particulares do contrato de seguro;
- À Autora foi dado conhecimento e explicadas as Condições Gerais/Seguro Vida Grupo Contributivo, juntas de fls 92 v a 104;
- À Autora foi dado conhecimento e explicadas as Condições Especiais/Seguro Vida Grupo Contributivo, juntas de fls 106 v a 120, designadamente a condição especial 06.;
51. Quanto à resposta ao facto provado n.º 46 e ao facto não provado n.º 3, em termos de fundamentação de facto o Tribunal indicou que fundou a sua convicção nos depoimentos nos profissionais de saúde indicados pela Autora, não considerando o depoimento da testemunha AnM… e dos documentos juntos com a PI.
52. Contudo, não só os serviços clínicos da Recorrente atribuíram uma incapacidade inferior a 60% à Autora como também o relatório do INML, analisado à luz do dano civil vai nesse sentido (documento n.º 9, da PI).
53. Importa referir que a Autora pretendeu acionar junto da Recorrente foi a de invalidez profissional (clausulas particulares e clausula especial 10) a qual tem como requisitos (i) uma incapacidade total para o trabalho e definitiva impossibilidade de exercer a profissão declarada e (ii) incapacidade funcional para o exercício dos atos normais da vida diária, de 60%.
54. Quanto aos requisitos dessa mesma garantia esclareceu a testemunha IS… (de minuto 00:06:50 a 00:07:40, e de minuto 00:21:05 a 00:21:33).
55. Por outro lado, ficou igualmente demonstrado que a Autora, no caso da avaliação pelo corpo clínico da Recorrente - foi analisada por médicos especialistas nas áreas em que a Autora apresentava queixas (ortopedia e psiquiatria), os quais emitiram os respetivos relatórios e que permitiram à testemunha AM… elaborar o relatório final com atribuição de IPP de 35% (de minuto 00:11:05 a 00:11:14).
56. O que não aconteceu no caso dos Atestados Multiusos que a Autora junta com a PI, em que os médicos que examinam os doentes são médicos de saúde publica, o que foi confirmado pela testemunha JC… (de minuto 00:07:27 a 00:07:50).
57. Para acionar a garantia de invalidez profissional com os requisitos acima elencados, constantes das condições particulares e da condição especial 10, teria de ser analisado e confirmado pelo corpo clínico da ora Recorrente, sendo certo que tal necessidade de confirmação resulta igualmente das condições especiais.
58. A testemunha AM… deixou devidamente explicado e fundamentado a razão da atribuição de uma incapacidade de 35% à Autora (de minuto 00:05:50 a 00:08:15, de minuto 00:04:35 a 00:05:30, de minuto 00:20:50 a 00:21:40, de minuto 00:08:40 a 00:09:14 e de minuto 00:04:35 a 00:5:30).
59. Note-se que da análise do Relatório do INML, de 23.11.2017 (documento 9, junto com a PI), resulta um valor de atribuição de IPP aproximado ao valor atribuído pelo corpo clínico da Recorrente, igualmente abaixo dos 60% de IPP, e isto porque, apenas obteve esse valor por aplicação de uma bonificação de 1,5.
60. Acontece que, as bonificações ou agravamentos são apenas aplicáveis em sede de avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho e não aquando da valorização em Direito Civil nem no ramo Vida, conforme ficou demonstrado pelas testemunhas JC… (minuto 00:10:35 a 00:11:15) e AM… (minuto 00:13:50 a 00:15:30).
61. Assim, desconsiderando o valor de bonificação atribuído em sede de Direito do Trabalho, teria sido atribuído à Autora o valor de 44,2%, por referência à situação da coluna e à situação psiquiátrica.
62. E desta feita o INML, entidade isenta e que não possui qualquer tipo de ligação com a Autora como é o caso de várias testemunhas médicos que foram depor e que são seus amigos pessoais – concluiu com uma atribuição de IPP abaixo dos 60%, que seriam necessários para ativar garantia de invalidez profissional (minuto 00:16:20 a 00:17:20 e de minuto 00:18:00 a 00:19:50).
63. Não se encontrando reunidos os requisitos para acionar a garantia invalidez profissional, tendo o corpo clínico da Recorrente entendido que não seria de atribuir uma IPP de 60% à Autora, o pedido foi recusado.
64. Por último, importa referir que a avaliação que se faz para a realização de atestado multiusos é diferente da que se faz em sede de análise de dano em direito civil.
65. Ou seja, por mais que os Atestados Multiusos tenham atribuído uma incapacidade à Autora superior a 70%, a verdade é que tais juntas são realizadas por profissionais que não são da área de especialidade em causa bem como não têm o mesmo objetivo que uma avaliação de dano em sede de direito civil.
66. O certo é que o Relatório do INML embora se trate de uma avaliação de dano corporal em direito do trabalho - retirando-se a bonificação de 1,5 apenas usada em direito do trabalho – a sua conclusão foi da atribuição de uma IPP de 44,2% à Autora, ou seja, abaixo dos 60%.
67. Pelo exposto, quer pelo depoimento da testemunha AM… quer pelo Relatório do INML, de 23.11.2017 (último relatório realizado sobre a condição de saúde da Autora), por se tratar de entidade imparcial, seria de concluir que a Autora não possui uma incapacidade de 60%, o que impossibilitaria o acionar da garantia.
68. Neste sentido e pelo exposto supra, deverá dar-se como não provado o facto provado n.º 46 e o provado o facto n.º 3, ou caso assim não se entenda, em alternativa, que seja considerado como provado que a Autora tem uma incapacidade premente parcial abaixo de 60%.
69. Quanto ao aditamento de facto aos factos considerados como provados, em virtude de ter considerado – mal, como se viu supra - que o contrato de seguro do ramo vida foi celebrado em 2005, o Tribunal não considerou como provadas as alterações contratuais existentes na vida do contrato, nomeadamente em 2002 e em 2004, sendo a Sentença totalmente omissa quanto a esses elementos.
70. As referidas alterações resultam da mera confrontação, de um lado, com o alegado no requerimento de 02.07.2018 e dos documentos 1 e 2, juntos com o requerimento bem como à prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento.
71. Relativamente à prova testemunhal produzida nos presentes autos é inequívoco que o contrato de seguro celebrado entre as partes sofreu uma alteração correspondente a aumento de capital, a pedido da Autora. Veja-se IS… (de minuto 00:47:10 a 00:47:40) GA… (de minuto 00:16:10 a 16:40 e de. minuto 00:18:40 a 00:19:30) e igualmente a Autora em sede de declarações de parte refere (minuto 00:29:00 a 00:29:50).
72. Dispondo o Tribunal de todos os elementos indicados (documentos 1 e 2, do requerimento de 02.07.2018 e da prova testemunhal), deveria ter dado como provado os seguintes factos:
i. A Apólice n.º …, Adesão n.º …, que originou o Contrato de Seguro celebrado entre a Autora e a Ré, remonta a 1998;
ii. Posteriormente, em 2002, a pedido da Autora, a Apólice n.º …, Adesão n.º …, foi objeto de um aumento de capital para €75.000,00;
iii. Em novembro de 2004, em virtude da reformulação dos protocolos foi remetida comunicação à Autora sobre a melhoria nas condições Viga Grupo.
73. Tais factos devem ser objeto de aditamento à lista de factos dados como provados na Sentença, o que se impõe em face da prova constante dos autos, devendo o Tribunal ad quem, nos termos dos artigos 661.º/2/al. c) e n.º 3/al. a), aditar à fundamentação de facto da Sentença os factos acima discriminados, o que se requer.
74. No que diz respeito ao erro de julgamento entende a Recorrente que o Tribunal a quo teria de concluir pela improcedência total da ação por não provada nos termos que infra se demonstrarão.
75. O que está em causa nos presentes autos é a definição concreta do estado de saúde da Autora e do enquadramento desse estado de saúde no contrato de seguro vigente entre as partes.
76. O contrato de seguro em discussão nos autos é um seguro facultativo e sujeito ao princípio da liberdade contratual e no âmbito do qual a Autora tinha sempre a possibilidade de querer aderir ou não a esse contrato de seguro.
77. A Autora aquando da apresentação da PI, bem sabendo que o contrato de seguro foi celebrado em 1998, veio indicar a data de 2005 e não juntou a contrato na sua totalidade, constituído pelas clausulas gerais, especiais e particulares, estando em perfeitas condições de o fazer e impugna, por desconhecer, se a versão contratual junta pela Recorrente é a mesma por ser distinta na configuração e no teor.
78. Assim, desde logo, importa perceber se a Autora se podia fazer valer da impugnação por desconhecimento de um contrato do qual é parte aderente.
79. A Autora submeteu um Boletim Individual de Adesão ao contrato de seguro de grupo ramo vida, que foi aceite pela ora Recorrente, tornando-se assim contraente nesse mesmo contrato.
80. Nesta medida, a celebração do contrato de seguro de grupo ramo vida entre a Autora e a Ré, trata-se de um facto pessoal ou de que deva ter conhecimento, não sendo aqui de aplicar a impugnação feita nos autos quanto ao clausulado do contrato de seguro.
81. Pelo que, incorreu em erro de julgamento a Sentença recorrida que admitindo a impugnação do contrato de seguro pela Autora, considerou o mesmo como facto controvertido.
82. O Tribunal a quo que a Recorrente não fez prova de que as clausulas invocadas nos presentes autos tenham sido comunicadas e explicadas à Autora ou entregues um duplicado, terminando por considerar que a clausula da condição especial 06 é abusiva, por desproporcional e contrária à boa fé.
83. Quanto à prova da matéria de facto relacionada com as explicações e entrega do contrato remetemos para o exposto supra.
84. No demais diga-se que mesmo que se pudesse considerar que o está numa situação de maior fragilidade relativamente à parte que impõe as cláusulas (o que por mera cautela de patrocínio se equaciona), o legislador não tratou o aderente como pessoa inábil e incapaz de adotar os cuidados que são inerentes à celebração de um contrato e por isso lhe exigiu também um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efetivo das cláusulas que lhe estão a ser impostas
85. Isto na medida em que, tendo sido entregues / enviadas as condições gerais, especiais e particulares referentes ao seguro em causa, a Autora sempre estaria em tempo de questionar sobre as eventuais dúvidas que pudessem surgir de uma leitura diligente do clausulado contratual.
