Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
218/12.3YHLSB.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: MARCAS
CRITERIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O juízo sobre a confusão entre duas marcas deve ser objectivo, relevando menos as dissemelhanças que ofereçam os diversos pormenores isoladamente considerados do que as semelhanças que resultem do conjunto dos elementos componentes.
2. Nas marcas “B V” e “PORTA DA B” o vocábulo “B” é o elemento nominativo que mais sobressai, sendo o mais apelativo.
3. Para determinada marca se considerar marca de prestígio esta tem de gozar de excepcional notoriedade e atracção e/ou satisfação junto dos consumidores, de modo tão intenso que, dificilmente, e sempre com o risco de depreciação, se a imagina desligada dos produtos ou serviços que assinala ou ligada, simultaneamente, a outros produtos ou serviço.
4. O vinho B V goza de prestígio junto do público consumidor de vinhos, que associa à marca uma imediata e superior avaliação do vinho produzido pela mesma, que a torna rara e especial.
5. O poder apelativo da marca “B V” é grande, o que agrava a confundibilidade no sentido de um consumidor médio se sentir atraído por uma marca semelhante e poder confundi-las, associando-as, podendo ser levado a supor que os produtos em causa provêm da mesma empresa ou eventualmente, de empresas economicamente ligadas.


(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. MA, interpôs recurso do despacho do Sr. Director da Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (no uso de subdelegação de competências do Conselho Directivo), proferido dia …/09/2011 e reiterado a …/04/2012, que recusou o registo da marca nacional n.º … "PB" (verbal).
Alegou, em síntese, que o registo da marca não deveria ser recusado porque a marca “PV” não pode ser considerada uma imitação da marca “BV”, e que esta última não é uma marca de prestígio.
Citada a parte contrária, nos termos do disposto no art. 44º do Código da Propriedade Industrial, veio SV, SA contestar, pedindo a confirmação do despacho recorrido.
Após foi proferida decisão pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, na qual se concedeu provimento ao recurso, revogando-se o despacho proferido pelo Exmo. Senhor Director do Departamento de Marcas e Desenhos ou Modelos do INPI, que indeferiu o pedido de registo da marca nacional n." … "PDB" (verbal), concedendo-se assim protecção à mesma.
Entendeu-se, além do mais, na sentença recorrida que:
“(…)
No caso em apreço, as marcas em confronto têm em comum o vocábulo "B" sendo diversas nos restantes elementos que as compõe, não sendo aquele um elemento dominante.
Fonética e graficamente as marcas em confronto são diversas, pronunciam-se de modo diverso e escrevem-se de modo diverso.
Conceptualmente têm significados diversos - porta da B não se confunde com B V plasmada na marca prioritária.
Afirme-se a título de curiosidade, e em abono da verdade, que entender que o vocábulo B constituiria um elemento preponderante e aglutinador de qualquer marca conduziria a que as marcas constantes como registadas no sítio do INPI como "Ribeira da B", "Quinta da B", "Nova B", "Cais da B", que fazem apelo àquele vocábulo e se encontram associadas a produtos com afinidade aos das marcas ora em análise, deixasse de poder subsistir por o seu titular não ser a recorrida.
 Ora, estas marcas continuam com validade em território nacional.
Na marca prioritária não é dado qualquer particular ênfase, predominância ou destaque ao vocábulo "B". Analisando as marcas da recorrida, os seus elementos preponderantes ou significantes, que integram o conjunto da sua composição, ou seja, aqueles elementos que, usualmente, o público mais conserva na sua memória, por serem mais facilmente pronunciáveis ou reproduzidos não é o "B" isolado mas ligado ao vocábulo "V".
O que o consumidor médio associa à marca prioritária, até o mais distraído, não é o "B" isolado, mas sim a composição "B V", que lhe confere de forma decisiva o traço distintivo e diferenciador, imprimindo à marca um carácter de requinte pretendido que sem a composição se perde - cf. a propósito de H não constituir o elemento preponderante da marca "Santo H " , o ac. da RL de 03.05.2011, disponível in www.dgsi.pt. o consumidor não pede "um B", mas sim um "B V".
Mais, como vem sublinhado no ac. da RL de 30.04.2009, processo n." 55/05.TYLSB-2, disponível in www.dgsi.pt, a propósito da marca "casa V", «não é crível que o consumidor médio por mais desatento que seja, corra o risco de confundir com facilidade ou de associar, não as distinguindo as marcas registada e registanda, senão depois de exame atento, acrescendo ainda a circunstância, também apontada pela decisão recorrida, de as marcas de vinho em causa se destinarem a consumidores habituais e específicos que as conhecem, nomeadamente a da Apelante [B V], atenta a sua notoriedade».
Este raciocínio é transponível para o caso dos autos. As marcas da recorrida são sobejamente conhecidas, reputando-se os produtos às mesmas associados como "vinhos de excelência", que, naturalmente, não se confundirão com uma nova marca, que não goza da mesma notoriedade nem prestígio. Nem se diga que existe perigo de associação, dada a referida interligação nas marcas da recorrida entre os dois vocábulos que as compõem.
A conclusão diversa se chegaria se a marca registanda consistisse em "Porta da B V", o que não sucede.
Em suma, gráfica, figurativa e foneticamente as marcas em confronto, perspectivadas no seu todo, são diversas sendo identificáveis pelo consumidor médio como diversas - no mesmo sentido, a propósito das marcas "T.." e "T… de Lapela", "R.. Z" e "R. B…", e "G.." e "G.. N..", vide, respetivamente, os acs. da RL de 17.02.2011, de 20.10.2011 e de 21.04.2009, processos os n. 994/07.5TYSB.Ll-8, 393/07. 9TYLSB.L 1-6 e 591/06.2TYLSB.L1-1, disponíveis in www.dgsi.pt.
Por fim, é de sublinhar que para se poder falar em concorrência desleal a marca que a recorrente pretende registar teria de gozar de identidade ou semelhança gráfica ou fonética com a marca já registada.
Ora, concluiu-se supra que tal identidade não existe, que a marca da recorrente, no seu conjunto, composto por um único vocábulo português, não comporta, no seu conjunto, semelhança gráfica e fonética susceptível de induzir em erro o consumidor, mesmo o mais distraído, nem se provou qualquer susceptibilidade de a recorrente praticar actos de concorrência desleal - no mesmo sentido, cf., por todos, o ac. da RL de 04.03.2010, processo n." 1280/08.9TYLSB.Ll-8, disponível in www.dgsi.pt.
Não se verifica, pois, in casu, qualquer situação prevista legalmente para recusar o registo da marca”.
Inconformada, veio SV, SA interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões
(…)
Termina pedindo seja a apelação ser julgada procedente.
          A apelada apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
(…)
Termina pedindo que se negue provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. As questões a decidir resumem-se em apurar:
- se é caso de alterar a matéria de facto provada;
- se a marca “PORTA DA B” constitui uma imitação da marca “B V“;
 - se a marca “B V” é uma marca notória e de prestígio;
- se o registo da marca nacional “PORTA DA B” traduz uma situação de concorrência desleal.
*
III. Do mérito da apelação:

