Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1079/16.9YRLSB-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: DECISÃO ARBITRAL
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: ACÇÃO DE ANULAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: No quadro do disposto no art. 46.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, (Lei da Arbitragem Voluntária – LAV) estamos perante um pedido de intervenção que clama pela avaliação de requisitos que não se reportam ao fundo do litígio mas a patamares formais, à tutela de princípios estruturantes ou a controlos relativos ao travejamento do sistema jurídico-constitucional vigente.

Não nos situamos, seguramente, perante um quadro de impugnação perante os Tribunais comuns de decisão arbitral assente nas razões de não conformação comummente subjacentes aos recursos. A reacção, aqui, é de sentido estrito, focado e localizado, atendendo à necessidade de garantir que a «justiça arbitral» se conforma com os grandes princípios enformadores do sistema.

Neste contexto restrito, é insofismável que a violação do princípio da fundamentação se assume como causa susceptível de ferir de morte a decisão – tal resulta da conjugação do estabelecido no ponto vi. da al. a) do n.º 3 do art. 46.º com o estatuído no n.º 3 do art. 42.º ambos da LAV.

A fundamentação é, para além dos bem conhecidos motivos que sustentam a necessidade de gerar hetero-convencimento, um percurso de auto-justificação que permite ao julgador assegurar-se da bondade do caminho escolhido, afastar-se de sendas que não logrem apresentar-se, na sua linha de raciocínio, como válidas e, sobretudo, emendar a mão durante o processo de construção do juízo.

Apesar da menor exigência da fundamentação quando confrontados com decisões arbitrais – assumida, designadamente, atendendo à proveniência profissional dos árbitros, tipo de formação dos mesmos e eventual menor experiência ao nível do acto de julgar, particularmente no contexto da concretização das regras de Direito adjectivo e exercício do múnus de dizer a Justiça – não é dispensável, havendo matéria de facto impugnada, a precisa e convincente indicação dos meios de prova e das razões de convencimento em que se esteie a decisão incidente sobre a mesma.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:

                   
J. ... LDA., com os sinais identificativos constantes dos autos,  instaurou «acção arbitral»  contra A... S.A., S... SGPS, S.A., e G... SGPS, S.A., todos aí melhor identificados, por intermédio da qual solicitou a condenação das Demandadas na devolução e pagamento de quantias pecuniárias e juros. Alegou, em tal âmbito, que: no quadro de "Aditamento e Revogação do Contrato de Distribuição" concluído em 13.12.2011, comprometeu-se a realizar diversos pagamentos à 1.ª Requerida com o objectivo de a compensar pelos custos de reestruturação em que teria de incorrer em virtude da cessação antecipada do contrato de distribuição exclusiva celebrado em 20.12.2007; comprometeu-se, nomeadamente, a facultar à 1.ª Requerida os montantes de que esta carecia para fazer face às indemnizações que teria de pagar aos trabalhadores que, nessa reestruturação, deveriam ser despedidos e que surgiam nominalmente indicados num anexo ao mencionado "Aditamento (...)”, prevendo-se, inclusive, o montante máximo a que poderia ascender essa compensação, que correspondia ao somatório das indemnizações estimadas no referido anexo; previa-se, igualmente, que, caso qualquer desses trabalhadores fosse "cedido" à Requerente, o valor da indemnização que competiria a esse trabalhador fosse descontado ao referido montante "máximo"; tal prestação foi realizada no pressuposto de que a mesma visava a obtenção de um resultado concreto, especificamente acordado entre as partes; ao não dispensar os trabalhadores em causa e ao reter para si o pagamento feito pela Requerente, a 1.ª Requerida obteve um enriquecimento ilegítimo dado que não se realizou o fim que, por estipulação das partes, era visado com a prestação efectuada pela Requerente, razão pela qual a compensação efectuada pela 1.ª Requerida, com o valor da dívida à Requerente, não tem, também ela, qualquer fundamento legal ou contratual pois, não existindo as dívidas que essas notas de débito pretendem documentar, não poderia a 1.ª Requerida descontar o respectivo montante do crédito que a Requerente mantinha (e ainda mantém) sobre ela; a 1.ª Requerida deve à Requerente os montantes titulados por essas notas de débito, o mesmo se passando com parte do valor da Nota de Débito n.° 90000183, emitida pela 1.ª Requerida em 31.10.2011, dado que a Requerente nunca aprovou – como era contratualmente devido – os custos promocionais que nela surgem identificados como "Natal - Ilhas Multimarca", "Natal - Logística e outros materiais" e "Routing Lojas Pingo Doce", pelo que tais custos não podiam ser-lhe imputados; através do "Contrato de Compra e Venda de Acções e Revogação Parcial de Acordo Parassocial" de 13.12.2011, a que ficou anexo o "Aditamento e Revogação do Contrato de Distribuição", as 2.ª e 3.ª Requeridas assumiram a obrigação de não consentir que os órgãos sociais da 1.ª Requerida discutissem e aprovassem deliberação destinada a instaurar qualquer acção de indemnização contra a Requerente com fundamento na violação do Contrato de Distribuição concluído entre a Requerente e a 1.ª Requerida em 20.12.2007; ao assumirem semelhante obrigação, as 2.ª e 3.ª Requeridas fizeram-se responsáveis pelo comportamento adoptado pela 1.ª Requerida no que respeita às consequências que esta pretendesse retirar de qualquer incumprimento desse Contrato de Distribuição, pretensamente perpetrado pela Requerente em data anterior à da assinatura do "Contrato de Compra e Venda de Acções e Revogação Parcial de Acordo Parassocial"; a 1.ª Requerida, ao pretender imputar à Requerente as penalizações logísticas que, alegadamente, lhe foram impostas por clientes seus por supostas quebras de fornecimentos de "Licor Beirão" ocorridas em data anterior à da assinatura do referido Contrato, desrespeitou o compromisso que as 2.ª e 3.ª Requeridas assumiram perante si devendo, por isso, compensar a Requerente pelo valor que, a esse título, a 1.ª Requerida lhe debitou, caso esta última não queira ou não possa efectuar a respectiva liquidação.

