Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11588/18.0T8LSB.L1-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: CTT
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ENTREGA DO OBJECTO POSTAL
MEIO DE PROVA
INFORMAÇÃO CONSTANTE DE PORTAL
VALORAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A informação da entrega do objecto postal registado que a Ré CTT, SA lança no seu site, não pode ser erigida como prova qualificada da efectiva entrega do correio ao destinatário, tratando-se de um elemento de elaboração unilateral, susceptível de ser contrariado por outra prova nas circunstâncias de cada caso concreto. 

2. Demonstrado que, em consequência do não recebimento da carta registada remetida pelo Centro de Emprego, o Autor faltou à convocatória, cessando o pagamento do RSI, a Ré CTT, SA está obrigada a indemnizar os danos causados com fundamento na responsabilidade civil extracontratual.

 3. A Ré CTT, SA é directamente responsável perante o Autor pelos danos apurados, sendo aliás prestadora de um serviço público com repercussão de relevo social, exigindo-se maior diligência a quem entrega a execução da tarefa, sem prejuízo do eventual direito de regresso, a nível das relações internas, sobre a empresa que encarregou da distribuição de correio na zona, em aplicação do disposto quanto ao comitente e comissário - artigo 500º do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1. Da Acção
MB, com os sinais dos autos, impetrou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra, CTT – Correios de Portugal, SA.
Alegou em fundamento síntese, que devido à conduta ilícita e culposa da R., não recebeu uma carta registada remetida pelos Serviços de Segurança Social para a sua residência; em consequência da falta de recepção dessa carta, o Autor não se apresentou junto do Centro de Emprego de Sintra na data agendada, perdendo o rendimento social de inserção que vinha recebendo. Pedindo a final que : a)  a Ré venha  juntar a folha de registo relativo à zona de residência do Autor, datada do dia 18 de Abril de 2017, para  comprovar junto do centro de emprego, que a falta convoca não lhe foi imputável, e  recuperando o rendimento social que lhe deveria ter sido pago entre Junho de 2017 e Março de 2018; b)  a Ré seja condenada ao pagamento ao Autor de uma indemnização pelos danos pelo mesmo sofridos em valor nunca inferior a €5.000,00 (cinco mil euros); c) em alternativa ao primeiro pedido,  a Ré  condenada ao pagamento ao Autor das prestações sociais que lhe deveriam ter sido pagas pelo Instituto de Segurança Social, IP., acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, na quantia de €1.895,20 (mil oitocentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos).
A Ré contestou. Alegou, em síntese, que o objeto postal em causa é uma carta registada simples, que não inclui folha de assinatura do destinatário e a qual foi depositada na morada do Autor; mais alegou, que a distribuição postal na zona foi realizada pela Divulgângulo – Distribuidor Unipessoal, Lda.”, com a qual celebrou contrato de prestação de serviço, cuja intervenção principal requereu. Concluiu pela improcedência da acção e a absolvição do pedido.
Foi admitida a intervenção da identificada empresa na qualidade de assistente da Ré e a qual não apresentou articulado.
Prosseguindo a instância os  demais termos , realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida  sentença que julgou parcialmente procedente a acção , conforme dispositivo que se transcreve Em face do exposto, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, o Tribunal julga a ação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente: 1. Condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de e €1.895,20 (mil oitocentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento; 2. Condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de €2.000,00 (dois mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.  Custas por A. e R. na proporção do respetivo decaimento – art.º 527º do C.P.C.»
2. Do Recurso                                                                           
Inconformada, a Ré interpôs recurso, finalizando as alegações com as conclusões seguintes:
I. Por sentença de 03 de janeiro de 2022 foi a ora Recorrente CTT – Correios de Portugal, S.A. condenada a pagar ao Autor a quantia de €1.895,20 (mil, oitocentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento; e ainda a pagar ao Autor a quantia de €2.000,00 (dois mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros demora, à taxa legal, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
 II. Entendeu, de facto, o Tribunal a quo que os CTT – Correios de Portugal, S.A. depositaram “de forma imprevidente, correspondência registada em caixa do correio cujo titular desconhece, como se de correspondência simples se tratasse”.
III. Tendo causado a ausência do Recorrido em diligência obrigatória que levou ao corte do seu único rendimento por parte o Instituto da Segurança Social, IP.
IV. Ocorrendo o “evento danoso pelo comportamento proibido/ilícito da Recorrente.”
V. Ora, não pode a ora recorrente conformar-se com tal decisão.
VI. Entende a Recorrente que decisão diferente se impunha, designadamente, por não ter sido feita uma correta subsunção dos factos ao direito.
VII. A Recorrente CTT – Correios de Portugal, S.A., é uma sociedade que, nos termos legalmente consagrados no Decreto-Lei n.º 448/99, de 4 de novembro, é concessionária do serviço postal universal.
VIII. A Recorrente tem como objeto a exploração dos serviços públicos de correios, nos termos do Decreto-Lei n.º 87/92, de 14 de maio.