Da questão da impugnação da matéria de facto:
Na apelação a recorrente peticiona que, à matéria de facto provada, se acrescentem os seguintes factos (alegados no artigo 7.° da contestação):
a. «O vinho "B V" é produzido desde 1952, sendo por muitos considerado o melhor vinho de Portugal» (documentos n.ºs 3 a 7).
b. «no semanário "X', de …/11/2004 designa-se o "B V", em título, como «Um emblema da nacionalidade” e, ainda, como sendo «O mais mítico dos vinhos de mesa portugueses». - doc. n.º 3 junto à contestação.
c. «sob o título «Novo "B V" chega esta semana", na edição do jornal "D" de …/03/2006, afirma­-se que «(B V) é o mais famoso tinto português» e «Um diamante polido». - doc. n.º 4 junto à contestação.
d. «a marca "B V" foi incluída pela "S" no estudo «T». – doc. n.º 5 junto à contestação.
e. «ao "B V" foi dedicada a obra intitulada "B V - H”, de …, ed. …, ….» - doc. n.º 6 junto à contestação.
f. «no semanário "X”, de …/06/2012, sob o título «…», escreve-se que «Há vinhos e vinhos. E depois há o B V, um vinho maior que a palavra.» - doc. n.º 7 junto à contestação.
Diz a apelada que os factos alegados no artigo 7° da contestação têm um caracter vago, sendo constituídos por conceitos indeterminados, e que não podem ser considerados provados, com base na documentação apresentada nos autos.
Refere ainda que, ao contrário do que afirma a Recorrente, a aqui Recorrida na realidade impugnou os factos e documentos alegados no artigo 7° da sua contestação (resposta ao recurso), quanto ao alegado prestígio da marca "B V", por requerimento datado de 15 de Novembro de 2012, junto aos presentes autos.
Vejamos.
A requerente do registo da marca não impugnou o alegado no art. 7º, mas sim o articulado no art. 8º, onde se alega que a marca “B V” é uma marca que goza de uma notoriedade excepcional, devendo ser considerada uma marca de prestígio – vide art 3º do requerimento de fls. 422 onde a ora apelada diz que os docs. 3 a 7 são manifestamente insuficientes para fazer prova do alegado prestígio das marcas em apreço.
Por outro lado, os factos articulados no art. 7º e descritos sob as alíneas b) a f) não têm um caracter vago, nem são constituídos por conceitos indeterminado, antes se reportam a factos reais, consistentes na publicação em jornais, revista e livro de escritos que aludem ao vinho “B V”.
Quanto ao facto referenciado sob a al. a), não foi impugnado pela ora apelada ser o vinho "B V" produzido desde 1952, constando essa referência dos artigos publicados.
Quanto à circunstância do mesmo ser considerado por muitos o melhor vinho de Portugal, isso flui do doc. n.º 5.
Com base nestes documentos, os quais não foram impugnados pela ora apelada, consideram-se provados os factos em apreço [elencados sob as alíneas a) a f)].