A... (…) e  G... (…) contestaram a acção e deduziram pedido reconvencional tendo concluído pela respectiva improcedência, com excepção de parte do pedido abrangido por erros de escrita cometidos nas notas de lançamento,  peticionando que, caso se considerasse procedente a pretensão formulada na al. d) do pedido, fosse a Autora condenada a pagar à 1.ª Ré quantia pecuniária composta por capital e juros. Em tal sede, impugnaram factos e referiram, com vista a sustentar a reconvenção, que: nos termos da cláusula 5.ª, números 4, 5 e 6, do "Aditamento e Revogação de Contrato de Distribuição", a Autora obrigou-se a pagar o valor de "uma compensação no valor máximo de € 80.000,00"; porém, como resulta dos autos, a Demandante apenas emitiu a Nota de Crédito n.º 336, no montante de € 2.130,39, relativa às indemnizações pela cessação antecipada dos contratos relativos aos três veículos Opel Corsa indicados no Anexo VII, não se tendo verificado, no prazo contratualmente fixado, "a formalização" da cessão da posição contratual a seu favor dos contratos de locação relativos aos restantes veículos, pelo que deve ser condenada a pagar à 1.ª Ré o montante correspondente à diferença entre o valor máximo de € 80.000,00 e o valor "constante de € 1.732,00 (sem IVA) indicado na Nota de Crédito, correspondente a € 78.268,00, a que acresce IVA à taxa legal em vigor; sobre este valor, incidem juros de mora a contar desde 03.01.2012 até integral pagamento.

Foi proferida decisão arbitral com  o seguinte conteúdo:

Tudo visto e ponderado, decide o Tribunal: 