IX. Sucede que, o objeto postal em discussão nos presentes autos não foi distribuído por nenhum funcionário da Recorrente, antes sim, conforme resulta dos factos provados, por um carteiro de uma empresa colaboradora de “agenciamento a Terceiros”: a empresa DIVULGÂNGULO – Distribuidor Unipessoal, Lda. ao abrigo do contrato de prestação de serviços de distribuição celebrado entre esta e a Recorrente, a 14 de junho de 2016, tendo vindo a ser o mesmo objeto de sucessivos aditamentos, cujo último data de 05 de junho de 2018.
X. Do referido contrato resulta que a empresa DIVULGÂNGULO – Distribuidor Unipessoal, Lda. obrigou-se “a prestar à Primeira Contratante serviços de recolha e distribuição diária de envios postais de correio urgente e não urgente, (…) nas áreas de distribuição identificadas no Anexo VI (…)”, conforme resulta da cláusula segunda, n.º 1.
XI. No que respeita à responsabilidade por eventuais danos causados, no âmbito do objeto e das obrigações decorrentes do Contrato de Prestação de Serviços de Distribuição em apreço, vem previsto, na cláusula sétima, com especial relevância para o exposto no n.º 3, que “A Segunda Contratante responde por quaisquer danos que possam resultar para a Primeira Contratante ou para terceiros, decorrentes de atos ou omissões imputáveis aos seus colaboradores”.
XII. Assim, tendo sido, in casu, um colaborador da empresa DIVULGÂNGULO – Distribuidor Unipessoal, Lda., cuja intervenção provocada foi requerida nos autos, a distribuir a correspondência postal, na data em questão e na zona indicada, não se compreende a decisão do Tribunal a quo em condenar a Recorrente por alegada conduta proibida/ilícita na sua distribuição. De facto, reitere-se, não foi a Recorrente quem distribuiu o objeto postal em crise.
XIII. Pelo que, a existir condenação, sempre teria de ser condenada a empresa DIVULGÂNGULO – Distribuidor Unipessoal, Lda., cuja intervenção provocada foi devidamente requerida nos autos, e nunca a Recorrente CTT – Correios de Portugal, S.A.
XIV. Ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que, na hipótese de ter sido um funcionário da Recorrente a distribuir o objeto postal em apreço nos autos, importaria ter em atenção que existem dois tipos de serviços de registo postal, a saber: o registado e o registado simples.
XV. Conforme resulta dos factos provados, o objeto postal que aqui se discute trata-se de uma carta registada simples, identificada com o n.º RN063876978PT.
XVI. A missiva foi recebida pelo seu destinatário em 18 de abril de 2017, conforme Docs. 4 e 6 juntos com a petição inicial.
XVII. O correio registado simples trata-se de um serviço que apenas se executa no Serviço Nacional, caracterizando-se pelo facto de a entrega ao destinatário ser feita com o depósito do envio no seu recetáculo domiciliário, cfr. dispõe o ponto 2.2.1.1 do Boletim Oficial n.º 51-2004, de 30 de março de 2004, dos CTT – Correios de Portugal, S.A.
XVIII. Ou seja, por via de carta registada simples, apenas se confirma o depósito do objeto postal na caixa de correio do destinatário, considerando-se, nesse momento, a entrega como conseguida.
XIX. Não é, pois, neste tipo de objeto postal, recolhida qualquer assinatura do destinatário ou de quem recebe em nome do destinatário, porquanto esta opção é exclusiva do correio registado com aviso de receção.
XX. Neste sentido vai também a jurisprudência nacional, nomeadamente o Tribunal Central Administrativo do Norte, no acórdão de 15 de abril de 2021, no qual afirma que: “Efectivamente, o Tribunal a quo deu como provado que a notificação da decisão de aplicação da coima foi expedida por carta registada simples, a qual foi expedida e entregue na morada da Recorrente, motivo que o levou a concluir que a notificação de tal decisão foi perfeita. […] deve considerar-se ter operado a presunção de notificação, uma vez que existe prova do registo e remessa da carta para a morada da Recorrente, constando dos autos informação dos correios comprovativa da data em que ocorreu o registo dos CTT e da efectiva entrega da notificação na morada da Recorrente”.”.
XXI. E, bem assim, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 08 de janeiro de 2020: “O registo simples, em que a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data […]”
XXII. Resulta da própria decisão a quo que “Todas as testemunhas da R. disseram tratar-se de ‘registo simples’, no âmbito do qual garantiram não ser necessária qualquer assinatura do destinatário ou de qualquer outra pessoa: ‘ninguém tem de assinar’, disseram, mas apenas ‘picado na lista de distribuição ou PDA’ e depositado na correspondente caixa do correio”.
XXIII. Motivo pelo qual não se conforma a Recorrente com o facto de ter sido dado como provado na decisão que ora se recorre que “Ora, o Autor não recebeu qualquer carta e desconhece quem o poderá ter feito por si, porquanto a Recorrente nunca lho permitiu saber”.