Outros factos que fluem dos documentos juntos com as alegações e que foram admitidos:
Diz a apelante que o Tribunal a quo violou flagrantemente as regras da prova, incluindo o princípio do contraditório, ao tomar em consideração factos novos, que não foram alegados pelas partes, e sobre os quais não consta nenhuma prova nos autos, ao escrever: «Afirme­-se a título de curiosidade, e em abono da verdade, que entender que o vocábulo B constituiria um elemento preponderante e aglutinador de qualquer marca conduziria a que as marcas constantes como registadas no sítio do INPI como "Ribeira da B", "Quinta da B", "Nova B", "Cais da B", que fazem apelo àquele vocábulo e se encontram associadas a produtos com afinidade aos das marcas ora em análise, deixasse de poder subsistir por o seu titular não ser a recorrida. Ora, estas marcas continuam com validade em território nacional».
Acrescenta não prescindir do direito ao contraditório - tendo junto com as alegações diversos documentos - e que aqueles factos são falsos.

Tendo a apelante, relativamente àqueles factos, exercido o direito ao contraditório, e uma vez que a factualidade descrita na sentença, na parte em referência, não influi no exame ou decisão da causa, pois que a invocada validade em território nacional das marcas Ribeira da B", "Quinta da B", "Nova B" e "Cais da B" não determina a procedência do pedido de registo da marca “PORTA DA B”, verifica-se que a irregularidade cometida não produz qualquer nulidade processual – vide art. 195º, do NCPC.

Por outro lado, pese embora os documentos juntos com as alegações tenham sido impugnados e se desconheça se as respectivas decisões transitaram em julgado, flui dos mesmos que:
- Do teor dos docs. n.ºs 1, 2 e 3, conjugado com o doc. n.º … junto com a resposta ao recurso, resulta que o pedido de registo da marca nacional n.º …, "RIBEIRA DA B", referente à classe 33, foi recusado por despacho do IN.P.I de …/09/2012, com fundamento em imitação das marcas nacionais n.ºs … e …, e na marca comunitária n." …, "B V", da Recorrente.
- Dos docs. n.ºs 4 a 9, conjugado com o doc. n.º 8 junto com a resposta ao recurso, deriva que o pedido de registo da marca "QUINTA DA B", para produtos da classe 33.ª, foi recusado por duas vezes:
- o pedido de registo de marca nacional n.º …, foi recusado por despacho do I.N.P.I de …/03/1997, com fundamento em confusão com a marca nacional n.º …;
- o pedido de registo da marca nacional n.º …, que foi apresentado por MA, foi recusado por sentença do 1.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa de 31/08/2009.
            E que foi concedido o registo da marca "QUINTA DA B" (marca nacional n.º …), para assinalar serviços de "Organização de eventos de carácter desportivo e cultura, organização de casamentos, baptizados e festas, à excepção do serviço de catering", na classe 41.ª.
- Dos docs. 10 a 13 flui que o pedido de registo da marca nacional n.º …, "NOVA B", referente a produtos da classe 33, foi recusado por despacho do IN.P.I de …/07/2001, com fundamento em imitação da 154.372, “B V”.
- Dos docs. 18º a 20º decorre que o pedido de registo da marca nacional n.º …,"CAIS DA B" foi recusado por despacho do IN.P.I de 30/12/2013.