86. Note-se que é a própria Autora que em sede de declarações de parte demonstra uma total desconsideração e desinteresse pelo seguro que contratou (isto apesar de ter o conhecimento bastante para apresentar um pedido de aumento de capital em 2002, para beneficiar do pagamento da incapacidade temporária e para solicitar o acionar de uma garantia que não sabia se tinha no seu contrato de seguro) – de minuto 00:11:30 a 00:13:50).
87. Assim, abusa de direito, em violação do princípio da boa fé, o aderente que, tendo sido explicado no momento da adesão e tendo recebido por mais do que uma ocasião o clausulado do contrato de seguro contendo as condições gerais, especiais e particulares, vem, decorridos vários anos, com regular cumprimento e beneficio (incapacidade temporária) do contrato e só depois de ser confrontado com a verificação de uma situação da vida que não possui os requisitos para acionar a cobertura, solicitar que se considere abusiva e se excluída uma cláusula cujo teor não exige mais do que a diligência vulgar e comum da leitura para a sua compreensão.
88. Andou mal o Tribunal a quo ao considerar que as clausulas constantes da condição especial 06, não eram do conhecimento nem foram explicadas à Autora, na medida em que não só o dever de informação foi efetivamente cumprido pela Recorrente como a Autora em quase 20 anos de vigência do contrato de seguro não manifestou a mínima preocupação ou pedido de esclarecimentos sobre o teor do contrato de seguro.
89. Pelo exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso sendo revogada a Sentença recorrida e, em consequência, considerar a clausula constante da condição especial 06, como válida e eficaz.
90. De acordo com a PI a Autora tendo celebrado um contrato de seguro (opção 2) tinha como objetivo acionar as garantias de invalidez profissional e de invalidez total e definitiva, contudo a situação da Autora não configura um sinistro nos termos da apólice em causa.
91. No que diz respeito à garantia de invalidez profissional os seus requisitos estão indicados e densificados nas condições particulares e condições especiais – clausula especial 10, que são (i) invalidez profissional – incapacidade total para o trabalho e definitiva impossibilidade de exercer a profissão declarada e (ii) Incapacidade funcional para o exercício dos atos normais da vida diária, de 60.
92. Contudo, apenar dos inúmeros relatórios médicos que juntou com a PI, considera a ora Ré que não logrou demonstrar a atribuição de uma incapacidade de 60%.
93. Nos termos do artigo 6.º/3, da Condição Especial 10, quanto à invalidez profissional encontrasse estabelecido que apesar da justificação do estado de invalidez competir à pessoa segura esta depende sempre da aceitação do segurador, sendo certo que a comprovação da reforma por incapacidade ou invalidez pelos serviços da segurança social ou organismo equiparado, por estes conferida e arbitrada, através de certificado, não é prova suficiente para o funcionamento da garantia (artigo 6.º/ 4, da Condição Especial 10).
94. Os atestados multiusos que a Autora juntou não comprovam imediatamente a incapacidade ou invalidez, desde logo atendendo ao mencionado pela testemunha AM… supra quanto às suas diferenças bem como porque os atestados multiusos a servem para efeitos de acesso às medidas e benefícios ou apoios previstos na lei.
95. A avaliação que se faz para a realização de atestado multiusos é diferente da que se faz em sede de análise de dano em direito civil.
96. O certo é que o Relatório do INML embora se trate de uma avaliação de dano corporal em direito do trabalho - retirando-se a bonificação de 1,5 apenas usada em direito do trabalho – a sua conclusão foi da atribuição de uma IPP de 44,2% à Autora, ou seja, abaixo dos 60%.
97. Pelo exposto, resta concluir pela improcedência do pedido de pagamento de €150.000,00, a título de 200% do valor seguro da garantia de invalidez profissional por falta dos requisitos necessários para o seu acionamento.
98. No que diz respeito à garantia de invalidez total e definitiva os seus requisitos estão indicados e densificados nas condições particulares e condições especiais – clausula especial 06, que são (i) Invalidez que após completa consolidação deixa a pessoal total e definitivamente impossibilitada para o trabalho que dê remuneração ou lucro e (ii) Necessidade de auxílio de terceira pessoa para os atos normais da vida.
99. De acordo com a prova produzida documental e testemunhal nos presentes autos a Autora encontra-se aposentada pela Caixa Geral de Aposentações para o exercício da sua profissão bem como para o exercício de toda e qualquer profissão.
100. No entanto, a própria fundamentação do Auto de Junta Médica ao referir que “esta junta considera que a utente está incapaz para o exercício de funções” parece indicar que se trataria da sua função, o que levanta duvidas quanto ao preenchimento do auto e bem assim quanto à real situação de aposentada da Autora.
101. Ainda para mais se atendermos ao facto de o Relatório do INML, em 23.11.2017, realizado por entidade isenta e creditada, apenas conferiu à Autora uma IPATH, ou seja, para o exercício das suas funções enquanto médica e não para o exercício de toda e qualquer função.
102. Por outro lado, a Autora precisava ainda de reunir o requisito de necessidade de auxílio de terceira pessoa para os atos normais da vida, entendendo-se juridicamente como tal o auxílio de terceira pessoa para atos como a higiene pessoal, vestir e comer.
103. Sendo certo que incumbe às partes o dever de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, a verdade é que em momento algum na sua PI, a Autora, alegou a necessidade de auxílio de terceira pessoa (embora tenha tentado emendar a pena em sede de audiência de julgamento).
104. Em todo o caso, o facto é que nem sequer o Tribunal a quo ficou convencido da necessidade de auxílio desta terceira pessoa, por tal não ter resultado da prova testemunhal produzida nos autos nem da prova documental (existindo inúmeros relatórios médicos reporta ou recomenda esse auxílio de terceira pessoa).
105. Assim sendo, não tendo sequer sido alegado (nem demonstrados) em sede de PI os factos essenciais que pudessem determinar que a Autora necessitava de auxilio de terceira pessoa, e sendo que as partes apenas podem lograr provar o que alegam, impõe-se a conclusão de que não se encontra preenchido um dos requisitos para acionar a garantia de invalidez total e definitiva.
106. Pelo exposto, resta concluir pela improcedência do pedido de pagamento de €75.000,00, a título de 100% do valor seguro da garantia de invalidez total e definitiva por falta dos requisitos necessários para o seu acionamento.
107. Desta forma não se encontram reunidos os requisitos necessários para acionar as garantias indicadas e constantes do contrato de seguro de grupo ramo vida, pelo que deve ser a Sentença recorrida revogada.
A A. veio responder ao recurso pugnando pela sua improcedência e pela confirmação da sentença.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes:
- da nulidade da sentença por excesso de pronuncia nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
- da impugnação da decisão de facto;
- do aditamento da matéria de facto provada;
- do (não) preenchimento dos requisitos necessários ao acionamento da apólice de seguro.
III. Questões prévias à apreciação do recurso sobre mérito da ação
- da violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes
Vem a Recorrente invocar a nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório e igualdade das partes, referindo que só em sede de alegações finais a A. veio suscitar a nulidade da cláusula 06 constante das condições especiais, tendo o tribunal conhecido de tal questão sem que tenha facultado à R. o contraditório sobre a mesma, assim violando os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
Quando está em causa a omissão da prática de um ato que a lei prescreve e a cuja observância o tribunal está obrigado, e sendo tal irregularidade suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, a mesma constitui uma nulidade, nos termos do disposto no art.º 195.º do CPC.
A violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes não determina só por si e diretamente a nulidade da sentença, em face das previsões taxativas do art.º 615.º n.º 1 do CPC, antes podendo a sua violação configurar uma nulidade processual que pode vir a afetar a própria sentença.
Quanto à possibilidade de conhecimento de uma nulidade processual em sede de recurso, temos seguido o entendimento de que tal se revela possível quando a nulidade é cometida no próprio despacho ou sentença recorrida.
Sobre esta questão, com referência precisamente a uma situação de ausência de cumprimento do contraditório e no sentido do entendimento que perfilhamos, diz-nos de forma clara o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/06/2016 no proc. 1937/15.8T8BCL.S1 in www.dgsi.pt : É usual afirmar-se que a verificação de alguma nulidade processual deve ser objecto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir. Sendo esta a solução ajustada à generalidade das nulidades processuais, a mesma revela-se, contudo, inadequada quando nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão (in casu, o despacho saneador), omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com a falta de convocação da audiência prévia a fim de assegurar o contraditório. Em tais circunstâncias, depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC. É esta a posição assumida por Teixeira de Sousa quando, no comentário ao Ac. da Rel. de Évora, de 10-4-14 (www.dgsi.pt), observou que ainda que a falta de audição prévia constitua uma nulidade processual, por violação do princípio do contraditório, essa “nulidade processual é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do NCPC), dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão” (em blogippc.blogspot.pt, escrito datado de 10-5-14). Tal solução foi reforçada pelo mesmo processualista em comentário ao Ac. da Rel. do Porto, de 2-3-15 (www.dgsi.pt), concluindo que “o proferimento de uma decisão-surpresa é um vício que afecta esta decisão (e não um vício de procedimento e, portanto, no sentido mais comum da expressão, uma nulidade processual)”. Com efeito, como aí se refere, até esse momento, “não há nenhum vício processual contra o qual a parte possa reagir”, e que “o vício que afecta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria” (em blogippc.blogspot.pt, em escrito datado de 23-3-15). Na verdade, em tais circunstâncias a parte é confrontada com uma decisão, sem que lhe tenha sido proporcionada a oportunidade de exercer o contraditório e sem que tenha disposto da possibilidade de arguir qualquer nulidade processual por omissão de um acto legalmente devido, sendo a interposição de recurso o mecanismo apropriado para a sua impugnação (no mesmo sentido cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 3ª ed., pág. 25, e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 52).”
Não está em causa que o juiz não está sujeito à alegação das partes no que respeita à aplicação das normas jurídicas. Isso é pacífico e decorre do art.º 5.º do CPC, que a respeito dos poderes de cognição do tribunal, estabelece no seu n.º 3, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, não lhe sendo porém lícito decidir questões de facto ou de direito sem que as partes tenham tido sobre ela a possibilidade de se pronunciar, nos termos do art.º 3.º n.º 3 do CPC.