a)- face aos pedidos formulados pela Demandante:
1. Julgar parcialmente procedente o pedido de condenação da 1.ª Demandada na devolução das quantias creditadas pela Demandante à 1.ª Demandada através das notas de crédito n°s 335 e 344, com fundamento em enriquecimento sem causa, no montante de 432.795,40 €, acrescido dos juros vencidos e vincendos, calculados por referência ao período compreendido entre a data da notificação à 1.ª Demandada do requerimento desta arbitragem e a data do efectivo e integral pagamento;
2. Julgar improcedente o pedido de condenação da 1.ª Demandada na devolução da quantia creditada pela Demandante à 1.ª Demandada através da nota de crédito n.° 334, no valor de 43.050,00 , acrescida de juros de mora;
3. Julgar improcedente o pedido de condenação da 1.ª Demandada na devolução à Demandante da quantia de 100.000,00 €, e respectivos juros de mora, que a 1ª Demandada compensou com parte da dívida que mantinha para com a Demandante, a título de pagamento pela exoneração da responsabilidade assumida pela Demandante perante instituições de crédito;
4. Julgar improcedente o pedido de condenação da 1ª Demandada na devolução à Demandante da quantia de 7.398.83 €, e respectivos juros de mora, correspondente à nota de lançamento n.° 90000226 da A..., que a 1.a Demandada compensou com parte da dívida que mantinha para com a Demandante, a título de gastos com renting de viaturas;
5. Julgar procedente o pedido de condenação da 1ª Demandada na devolução à Demandante da quantia de 145.414,86 €, e respectivos juros de mora vencidos até 15-02-2015 e dos que se vencerem entre esta data e a data do efectivo pagamento, correspondente à nota de lançamento n.° 90000227 da A..., que a 1.ª Demandada compensou com parte da dívida que mantinha para com a Demandante, a título de penalizações logísticas;
6. Julgar improcedente o pedido de condenação da 1.ª Demandada na devolução à Demandante da quantia de 30.291,77 €, e respectivos juros de mora, correspondente a uma parcela da nota de lançamento n.° 90000233 da A..., que a 1.ª Demandada compensou com parte da dívida que mantinha para com a Demandante, a título de BOI Trade marketing do 4º trimestre de 2011;
7. Julgar procedente o pedido de condenação da 1.ª Demandada na devolução à Demandante da quantia de 5.275,05 €, e respectivos juros de mora vencidos até 15-02-2015 e dos que se vencerem entre esta data e a data do efectivo pagamento, correspondente a uma parcela da nota de lançamento n.° 90000233 da A..., que a 1ª Demandada compensou com parte da dívida que mantinha para com a Demandante, a título de BOI Trade marketing do 1º trimestre de 2012;
8. Julgar improcedente o pedido de condenação da 1ª Demandada na devolução à Demandante da quantia de 28.520,01 €, e respectivos juros de mora, correspondente à parte da nota de débito n.° 90000183 que a Demandante questiona no que a título de acções de Natal e de routing das lojas Pingo Doce respeita (constitui o Anexo IV ao “ Contrato de Compra e Venda de Acções e Revogação Parcial de Acordo Parassocial” ), valor que a 1.ª Demandada compensou com parte da dívida que mantinha para com a Demandante;
9. Julgar improcedente o pedido de condenação das 2.ª e 3.ª Demandadas a pagar à Demandante a quantia de 145.414,86 €, e respectivos juros de mora, correspondente ao valor da nota de lançamento n.° 90000227 da A..., que a 1.ª Demandada compensou com parte da dívida que mantinha para com a Demandante, a título de penalizações logísticas;
10. Condenar a 1ª Demandada no pagamento de 220,00 €, e respectivos juros de mora desde a data do débito até ao efectivo e integral pagamento, valor de que a 1ª Demandada se confessa devedora, decorrente dos erros materiais verificados nas notas de lançamento n.°s 90000227 e 90000183;
11. Julgar improcedente o pedido de condenação das Demandadas no pagamento dos encargos com os mandatários da Demandante.
b)- face ao pedido formulado pela Demandada
Julgar prejudicado o pedido subsidiário, pois o Tribunal considerou improcedente o pedido de condenação da 1.ª Demandada na devolução à Demandante da quantia de 7.398.83 €, e respectivos juros de mora, correspondente à nota de lançamento n.° 90000226 da A..., que a 1.ª Demandada compensou com parte da divida que mantinha para com a Demandante, a título de gastos com renting de viaturas.

Na sequência da prolação dessa decisão, A... S.A., veio intentar neste Tribunal «acção de anulação do acórdão arbitral» tendo peticionado:
Pelo exposto deverá a presente ação ser julgada procedente, e em conformidade anular-se o Acórdão Arbitra proferido, na parte em que a aqui Autora foi condenada a restituir à aqui Ré, o montante de € 351.866,18, acrescido de € 80.929,22 a título de IVA (no total de € 432.795,40), bem como nos juros vencidos desde o requerimento da arbitragem.