Deste modo, consideram-se ainda provados os seguintes factos:
1. O pedido de registo da marca nacional n.º …, "RIBEIRA DA B", referente à classe 33, foi recusado por despacho do IN.P.I de …/09/2012, com fundamento, precisamente, em imitação das marcas nacionais n.ºs … e …, e na marca comunitária n." …., "B V", da Recorrente.
2. O pedido de registo da marca "QUINTA DA B", para produtos da classe 33.ª, foi recusado por duas vezes:
- o pedido de registo de marca nacional n.º …, foi recusado por despacho do I.N.P.I de …/03/1997, com fundamento em confusão com a marca nacional n.º …;
- o pedido de registo da marca nacional n.º …, que foi apresentado por MA, foi recusado por sentença do 1.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa de 31/08/2009.
3. O pedido de registo da marca "QUINTA DA B" (marca nacional n.º …), foi concedido pelo INPI para assinalar serviços de "Organização de eventos de carácter desportivo e cultura, organização de casamentos, baptizados e festas, à excepção do serviço de catering", na classe 41.ª.
4. O pedido de registo da marca nacional n.º …, "NOVA B", referente a produtos da classe 33, foi recusado por despacho do IN.P.I de …/07/2001, com fundamento em imitação da …, “B V”.
5. O pedido de registo da marca nacional n.º …,"CAIS DA B" foi recusado por despacho do IN.P.I de 30/12/2013.

IV. Em função do decidido, são os seguintes os factos provados:
1. Por despacho de 07 de Setembro de 2011, o Ex.mo Senhor Director do Departamento de Marcas e Desenhos ou Modelos do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Directivo, publicado no Boletim da Propriedade Industrial a 07 de Outubro de 2011, recusou o registo da marca nacional n.º … "PORTA DA B" (verbal), pedido a 29 de Junho de 2010.
2. A mencionada marca foi recusada para assinalar os seguintes produtos - classe 33 da classificação internacional de Nice: «vinhos».
3. A marca é composta pelos vocábulos em letras maiúsculas "PORTA DA B".
4. Não reivindicou cores.
5. Em data anterior à do pedido de registo da marca, encontrava-se já registada a marca nacional n." … e a marca comunitária n.º … "B V", composta pelos vocábulos em letras maiúsculas "B V", sem qualquer reivindicação de cores.
6. Trata-se de marca relativa à classe 3Y da classificação internacional de Nice «vinhos, vinho do Porto, aguardentes e licores», pertencente a S V, S.A..
7. A recusa fundamentou-se em haver afinidade entre os produtos/serviços que se pretende serem associados à marca, havendo perigo de gerar confusão do consumidor em geral.
8. O pedido de registo da marca nacional n.º …, "RIBEIRA DA B", referente à classe 33, foi recusado por despacho do IN.P.I de …/09/2012, com fundamento, precisamente, em imitação das marcas nacionais n.ºs … e …, e na marca comunitária n." …, "B V", da Recorrente.
9.O pedido de registo da marca "QUINTA DA B", para produtos da classe 33.ª, foi recusado por duas vezes:
- o pedido de registo de marca nacional n.º …, foi recusado por despacho do I.N.P.I de …/03/1997, com fundamento em confusão com a marca nacional n.º …;
- o pedido de registo da marca nacional n.º …, que foi apresentado por MA, foi recusado por sentença do 1.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa de 31/08/2009.
10.O pedido de registo da marca "QUINTA DA B" (marca nacional n.º …), foi concedido pelo INPI para assinalar serviços de "Organização de eventos de carácter desportivo e cultura, organização de casamentos, baptizados e festas, à excepção do serviço de catering", na classe 41.ª.
11.O pedido de registo da marca nacional n.º …, "NOVA B", referente a produtos da classe 33, foi recusado por despacho do IN.P.I de 19/07/2001, com fundamento em imitação da …, “B V”.
12.O pedido de registo da marca nacional n.º …,"CAIS DA B" foi recusado por despacho do IN.P.I de …/12/2013.
13. «O vinho "B V" é produzido desde 1952, sendo por muitos considerado o melhor vinho de Portugal.
14. No semanário "X”, de …/11/2004 designa-se o "B V", em título, como «Um emblema da nacionalidade” e, ainda, como sendo «O mais mítico dos vinhos de mesa portugueses».
15. Sob o título «Novo "B V" chega esta semana", na edição do jornal "D" de …/03/2006, afirma­-se que «(B V) é o mais famoso tinto português» e «Um diamante polido».
16. A marca "B V" foi incluída pela "S" no estudo «T».
17. Ao "B V" foi dedicada a obra intitulada "B V - …”, de …, ed. Dom Quixote, 2004.
18. No semanário "X”, de …/06/2012, sob o título «Um vinho maior que a palavra», escreve-se que «Há vinhos e vinhos. E depois há o B V, um vinho maior que a palavra.».