O princípio do contraditório vem contemplado no art.º 3.º do C.P.C. com a epígrafe “necessidade do pedido e da contradição”, que no seu n.º 3 dispõe: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Cada parte tem de ter a oportunidade de, no processo, expor as suas razões de facto e de direito perante o tribunal e antes que este tome a sua decisão. O processo tem também de ser equitativo e deve ser assegurado o principio da igualdade substancial das partes, expressamente previsto no art.º 4.º do CPC, designadamente quanto ao uso dos meios de defesa.
No caso, se é verdade que a questão da nulidade da cláusula contratual referida não foi expressamente abordada por nenhuma das partes nos seus articulados, também é certo que tendo sido suscitada pela A. nas suas alegações orais, a elas também pôde a R. responder da mesma forma, tendo por essa via disposto de efetiva oportunidade do contraditório, quanto a tal questão. Aceita-se, contudo, que podendo ter sido apanhada desprevenida podia não ter as condições de o fazer com a profundidade ou nos termos pretendidos.
Admite-se que, decidindo o juiz conhecer de tal nulidade que não foi suscitada pelas partes nos seus articulados, por ser de conhecimento oficioso, pudesse notifica-las previamente para que se pronunciassem sobre a mesma, com a finalidade não só de evitar uma decisão surpresa, mas também de lhes facultar o alinhamento dos seus argumentos sobre tal questão, em efetivo cumprimento do disposto nos art.º 3.º n.º 3 e 4.º do CPC.
Considera-se, no entanto, que tal não determina a remessa do processo ao tribunal de 1ª instância para o suprimento do ato omitido, por competir a este tribunal o suprimento da nulidade em causa, nos termos do art.º 665.º do CPC que consagra a regra da substituição ao tribunal recorrido.
A determinação da prática do ato omitido que se traduziria na notificação às partes para se pronunciarem sobre a possível nulidade da cláusula em questão,  ao abrigo dos fundamentos jurídicos ponderados pelo tribunal de 1ª instância na decisão sob recurso, sempre se configura neste momento como um ato desnecessário e inútil, na medida em que em sede de alegações de recurso a Recorrente não só teve a oportunidade de se pronunciar sobre tal questão, como efetivamente o fez, dedicando os pontos 2 e 3 das mesmas “Erro de julgamento da matéria de direito” a que dá respetivamente o título de “Da nulidade de parte da clausula constante da condição especial 06” e “Dos requisitos para acionar as garantias de invalidez profissional e de invalidez total e definitiva”, aí rebatendo tal decisão do tribunal, nada obstando por isso ao conhecimento do mérito do recurso por este tribunal.
- da nulidade da sentença por excesso de pronuncia nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC
Alega o Recorrente que o tribunal se pronunciou sobre a nulidade de cláusula contratual, quando competia à A. alegar na sua petição inicial os factos essenciais à determinação dessa pretensa nulidade, o que não fez, sendo por isso nula a sentença por excesso de pronuncia.
O art.º 615.º n.º 1 do CPC vem estabelecer os casos em que a sentença é nula, prevendo que tal acontece, entre outras situações, quando:
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Esta norma vem cominar com a nulidade a decisão em que se verifica a omissão ou excesso de pronuncia por parte do juiz.
Relaciona-se esta previsão com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do CPC segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso, ou no dizer mais preciso deste artigo: “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
O excesso de pronuncia verifica-se apenas quando o juiz conhece de questão que não podia conhecer, por não ter sido suscitada pelas partes, numa manifestação da limitação imposta pelo princípio do dispositivo, ficando, porém, ressalvadas as questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.
No dizer do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/04/2104, no proc. 621/09 in. www.dgsi.pt : “O excesso de pronuncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.”
Quando estão em causa questões de que o tribunal pode/deve conhecer oficiosamente, como é o caso da nulidade de um cláusula contratual geral inserida num contrato de adesão, contrato esse no qual se fundamenta o pedido da A., não se coloca uma qualquer situação de excesso de pronuncia, uma vez que sendo tal nulidade de conhecimento oficioso não há limitação imposta pelo princípio do dispositivo- vd. neste sentido, a título de exemplo, o Acórdãos do STJ de 01/02/2011 no proc. 133/04.4TBCBT.G1.S1 e de 18/09/2014 no proc. 2334/10.7TBGDM.P1.S1 ambos in www.dgsi.pt
Também é absolutamente pacífico, como já se referiu, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, tal como dispõe expressamente o art.º 5.º n.º 3 do CPC.
A alegação da Recorrente no sentido de que não foram invocados na petição inicial os factos essenciais para que o tribunal pudesse tomar conhecimento da nulidade em questão não é mais do que uma afirmação genérica e vaga, não sendo feita concreta referência a um qualquer facto essencial que tenha sido ponderado pelo tribunal e que não tenha sido alegado.
Não vislumbramos por isso qualquer excesso de pronuncia na sentença proferida quando aprecia a nulidade da cláusula contratual em questão.
IV. Fundamentos de Facto
-da impugnação da decisão de facto
Vem a Recorrente invocar o erro da decisão de facto com respeito aos pontos 1º, 45º e 46º dos factos provados e 1º, 2º e 3º dos factos não provados, pugnando pela sua alteração nos termos que indica.
Por terem sido cumpridos pela Recorrente os requisitos do art.º 640.º n.º 1 e n.º 2 al. a) do CPC, procede-se à avaliação da decisão de facto.
Quanto ao ponto 1 dos factos provados é a seguinte a sua redação:
1. A A. celebrou com a R. em 2005, então denominada “AXA Portugal, Companhia de Seguros de Vida, S.A.” um contrato de seguro de vida grupo, através da apólice nº …, Adesão nº …, data efeito 1.1.2005, ramo: Temporário Vida Grupo Aberto, mediante o qual a R. se obrigou a garantir o risco por morte e invalidez da segurada, conforme doc. junto a fls.18 e ss
Entende a Recorrente que este facto deve ser alterado para passar a ter o seguinte teor:
1. A A. celebrou com a R. em 26.10.1998, então denominada “AXA Portugal, Companhia de Seguros de Vida, S.A.” um contrato de seguro de vida grupo, através da apólice nº …, Adesão nº …, ramo: Temporário Vida Grupo Aberto, mediante o qual a R. se obrigou a garantir o risco por morte e invalidez da segurada, conforme doc. junto a fls.18 e ss.
A alteração pretendida pela R. respeita apenas à data do contrato de seguro que consta deste ponto.
Alega a Recorrente. que o documento que por si foi junto a 02/07/2018 revela que o contrato de seguro remonta ao ano de 1998, por correspondência com o número da apólice e número da adesão identificados pela A., o que também resulta dos depoimentos das testemunhas IS…, JM… e GA… nos excertos de gravação que indica, bem como das próprias declarações de parte da A.
O facto que o tribunal teve como provado neste ponto 1 corresponde ao que foi alegado pela A. no art.º 1.º da p.i. e foi aceite pela R. no art.º 1.º da sua contestação, tendo também acolhimento no documento que foi junto pela A. que se encontra a fls. 18 dos autos ao qual o tribunal alude, e que não foi impugnado, que constituem as condições particulares da apólice de um seguro de vida grupo, com “Data efeito” 01.01.2005.
Este documento de fls. 18, conforme dele consta constitui uma “Alteração”, resultando também patente do depoimento das testemunhas indicadas, das próprias declarações proferidas pela A. em audiência de julgamento e do documento de fls. 155 vs.º ss. a adesão da A. em 26 de outubro de 1998 a este seguro de vida grupo, com o mesmo número de adesão e de apólice indicados no art.º 1º da p.i.
Não estando em causa a verificação deste facto, a verdade é que a modificação do facto pretendida não tem qualquer interesse para a decisão da causa, correspondendo a redação do ponto 1 dos factos provados, como já se viu, aos factos alegados pelas partes nos seus articulados e documentada nos autos, sendo que o que interessa para o caso, atenta a data do sinistro, é o contrato de seguro com as alterações efetuadas com efeitos a 2005 que encontra correspondência na apólice junta a fls. 18, representando o contrato de seguro acordado e vigente entre as partes a partir dessa data.
Não podemos por isso dizer que houve um erro de julgamento ao dar-se como provado este facto, não existindo fundamento para a alteração do mesmo no sentido de nele se introduzir matéria não alegada pelas partes na sua petição inicial ou contestação e irrelevante para o caso em discussão, improcedendo nesta parte a reclamação apresentada.
Quanto ao ponto 45 dos factos provados e 1 e 2 dos factos não provados, têm os mesmos o seguinte teor:
45. A Ré tinha conhecimento das condições particulares do contrato de seguro;
1-À Autora foi dado conhecimento e explicadas as Condições Gerais/Seguro Vida Grupo Contributivo, juntas de fls.92 v. a 104.
2-À Autora foi dado conhecimento e explicadas as Condições Especiais/Seguro Vida Grupo Contributivo, juntas de fls.106 v. a 120, designadamente a condição especial 06;
Pretende a Recorrente que em substituição se tenha como provado
- A Autora tinha conhecimento e foram-lhe explicadas as condições particulares do contrato de seguro;
- À Autora foi dado conhecimento e explicadas as Condições Gerais/Seguro Vida Grupo Contributivo, juntas de fls.92 v. a 104.
- À Autora foi dado conhecimento e explicadas as Condições Especiais/Seguro Vida Grupo Contributivo, juntas de fls.106 v. a 120, designadamente a condição especial 06;
O tribunal a quo, na fundamentação da decisão de facto, depois de enunciar em síntese ao que correspondeu o depoimento de cada uma das testemunhas ouvidas, considerou que as testemunhas ouvidas sobre esta questão são profissionais de seguro que não presenciaram o contrato fazendo apenas referência aos procedimentos usuais da R., valorizando as declarações da A. que referiu não ter recebido as condições gerais do seguro e que apenas lhe foram genericamente explicadas as condições particulares.
A decisão quanto a estes factos foi assim motivada: “De igual modo, e quanto ao contrato de seguro, vistos os depoimentos das testemunhas resulta que a Ré não fez qualquer prova da explicação e entrega das condições gerais e especiais à Autora, não tendo sequer logrado juntar as condições referentes ao contrato inicial. A prova testemunhal limitou-se a remeter para os procedimentos alegadamente usuais.”
A Recorrente para sustentar a alteração pretendida invoca os excertos que indica dos depoimentos das testemunhas IS…, JS… e GA…, profissionais de seguros.
