Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8959/2005-6
Relator: GIL ROQUE
Descritores: LIVRANÇA
ACORDO DE PREENCHIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: 1- PLANITEL - PLANIFICAÇÃO E CONSULTAS TÉCNICAS, LDª, (E) e mulher, (T), vieram deduzir os presentes Embargos de Executado, por apenso à Execução Ordinária n.° 137/2002, contra eles instaurada por CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, pedindo a sua absolvição do pedido executivo.
Para tal alegaram, em síntese, que a livrança dada à execução foi preenchida contra o pacto de preenchimento, não houve notificação para pagar e, a ter sido correctamente preenchida a livrança, nomeadamente quanto à data de vencimento, que era 26-8-1997, estava prescrita a obrigação cautelar dos Embargantes.
A Embargada contestou, tendo concluído pela improcedência dos Embargos, pois que a livrança se encontra correctamente preenchida, não tendo decorrido o prazo de prescrição.
Ocorreu a Audiência Preliminar, em sede da qual foi saneado o processo, foram seleccionados os Factos já Assentes e os que passaram a integrar a Base Instrutória, além de terem sido indicados os meios de prova.
Teve lugar a audiência final e oportunamente foi proferida sentença na qual foram julgados procedentes por provados os embargos, declarando-se abusivamente preenchida a livrança dada à execução e considerando os Embargos não responsáveis pelo seu pagamento, absolvendo-os do pedido executivo e determinou-se a extinção da execução embargada.
2 – Inconformada com a decisão, dela interpôs recurso a CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, que foi admitido e oportunamente foram apresentadas as alegações e contra alegações, concluindo a apelante em síntese que, há necessidade de ampliação da matéria de facto para esclarecer o pacto de preenchimento da livrança dada à execução e por outro lado sustenta a existir qualquer violação do acordo do seu preenchimento.
Entende ainda que não foi feita, correcta interpretação dos factos e a melhor aplicação do direito, pelo que se mostram violadas, nomeadamente, as normas contidas no artigo 292° do CC., e artigos 2º, nº 2, 46°, n° 1, alínea c), 266°-A, 511°, nº 1, 515º, 818º, nº 4 do C.P.C. e artigos 1º, n°s 2 e 4, 32º, 69º e 70° da LULL, aplicáveis às livranças por forca do seu artigo 77º, pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação, e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida, com as respectivas consequências legais.

- Nas contra alegações, os apelados, pronunciam-se pela improcedência do recurso, com a confirmação da sentença recorrida.
- Corridos os vistos e tudo ponderado cabe apreciar e decidir.
Decisão Texto Integral:    ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA 
  
     I-RELATÓRIO:
    1- PLANITEL - PLANIFICAÇÃO E CONSULTAS TÉCNICAS, LDª, (E) e mulher, (T), vieram deduzir os presentes Embargos de Executado, por apenso à Execução Ordinária n.° 137/2002, contra eles instaurada por CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, pedindo a sua absolvição do pedido executivo.
    Para tal alegaram, em síntese, que a livrança dada à execução foi preenchida contra o pacto de preenchimento, não houve notificação para pagar e, a ter sido correctamente preenchida a livrança, nomeadamente quanto à data de vencimento, que era 26-8-1997, estava prescrita a obrigação cautelar dos Embargantes.
A Embargada contestou, tendo concluído pela improcedência dos Embargos, pois que a livrança se encontra correctamente preenchida, não tendo decorrido o prazo de prescrição.
Ocorreu a Audiência Preliminar, em sede da qual foi saneado o processo, foram seleccionados os Factos já Assentes e os que passaram a integrar a Base Instrutória, além de terem sido indicados os meios de prova.
    Teve lugar a audiência final e oportunamente foi proferida sentença na qual foram julgados procedentes por provados os embargos, declarando-se abusivamente preenchida a livrança dada à execução e considerando os Embargos não responsáveis pelo seu pagamento, absolvendo-os do pedido executivo e determinou-se a extinção da execução embargada.
     2 – Inconformada com a decisão, dela interpôs recurso a CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, que foi admitido e oportunamente foram apresentadas as alegações e contra alegações, concluindo a apelante em síntese que, há necessidade de ampliação da matéria de facto para esclarecer o pacto de preenchimento da livrança dada à execução  e por outro lado sustenta a existir qualquer violação do acordo do seu preenchimento.