V. Da questão de direito:
A questão suscitada na apelação consiste em saber se a marca nacional “PORTA DA B” constitui uma imitação das marcas comunitária e nacional “B V”.
Estatui o art. 9º, n.º 1, als. a) e b) do Regulamento (CE) n.º 207/2009 do Conselho, de 26/02/2009, que a marca comunitária confere ao seu titular um direito exclusivo, ficando o seu titular habilitado a proibir um terceiro de utilizar, sem o seu consentimento, na vida comercial:
- a) Um sinal idêntico à marca comunitária para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta foi registada;
- b) Um sinal que, pela sua identidade ou semelhança com a marca comunitária e pela identidade ou semelhança dos produtos ou serviços abrangidos pela marca comunitária e pelo sinal, provoque o risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca.
O direito de marcas comunitário não substitui, porém, os direitos de marcas dos Estados-Membros, continuando as marcas nacionais a ser necessárias às empresas que não pretendam que as suas marcas sejam protegidas à escala comunitária.
Ora, prescreve o art. 239º, n.º 1, al. a) do CPI que constitui fundamento de recusa do registo de marca a reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com marca registada.
E no art. 245º, n.º 1, estabelece-se que a marca se considera imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
E prescreve o n.º 2 que:
Para efeitos da al. b) do n.º 1:
a) Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe de Nice podem não ser considerados afins;
b) Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe de Nice podem ser considerados afins.

A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços, visando individualizá-los, não só para assegurar clientela, como para proteger o consumidor do risco de confusão.
Este risco compreende o risco de associação com a marca anterior, como deriva do Regulamento (CE) n.º 207/2009 do Conselho, de 26/02/2009 (arts. 8º, n.º 1, al. b) e 9º, n.º 1, al. b)).
Pode dizer-se que uma marca é imitação de outra adaptada para o mesmo produto ou para produtos semelhantes quando, postas em confronto, elas se confundem, e quando, tendo-se à vista apenas uma delas, se deve concluir que é susceptível de ser tomada, pelo consumidor médio, por outra de que ele tenha conhecimento.
O padrão é o consumidor médio, razoavelmente informado, mas não particularmente atento às especificidades próprias das marcas cfr. neste sentido o Ac STJ de 13/07/2010, relatado pelo Cons. Fonseca Ramos, acessível in www.dgsi.pt/stj.
A imitação não implica necessariamente igualdade total, podendo ser parcial e pressupondo então a existência simultânea de elementos diferentes e de elementos comuns, impondo-se, nessa situação, verificar se os elementos diferentes possibilitam, ou não, que a marca possua, no seu conjunto, capacidade ou eficácia distintiva.
O juízo deve ser objectivo relevando menos as dissemelhanças que ofereçam os diversos pormenores isoladamente considerados do que as semelhanças que resultem do conjunto dos elementos componentes.
A apreciação global do risco de confusão implica uma certa interdependência entre os factores tomados em conta, nomeadamente a semelhança dos produtos ou serviços designados – cfr. Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, pag. 131.
A facilidade de apreensão da justeza destes princípios gerais contrapõe-se à complexidade das questões em que se traduz a sua aplicação ao caso concreto.
Pese embora a dificuldade da tarefa, passemos à apreciação dessas questões.

Postas em confronto as marcas, aqui em questão, verifica-se que se trata de marcas nominativas.
Como se observa na sentença recorrida, as duas expressões (“B V” e “PORTA DA B”) têm significados diferentes, não existindo, do ponto de vista fonético e gráfico, qualquer similitude entre os vocábulos “V” e “PORTA”.
Diferentemente se passam as coisas quanto à palavra “B”, comum às duas expressões, aparecendo na marca prioritária no início da expressão que compõe a marca e na marca cujo registo se pretende surge em último lugar.
E, como refere o INPI, “B” é o elemento nominativo que mais sobressai, que predomina em ambas as marcas, sendo o mais apelativo.
Efectivamente, os vocábulos “V” e “PORTA” não têm força distintiva. O que sobreleva na impressão geral, na visão de conjunto, é o vocábulo “B”.

Por outro lado, equaciona-se nos autos a questão de saber se a marca “B V” é uma marca notória ou de prestígio.
Estabelece o art. 241º do CPI que:
1 - É recusado o registo de marca que, no todo ou em parte essencial, constitua reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória.
2 - Os interessados na recusa dos registos das marcas a que se refere o número anterior só podem intervir no respectivo processo depois de terem efectuado o pedido de registo da marca que dá origem e fundamenta o seu interesse.
E prescreve o art. 242º do mesmo diploma legal que:
 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o pedido de registo será igualmente recusado se a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem identidade ou afinidade, constituir tradução, ou for igual ou semelhante, a uma marca anterior que goze de prestígio em Portugal ou na Comunidade Europeia, se for comunitária, e sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudicá-los.
2 - Aplica-se ao n.º 1 o disposto no n.º 2 do artigo anterior, entendendo-se que, neste caso, o registo da marca deverá ser requerido para os produtos ou serviços que lhe deram prestígio.
As marcas notórias e as marcas de prestígio são duas classes de marcas às quais são aplicáveis regimes jurídicos excepcionais.
Como defende Mafalda Maria Rodrigues dos Santos (“Marca Notória e Marca de Prestígio”, pags. 6/7, in verbojurídico.com), na base da classificação de uma marca como notória está um critério quantitativo: o seu conhecimento por uma parte significativa do público relevante, sendo que este varia consoante o tipo de produto ou serviço em causa, isto é, se se tratar de produto ou serviço de grande consumo devemos apurar se a marca é conhecida de parte significativa do grande público consumidor; tratando-se de um produto ou serviço que pela sua funcionalidade atinge apenas um sector da sociedade, então teremos de apurar o grau de conhecimento junto do público com acesso expectável àqueles produtos e/ou serviços.
Na mesma linha de pensamento, sustenta Américo da Silva Carvalho (in Direito de Marcas, Coimbra Editora, pag. 393) que a notoriedade, assim como o prestígio da marca, tem que ser definido em função do público a que se dirige.

Nesta sede, deverá ser dada relevância aos artigos de imprensa juntos aos autos, tanto mais que pertencem a publicações de grande prestígio nacional.
Ora, em face do teor dessas publicações e atendendo aos ditames da experiência, crê-se que embora o vinho seja um produto de grande consumo na sociedade portuguesa, o vinho B V, pelo seu elevado preço, é consumido por um público muito restrito, de grande capacidade económica, pois que só esse tem verdadeiro acesso ao mesmo.
Certo é que o vinho B V, sendo embora inacessível economicamente ao grande público consumidor, é conhecido da grande maioria dos consumidores, em especial dos que têm uma capacidade económica acima da média.
      Concluímos assim que a marca “B V” é uma marca que goza de grande notoriedade em Portugal

Mas será uma marca de prestígio?
Importa, desde logo, definir como integrar este adjectivo (prestígio) que consubstancia um verdadeiro pressuposto de aplicação de regime que em parte consiste na ultrapassagem de um princípio nuclear do direito de marcas e do direito de concorrência que é o princípio da especialidade.
Para determinada marca se considerar marca de prestígio esta tem de gozar de excepcional notoriedade e atracção e/ou satisfação junto dos consumidores, de modo tão intenso que, dificilmente, e sempre com o risco de depreciação, se a imagina desligada dos produtos ou serviços que assinala ou ligada, simultaneamente, a outros produtos ou serviços - vide Ac. RL de 22/01/2009 (relatado pelo Des. Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt.
A prova da excepcional qualidade desses bens não é a pedra de toque do prestígio a assinalar, mas a qualidade reconhecidamente estimada da marca. O que verdadeiramente interessa é que o público reconheça uma auréola de excepcional reputação àquela “origem”, que pode vir da qualidade dos seus produtos, do estatuto que os mesmos oferecem, da conotação imediata que a apresentação de determinado bem pode trazer consigo ao nível social, por exemplo – cfr. Mafalda Maria Rodrigues dos Santos, ob. cit. pag. 13.
Ora, apurou-se que o vinho B V é produzido desde 1952, sendo por muitos considerado o melhor vinho de Portugal e descrito em jornais de grande prestígio como “Um emblema da nacionalidade”, «O mais mítico dos vinhos de mesa portugueses», “o mais famoso tinto português» e «Um diamante polido».
Deste conjunto de factos, conjugados com os dados da experiência, colhe-se que o vinho B V goza de prestígio junto do público consumidor de vinhos, que associa à marca uma imediata e superior avaliação do vinho produzido pela mesma, que a torna rara e especial no sentido de que poucos atingem esse mesmo grau de avaliação tão positiva.
Encontramo-nos, pois, em presença de uma marca de prestígio.

Ainda que se entendesse que a factualidade provada não era de molde a permitir qualificar a marca “B V” como de prestígio, certo é que, no mínimo, se trata de uma marca que goza de grande notoriedade em Portugal.
Ora, como é sabido, quanto maior for notoriedade maior é o risco de confusão com a marca posterior, exigindo-se, por isso, um grau de dissemelhança maior.
Com efeito, o poder apelativo da marca “B V” é grande, o que agrava a confundibilidade no sentido de um consumidor médio se sentir atraído por uma marca semelhante e poder confundi-las, associando-as. A utilização em ambas as marcas do vocábulo “B” basta para se concluir pela existência de risco de confusão, podendo o público ser levado a supor que os produtos em causa provêm da mesma empresa ou eventualmente, de empresas economicamente ligadas, pois que a utilização do termo B traz à lembrança a marca B V.
A marca “PORTA DA B” constitui, pois, imitação da marca “B V”.

A isto acresce que constitui fundamento genérico de recusa de registo, o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível, independentemente da sua intenção, considerando-se, por seu turno, actos de concorrência desleal, além de outros, aqueles que são susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue, nos termos das disposições combinadas dos artigos 239º, nº 1, e), e 317º, a), do CPI.
Assim sendo, a partir do momento em que o consumidor médio não é capaz de distinguir entre um e outro produto, considerando a prioridade das marcas da apelante, anteriormente, registadas, destinando-se estas e bem assim como a marca da apelada a assinalar produtos idênticos, verifica-se também uma situação de concorrência desleal.

Procede, por isso, a apelação, impondo-se a revogação da sentença recorrida e, consequentemente, mantém-se a decisão de 07 de Setembro de 2011, do Exmo. Senhor Director do Departamento de Marcas e Desenhos ou Modelos do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Directivo, publicado no Boletim da Propriedade Industrial a 07 de Outubro de 2011, que recusou o registo da marca nacional n.º … "PORTA DA B" (verbal), pedido a 29 de Junho de 2010.



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IV. Decisão:

Pelo acima exposto, julga-se a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em decorrência de tal, mantém-se a decisão de 07 de Setembro de 2011, do Exmo. Senhor Director do Departamento de Marcas e Desenhos ou Modelos do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Directivo, publicado no Boletim da Propriedade Industrial a 07 de Outubro de 2011, que recusou o registo da marca nacional n.º … "PORTA DA B", pedido a 29 de Junho de 2010.
Custas pela apelada.
Notifique.


Lisboa, 9 de Julho de 2014

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(Manuel Ribeiro Marques - Relator)

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(Pedro Brighton - 1º Adjunto)

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(Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)