É verdade que nenhuma das testemunhas em questão presenciou a celebração do contrato de seguro. Contudo, não pode desvalorizar-se totalmente o seu depoimento, no que se refere ao esclarecimento dos procedimentos usuais da R. na celebração dos contratos de seguro, em depoimentos que se apresentam como credíveis e verosímeis e que apontam para a circunstância de ser feita uma explicação resumida das coberturas do contrato, designadamente das principais garantias e exclusões, colocando-se à disposição do segurado para esclarecimentos e enviando quando da entrega da proposta um documento que corresponde à apólice, com todas as condições anexas, processo que está automatizado pela R., não tendo havido por parte da segurada qualquer indício de que tal não tenha ocorrido no caso.
Não pode ainda deixar de ter-se em conta o documento junto a fls. 121 vs.º que constitui uma carta enviada pela R. à A. em 12/11/2004, visando precisamente os efeitos do contrato de seguro com ela celebrado a partir de 01-01-2005 e a apólice a que alude o ponto 1 dos factos provados, carta que a A. não refere que não recebeu (pelo contrário junta as condições particulares do contrato com a p.i.), em cujo texto se refere a dada altura: “Junto remetemos as novas condições Gerais, Especiais e Particulares onde poderá constatar as melhorias apresentadas.”
O tribunal a quo quanto a esta matéria relevou as declarações de parte da A. em termos que não podemos deixar de considerar excessivos, o que resulta não só da avaliação da posição que a mesma tomou nos autos nos seus articulados, como da ponderação das suas declarações na globalidade, não podendo ainda esquecer-se o facto da mesma ser parte interessada nos autos.
O art.º 466.º do CPC refere-se às declarações de parte, enquanto meio probatório, estabelecendo no seu n.º 3 que “o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.”
Como nos diz, a respeito da valoração deste meio prova, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/05/2017, no proc. 3456/16.6T8VNG.P1: “A norma não fornece, contudo, qualquer pista sobre o modo como essa apreciação deverá ser feita, designadamente se as declarações da parte apenas devem ser aceites como prova complementar ou supletiva dos demais meios de prova, se devem ser aceites como mero princípio de prova ou se podem ser suficientes para permitir ao tribunal julgar provados factos favoráveis é apenas demonstrados através das suas declarações. Não tendo o legislador tomado posição sobre esse aspecto parece que o intérprete não deve assumir aí uma atitude dogmática, de puro princípio, seja ela qual for. Se não basta à parte alegar um facto para que o tribunal o tenha de aceitar e se o direito ao contraditório implica que tendo um facto sido impugnado pela parte contrária ele deve ser objecto de produção de prova que o demonstre, parece adequado entender que, em condições normais, para fazer a prova de um facto favorável a uma das partes não será suficiente que esse facto seja afirmado pela própria parte no decurso das suas declarações de parte.”
As declarações das partes, enquanto meio de prova, têm de ser ponderadas com todas as cautelas pelo tribunal, não podendo olvidar-se que as partes estão diretamente interessadas no desfecho da ação e que, por isso, não raras vezes prestam declarações de forma não isenta e comprometida. Na medida em que incidem muitas vezes sobre factos controvertidos que lhes são favoráveis, as declarações da parte não podem, em regra, ser consideradas como suficientes para determinar a verificação desses mesmos factos, a menos que a sua conjugação com outros elementos de prova permita conclui-lo.
Na situação em presença, as declarações da A. apresentam-se com muito escasso ou mesmo sem valor probatório, sendo patente o seu comprometimento com a posição que assume nos autos.
Constatamos, em primeiro lugar, que com a sua petição inicial a A. junta como documento n.º 1 as condições particulares da apólice de seguro em causa, no qual consta: “Este contrato de seguro é constituído pelas condições gerais, condições especiais e pelas presentes condições particulares.” Neste documento, a seguir a cada um dos pontos que enuncia cada uma das garantias (principal, complementares e adicional) encontra-se à frente numerada a condição especial a que a mesma se refere.
Seria de estranhar e pouco verosímil que a A. médica de profissão, que não pode deixar de ter-se como uma pessoa esclarecida, ao receber um documento com condições particulares nestes termos, no qual é muito evidenciada a existência de condições especiais, documento anexo a uma carta da R. na qual se refere que lhe são enviadas não só estas condições, mas também as condições gerais e especiais, (fls. 121 vs.º) não tivesse optado por obter as mesmas, caso estas não lhe tivessem sido entregues.
Mas mais do que isso, regista-se que nunca a A. na sua petição inicial veio dizer que não tinha recebido ou que não tinha conhecimento das condições gerais ou das condições especiais da apólice de seguro, centrando o litígio com a R. apenas na questão do valor da sua incapacidade, enquanto elemento essencial para o acionamento da apólice,
Os documentos que contém estas condições gerais e especiais foram juntos pela R. com a contestação. Ao pronunciar-se sobre os mesmos a A. procede apenas à sua impugnação genérica, referindo apenas desconhecer se a versão junta pela R. corresponde à base contratual existente invocada no art.º 1.º da p.i. e concluindo que dos documentos não pode retirar-se “o sentido probatório pretendido pela R.”
Da avaliação das declarações prestadas pela A. em audiência sobre esta matéria, constatamos também uma instância da sua mandatária que não pode deixar de considerar-se em muitos casos dirigida às respostas pretendidas, como resulta do seguinte exemplo: “Mandatária: e o que a Srª Drª está a dizer que nunca recebeu, diga isto ao tribunal, Sr.º D. F…, o que nunca recebeu foi o conjunto dos documentos que constituem as condições gerais, particulares do seu seguro.”
Por todas estas razões consideramos que, as declarações da A. sobre esta matéria não podem ser relevadas pelo tribunal, não porque não tenham sido proferidas em parte nesse sentido, mas por se apresentarem como contraditórias quer com a sua restante postura no processo, quer com a prova testemunhal e documental já mencionada, não podendo ser tidas como declarações verosímeis ou plausíveis, antes se revelando comprometidas com o seu interesse no processo.
Desvalorizando-se estas declarações e considerando a avaliação feita dos depoimentos das testemunhas referidas, que correspondendo a uma prática comum e automática, a par do doc. de fls. 121 vs.º a que já se aludiu, podemos considerar assente que foram enviadas à A. as condições especiais e gerais da apólice de seguro contratadas, com a carta que lhe foi enviada (mas já não que as mesmas lhe tenham sido explicadas, por os elementos probatórios invocados pela Recorrente não permitirem concluir pela existência dessa explicação).
Pelo que fica exposto, procede parcialmente a impugnação apresentada, não havendo razão para a alteração do ponto 45 dos factos provados que se mantém (com exceção do lapso de escrita, por nele constar R. em vez de A.), eliminando-se os pontos 1 e 2 dos factos não provados e acrescentando-se um ponto 45A aos factos provados, com a seguinte redação:
45A – À A. foram comunicadas as condições especiais e gerais da apólice de seguro a que alude o ponto 1 dos factos provados, juntas a fls. 93 vs.º ss e 106 vs.º ss..
Quanto ao ponto 46 dos factos provados e 3 dos não provados têm, respetivamente, a seguinte redação:
46. A Ré tem incapacidade permanente global superior a 70%.
3. A A. tem uma incapacidade permanente parcial de 35%
Requer a Recorrente que se tenha o facto do ponto 46 como não provado e o do ponto 3 como provado, ou em alternativa que se considere provado que a A. tem uma incapacidade permanente parcial abaixo dos 60%.
O tribunal a quo apresentou a seguinte fundamentação relativamente a esta matéria: “Vista a prova testemunhal produzida, conjugada com os documentos juntos, concluiu-se que a A. foi aposentada por incapacidade permanente e absoluta para o exercício das suas funções e para toda e qualquer profissão ou trabalho tendo-se feito referência às sequelas de fractura das vertebras D-8 e D-10. O médico que presidiu à Junta Médica que fundou a aposentação confirmou tais declarações que, aliás, são consentâneas com a apreciação que consta de dois atestados médicos multiusos do serviço nacional de saúde que atestaram incapacidades permanentes globais superiores a 70%. Em face destes elementos, o tribunal desvalorizou o depoimento do médico que trabalha para a Ré e que defendeu –sem nunca ter examinado a A.- que a sua incapacidade era uma incapacidade permanente parcial de 35%. Com efeito, tendo a A. sido aposentada por incapacidade, sendo os critérios de aposentação tão apertados e rigorosos, não pode o tribunal deixar de dar relevo à decisão da Junta Médica composta por médicos isentos, ao serviço do Estado.
Alega a Recorrente que não só os serviços da R. atribuíram à A. uma incapacidade inferior a 60% à A., como o relatório do INML, que constitui o doc. 9 junto com a p.i., analisado à luz do dano civil, vai nesse sentido, valorizando também o depoimento da testemunha AM…, médico, que concluiu por uma IPP de 35% fundado na avaliação da A. feita pelo corpo clínico especializado da R. e desvalorizando a relatório da junta médica, que refere elaborado por médicos de saúde pública que não especialistas.
O depoimento da testemunha IS…, profissional de seguros, invocado pela R. nas suas alegações em nada nos ajuda quanto ao esclarecimento da questão concreta da incapacidade da A., a que se reportam os factos impugnados, antes incidindo os excertos do seu depoimento indicados nas condições necessárias ao acionamento do seguro em abstrato.
Quanto ao depoimento da testemunha AM…, médico, também invocado pela R. para suportar a sua pretensão, vale a pena referir que é ele próprio que evidencia a circunstância de ser normal a discordância das capacidades atribuídas, por haver muitos fatores subjetivos que são analisados. Refere ter discordado do documento da CGA que foi apresentado pela A. por concluir da avaliação dos exames da A., que as fraturas das vértebras estavam consolidadas, não considerando que as queixas de muitas dores apresentadas impossibilitavam a sua atividade profissional, apenas a limitavam, divergindo essencialmente da avaliação da psiquiatria quanto à valorização das sequelas pós-traumática. Regista-se que esta testemunha, por um lado, referiu ter uma avença com a R. há mais de 30 anos e por outro lado, nunca procedeu ao exame da A., apenas avaliando os seus elementos clínicos de que a R. dispunha, para a partir deles concluir por uma IPP de 35%.