XXIV. Reitere-se, nem a Recorrente nem ninguém poderia informar o Autor de quem terá ficado com a sua carta porquanto a mesma, tratando-se de uma carta registada simples, é simplesmente depositada na caixa de correio do destinatário. Não tem a Recorrente, obviamente, qualquer possibilidade de saber quem terá procedido à recolha da mesma.
XXV. Não obstante o Tribunal a quo ter delimitado corretamente as formas de remessa de correspondência postal (simples, registada/com AR) e de afirmar ao longo de toda a decisão que a correspondência em causa se trata de uma carta registada simples, acaba por aplicar ao registo simples o procedimento do registo (normal) que prevê os serviços adicionais como o aviso de receção (no qual é necessária a assinatura do destinatário), entre outros.
XXVI. Apenas tal lapso na aplicação do procedimento de distribuição pode justificar o facto de o Tribunal a quo ter dado como não provados os seguintes factos: Por via de carta registada simples, apenas se confirma o depósito do objeto postal na caixa de correio do destinatário, considerando-se, nesse momento, a entrega como conseguida; Neste tipo de objeto postal não é recolhida qualquer assinatura do destinatário ou de quem recebe em nome do destinatário, porquanto esta opção é exclusiva do correio registado com aviso de receção; Não houve qualquer recusa expressa, por parte da Recorrente, em facultar os elementos solicitados ao ora Autor; Os mesmos são inexistentes; A Recorrente não tem em seu poder qualquer folha de entregas do carteiro em causa.
XXVII. De facto, crê a Recorrente que constam dos autos diversos elementos de prova que permitem considerar os factos dados como não provados como incorretamente julgados, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, nomeadamente, prova documental e prova testemunhal.
XXVIII. Assim, em primeira instância, não se compreende o motivo para o Tribunal a quo não ter atendido à prova documental junta aos autos.
XXIX. Pois, observados os referidos documentos juntos, facilmente se determina que todo e qualquer correio registado simples é apenas depositado na caixa de correio do destinatário, sem necessidade de recolha de assinatura.
XXX. Serve isto para dizer que a documentação junta aos autos faz prova mais que suficiente do procedimento de distribuição de correio registado simples.
XXXI. Ademais, da prova testemunhal também consta patente este procedimento de distribuição: “Todas as testemunhas da R. disseram tratar-se de ‘registo simples’, no âmbito do qual garantiram não ser necessária qualquer assinatura do destinatário ou de qualquer outra pessoa: ‘ninguém tem de assinar’, disseram, mas apenas ‘picado na lista de distribuição ou PDA’ e depositado na correspondente caixa do correio”.
XXXII. Ora, posto isto, da prova documental junta aos autos, bem assim como da prova testemunhal ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento, torna-se evidente que, contrariamente ao afirmado na sentença a que ora se recorre, o correio registado simples – em apreço – dispensa a formalidade da identificação da pessoa a quem é entregue o correio.
XXXIII. Razão pela qual não podia a sentença a quo ter dado como não provados os factos supra elencados.
XXXIV. Pelo que, julga a Recorrente que todos os factos dados como não provados devem passar a constar da factualidade dada como provada, nos termos supra expostos.
XXXV. Sem prejuízo, sempre se dirá que, mesmo com a matéria de facto dada como provada, nomeadamente com o ponto xxix – “O objeto postal que aqui se discute, trata-se de uma carta registada simples” - impunha-se ao Tribunal a quo uma decisão diferente, atento o procedimento de distribuição do referido tipo de correio.
XXXVI. Mais, na sentença a que ora se recorre o Tribunal a quo defende o entendimento de que todas as testemunhas da Recorrente, sem exceção, se confundiram no seu depoimento ao atestarem que a distribuição de cartas registadas simples não carece de assinatura do destinatário, sendo simplesmente depositadas no recetáculo postal. Defendeu o Tribunal a quo que esta alegada “confusão” de todas as testemunhas da Recorrente se deveu ao facto de terem prestado depoimento em 09 de outubro de 2020, altura em que, face à situação pandémica que se vivia (e ainda vive) no país, ficou suspensa a recolha da assinatura na entrega de correio registado.
XXXVII. Ora, sob pena de nos repetirmos, mas por forma a, de uma vez por todas, se perceber a distinção: está em causa correio registado simples e não correio registado. Assim, toda e qualquer carta registada simples, antes, durante ou depois da situação de pandemia, nunca necessitou de qualquer assinatura do destinatário para a sua entrega sendo, tão-somente, depositada na respetiva caixa do correio.
XXXVIII. Ou seja, não releva para os presentes autos, a alteração ao procedimento de recolha de assinaturas vertido na Lei n.º 10/2020 de 18 de abril, considerando que esse procedimento apenas abrange o correio registado, e não o correio registado simples.