Para o efeito, alegou que: a decisão arbitral mostra-se viciada por ausência de fundamentação já que não enunciou os factos provados que permitiram formar a convicção do Tribunal «quanto à atribuição à Cláusula 5ª do Contrato», do sentido  objectivo indicado; tal decisão não distinguiu matéria de facto e de Direito, não apontou o julgamento da matéria de facto e respectiva fundamentação resultante dos depoimentos prestados em audiência; não contém a mesma, por referência concreta a cada «Tema da prova», a enunciação dos factos provados (e respectiva fundamentação) e não provados; não se encontra, aí, a enunciação dos factos provados (e naturalmente os respetivos meios de prova) que permitiram concluir que, atentas as «limitações da boa fé», o tempo decorrido até à data do julgamento deveria ter-se como «período razoável para a apreciação das condições de aplicação da cláusula»; da mesma forma, não se encontra na decisão criticada a enunciação dos factos provados (e respetivos meios de prova) que permitiram concluir pela existência de um enriquecimento sem causa (a vantagem patrimonial e o empobrecimento respetivo); a referida decisão não inclui a enunciação da base legal que fundamentou a conclusão do tribunal no sentido da existência de um enriquecimento sem causa; não se encontra aí qualquer referência aos requisitos unanimemente apontados como necessários à aplicação deste instituto; a questão referente à ausência da fixação, por acordo, de prazo para a verificação da suposta condição de aplicação da cláusula indicada não integra a causa de pedir e, logo, não podia fazer parte do objecto a decidir pelo tribunal arbitral.

J.... LDA. opôs-se ao pedido concluindo:
a)- Deve a presente acção ser considerada totalmente improcedente e, em consequência, deve a Requerida ser absolvida do pedido, por não se verificar, no caso dos autos, qualquer dos fundamentos de anulação invocados pela Requerente (…)
Para atingir tal conclusão, patenteou distinta leitura dos factos processuais e diverso entendimento quanto às regras jurídicas de subsunção, louvando-se na doutrina e jurisprudência invocada no requerimento de oposição.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

São as seguintes as questões a avaliar:
1.A decisão arbitral cuja validade se questionou nos presentes autos mostra-se viciada por falta de fundamentação de facto e/ou de Direito nos termos apontados no requerimento inicial da presente acção?
2.Tal decisão deve ser anulada com fundamento na violação do princípio do dispositivo, nos termos apontados na petição que gerou esta acção?

II.FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.
Relevam, na presente sede lógica desta decisão, os factos processuais acima enunciados remetendo-se, quanto à estrutura e conteúdo da decisão arbitral posta em crise e da decisão de esclarecimento versando sobre a mesma, para o que consta da «certidão» de fls. 41 a 93, aqui dada como integralmente reproduzida. 

Fundamentação de Direito
1.A decisão arbitral cuja validade se questionou nos presentes autos mostra-se viciada por falta de fundamentação de facto e/ou de Direito nos termos apontados no requerimento inicial da presente acção?
Apesar da intensa animosidade patenteada nos articulados que elevou a efectiva litigiosidade a níveis menos proporcionados à complexidade técnica do debate e sua efectiva afirmação nos autos, as questões a solucionar não assumem particular dificuldade, atento o carácter flagrante das soluções que se impõem.
Estamos perante um pedido de intervenção que clama pela avaliação de requisitos que não se reportam ao fundo do litígio mas a patamares formais, à tutela de princípios estruturantes ou a controlos relativos ao travejamento do sistema jurídico-constitucional vigente. Tal resulta, de forma flagrante, do disposto no n.º 3 do  art. 46.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, Lei da Arbitragem Voluntária (doravante também mencionada como LAV).
Não nos situamos, pois, seguramente, perante um quadro de impugnação perante os Tribunais comuns de decisão arbitral assente nas razões de não conformação comummente subjacentes aos recursos. A reacção, aqui, é de sentido estrito, focado e localizado, atendendo à necessidade de garantir que a «justiça arbitral» se conforme com os grandes princípios enformadores do sistema. Tal emerge, com total nitidez, do estabelecido no n.º 1 daquele artigo.
Neste contexto restrito, é insofismável que a violação do princípio da fundamentação se assume como causa susceptível de ferir de morte a decisão – tal resulta da conjugação do estabelecido no ponto vi. da al. a) do n.º 3 do  art. 46.º com o estatuído no n.º 3 do  art. 42.º ambos da LAV, sendo que não se patenteia, no caso em apreço, ter ocorrido dispensa da exigência legal ou estarmos perante decisão proferida com base em acordo das partes nos termos do disposto no artigo 41.º do mesmo encadeado normativo.
Quanto às razões justificativas da imposição do dever de fundamentar – cuja indicação se torna quase ociosa face ao carácter cogente da norma – valem as razões indicadas nos autos por reporte a referências jurisprudenciais e doutrinais adequadas, às quais não se pode, no entanto, deixar de aditar um outro esteio, face à sua extrema relevância: a fundamentação é, para além dos bem conhecidos e apontados motivos que sustentam a necessidade de gerar hetero-convencimento, um percurso de auto-justificação que permite ao julgador assegurar-se da bondade do caminho escolhido, afastar-se de sendas que não logrem apresentar-se, na sua linha de raciocínio, como válidas e, sobretudo, emendar a mão durante o processo de construção do juízo. A decisão majestática, o comentário primário, imediatista e precipitado, a conclusão não construída em segmentos ou degraus justificativos sempre conduziram não só ao erro e ao mau juízo mas também, e particularmente, à auto-suficiência sem progressão, sempre condenada a gerar estagnação intelectual e profissional.