Invoca também a R. o relatório do INML de 23.11.2007 junto como a p.i. como doc. 9 referindo que nele foi atribuída uma bonificação que apenas é ponderada em sede de avaliação do dano corporal em direito do trabalho e não em direito civil, e que se assim não for a atribuição da IPP é de 44,2%. Este documento corresponde, na verdade, a um relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, tendo sido realizado no âmbito do processo judicial de acidente de trabalho que correu termos, a que alude o ponto 18 dos factos provados. Contudo, como ali se refere, tem de ser conjugado com o relatório pericial de psiquiatria, daí apontar em conclusão para uma IPA de 66,30% em função das sequelas psiquiátricas, o que a R. contesta, tal como a testemunha AM…, sem que se encontre fundamento para tal.
Não podemos, também, deixar de levar em consideração todos os outros elementos probatórios que o tribunal considerou e que a R. desvaloriza, sendo que o teor de vários elementos médicos até constam dos pontos dos factos provados- o atestado médico de Incapacidade Multiusos em que a ARS declara a incapacidade da A. definitiva com um grau de incapacidade de 0.7144 (ponto 17), tal como algumas sequelas importantes da A. constam dos pontos dos factos provados (pontos 21, 22, 29), e o auto da Junta médica GGA que declarou a A. como absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções (ponto 12).
A par destes documentos, não vemos também qualquer razão para desvalorizar os depoimentos das testemunhas MA…, médico ortopedista que observou a A. por mais de uma vez e a acompanhou à Junta médica da CGA; JC…, médico que presidiu à junta médica e esclareceu que não houve dúvidas por parte dos 3 médicos presentes, quanto à incapacidade permanente da A.; MC…, médico psiquiatra que é o médico assistente da A., tudo testemunhas sem qualquer interesse no desfecho da ação, que esclareceram o tribunal com base nos seus conhecimentos qualificados e específicos, revelando um depoimento credível, que a par dos documentos mencionados, permite confirmar a avaliação que foi feita pelo tribunal recorrido quanto a esta questão, improcedendo a impugnação da decisão de facto nesta parte.
Pelo exposto, conclui-se pela procedência parcial da impugnação da decisão de facto, determinando-se o aditamento de um ponto com o n.º 45A aos factos provados nos termos referidos, improcedendo no demais.
- do aditamento à matéria de facto provada
Entende a R. que os meios de prova constantes dos autos, que identifica, permitem que o tribunal adite aos factos provados a seguinte matéria:
- A Apólice n.º …, Adesão n.º …, que originou o Contrato de Seguro celebrado entre a Autora e a Ré, remonta a 1998;
- Posteriormente, em 2002, a pedido da Autora, a Apólice n.º …, Adesão n.º …, foi objeto de um aumento de capital para €75.000,00;
- Em novembro de 2004, em virtude da reformulação dos protocolos foi remetida comunicação à Autora sobre a melhoria nas condições Viga Grupo.
Quanto ao aditamento da matéria de facto que a Recorrente propõe, constata-se, por um lado, conforme já se referiu aliás na apreciação da impugnação ao ponto 1 dos factos provados, que não estamos perante matéria que tenha sido alegada pelas partes nos seus articulados, nem que o tribunal possa ter em conta nos termos do art.º 5.º n.º 2 do CPC.
Por outro lado, tais factos não assumem relevância para a decisão da causa, uma vez que a apólice de seguro contratada pelas partes em 2005 em razão das alterações introduzidas já contemplará eventuais alterações anteriores que aqui não assumem autonomia. O que interessa fundamentalmente são as condições da apólice em vigor em 2005.
Não se vê assim fundamento para acolher o aditamento proposto, o que se indefere.
                                                  *
São os seguintes os factos provados com interesse para a decisão da causa, com o aditamento determinado pela procedência parcial da impugnação da decisão de facto apresentada:
1. A A. celebrou com a R. em 2005, então denominada “AXA Portugal, Companhia de Seguros de Vida, S.A.” um contrato de seguro de vida grupo, através da apólice nº …, Adesão nº …, data efeito 1.1.2005, ramo: Temporário Vida Grupo Aberto, mediante o qual a R. se obrigou a garantir o risco por morte e invalidez da segurada, conforme doc. junto a fls.18 e ss.;
2. O acordo referido em 1, foi firmado ao abrigo de um Protocolo celebrado entre a então companhia de seguros e a Ordem dos Médicos;
3. Tal seguro encontra-se em vigor, sendo designado comercialmente por Seguro de Vida-Ordem dos Médicos e tem o nº de apólice 0TGA …/…;
4. Os prémios são variáveis e calculados anualmente, no início de cada anuidade, para o período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de cada ano, pela aplicação do capital seguro da taxa definida para o escalão etário onde se integra a idade actual da pessoa segura, de acordo com a opção subscrita pelo tomador do seguro;
5. De acordo com as condições contratuais de um tal seguro, a A. procedia ao pagamento anual de €1.219,30, tendo o capital seguro o valor de €75.000,00;
6. A Companhia de Seguros AXA garantia a título principal, por circunstância da morte da segurada, o pagamento do capital seguro em vigor à data do evento;
7. A par de que assegura, ainda, a título de garantia adicional e em caso de invalidez total e definitiva da segurada, por evento ocorrido até 31 de Dezembro do ano em que a segurada completa os 65 anos, o pagamento do capital seguro previsto para a garantia principal morte em vigor à data da circunstância geradora da invalidez;
8. Tal garantia de acordo com as condições particulares do contrato de seguro firmado, é cumulável com a garantia complementar Invalidez Profissional, pelo que se for reconhecido o estado de invalidez profissional à pessoa segura haverá lugar a um pagamento adicional de 200% do capital seguro da garantia principal Morte;
9. E prevê a garantia complementar –Invalidez Profissional de acordo com a qual, se antes de 31 de Dezembro do ano em que atingisse os 65 anos, tal condição se lhe aplicasse, o Segurador deveria garantir o pagamento do capital seguro igual a 200% do capital seguro da garantia principal -Morte;
11. Por sentença proferida nos autos com o nº …/…, que correu termos no …º juízo do Tribunal de Trabalho de Leiria, em 16 de Março de 2010 foi fixada a desvalorização funcional à A. em 25,2%, por via de queda sofrida em 28.6.2006, quando trabalhava por conta própria como médica psiquiatra; Cfr. doc. de fls.38 e ss.; 12. No âmbito desse processo a seguradora AXA foi condenada a pagar à A. o capital de remissão correspondente à pensão anual de €8.708,70 desde 2.10.2008, o reembolso de despesas e juros de mora sobre todas as prestações vencidas e vincendas até integral e efectivo pagamento, à taxa legal, o que a A. recebeu; Cfr. doc. de fls.42;
13. Com data de 12 de Novembro de 2015, foi elaborado Auto de Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações tendo sido decidido estar a A. absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções por sequelas de fractura D8 a D10; Cfr. fls.22 v..
14. Por despacho de 23.11.2015, proferido pela Direcção da Caixa geral de Aposentações, foi a A. aposentada nos termos da al. a), do nº2, do art.37º, do Dec.Lei nº498/72, de 9/12, com fundamento no parecer da Junta Médica; cfr. fls.22
15. A A. em face da decisão da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações que determinou a publicação em Diário da República, nº …, 2ª série, de … de Dezembro de 2015 da sua condição de aposentada por incapacidade, accionou a garantia prevista na apólice de seguro; Cfr. docs. de fls.22 e 23;
16. Em 17 de Fevereiro de 2016, a A. envia à R. e-mail do seguinte teor: “ Vem requerer: 1. A Reapreciação da vossa deliberação de 22.1.2016 que reitera a v. deliberação de 21.11.2015, nos termos da qual V.exas não pretendem reconhecer a minha condição clínica de doença com ITT, pese embora os documentos enviados e para tanto considerados necessários. Em ordem a um definitivo esclarecimento sobre a data/efeito da aposentação emitida pela minha entidade patronal –Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, que de forma inequívoca refere a data de términus da ITT e passagem à condição de aposentação. Agradeço a vossa atenção e reapreciação. 2. Quanto à questão da atribuição de pensão por invalidez-incapacidade para a actividade profissional e para toda e qualquer profissão e trabalho exercício da actividade profissional (conforme deliberação da Junta Médica da CGA), pretendo accionar a garantia segurada, solicitando a V.exas o envio dos elementos necessários à instrução e formalização do pedido.”; Cfr. fls.79 v.
17. Com data de 23.2.2016, é emitido “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” pela ARS no qual é fixada à A. um grau de incapacidade de 0,7144, sendo que foi declarado que a incapacidade é definitiva. Cfr. fls.24;
18. Na sequência de pedido feito no âmbito do processo que correu termos com o nº …/…, pela Comarca de Leiria-Instância Central …ª secção do trabalho-Leiria, foi elaborado relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, datando o exame de 25.8.2016, nos termos do qual se concluiu por uma incapacidade permanente parcial resultante do acidente actual de 66,30% e IPATH em função de sequelas psiquiátricas, neste grau se englobando a bonificação de 1,5%. Cfr.fls. 27 e ss..