XXXIX. Por fim, não pode ainda a Recorrente aceitar que o Tribunal a quo tenha fundado a sua convicção de que a missiva em crise não foi entregue pelo simples facto de as empresas para distribuição postal contratadas pela Recorrente terem uma “parca formação ministrada aos ‘carteiros’ das mesmas (uma semana de acompanhamento), conjugados com a forma de pagamento destas, composta por uma parte fixa e por uma parte variável consoante as entregas conseguidas e /ou avisadas”.
XL. Nem tão pouco pode consentir no discurso parcial de que “não será tendencioso ou falso dizer que é opinião generalizada que os serviços postais pioraram. […] deixou de existir a velha relação carteiro/destinatário, em que alguns sabiam a quem entregar pelo próprio nome do destinatário e não da morada…outros tempos…” e que “atrevemo-nos mesmo a dizer que a subcontratação paga em função do cumprimento de objetivos relacionados com a correspondência/encomendas entregues terá influência na pressão dos carteiros para a entrega a qualquer custo”.
XLI. Nesta conformidade, todo exarado na sentença em crise deverá necessariamente soçobrar, devendo a mesma ser revogada e substituída por um outro que considere totalmente improcedente, por não provada, a ação interposta pelo Autor, agora Recorrido, absolvendo a Recorrente CTT – Correios de Portugal, S.A., do pedido. Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a douta sentença recorrida, sendo a mesmo substituída por outra que considere totalmente improcedente, por não provada, a ação interposta pelo Autor, agora Recorrido, absolvendo a Recorrente CTT – Correios de Portugal, S.A., do pedido, fazendo-se, assim, sã e costumeira JUSTIÇA.»
*
O Autor em resposta, e em síntese, refutou o argumentário da Ré, concluindo pela improcedência do recurso.
*  
Colhidos os Vistos, cumpre decidir.
3. O Objecto do recurso
São as conclusões do recorrente que estabelecem o objecto do recurso, sem prejuízo da intervenção oficiosa que se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 5º, 608º nº 2, 635º nº 3 a 5 e 639º nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Nos autos, percorridas as conclusões da Apelante e a sentença recorrida, haverá que decidir, se é de manter o julgado, ao concluir que a Ré é responsável pela indemnização dos danos invocados pelo Autor, em consequência da falta de recepção da carta enviada pelo Centro de Emprego.
Desiderato que suscita a apreciação dos seguintes tópicos recursivos:     
* Erro de julgamento da decisão de facto; ónus secundário de impugnação; irrelevância da matéria factual na decisão;
* Erro na solução jurídica; a natureza do serviço público postal e as obrigações com terceiros lesados sob o regime previsto na Lei n.º 17/2012 de 26/04; a empresa contratada pela Ré e a responsabilidade externa pelos danos causados a outrem.         
II. FUNDAMENTAÇÃO
A. Os Factos
 O Tribunal a quo deu por provada a factualidade seguinte:
i. O Autor, até recentemente ter encontrado trabalho, encontrou-se por diversos anos desempregado.
ii. Apesar da procura ativa de emprego e da inscrição ininterrupta no centro de emprego de Sintra, não conseguiu tal propósito durante no período compreendido entre 15 de Novembro de 2006 e 1 de Março de 2018.
iii. Considerando que a partir de 20 de Julho de 2009 deixou de conseguir prover ao seu sustento, deixando de auferir quaisquer rendimentos, candidatou-se a ajudas sociais junto dos serviços competentes do Instituto de Segurança Social, IP.
 iv. Foi-lhe assim concedido, desde 19 de Dezembro de 2011 o rendimento social de inserção no valor mensal de sensivelmente €189,52 (cento e oitenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos).
v. Até à ocorrência dos factos que infra se irão expor, o Autor viveu mensalmente apenas com esta parca quantia.
vi. Era com este valor que providenciava o seu sustento, sem ajuda de quaisquer familiares ou amigos.
vii. Em meados do mês de Junho de 2017 rececionou em sua casa missiva do Instituto de Segurança Social, IP. cujo conteúdo muito estranhou.
viii. Tal carta informava o Autor que no mês corrente já não lhe seria pago o valor relativo ao RSI porquanto teria existido da sua parte uma recusa injustificada de ação ou medida integrante do contrato de inserção.
ix. Desconhecendo o que poderia ter acontecido, o Autor dirigiu-se, no dia 22 de Junho de 2017, ao centro de emprego de Sintra com a supra mencionada carta por forma a perceber o propósito do seu conteúdo.
x. A funcionária daquele serviço indicou-lhe que lhe havia sido remetida carta registada no mês de Abril de 2017 para se apresentar naquele mesmo local no dia 27 de Abril e que o mesmo havia faltado.
xi. O Autor praticamente não se ausentava de casa, a menos que tivesse alguma consulta médica ou fosse fazer algumas compras, sendo que sempre que isso acontecia e caso lhe deixassem algum aviso dos correios, levantava sempre a sua correspondência atempadamente.