Mostram-se sufragáveis, também, pela sua justeza e conformidade com o Direito constituído, as afirmações feitas nos arestos jurisprudenciais invocados, a este respeito, na oposição ao pedido. Relevam, pois, as seguintes conclusões neles vertidas, com o seguinte teor:
«II. O preciso âmbito do dever de fundamentação, no que toca à decisão proferida em sede de matéria de facto, tem de atender, em termos funcionalmente adequados, às particularidades relevantes da concreta situação litigiosa, cumprindo verificar se os alegados vícios / nulidades  têm, no caso concreto, a relevância substancial susceptível de determinar – atenta a sua influência decisiva na composição do litígio - o gravoso efeito pretendido, traduzido  na anulação do acórdão arbitral.
III. Num litígio em que os factos essenciais alegados como causa de pedir são factos plenamente provados por documento, não tendo sido produzida prova sujeita a livre apreciação do tribunal, deve considerar-se suficientemente fundamentado o acórdão arbitral quando – apesar de, na sua estrutura lógico argumentativa, se não ter autonomizado formalmente um capítulo em que se enunciam os factos considerados provados e não provados – se tomou posição clara e perfeitamente inteligível sobre a questão da existência e significado dos factos essenciais articulados pelo A., valorados segundo regras ou máximas de experiência, apreciando ainda as objecções fundamentalmente deduzidas pelo R. na contestação que apresentou. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça; Processo: 660/15.8YRLSB.L1.S1; Relator: Juiz Conselheiro LOPES REGO; data: 22-09-2016, in http://www.dgsi.pt)

A medida da fundamentação necessária para assegurar a validade de uma decisão, ou obstar à verificação do vício de falta de fundamentação, varia de caso para caso, afigurando-se que deve ser a necessária e adequada à compreensão do litígio e da decisão proferida. Sabendo-se que as meras insuficiências de fundamentação de facto não são fundamento de anulação.

Para além deste princípio geral, julga-se que a fundamentação de facto de determinada decisão jurisdicional não obedece a um modelo obrigatório, nem a forma legal, sendo apenas relevante que cada decisão especifique, de forma inteligível, a matéria de facto em que se funda.

A indicação de meios de prova só se torna necessária no caso de se pretender fixar matéria de facto impugnada.

A desconsideração de alguns factos, que não foram julgados provados nem não provados, não releva enquanto fundamento do pedido de anulação da decisão arbitral. Essa desconsideração apenas é suscetível de configurar uma situação de insuficiência de fundamentação, que não é fundamento de anulabilidade.

Os efeitos do caso julgado formado por uma decisão arbitral são idênticos aos produzidos pelas decisões dos tribunais estaduais. Incluindo portanto a norma do referido art. 621.º do CPC, que integra a definição desses efeitos.