19. Com data de 10 de Fevereiro de 2017, a R. envia à A. carta na qual refere “Na sequência da análise da Participação de Sinistro recepcionada em 9 de Maio de 2016 (…) Junto enviamos relatório médico do nosso médico consultor onde é informado detalhadamente o cálculo que suportou a invalidez atribuída de 35%. (…) Anexamos as condições especiais para um completo sclarecimento, chamando a atenção para a Garantia X-Invalidez Profissional”; Cfr. fls.25
20. Em 28 de Junho de 2006 a A. sofreu acidente qualificado como de trabalho, na sequência de uma queda em escadaria da qual resultou fractura –achatamento moderado do corpo vertebral D8 com traços de fractura envolvendo preferencialmente os 2/3 anteriores deste corpo vertebral, que tem textura esclerótica; Cfr. docs. de fls.27 e ss., e 34 e ss.;
21. Com data de 20.10.2009, foi elaborado relatório psiquiátrico por MR…, no qual se considerou que a A. “Sofre de uma perturbação pós-stress traumático, forma crónica; Esta situação resultou do acidente que sofreu em Junho de 2006” tudo conforme documento de fls.58v. e 59 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
22. Em 15 de Janeiro de 2013, a A. foi observada no serviço de neurocirugia do Hospital de Santa Maria, sendo que no resumo da consulta se refere que a mesma foi à consulta por agravamento da dorsalgia que não cedia à medicação; Cfr. fls.43 v.;
23. Na consulta do HSM foi prescrito RM da coluna cervical e dorsal; Cfr. fls.43 v.;
24. A pedido da A. foi marcada consulta de ortopedia no dia 18 de Janeiro de 2013 no Hospital Cuf Infante Santo;
25. Em 20.1.2013 a A. sofreu queda com traumatismo da região dorso-lombar, com fractura compressiva de D10 tendo recorrido ao serviço de urgência de Centro Hospitalar Leiria Pombal, tendo saído no mesmo dia, após realização de TAC e prescrição de medicação; Cfr. fls.44 e 45
26. No dia 20 de Janeiro de 2013 realizou TAC da coluna dorsal que concluiu por colapso fraturário sequelar do corpo vertebral de D8 sem atingimento do muro posterior somático e pela existência de sinais sugestivos de hérnia de schmorl ao nível da olataforma somática inferior do corpo vertebral de D10; cfr. Doc. de fls.45
27. No dia 21 de Janeiro de 2013 a A., efectuou o exame de RM à coluna dorsal no hospital da Cuf Infante Santo, de cujo relatório resulta a existência de uma fractura compressiva recente de D10, assinalando-se redução ligeira da altura do corpo vertebral e afundamento do planalto somático inferior, embora sem recuo do muro posterior.
28. A natureza, recente desta fractura é, de acordo com o relatório, denunciada pelo edema medular ósseo no corpo vertebral, que se traduz por nítido hipersinal em T2 após supressão de gordura;
29. Resulta do relatório um colapso fracturário antigo de D8, com redução acentuada da altura e deformação em cunha anterior do corpo vertebral, que apresentava evolução de sinal paralela à das restantes vértebras concluindo-se pela fractura compressiva recente de D10 e colapso fracturário antigo de D8, sem sinais de compressão da medula; Cfr. doc. de fls.45 v.;
30. No dia 25 de Janeiro de 2013, foi observada em consulta de Ortopedia no Hospital CUF – Infante Santo, conforme marcação, para onde foi transportada em ambulância pelos Bombeiros de Odivelas, e onde lhe foi comunicada a existência de uma fractura da vértebra dorsal – D10; Cfr. fls.46;
31. Após autorização da AXA Portugal, a A. ficou internada no Hospital Cuf Infante Santo; Cfr. fls.46 v.;
32. A A. teve alta hospitalar em 29 de Janeiro de 2013; cfr. fls. Cfr. fls.46 v.;
33. A A. enviou à Ré que recebeu, comunicação de 25 de Fevereiro de 2013, formulário, comunicando-lhe que em razão do seu estado e instabilidade física, havia sofrido uma queda em casa, em consequência da fractura sofrida em 2006, o que determinou o internamento e subsequente período de baixa médica; Cfr. fls.47 v. e 48
34. Em 15 de Março de 2013 a A. foi informada, mediante email enviado por DM… – Contact Center Clientes da AXA Assistance Portugal, de que existia um processo aberto, com o número VI…, relativamente ao sinistro ocorrido em 13 de Janeiro de 2013, encontrando-se em análise conjugadamente com o de 2006 – cfr. Doc.de fls.48 v. e 49;
35. Quando questionada a Companhia sobre a situação processual a A. recebe, em 29 de Abril de 2013, email de DM... – Contact Center Clientes, que lhe comunica que a abertura de processo AT… em 28.04.2013 terá sido um lapso por parte do prestador, devendo continuar o procedimento a ser tramitado no âmbito do Processo AT…, havendo sido anulado o processo de 2013; cfr. Doc. de fls.50;
36. Ainda nesse mesmo dia, é informada, mediante email enviado por DM… - Contact Center Clientes de que, afinal, deverá ser necessária abertura de novo processo, tendo sido aposta a este a data de 18.01.2013; Cfr. doc. de fls.51;
37. Em 29 de Maio de 2013, a A. envia um email à Companhia Seguradora, no qual solicita esclarecimentos relativamente às alterações verificadas ao nível dos processos de assistência da seguradora, pois, apesar da informação anterior de que o processo AT… teria sido cancelado, toda a situação clínica lhe permaneceu adstrita e, conforme informação da Seguradora, cancelado o processo AT…; Cfr. doc. de fls.52;
38. Mediante e-mail de 5 de Abril de 2013, a A. solicitou à Ré a possibilidade do seu acompanhamento, designadamente a nível de sessões de fisiatria ser feito no Centro Hospitalar de São Francisco em Leiria, o que a R. aceitou; Cfr. docs. de fls.54 e 55
39. Questionada sobre o meio de transporte mediante o qual se deveria deslocar para o tratamento, dada a sua condição clínica e o local onde reside, foi informada de que apenas tinha autorização para utilizar transporte público; cfr. docs. de fls.55 v. e ss;
40. O primeiro tratamento de fisioterapia foi marcado para o dia 24 de Maio de 2013, no Hospital CUF – Infante Santo, com a menção expressa pela médica fisiatra de que a doente se deveria deslocar de táxi, de forma a minimizar os factores de risco; Cfr. doc. de fls.56 v.;
41. MR…, com data de 8 de Novembro de 2013, assinou relatório no qual conferiu à A. incapacidade de 0,35 –psiquiatria.
42. Em 15 de Setembro de 2014, o médico MA… atestou que a A. estava completa e absolutamente incapaz para o exercício da sua actividade de assistente hospitalar graduada; Cfr. fls.69 v.
43. Com data de 11.9.2017, é emitido “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” pela ARS no qual é fixada à A. um grau de incapacidade de 0,7600, sendo que declarado que a incapacidade é definitiva. Cfr. fls.24 v;
44. Quer a queda de Junho de 2006, quer a de 20.1.2013, foram participadas à R.;
45. A Ré tinha conhecimento das condições particulares do contrato de seguro;
45A – A A. foram comunicadas as condições especiais e gerais da apólice de seguro a que alude o ponto 1 dos factos provados, juntas a fls. 93 vs.º ss e 106 vs.º ss. (aditado).
46. A Ré tem incapacidade permanente global superior a 70%.
V. Razões de Direito
- do (não) preenchimento dos requisitos necessários ao acionamento da apólice de seguro
Alega a Recorrente a este propósito que as cláusulas 06 e 10 das condições especiais do contrato de seguro, não devem ser desconsideradas e impõem a verificação da incapacidade do segurado para os atos normais da vida diária e a necessidade de auxílio de terceira pessoa para os mesmos, como requisito da verificação da invalidez total e definitiva, bem como uma incapacidade funcional para os atos da vida diária de 60%, o que não ficou demonstrado nos autos.
Contrariamente ao que a Recorrente parece referir, a sentença recorrida ao julgar procedente o pedido de reconhecimento da invalidez total e definitiva da A. e invalidez profissional não veio afastar a aplicação das cláusulas das condições especiais por não terem sido comunicadas, mas antes porque entendeu serem as mesmas abusivas e nessa medida proibidas, nos termos dos art.º 15.º e 16.º do DL 446/85 na definição que apresentam do conceito de incapacidade absoluta e definitiva.
Está em causa um contrato de seguro de vida que tem como cobertura principal a morte do segurado e como coberturas complementares a invalidez total e definitiva e a invalidez profissional, sendo estas que a A. pretende ver reconhecidas nestes autos como condição do acionamento da apólice de seguro em questão.
Uma vez que estamos perante um contrato de seguro renovável anualmente, não é controvertida a aplicação ao caso do regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo DL 72/2008 de 16 de abril, em face do regime transitório que consta do seu art.º 2.º n.º 2, atenta a data do sinistro, nem tão pouco a circunstância de ser aplicável às cláusulas especiais do contrato o regime das cláusulas contratuais gerais previsto no DL 442/85 de 25 de outubro.
Ao contrato de seguro em questão aplicam-se assim as disposições que resultaram do acordo de vontade das partes e que constam das condições particulares, aplicando-se também as condições especiais e gerais da apólice que, em regra, constituem cláusulas contratuais gerais determinadas pela seguradora, a que o segurado adere, e em última análise as normas constantes do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
A respeito do conteúdo do contrato de seguro, dispõe o art.º 45.º n.º 1 do diploma referido, que as condições especiais e particulares não podem modificar a natureza dos riscos cobertos tendo em conta o tipo de contrato de seguro celebrado.
Com a limitação prevista nesta norma, a determinação do conteúdo do contrato de seguro depende em larga medida do acordo das partes, vigorando o princípio geral da liberdade contratual, expressamente previsto no art.º 11.º daquele diploma.
As garantias complementares de que a A. se pretende fazer valer e que constam das condições particulares da apólice sob os n.ºs 4 e 6 apresentam a seguinte redação:
“4. Garantia Complementar-Invalidez Total e Definitiva (Condição Especial 06)
Em caso de invalidez total e definitiva da pessoa segura, antes dos 65 anos, o capital seguro é igual a 100% do capital base seguro (número 1, do art.2º)(…)
6. Garantia Complementar-Invalidez Profissional (condição especial 10)
Em caso de invalidez profissional da pessoa segura, antes dos 65 anos, o capital seguro é igual a 200% do capital base seguro (número 1, do art.2º)
A incapacidade funcional para reconhecimento do estado de invalidez prevista no nº1, do art.2º, é fixada em 60%. (…)
A cláusula 06 das condições especiais que se reporta à garantia adicional de invalidez total e definitiva, vem consagrar diversas definições, estabelecendo quanto a esta o seguinte:
“Invalidez Total e Definitiva - a invalidez física ou mental, que após completa consolidação deixe a pessoa segura total e definitivamente impossibilitada de exercer qualquer trabalho que dê remuneração ou lucro, necessitando de auxílio de terceira pessoa para efectuar, com autonomia, os actos normais da vida (higiene pessoa básica, alimentação e vestir).”
Por seu turno, a cláusula 10 das condições especiais que se reporta à garantia complementar de invalidez profissional, estabelece as seguintes definições:
Invalidez profissional – a incapacidade total para o trabalho, em consequência de doença ou acidente, que após completa consolidação e cura clinicamente comprovada ocasione à pessoa segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a profissão declarada ao segurador e efectivamente desempenhada à data do acidente ou do início da doença.
Incapacidade funcional - a diminuição com carater permanente e definitivo, da capacidade física ou mental da pessoa segura para o exercício dos atos normais da sua vida diária, independentemente da actividade profissional exercida.”
O tribunal a quo considerou nula a definição da incapacidade absoluta e definitiva que consta das condições especiais na parte em que impõe a exigência do auxílio de terceira pessoa para os atos normais da vida diária, o que tem de ser avaliado à luz do DL 446/85 de 25 de outubro que vem estabelecer o regime a que estão sujeitas as cláusulas contratuais gerais.
Esta regulamentação surge perante a constatação de que a negociação dos contratos assente no princípio da igualdade formal das partes não corresponde, muitas vezes, à realidade concreta. A massificação do comércio jurídico levou ao surgimento de contratos que não são precedidos de fase negocial, limitando-se a liberdade contratual à aceitação ou não de determinada proposta apresentada. Tal regime pretende salvaguardar os interesses da parte contratualmente mais fraca, surgindo como uma emanação do princípio da boa fé.
A designação de contrato de adesão deriva do facto do consumidor ou cliente não ter intervenção na preparação das cláusulas do contrato que lhe é apresentado, limitando-se a aceitar a proposta que lhe é feita e assim a aderir a um conteúdo unilateralmente fixado pela contraparte. Os chamados contratos de adesão apresentam-se como “contratos padrão” e, sendo o seu conteúdo, em regra, formado por cláusulas contratuais gerais, estão sujeitos ao regime estabelecido no DL 446/85 de 25 de outubro.
Na previsão do art.º 1.º n.º 1 do diploma mencionado, cláusulas contratuais gerais são aquelas que são “elaboradas sem prévia negociação individual”, ou seja, são prévia e unilateralmente definidas por um dos contraentes, tendo em vista uma generalidade e pluralidade de pessoas que não as vão negociar e influenciar, no âmbito de um padrão negocial uniformizado.
Dizem-nos Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, anotação ao DL 446/85 de 25 de outubro, em anotação ao art.º 1.º que: “As cláusulas contratuais gerais manifestam as características seguintes: a) são pré-elaboradas, existindo disponíveis antes de existir a declaração que as perfilha; b) apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários.”
O art.º 1.º do diploma referido, com a alteração que lhe foi dada pelo DL 220/95 de 31 de agosto e DL 249/99 de 7 de julho, dispõe:
1 – As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2 – O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
3 – O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.”
Estamos assim perante um contrato de adesão quando as suas cláusulas resultam da imposição de uma das partes- cláusulas pré-fixadas, insuscetíveis de serem negociadas.
De notar, no entanto, que nos termos do n.º 2 do art.º 1.º do Decreto-Lei referido, o regime estabelecido neste diploma aplica-se também às cláusulas inseridas em contratos individualizados, desde que o seu conteúdo seja pré-elaborado e que a parte não pode influenciar.
Assim, e uma vez que esta regulamentação se aplica também às cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos individualizados, mais do que saber se estamos ou não perante um contrato de adesão o que releva, é saber se a cláusula em questão constitui uma cláusula contratual geral, ou seja, se o seu conteúdo é pré-elaborado e insuscetível de ser influenciado ou negociado pela parte. Se assim for, tal cláusula, ainda que inserida em contrato individualizado, encontra-se sujeita ao regime de proteção previsto neste diploma.
Como nos diz o Acórdão do TRC de 20/11/2012, in www.dgsi.pt : “Uma cláusula geral pode integrar um contrato de clausulado massificado como pode surgir nos chamados contratos individualizados, isto é, adaptados à relação concreta, o que, de certo modo, não representa já um produto dirigido a um universo de potenciais aderentes. Temos assim como seguro que o regime de favor estabelecido para o contraente “não negociante” pode existir independentemente de ele se encontrar ou não diante de um contrato de adesão, no sentido rigoroso: na verdade, basta que uma ou mais cláusulas não sejam susceptíveis de negociação, na acepção de modificação ou exclusão, para que em relação a elas seja permitido invocar a disciplina das CCG.
Na situação em presença as cláusulas gerais e especiais do contrato de seguro, até por se tratar de um seguro de grupo, estavam previamente estabelecidas, limitando-se a A. a aceitá-las, mediante a subscrição da apólice de seguro, não restando por isso dúvidas, nem sendo questão controvertida, de que às mesmas deve aplicar-se o regime das cláusulas contratuais gerais.
Importa então avaliar da sua (in)validade, à luz do diploma referido, para se ponderar se podem levar-se em consideração, como pretende a Recorrente.
O art.º 15.º do DL 446/85 de 25 de outubro, estabelece o princípio geral de proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé. Coloca-se assim a boa fé como princípio orientador das cláusulas contratuais gerais. Este princípio é concretizado no art.º 16.º que dispõe:
Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.”
As cláusulas proibidas contrárias à boa fé são nulas, conforme dispõe o art.º 12.º do mesmo diploma.
É preciso não esquecer que quem recorre à utilização de cláusulas contratuais gerais se encontra numa posição de superioridade relativamente aos aderentes, que são privados de interferir na “modelação” das cláusulas. Tal tem como contraponto o dever de levar em consideração os interesses dos aderentes, só assim encontrando correspondência a uma conduta conforme à boa fé. De um ponto de vista objetivo, a cláusula imposta deve ser equilibrada e razoável na ponderação dos vários interesses em presença.
Tal como nos diz Araújo de Barros, in Cláusulas Contratuais Gerais, DL n.º 446/85 anotado, pág. 172: “Uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificada.”
Quando da contratação de um seguro de vida, é frequente a junção ao mesmo de garantias complementares, associadas à eventual incapacidade pessoal e/ou profissional. O risco da incapacidade que se pretende acautelar, tem em vista as consequências que para o segurado podem resultar da circunstância de ficar numa tal situação de debilidade funcional que o torna incapaz de fazer a sua vida normal e de auferir rendimentos pelo seu trabalho – há uma afetação grave na sua saúde com reflexos também na sua capacidade de trabalho, que determina que o mesmo fica limitado significativamente para poder fazer a sua vida, não podendo também exercer a sua atividade profissional ou atividade geradora de proventos.
Avaliando o teor do conceito de incapacidade estabelecido na cláusula em questão, verifica-se que a mesma vem estabelecer como condição para o acionamento da apólice, não só que tal incapacidade se traduza na impossibilidade do mesmo exercer uma qualquer profissão remunerada ou atividade económica lucrativa, mas também exigem que o segurado esteja dependente de forma contínua da ajuda de terceira pessoa para os atos normais da vida diária, como seja o fazer a sua higiene, alimentar-se e vestir-se (cláusula especial 06).
Esta última exigência vêm reduzir de forma que se crê substancial e desproporcionada os casos de verificação do risco de cobertura de invalidez ou incapacidade, por fazer exigências que vão para além da verificação objetiva da incapacidade para o segurado fazer uma vida normal – concretizando-a relativamente a atos muito básicos - e de continuar a exercer a sua atividade profissional com a continuação da obtenção de proventos, riscos que estão na origem da celebração de tal seguro.
Podem ocorrer situações em que o segurado está limitado e incapaz de fazer a sua vida normal quando, por exemplo: não pode conduzir, não pode praticar uma atividade física ou não pode pegar em pesos, ainda que consiga vestir-se, comer ou fazer a sua higiene sem o auxilio de terceira pessoa. É fácil verificar-se a circunstância de uma pessoa estar incapaz para exercer uma profissão remunerada, embora não esteja num estado de dependência contínua da assistência de terceiro para os atos mais básico da vida diária, como sejam alimentar-se ou cuidar da sua higiene.
O Acórdão do TRG de 11/07/2017 no proc. 1301/15.9T8VCT.G1 in www.dgsi.pt fundamenta de forma expressiva este entendimento sobre uma cláusula idêntica, aí se referindo: “visando-se com o contrato dos autos assegurar a cobertura «invalidez total e permanente», a definição desta pela necessária verificação cumulativa de um elenco de plúrimas situações (nomeadamente, somando a um elevado grau de incapacidade, a insusceptibilidade completa e definitiva para o exercício da profissão habitual ou de qualquer actividade remunerada compatível com os conhecimentos e aptidão do segurado, ou a necessidade da assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária), traduzir-se-ia numa inadmissível limitação, e até mesmo inviabilização, da cobertura do seguro. À «vista da natureza, objecto e finalidade do contrato celebrado» esta interpretação «corresponderia, na prática, a um esvaziamento irrazoável e excessivo da garantia do seguro, contrário à boa fé com que ambas as partes estão obrigadas a actuar não só na formação, mas também na execução do contrato. Na verdade, (…) a desproporção entre a prestação da autora e a da ré tornar-se-ia por demais acentuada (…), assim desequilibrando em demasia os pratos da balança contratual a favor de quem já se encontra, à partida, numa posição vantajosa. Isto porque ficariam excluídos do âmbito da cobertura um significativo conjunto de riscos típicos, próprios da modalidade de seguro contratado» (Ac. do STJ, de 19.10.2010, Nuno Cameira, Processo nº 13/07.1TBCHV.G1, em definição negativa do âmbito da cobertura, por cláusula de exclusão, mas ainda assim com utilidade aqui).”
Nesta medida, a exigência da necessidade de auxílio de terceira pessoa para os atos mais básicos da vida diária, contemplada na definição de incapacidade absoluta e permanente pode representar por esta via uma restrição da intervenção da seguradora, que se tem por injustificada, em face da finalidade que está na origem da celebração do contrato de seguro.
O equilíbrio contratual fica afetado, com uma cláusula em que o contraente mais forte limita de tal forma a possibilidade de preenchimento da condição do acionamento do seguro, num sentido que vai além da razão de ser do próprio seguro, visando apenas a proteção da sua posição contratual e dos seus interesses, pondo dessa forma em causa o equilíbrio de interesses das partes contratantes, bem como a confiança ou expectativa depositada pelo segurado na celebração do contrato, sendo por isso contrária à boa fé.