xii. Pediu à funcionária cópia da referida carta e comprovativo de recebimento considerando ser registada, o que lhe foi facultado.
xiii. O pedido de apresentação feito pelo centro de emprego prendia-se apenas e só com a atualização do documento de identificação do Autor, motivo pelo qual não teria este qualquer problema em ali se deslocar para apresentar aos serviços o seu novo cartão do cidadão, não arriscando deixar de contar com os seus ínfimos, mas únicos rendimentos mensais.
xiv. O A. esteve desempregado mais de 10 (dez) anos e, portanto, era habitual receber convocatórias daqueles serviços, cumprindo escrupulosamente a sua apresentação sempre que requisitada.
xv. A informação fornecida é de que rececionou a carta no próprio dia em que a mesma foi colocada em distribuição, porquanto no registo dos CTT Online assim consta.
xvi. Ora, o Autor não recebeu qualquer carta e desconhece quem o poderá ter feito por si, porquanto a Ré nunca lho permitiu saber.
xvii. No próprio dia 22 de Junho de 2017 o Autor dirigiu-se à loja dos CTT da sua residência e pediu para fazer uma reclamação/pedido de esclarecimento, o que fez.
xviii. Peticionou urgência e um comprovativo de quem havia recebido a missiva por forma a conseguir reverter a decisão de cessação da prestação social, fazendo prova junto do Instituto de Segurança Social IP. de que a não apresentação nos serviços do centro de emprego se deviam ao facto de a informação não lhe ter chegado.
xix. Logo no final do mês de Junho deixou de receber o RSI, o que se prolongou até Março de 2018, altura em que iniciou de novo vida laboral ativa.
xx. Cerca de um mês após a reclamação/pedido de esclarecimentos urgente, os serviços de apoio ao cliente e negócio da Ré, remeteram ao Autor uma resposta.
xxi. Nessa resposta a Ré limita-se a indicar que o objeto foi entregue ao destinatário.
xxii. Por o Autor não se ter apresentado junto do centro de emprego de Sintra no dia 27 de Abril de 2017, ficou cerca de 10 (dez) meses sem acesso ao RSI, sendo que isso significou sem acesso a quaisquer rendimentos.
xxiii. Quantia essa que ascende a sensivelmente €1.895,20 (mil oitocentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos).
xxiv. O Autor viveu cerca de (dez) meses com rendimento nulo.
xxv. Não tem família próxima, considerando terem os pais já falecido, não é casado e não tem filhos.
xxvi. Não tendo podido assim contar com ninguém para o conseguir ajudar.
xxvii. Incumpriu com os pagamentos, nomeadamente do fornecimento de água, eletricidade, gás, que está agora a regularizar com muito esforço.
xxviii. Tem um teto para viver, porquanto herdou o imóvel pela morte do pai, porém não conseguiu ter acesso a bens de primeira necessidade, alimentação condigna, etc.
xxix. O objeto postal que aqui se discute, trata-se de uma carta registada simples.
xxx. A distribuição foi realizada por um carteiro de uma empresa colaboradora de “Agenciamento a Terceiros”: a empresa DIVULGÂNGULO – Distribuidor Unipessoal, Lda. ao abrigo do “Contrato de Prestação de Serviços de Distribuição” celebrado entre esta e a R. CTT, a 14.06.2016, tendo vindo a ser o mesmo objeto de sucessivos aditamentos, cujo último, data de 05.06.2018.
xxxi. Do referido Contrato resulta, do Considerando C., que “Os CTT têm, em alguns locais do País, desde há longo tempo, contratado a terceiros a distribuição de envios postais”.
xxxii. A Ré figura, in casu, “enquanto entidade contratante dos serviços de recolha e distribuição de objetos postais, bem como dos serviços de comercialização de produtos postais à Segunda Contratante”, cfr. cláusula primeira, n.º 1, alínea a), do Contrato supra aludido.
xxxiii. No âmbito do referido Contrato, a empresa “DIVULGÂNGULO – Distribuidor Unipessoal”, Lda. obrigou-se “a prestar à Primeira Contratante serviços de recolha e distribuição diária de envios postais de correio urgente e não urgente, (…) nas áreas de distribuição identificadas no Anexo VI (…)”, cfr. cláusula segunda, n.º 1.
xxxiv. Do mencionado Anexo VI, sob a epígrafe “Itinerário”, vem contemplada, logo na segunda linha da tabela, a morada do Autor – “P:2-24 A: Avenida …: Agualva-Cacém”.
xxxv. A cláusula terceira, n.º 1, alíneas a) e b), do Contrato em questão, refere que “Na execução do objeto do presente Contrato, a Segunda Contratante obriga-se a: a) proceder diariamente ao levantamento dos objetos a distribuir, no local e hora previamente acordados para cada área de distribuição entre a Primeira Contratante e a Segunda Contratante, utilizando para o efeito os meios técnicos e logísticos necessários e tendo em vista o cumprimento integral e permanente dos padrões de qualidade determinados pela Primeira Contratante (…); b) distribuir diariamente todos os objetos postais que lhe forem entregues, no domicílio de cada destinatário, ou nos termos regulamentares, em instalações apropriadas, de acordo com as disposições legais em vigor, em estrita observância dos padrões definidos pela Primeira Contratante, dentro dos limites temporais que forem entre as Partes acordados para cada área de distribuição (…)”.
xxxvi. Na cláusula sétima, n.º 3, consta que: “A Segunda Contratante responde por quaisquer danos que possam resultar para a Primeira Contratante ou para terceiros, decorrentes de atos ou omissões imputáveis aos seus colaboradores.”.
E, Não Provado:
a. Por via de carta registada simples, apenas se confirma o depósito do objeto postal na caixa de correio do destinatário, considerando-se, nesse momento, a entrega como conseguida.
b. Neste tipo de objeto postal não é recolhida qualquer assinatura do destinatário ou de quem recebe em nome do destinatário, porquanto esta opção é exclusiva do correio registado com aviso de receção.
c. Não houve qualquer recusa expressa, por parte da Ré, em facultar os elementos solicitados ao ora Autor.
d. Os mesmos são inexistentes.
e. A Ré não tem em seu poder qualquer folha de entregas do carteiro em causa.
f. O registo postal simples aqui em apreço, identificado com o n.º RN063876978PT foi depositado na Av. ..., Agualva-Cacém, no dia 18.04.2017.
B. Mérito do Recurso  
1. Impugnação da matéria de facto
Sustenta a Apelante que se verifica erro de julgamento quanto aos factos não provados, que deverão merecer juízo afirmativo, em face dos documentos juntos, concretamente, o contrato de prestação de serviços celebrado com a DIVULGÂNGULO – Distribuidor Unipessoal, Lda, o manual de procedimentos da prestação de serviços de distribuição postal e, os depoimentos das testemunhas que apresentou, carteiros de função.
Concluindo que, a “documentação faz prova mais que suficiente do procedimento de distribuição de correio registado simples (…) ademais, da prova testemunhal também consta patente este procedimento de distribuição (…). torna-se evidente que, contrariamente ao afirmado na sentença a que ora se recorre, o correio registado simples – em apreço – dispensa a formalidade da identificação da pessoa a quem é entregue o correio.
A Apelante não identifica, no corpo das alegações ou nas conclusões, as passagens da gravação dos depoimentos das referidas (quatro) testemunhas ouvidas na sessão de 9.10.2020, limitando-se a incluir um excerto da motivação da sentença que alude ao teor dos referidos depoimentos; nessa circunstância, incumprido o ónus secundário previsto no artigo 640º, nº 2, do CPC, rejeita-se a impugnação da matéria de facto.      
De qualquer modo, afigura-se inócua para a decisão da causa a factualidade elencada como Não provada, razão que torna desnecessária a sua reapreciação para a decisão do pleito, de harmonia com os princípios da utilidade, economia e celeridade processuais- artigos 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C. [1]
Com efeito, a matéria de facto Não Provada constitui mera reprodução, em bloco, da alegação conclusiva do articulado da Ré, e não traduz sequer versão oposta ou contrária ao juízo do tribunal a quo acerca dos Factos Provados, como evidencia o simples confronto entre os pontos XV e f., XXI e c.d. e.  e XXIX e a. b.
Em particular, o facto destacado pela Apelante na sua impugnação - o objecto postal em apreço foi remetido em correio registado simples- consta como facto provado em XXIX- “O objeto postal que aqui se discute, trata-se de uma carta registada simples”.
De igual modo, o conteúdo do documento junto com a petição, contendo a identificação do registo da carta enviada pelo Centro de Emprego consta como facto provado no ponto XV; e mais resulta dos pontos XXX a XXXVI dos factos provados, que a distribuição foi realizada por um carteiro da empresa DIVULGÂNGULO – Distribuidor Unipessoal, Lda, bem como os termos do contrato que celebrou com a Ré. 
E, embora a enunciação dos factos provados e não provados não convença pela melhor técnica, não se detecta erro, contradição ou falta de fundamentação que suscite alteração da decisão de facto.      
De relevante importava , outrossim, apurar se o Autor recepcionou a carta   enviada pelo Centro de Emprego de Sintra, através do serviço de correio registado, tendo o tribunal afirmado a convicção probatória de não recebimento, como resulta do ponto XVI dos factos provados, e expressa na  motivação que se extrata na parte principal  - (..) as declarações de parte do A., …, que descreveu o sucedido, nos termos relatados na petição inicial, tendo as suas declarações convencido o tribunal, parecendo-nos honesto e credível.  (…) Em concreto, relativamente ao objeto postal sobre que versam os presentes autos, nada foi concretamente e pessoalmente presenciado por qualquer das testemunhas ouvidas que do mesmo apenas tinham conhecimento na sequência da reclamação do A. e da presente ação, referindo-se a uma “anomalia na distribuição”. (..) Foi no relato do próprio A. em sede de julgamento, conjugados com os documentos juntos aos autos e a forma como foi descrita a contratação e funcionamento das empresas para distribuição postal contratadas pela R. e a parca formação ministrada aos “carteiros” das mesmas (uma semana de acompanhamento), conjugados com a forma de pagamento destas, composta por uma parte fixa e por uma parte variável consoante as entregas conseguidas e /ou avisadas (conforme resulta do contrato) que o tribunal formou a sua convicção quanto a não entrega da carta em causa nos autos.” 
Por último, não se confirma a alegada “confusão” ou “lapso” do tribunal sobre a distinção de procedimentos de entrega ao destinatário, entre o objecto postal em correio registado simples e, o registado com aviso de recepção, uma vez que tal não corresponde à motivação expressa na decisão de facto e, também, não se convocou em sede de apreciação jurídica.   
O tribunal a quo ficou ciente, que a carta endereçada ao Autor pelo Centro de Emprego correspondia à modalidade de carta registada simples (ponto XXIX). Questão que não se confunde com a entrega efectiva da carta ao destinatário, factualidade que não alcançou motivação probatória positiva (ponto XVI).
Note-se que  estando estabelecido no artigo 28º, nº4, do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/88, de 18 de maio, “4 - A entrega das correspondências registadas é sempre comprovada por recibo e tem lugar: a) Na morada do destinatário, desde que esteja implantada a distribuição domiciliária;”[2], este recibo comprovativo da entrega da carta ao Autor,  não foi apresentado pela Ré .
Por outro lado, a informação que a Ré CTT lança no seu site quanto à expedição e entrega do objecto postal, disponível ao emitente/ cliente, não pode ser erigida como prova qualificada quanto à efectiva entrega do correio ao destinatário, tratando-se de um elemento de elaboração unilateral, susceptível de ser contrariado por outra prova nas circunstâncias de cada caso concreto, como sucedeu nos autos. 
Em suma, rejeita-se a impugnação, mantendo-se a decisão de facto.
2. Enquadramento Jurídico 
Estabilizada a factualidade objecto do litígio, vejamos do acerto da solução jurídica.
Ficou provado que o Autor se encontrava em situação de desemprego prolongado e a receber o rendimento social de reinserção; não tendo comparecido no Centro de Emprego, conforme convocação enviada por carta registada, que não recepcionou no seu domicílio, em virtude da omissão dos serviços de distribuição postal da Ré;  e, em consequência, foi interrompido o pagamento daquela contribuição social, único meio de subsistência.          
Na sentença recorrida, julgou-se a acção procedente, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito imputável à Ré e a obrigação de indemnizar o Autor pelos danos sofridos.
A Ré Apelante dissentiu, contudo, quanto à sua condenação, argumentando que a distribuição do correio na zona não foi efectuada pelos seus serviços, mas por carteiro ao serviço da empresa DIVULGÂNGULO – Distribuidor Unipessoal, Lda., com a qual contratou a prestação do serviço, não sendo, portanto, responsável pelo sucedido, tal como estabelecido no contrato celebrado.
Por comodidade de raciocínio, antecipa-se que em nosso entendimento, justifica-se a manutenção do julgado, à luz do enquadramento jurídico que a facties especies demanda.
Vejamos.
Está em causa o serviço público postal nacional e internacional que a Ré – CTT de Portugal SA desenvolve, em aplicação do regime legal actualmente contemplado na Lei n.º 17/2012 de 26/04.
A responsabilidade civil é extracontratual se a obrigação incumprida tem origem em fonte diversa de contrato, e resulta da violação de deveres de conduta, vínculos jurídicos gerais impostos a todas as pessoas e que correspondem aos direitos absolutos.
 Em enunciado breve, de acordo com o estabelecido no artigo 483º do Código Civil, existe obrigação de indemnizar resultante da responsabilidade por factos ilícitos, estando preenchidos os seguintes pressupostos, o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Nos autos foi imputada à Ré actuação ilícita e culposa que corresponde à não entrega ao destinatário do objecto postal enviado pelo Centro de Emprego sob o registo n.º RN063876978PT, estabelecendo-se entre ambos um contrato de prestação de serviço postal, com a especificidade da prestação ser realizada a um terceiro, o destinatário, ora Autor.
 A Ré que presta um serviço público, i.e, em favor dos cidadãos, devia entregar ao Autor destinatário a correspondência, que lhe foi confiada com essa finalidade pelo Centro de Emprego, através da aquisição do serviço postal registado, omitiu, porém, esse dever, apesar da informação do êxito da entrega que consta do seu site, que afinal não concretizou, não apresentando comprovativo da efectiva da entrega da carta.