   Entende ainda que não foi feita, correcta interpretação dos factos e a melhor aplicação do direito, pelo que se mostram violadas, nomeadamente, as normas contidas no artigo 292° do CC., e artigos 2º, nº 2, 46°, n° 1, alínea c), 266°-A, 511°, nº 1, 515º, 818º, nº 4 do C.P.C. e artigos 1º, n°s 2 e 4, 32º, 69º e 70° da LULL, aplicáveis às livranças por forca do seu artigo 77º,  pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação, e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida, com as respectivas consequências legais.
    - Nas contra alegações, os apelados, pronunciam-se pela improcedência do recurso, com a confirmação da sentença recorrida.
    - Corridos os vistos e tudo ponderado cabe apreciar e decidir.
    II- FUNDAMENTAÇÃO:
    A) Factos provados:
    A matéria de facto provada é a seguinte, que se assinala na parte final de cada número com as letras e números da matéria assente na especificação e base instrutória:
    1- está junta à execução apensa uma livrança da qual consta: ter sido emitida no Porto, a 27-8-1996, ter o seu vencimento a 16-11-2001, ser na importância de Esc. 17.637.498$70, respeitar a operação bancária, ser subscrita por Planitel – Planificação e Consultas Técnicas, Lda, a favor de Caixa Económica Montepio Geral, ser o local de pagamento em Lisboa, C.E.M.G., 183-10-000123-3, tendo no seu verso as assinaturas de (E) e (T), debaixo dos dizeres "por aval à subscritora"; tendo, pelo menos, o montante (em algarismos e por extenso) e as datas sido preenchidos pela Embargada  (al.A));
  2- por contrato subscrito em 27-8-1996, entre a ora Embargada e os aqui Embargantes, aquela abriu um crédito em conta corrente à Ia Embargante (al. B));
2 - pelo prazo de seis meses renováveis, nas condições ali estabelecidas (al.C));
3 - tendo sido entregue nessa data à Embargada uma livrança em branco, subscrita pela 1 a Embargante, avalizada pelos 2°s Embargantes, com a convenção de preenchimento expressa na cláusula 6a do contrato (al.D);
    4- ficando aí consignado que, em caso de incumprimento do contrato, o valor a inscrever na dita livrança seria igual ao valor do saldo devedor na conta-corrente, juros e demais encargos, apurados à data de encerramento da conta que coincidirá, em caso de não renovação, com a data do termo do período contratual e, (al. E));
    5 - conforme consta da cláusula 2ª do dito contrato, na alínea d), o aval foi prestado pelos 2°s Embargantes pelo prazo convencionado para o contrato, isto é seis meses, estando a sua renovação condicionada à apresentação de uma declaração escrita em que estes se obrigavam a manter o aval pelo período da renovação (al. F));
    6 - o conteúdo do documento de fls. 8, 9 e 10, denominado ADICIONAL (al. G));
    7 - o conteúdo do documento de fls. 11 al. H));
    8 - em relação ao contrato subscrito entre Embargada e Embargantes, apenas foi solicitada pelos últimos uma renovação do mesmo, a qual consta do documento de fls. 98 e 99, datado de 23-11997, tendo, simultaneamente, sido solicitado o aumento do montante de crédito para Esc. 15.000.000$00, o que veio a ser formalizado no documento de fls. 46 a 47, denominado "Adicional" - artigo 6° da P. 1. artigo 6° da Contestação (redacção da B. 1.);
    9- a Embargada, após 16-11-2001, ainda lançou a débito da PLANITEL, Lda, várias verbas respeitantes, nomeadamente, a juros, despesas de gestão e despesas de contencioso - artigo 14° da Contestação;
   10-a Embargada enviou aos Embargantes as cartas juntas a fls.30, 31 e 32, nas quais o advogado (AS) informava que o contrato de crédito fora resolvido, por falta de cumprimento das obrigações dele emergentes, que nesse dia (17-10-2001) havia procedido ao encerramento da conta e ao preenchimento da livrança por Esc. 17.637.498$70, a qual poderia ser paga até 16-11-2001, em Lisboa, na Av.5 de Outubro, 146, 5°-artigo16° da Contestação;
   11- é manifesto o lapso constante do documento junto pelos Embargantes sob o n.° 3, que apenas refere o capital mutuado no contrato inicial (7.000 contos), quando o capital em dívida já era, à data, de 15.000 contos, por via do adicional entretanto contratado – art.º 19 da contestação (redacção da Base Instrutória);
   12 – Nem a embargada fez qualquer alteração ao escrito inicial da livrança – artigo 20.º da contestação.

    B) Direito aplicável:
    A apelante manifesta a sua discordância da decisão recorrida, através das alegações, sintetizadas nas conclusões que delas tira. Sabendo-se que o objecto do recurso é balizado pelas conclusões, como resulta do disposto nos art.º 684º nº3 e 690º nºs 1 e 4 do Cód. Proc. Civil e vem sendo orientação da jurisprudência[1], a elas nos cingiremos na sua apreciação, não obstante todas elas se possam enquadrar em duas questões essenciais:
   A necessidade de ampliação da matéria de facto e a existência de violação ou não do acordo de preenchimento da livrança dada à execução.
   1- Quanto à ampliação da matéria de facto sugerida pela apelante e que consistiria na inclusão na matéria assente da cláusula 6.ª do contrato que serviu de base ao empréstimo, entendemos que esta clausula já faz parte da matéria de facto, como ressalta da alínea D) da especificação (facto provado n.º 3).
   Verifica-se assim, que o objecto do recurso, está na interpretação da cláusula 6.ª que espelha o acordo firmado entre as partes no que respeita ao modo como a embargada, aqui apelante, devia preencher a livrança que lhe foi entregue em branco, para garantia dos empréstimos em causa.
Desde já se adianta que a questão não está, a nosso ver, no valor aposto na livrança. Se assim fosse, não teríamos dúvidas de que haveria que considerar, o valor do capital, acrescido dos juros e encargos, havendo apenas redução do negócio, nos termos do disposto no art.º 292.º do Código Civil, como vem sendo orientação dominante da jurisprudência, nos casos em que se verifica o abuso do preenchimento das letras ou livranças em branco, quanto ao montante em dívida, com manifesta violação do acordo ou pacto de preenchimento. Nessa perspectiva, estariam certas as asserções da embargante constantes das 3.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª conclusões, que tira das suas alegações.
A questão essencial em apreciação, assenta antes na data do preenchimento da livrança e da sua apresentação a pagamento. Está em saber, se por força do acordo do preenchimento celebrado entre as partes e contido na referida cláusula a apelante devia ou não ter preenchido a livrança, título que lhe havia sido entregue em branco, com data, até 26 de Agosto de 1997 ou se o podia preenchê-la, quando “o julgasse oportuno e o entendesse por conveniente”, como sustenta nas conclusões (Conclusões n.ºs 9ª e 10ª).
Transcrevemos, para uma melhor apreciação dessa questão, a cláusula 6.ª do contrato subscrito pelos embargantes e embargada que contém o acordo de preenchimento da livrança:
1. Em caso de incumprimento do contrato, a CEMG e a PARTE DEVEDORA acordam expressamente que as obrigações desta última serão substituídas, mediante novação, por uma obrigação cambiária constante de uma livrança em branco a qual neste acto é entregue à CEM, subscrita pela PARTE DEVEDORA e avalizada pessoalmente pelos SEGUNDOS OUTORGANTES.
    2. A livrança será oportunamente preenchida quando a CEMG o entender, com juros e demais encargos, apurados na data do encerramento da conta que coincidirá, em caso de não renovação, com a data do termo do período contratual, acrescido de todos e quaisquer encargos de natureza fiscal.
    3. A livrança é domiciliada em Lisboa e é pagável no trigésimo dia contado da data do encerramento da conta.    
    4. A CEMG poderá acrescentar ao valor da livrança o montante de juros contados, à taxa nominal anual, desde a data do vencimento da conta até ao vencimento da livrança, e esta vencerá juros à taxa legal.
    5. OS SEGUNDOS OUTORGANTES, acordam expressamente avalizar a referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma nos termos da presente cláusula.”
   A cláusula transcrita, integra como é evidente uma declaração negocial, devendo a sua interpretação assentar na “teoria da impressão do declaratário”(art.º 236.º n.º1 do Cód.Civil) que consubstancia uma interpretação objectivista. Com base nesse critério, deve considerar-se que o declaratário valendo-se das circunstâncias que conheça ou deva conhecer – um declaratário normal colocado na posição do real declaratário teria conhecido segundo a boa fé – determinar a vontade real do declarante. Daí que, se for de admitir que, comportando-se como um declaratário normal, colocado na sua concreta situação, teria conhecido a vontade efectiva do declarante, a declaração deva valer com o sentido querido por este.
    Assim, nesta perspectiva, parece-nos que, aquilo que resulta com alguma clareza da conjugação do disposto no n.º2 com o n.º3 da cláusula 6.º do contrato em apreciação, é a de saber como deve ser entendida a possibilidade da CEMG, preencher a livrança. Qual o sentido da expressão, “quando entendesse”. Se deve considerar-se como localizada ou , sem localização no tempo, ou seja … na data do encerramento da conta que coincidirá, em caso de não renovação, com a data do termo do período contratual”  e que o valor apurado e nela aposto, teria de ser pago, ou antes, “é pagável no trigésimo dia contado da data do encerramento da conta”.
   Aquela expressão, “quando entendesse”, mostra-se, como resulta da conjugação dos n.ºs 2  3 da referida cláusula, limitada no tempo, pela imposição contratual de o fazer, até ao fim c contrato acrescido das eventuais renovações requeridas e aceites pela exequente.
   Assim, em nosso entender, a interpretação da cláusula 6.ª que contém o acordo de preenchimento da livrança, não poderá ser outro que não fosse no sentido de que o preenchimento da livrança estava delimitado no tempo pelo acordo do seu preenchimento, e que por ter havido apenas uma única renovação do contrato, levada a efeito nos termos da cláusula 2.ª, a livrança deveria ter sido preenchida efectivamente até ao dia 28/09/1997 (factos provados n.ºs 5 ,6,7 e 8).
   Aceita-se como certo, que em casos de preenchimento abusivo parcial duma livrança, o subscritor continua a responder na medida da responsabilidade apurada, como se decidiu no Acórdão do STJ de 9/11/1999 [2] , e defende a apelante na página 151 das alegações.
Porém, no caso em apreciação, como se deixou dito, o que está essencialmente em causa não é  valor, nem uma invalidade parcial do título, mas o preenchimento abusivo e inválido no que respeita à data em foi e em que devia ter sido preenchida a livrança, ou seja,  em data, posterior à estipulada. O que está em causa é da data do preenchimento em que o título foi dado à execução, (13-09-2002).
    Sendo assim, face ao preceituado no art.º 70.º, aplicável por força do disposto no artigo 77.º da LULL, na data em que foi exigido o pagamento do valor da livrança já ela estava prescrita, uma vez que a parte falsificada e abusivamente preenchida, violando o acordo de preenchimento constante da aludida cláusula 6.ª, é além do mais, com de resto é salientado na parte final da sentença recorrida, a data do seu preenchimento.
    Tal facto, torna a livrança total e não parcialmente ineficaz, pelo que os embargos não podem deixar de proceder na sua totalidade, como se decidiu no tribunal recorrido.

    III- DECISÃO:
    Em face de todo o circunstancialismo descrito, nega-se provimento ao recurso e em consequência, confirma-se a decisão recorrida. 
    Custas pela agravante.    

                Lisboa, 10 de Novembro de 2005.

                Gil Roque
                Arlindo Rocha
                Carlos Valverde
_____________________________________________________
[1]  - Vejam-se entre outros os Acs. STJ. de 2/12/82, 25/07/86, 3/03/91, 29/05/91 e 4/02/93, do STA de 26/04/88 (in BMJ, n.º 322º- 315, 359º-522, 385º- 541, Acórd.Doutrin.364-545, Col.Jur./STJ,1993, 1º-140 e Ac.Dout.,322 -1267 respectivamente).
[2] - I- O preenchimento do título cambiário em branco com violação do pacto de preenchimento configura uma falsidade material, determinante da perda de eficácia probatória do documento no que respeita à parte falsificada. II – Demonstrando-se, em embargos de executado, apenas o preenchimento abusivo parcial da livrança, o subscritor continua a responder na medida da responsabilidade apurada. (Col. Jur.1999, Tomo III, pag.84)