A respeito de uma cláusula semelhante, ainda que inserida num seguro de vida realizado em associação a um mútuo bancário, diz-nos de forma impressiva o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/09/2016 no Proc. 240/11.7TBVRM.G1.S1 in. www.dgsi.pt : Acresce que a Ré Seguradora não podia razoavelmente esperar que os Autores incluiriam essa cláusula no contrato, na sequência de uma negociação individual, pois isso equivalia a aceitar a desrazoável hipótese de ficarem desprotegidos na maioria das situações de invalidez, considerada grave, em resultado da qual ficassem impossibilitados de trabalhar. A intencionalidade dos contraentes de um contrato de seguro associado a contrato de mútuo concedido para aquisição de habitação própria consiste, pelo contrário, e como sublinham os Recorrentes, em prevenir a hipótese de perder, por invalidez, a sua capacidade de ganho e consequentemente, a sua habitação. Por conseguinte, esta denominada cláusula-surpresa, por não ser normal a sua inclusão num contrato, previamente negociado entre contraentes, com aquela finalidade de precisamente assegurar o cumprimento do contrato de mútuo, é manifestamente contrária ao princípio da boa-fé objectiva. O desequilíbrio contratual entre as partes é significativo, por colocar o consumidor/aderente do contrato de seguro associado ao contrato de mútuo numa posição em que, ao invés de prevenir uma situação de eventual impossibilidade de obter rendimentos do trabalho e de consequente incumprimento do contrato de mútuo, deixa-o numa situação como se não existisse esse contrato de seguro, apesar de ter procedido ao pagamento dos prémios devidos.” Aí se conclui: “(…) o segmento da dita cláusula especial 7.1 que exige que a pessoa segurada tenha que ficar na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinário da vida corrente é claramente abusivo, por contrário ao vetor da boa-fé.” No mesmo sentido pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2010 no Proc. 76/06.4TBOAZ.P1.S1 e de 18/09/2014 no Proc. 2334/10.7TBGDM.P1.S1 disponíveis na mesma página.
A finalidade deste tipo de contrato de seguro é orientada para a obtenção de um capital em caso de morte ou invalidez permanente do segurado, pretendendo, neste último caso o seguro acautelar a situação de uma eventual incapacidade significativa e geradora da impossibilidade do segurado fazer a sua vida normal e de exercer a sua atividade profissional remunerada o que pode determinar não só a situação do mesmo passar a ter outras despesas em razão das debilidades de saúde geradoras da incapacidade, como também a impossibilidade do mesmo assegurar a sua subsistência por não poder obter rendimentos.
O risco ocorre precisamente quando a pessoa segura fica totalmente impossibilitada de exercer qualquer profissão ou atividade lucrativa, em razão de invalidez absoluta e definitiva, bem como vê diminuídas as capacidades para os atos normais da vida diária espelhadas numa incapacidade de 60% ou mais (que não no limite de uma total falta de autonomia para comer, vestir-se e fazer a sua higiene sem auxílio de terceiro) – é naquela previsão que, com lealdade e seriedade, se encontra o equilíbrio das prestações.
A segunda parte da cláusula em questão que exige, na consideração da situação de invalidade absoluta e definitiva, que a pessoa segura necessite de recorrer de modo contínuo à assistência de terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária, identificados como os mais básicos, exigindo na prática uma total e absoluta falta de autonomia, quase só equiparável a um estado vegetativo, já nada tem a ver com a afetação da sua capacidade de trabalho e de obter rendimentos ou com uma diminuição das capacidades para o exercício de uma vida normal que sempre é indiciada por uma incapacidade funcional de 60%, antes vai além deste conceito e da razão de ser do contrato, determinando um desequilíbrio das prestações contratuais e frustração da confiança do segurado, sendo por isso abusiva por desproporcionada e contrária boa fé.
Tal como entendeu o tribunal a quo, é forçoso considerar que as cláusulas em questão estão afetadas pelo vício da nulidade, nos termos do disposto nos art.º 15.º e 16.º do DL 446/85 de 25 de outubro, na parte em que exigem que a verificação da incapacidade permanente e absoluta para efeitos do seguro esteja dependente da falta de capacidade do segurado para a prática dos atos mais básicos da vida diária como aqueles que indica, no sentido do segurado ficar num estado de dependência contínua da assistência de terceira pessoa para os atos normais da vida diária.
Importa então avaliar, por ser condição da verificação do sinistro, se a A. padece de invalidez total e definitiva e também de invalidez profissional por estar absolutamente incapaz de exercer qualquer atividade remunerada, com uma incapacidade funcional superior a 60%.
Os factos que resultaram provados revelam que em 28.06.2006 a A. sofreu uma queda em escadaria da qual resultou fratura –achatamento moderado do corpo vertebral D8 com traços de fratura envolvendo preferencialmente os 2/3 anteriores deste corpo vertebral, que tem textura esclerótica; em 20.10.2009, foi reconhecido em relatório psiquiátrico que a A. sofre de uma perturbação pós-stress traumático de forma crónica; em 20.1.2013 a A. sofreu nova queda com traumatismo da região dorso-lombar, com fratura compressiva de D10. Em 15.09.2014, o médico MA… atestou que a A. estava completa e absolutamente incapaz para o exercício da sua atividade de assistente hospitalar graduada; o relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, datado de 25.8.2016, concluiu por uma incapacidade permanente parcial resultante do acidente de 66,30% e IPATH em função de sequelas psiquiátricas, neste grau se englobando a bonificação de 1,5% em aplicação do direito laboral; em 11.9.2017, é emitido “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” pela ARS no qual é fixada à A. um grau de incapacidade de 0,7600 aí sendo declarado que a incapacidade é definitiva; em Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações foi decidido estar a A. absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, de médica psiquiátrica, por sequelas de fratura D8 a D10, tendo sido a A. aposentada por incapacidade.
Em razão destes factos, com particular destaque para as várias avaliações médicas realizadas e conclusões das mesmas, a par da determinação da reforma da A. por incapacidade, não podemos deixar de concluir que a A. apresenta um quadro de doença e de sequelas que é impeditivo do exercício da sua atividade profissional ou de outra atividade remunerada, com um défice funcional reconhecidamente superior a 60%, encontrando-se numa situação de invalidez absoluta e permanente para efeitos de verificação do sinistro coberto pelo contrato de seguro em questão, sendo certo que se encontra até reformada por invalidez.
Alega ainda a R. no presente recurso que o valor da incapacidade atribuído à A. por outros médicos e serviços não foi aceite por si, o que constitui exigência para a liquidação do capital seguro expressa no art.º 6.º n.º 3 da cláusula especial 10, o que é necessário para o acionamento da apólice.
Verifica-se, no entanto, que esta questão agora suscitada pela R. é uma questão nova que só agora em sede de recurso é por ela trazida ao processo, sendo que a mesma nunca a invocou anteriormente nos autos, designadamente colocando-a à apreciação e decisão do tribunal de 1ª instância.
O recurso tem em vista a alteração da decisão proferida pelo tribunal recorrido e não a tomada de posição sobre questões novas que anteriormente não foram suscitadas pelas partes e objeto de apreciação pelo tribunal recorrido.
Decorre do art.º 627.º nº 1 do CPC e é jurisprudência pacífica, que os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões anteriormente apreciadas e decididas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia sobre questões novas- vd. neste sentido, entre outros, Acórdão do TRL de 14/02/2013, no proc. 285482/11.6YIPRT.L1-2 in www.dgsi.pt
No caso em presença, a controvérsia trazida aos autos e suscitada pela R. na sua contestação centrou-se na sua discordância quanto à circunstância da A. preencher os requisitos necessários ao acionamento da apólice de seguro, designadamente contestando a situação de incapacidade absoluta para o trabalho e o valor da incapacidade que lhe foi atribuída por outros médicos e serviços, nada dizendo ou invocando quanto à condição contratual que agora refere ser necessária para a liquidação do capital seguro.
Não tendo sido suscitada oportunamente e expressamente a existência desta condição agora invocada – da justificação do estado de invalidez depender da aceitação da R. - menção a que alude um número de uma cláusula especial da apólice, o tribunal de 1ª instância não se pronunciou sobre tal questão, como não tinha que se pronunciar, não competindo por isso também a este tribunal pronunciar-se sobre a mesma.
De qualquer modo, sempre se refere a este propósito que os argumentos já alinhados anteriormente que determinaram o entendimento deste tribunal de que a exigência do auxílio de terceira pessoa constitui uma exigência abusiva e desproporcionada e por isso proibida, assumem igualmente inteira pertinência na avaliação desta cláusula, não podendo deixar de se considerar abusivo que um o estado de invalidez do segurado tenha de ser aceite pela seguradora, parte interessada no contrato, em lugar de resultar de uma avaliação objetiva da situação feita por terceiro. Aliás, a nossa jurisprudência também já tem considerado abusivas e por isso nulas cláusulas semelhantes, do que é exemplo o Acórdão do STJ de 24/04/2014 no proc. 6659/09.6TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt onde se conclui: “Entende-se, assim, desproporcionada esta cláusula contratual que faz depender o reconhecimento da situação de invalidez total e permanente, depois da sua  confirmação pela Junta Médica da Segurança Social, da sua validação por um médico da própria Seguradora, colocando na inteira disponibilidade de uma das partes contratantes o cumprimento das obrigações contratuais assumidas. Não pode ser a Seguradora, através do seu médico, a validar ou não a situação de invalidez do segurado, quando a própria Segurança Social já a reconheceu e declarou com todas as consequências, designadamente a atribuição de reforma por invalidez. Não oferece, pois, qualquer dúvida que esta cláusula contratual favorece excessiva ou desproporcionadamente a posição contratual do predisponente e prejudica inequitativa e danosamente a do aderente.”
Conclui-se que a A. fez prova de que se encontra numa situação de incapacidade absoluta e permanente para o exercício de atividade remunerada, estando inclusivamente reformada por invalidez, estando preenchidas as condições que admitem o acionamento da apólice de seguro em causa, por estar verificado o risco que o contrato de seguro celebrado entre as partes visou acautelar, estando a R. Seguradora obrigada a cumprir o contrato, realizando a prestação que lhe cabe, nos termos do art.º 1.º da Lei do Contrato de Seguro e art.º 406.º n.º 1 do C.Civil, tal como entendeu a sentença recorrida, que não merece por isso censura.
VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela R., confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
                                       *
Lisboa, 24 de outubro de 2019

Inês Moura (relatora)
Laurinda Gemas (1ª adjunta)
Gabriela Cunha Rodrigues (2ª adjunta)

(assinado electronicamente)
(processo redistribuído à relatora a 16/09/2019)