No domínio da actividade exercida pelos CTT, lê-se com acuidade no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.07.2011, «1.O quadro normativo conformador do regime de prestação do serviço postal universal tem em vista assegurar e tutelar a qualidade e a eficácia das comunicações postais. 2. Sendo reconhecido como objectivo do serviço público a satisfação das necessidades de serviços postais das populações não pode, em tese, deixar de reconhecer-se aos cidadãos destinatários dos serviços de aceitação e distribuição postal concessionados o direito a serem indemnizados, nos termos gerais, quando do cumprimento defeituoso ou do incumprimento das obrigações decorrentes da concessão resulte violação dos seus direitos.  »[3]
Finalmente, tendo o Autor faltado à convocatória do Centro de Emprego, por desconhecer a convocatória enviada, foi-lhe retirado o benefício social mensal que recebia, verificando-se, pois, nexo de causalidade entre a conduta omissiva da Ré e os danos.  
Resta a questão jacente - tendo a Ré encarregue outra empresa na distribuição do correio na zona, é responsável pelos actos danosos causados ao Autor?    
A responsabilidade civil, tradicionalmente considerada como instituto reparador de danos causados por alguém a outrem, tem na origem uma matriz de natureza subjectiva, existindo, porém, situações em que aquela responsabilidade deriva de facto praticado por terceiro.  
De harmonia com o disposto no artigo 165º do Código Civil “As pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários”.
Por seu turno, a situação entre a Ré e a empresa em causa configura uma relação entre comissário e comitente, tornando, pois, aplicável o disposto no artigo 500º, nº1, do Código Civil - “aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar”.
Entendendo-se a noção de comissão com conteúdo mais amplo da noção vertida pelo legislador comercial no artigo 266º do Código Comercial.
Como explica Nuno Morais «Desta redacção resulta imediatamente que o comitente é considerado responsável por factos que não cometeu, ao que acresce, que essa imputação é efectiva ainda que o comitente não tenha tido qualquer culpa pelos danos verificados na esfera de um terceiro lesado — trata-se verdadeiramente de um caso de responsabilidade por facto alheio. Neste sentido, pode-se dizer que o responsável — o comitente — responde pela violação culposa pelo comissário de um dever que existe na esfera deste e que nada tem que ver os deveres do próprio comitente. Aliás, o dever de indemnizar, pode-se dizer, forma-se na esfera do comissário, transferindo-se depois para a pessoa do comitente.»[4]
Para concluir que, no caso judiciando, a  Ré é directamente responsável face ao Autor pelos danos causados na execução negligente do serviço postal, tanto mais que é prestadora de um serviço público com repercussão de relevo social, exigindo-se  maior diligência na escolha a quem entrega a execução da tarefa; sem prejuízo do eventual direito de regresso, a nível das relações internas, sobre a empresa por si encarregue da distribuição de correio na zona, e atento o disposto no nº 3º do artigo 500º do Código Civil.
Uma última nota acerca da pretendida condenação no pedido da Divulgângulo, Ldª.
Na intervenção principal, o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal, ou seja, a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (artigo 312º do CPC), podendo apresentar articulados próprios (artigo 314º do CPC) e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efectuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão (artigo 320º do CPC).
Na intervenção acessória, o terceiro é chamado a assumir na lide uma posição com estatuto de assistente (artigo 323º, nº 1 do CPC) e por isso a sua intervenção circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento (artigo 321º, nº 2 do CPC) e, a sentença final não aprecia a acção de regresso, mas constitui caso julgado nas questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, com as limitações do artigo 332º do CPC (artigo 323º, nº 3 do CPC).
Nos autos, a Ré Apelante requereu a intervenção provocada da referida empresa, mas o tribunal convolou o incidente, admitindo a sua intervenção com o estatuto de assistente da Ré, conforme oportuna decisão transitada em julgado.
Daí que, a intervenção acessória com os efeitos circunscritos e previstos no artigo 323º do Código de Processo Civil, não permitiria, a sua condenação no pedido, como argumentou a Apelante.       
Nesta conformidade, soçobram integralmente as conclusões da Apelante.   

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes em negar provimento ao recurso da Ré, confirmando-se o julgado de primeira instância.
As custas são a cargo da Apelante.

Lisboa, 22.11.2022
Isabel Salgado
Conceição Saavedra
Cristina Coelho

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[1] Nesse sentido vem propugnando o Supremo Tribunal de Justiça, como no recente aresto de 25-10-2022, Revista n.º 721/18.1T8BRG.G2. S1 - 1.ª Secção in Sumários dos Acórdãos das Secções Cíveis – outubro 2022 disponível na página www.stj. 
[2] Aplicado transitoriamente nos termos do artigo 58º da Lei n.º 17/2012 de 26/04.
[3] Acórdão do TRL de 14.07.2011, proc nº 3370/07.6TJLSB.L1-6 in www.dgsi.pt.
[4] “A responsabilidade objectiva do comitente por facto do comissário”, in Julgar nº6, 2008, pág, 42/43.