Uma decisão jurisdicional transitada em julgado pode ser modificada se os factos em que assentou sofrerem alteração relevante posterior, designadamente, deixando de se verificar. O trânsito em julgado da decisão não tem a virtualidade de conformar a realidade ao que nela foi pressuposto (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa; Processo: 660/15.8YRLSB-2; Relator: Juiz Desembargador FARINHA ALVES; data : 28-01-2016, ibidem).

Este último acórdão, justamente, conduz-nos a um domínio de grande relevo para a presente decisão: apesar da menor exigência da fundamentação quando confrontados com decisões arbitrais – assumida, designadamente, atendendo à proveniência profissional dos árbitros, tipo de formação dos mesmos e sua eventual menor experiência ao nível do acto de julgar, particularmente no contexto da concretização das regras de Direito adjectivo e exercício do múnus de dizer a Justiça – não é dispensável, havendo matéria de facto impugnada, a precisa e convincente indicação dos meios de prova e das razões de convencimento em que se esteie a decisão incidente sobre a mesma. Com efeito, a derrogação do disposto no n.º 4 do  art. 607.º do Código de Processo Civil ou o seu aligeiramento gerador de esvaziamento de sentido sempre conduziriam à ausência de convencimento, à omissão de fornecimento de elementos para uma eventual impugnação perante instância superior e à descredibilização do acto de administrar Justiça, tornando a intervenção arbitral num arremedo de acto decisório desprovido de auto-validação e de razões de construção de autoridade aos olhos dos cidadãos.

A este nível, dando como irrelevante a menor ortodoxia da estruturação da decisão criticada – assente num tratamento compartimentado e isolado das questões, com a criação de «micro-universos» de relato, indicação fáctica e decisórios – o que temos é que centrar a nossa atenção na existência ou ausência de explicação da razão de cristalização de cada um dos elementos de facto impugnados, ou seja, na terminologia utilizada pelo legislador, no controlo da organização de um discurso justificativo que patenteie a análise critica das provas, as ilações retiradas de factos instrumentais bem como os «demais fundamentos» «decisivos» para a formação da «convicção» do órgão investido em funções jurisdicionais (vd. a norma invocada no parágrafo anterior).

Aqui chegados e versando já sobre o concretamente lançado na decisão cuja anulação se pretende, temos que os factos a) a g) de fl. 64 (página 45 da decisão) apenas receberam como fundamentação a menção «em face da prova produzida». Estamos, neste âmbito, muito aquém de qualquer explicação que apele à razão, ao convencimento e à compreensão do leitor e destinatário. O dito é igual a nada porque nada significa ou esclarece.

No ponto B5 (pág. 52 da decisão) não há autonomização da fixação fáctica. Existe, no entanto, alguma fundamentação o que afasta o bloco lógico da total ausência de fundamentação visada na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do Código referenciado. O mesmo comentário vale quanto aos ponto C5 (pág. 61), D-5 (págs. 66 a 68).

Porém, de novo, já o primeiro parágrafo do ponto E 2.4 (na pág. 81) não recebeu qualquer fundamentação.

São comuns, na decisão em apreço, a revelação de factos apenas em sede de subsunção, sem a devida autonomização prévia, não sendo a sua indicação simétrica de justificação sistemática e antes surgindo em termos nebulosos e nem sempre apreensíveis, misturados com conclusões e factos não demonstrados (vd., por exemplo, as alíneas c), d) e e) da pág. 45 – fl. 64 dos autos).

Resulta, assim, claro dos autos que a decisão arbitral violou, em termos absolutos e bem patentes, em várias partes do seu texto, o dever de fundamentar o deliberado sobre a matéria de facto.

Preenche-se a previsão da norma referida que se contém no art. 615.º do Código de Processo Civil. É flagrantemente nula a decisão arbitral.

É, pois, positiva a resposta a dar à questão proposta.

2. Tal decisão deve ser anulada com fundamento na violação do princípio do dispositivo, nos termos apontados na petição que gerou esta acção?
A resposta dada à questão anterior torna ociosa a análise da presente que, assim, se deve considerar dispensada.

III.DECISÃO.
Pelo exposto, julgamos a acção procedente e, em consequência, anulamos a decisão criticada.
Custas pela Requerida.

Lisboa, 14.12.2017
Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)
António Manuel Fernandes dos Santos (2.º Adjunto)
Decisão Texto Integral: