Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1999/15.8T8LSB-B.L1-5
Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA
Descritores: MEDIDAS TUTELARES EDUCATIVAS
CO-AUTORIA
COMPETÊNCIA POR CONEXÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/31/2016
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA
Sumário: Sempre que esteja em causa a apreciação de uma ou várias condutas delituosas de que sejam protagonistas diversos menores, impõe-se a organização de um só processo, no quadro do disposto no artigo 35º, nº 1 da Lei Tutelar Educativa, com observância das regras de competência enunciadas no seu nº 2.
Entende-se que esta norma deverá prevalecer sobre as demais, quer atenta a natureza específica do processo tutelar crime, quer as vantagens ponderosas de conexão subjectiva que a ela subjazem, pelo que deverá ser organizado um único processo à semelhança do que foi feito, no âmbito e de acordo com o teor da acusação, pela prática pelos dois menores, em co-autoria, de factos susceptíveis de integrarem um crime de furto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: 1.-
No processo de inquéirto n.º 43/14.7Y6LSB da Instância Central de Lisboa- 1ª Secção de Família e Menores, o MºPº requereu a abertura da fase jurisdicional relativamente aos menores:
P.
e
J., imputando-lhe a prática em co-autoria de factos susceptíveis de integrarem um crime de furto.

Recebido o processo, em fase jurisdicional, foi determinada a separação de processos invocando-se o disposto no art.º 11º do RGPTC e estraídas certidões que vieram a originar distintos procesos que foram apensados :
-quanto ao menor P. ao processo tutelar comum 1242/09.TMLSB com apenso de incidente de incumprimento das responsabilidades parentais;
-quanto ao menor J. por apenso ao processo de promoção e protecção 19999/15.8 T8LSB no qual não está aplicada qualquer medida de promoção e protecção.

Perante esta situação, o juiz 2 da Instância Central – 1ª Secção de Família e menores de Lisboa proferiu despacho considerando violada a regra do art.º 35º,n.º1 da LTE relativamente à conexão subjectiva que, em seu entender, impõe a organização de um único processo se os factos fora cometidos por mais de um menor. Em comparticipação ou reciprocamente, declarando-se incompetente para para conhecer dos autos.

Por seu turno, o juiz 5 da mesma Instância Central de Lisboa declara-se igualmente incompetente ao abrigo do disposto no art.º 11,n.º1 do RGPTC segundo o qual é competente para tramitar o processo em relação ao menor P. o juiz 4 e para tramitar o processo relativo ao menor J., o juiz 2.
 
Suscitado o conflito negativo de competência, veio o Exm.º PGA a pronunciar-se de acordo com a posição sustentada pelo juiz 2 da referida Instância Central de Família e Menores de Lisboa.

2.-
Conforme defende o Exm.º PGA e resulta dos trabalhos e orientações do MºPº acerca da incorporação de processos desta natureza e que constam do site da PGDL em anotação ao art.º 35 da referida LTE:

Ponderou-se que o artigo 34º da LTE estabelece a regra do carácter individual do processo, em razão da qual a multiplicidade de factos qualificados na lei penal como crimes assacados a um mesmo menor deve ser apreciada no âmbito de um só processo; que o artigo 35º estabelece, por seu turno, a regra de que deve também organizar-se um único processo nas situações nele previstas, mormente quando vários menores praticarem factos em comparticipação ou reciprocamente.

Reconheceu-se que tem acontecido – e disso é testemunho a resolução de conflitos de competência nesta Procuradoria-Geral Distrital - que por vezes é desprezada a regra da conexão subjectiva, determinando-se, logo que o inquérito é concluso, a organização de um processo para cada menor, sobretudo quando a residência de algum, ou alguns, se localiza noutra comarca. Olvida-se, assim, que nenhum dos citados imperativos deve prevalecer em detrimento do outro. Razões ponderosas impõem, aliás, a apreciação conjunta da actividade delituosa de todos os menores envolvidos – motivos de economia processual, óbvias vantagens em sede de produção de prova, para além de dispensáveis incómodos e prejuízos decorrentes da múltipla realização de diligências – incluindo as audiências preliminares e os julgamentos, a que porventura haja lugar - em comarcas distintas.

Formulou-se a seguinte orientação:
“Sempre que esteja em causa a apreciação de uma ou várias condutas delituosas de que sejam protagonistas diversos menores, impõe-se a organização de um só processo, no quadro do disposto no artigo 35º, nº 1 da LTE, com observância das regras de competência enunciadas no seu nº 2.”

Concorda-se com este entendimento uma vez que, relativamente a cada menor, deve organizar-se um só processo, nos termos do artigo 34º. da LTE e não sendo caso de organização de um único processo, considera-se boa prática a extracção de cópias, em duplicado, das peças relevantes dos processos consultados.

Dispôe o art.º 34º LTE:
“1-Sem prejuízo do disposto no número seguinte, organiza-se um único processo relativamente a cada menor, ainda que lhe sejam atribuídos factos diversos ocorridos na mesma ou em diferentes comarcas.
2-A conexão só opera em relação a processos que se encontrem simultaneamente na fase de inquérito, na fase jurisdicional ou na fase de execução.  “

É certo que o art.º 34º da LTE aponta para a  necessidade de informação inicial e actualizada quanto à instauração anterior e pendência de outros processos (administrativos, tutelares cíveis, de promoção e protecção e tutelares educativos) relativamente ao(s) menor(es) a que se refere o processo tutelar educativo e que a informação recolhida e disponibilizada em todos os processos anteriormente instaurados relativamente ao menor alvo de PTE – arquivados ou não e de idêntica ou diversa natureza – não deve ser desprezada, antes constituindo elemento absolutamente essencial para enquadrar a conduta noticiada e permitir encontrar a medida adequada, pelo que logo após a autuação do inquérito tutelar educativo, deve a secretaria oficiosamente fazer constar do mesmo informação completa sobre todos os processos – arquivados, ou não, de idêntica ou de diversa natureza – antes instaurados relativamente ao(s) menor(es), uma vez que tal informação é absolutamente essencial para enquadrar a conduta noticiada e permitir encontrar a medida adequada, deverá o magistrado titular providenciar pela sua respectiva consulta e pela junção, se necessário, de cópias das peças mais relevantes para o enquadramento da situação, sem prejuízo da determinação da(s) incorporação(ões) a que haja lugar e sem prejuízo também da formulação dos requerimentos de apensação que legalmente se imponham.

Relativamente a cada menor, a regra será pois a da incorporação completa e exaustiva de todos os processos existentes relativos a esse menor por forma a possibilitar uma apreciação conjunta de toda a situação relevante e referente ao menor.

Porém, essa regra pode sofrer excepções se, como acontece no caso presente, forem acusados mais do que um menor pela prática de factos recíprocos ou em comparticipação.

É o que decorre dos art.ºs 34º e 35º da LTE que aqui tem pleno cabimento, em detrimento do RGPTC que compreende no seu âmbito a regulação do processo aplicável às providências tutelares cíveis e respetivos incidentes.

Já no âmbito da Lei Tutelar Educativa se prevê e contempla a prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa em conformidade com as disposições da presente lei.
           
Ora, no caso em apreço, estamos perante a imputação aos menores em causa de comportamentos susceptiveis de integrarem factos que constituem crime, pela sua natureza.

Resulta do art.º 35º LTE:
1-Organiza-se um só processo quando vários menores tiverem cometido um ou diversos factos, em comparticipação ou reciprocamente, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns continuar ou a ocultar
os outros.
  2-No caso referido no número anterior é competente o tribunal da residência do maior número de menores e, em igualdade de circunstâncias, o tribunal do processo que tiver sido instaurado em primeiro lugar.

  3-É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior. “

Entende-se que esta norma deverá prevalecer sobre as demais, quer atenta a natureza específica do processo tutelar crime, quer as vantagens ponderosas de conexão subjectiva que a ela subjazem, pelo que deverá ser organizado um único processo à semelhança do que foi feito, no âmbito e de acordo com o teor da acusação e, como tal, será competente o juiz 5 da Instância Central - 1ªsecção de Família e Menores, para a tramitação do processo tutelar contra os menores P. e J., pela prática em co-autoria de factos susceptíveis de integrarem um crime de furto.
Assim, e à semelhança do entendimento aqui expresso pelo MºPº, entende-se que sempre que esteja em causa a apreciação de uma ou várias condutas delituosas de que sejam protagonistas diversos menores, impõe-se a organização de um só processo, no quadro do disposto no artigo 35º, nº 1 da Lei Tutelar Educativa, com observância das regras de competência enunciadas no seu nº 2.

3.-
Decide-se por isso, dirimir o conflito negativo atribuindo a competência ao juiz 5 da Instância Central-1ª secção de Família e Menores, para a tramitação do processo tutelar contra os menores P. e J., pela prática em co-autoria de factos susceptíveis de integrarem um crime de furto.

Cumpra o art. 36.º, n.º 3 CPP.
Sem custas.


Lisboa, 31-05-2016


Filomena Lima