Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
830/06.0TTVFX.L1-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
INADAPTAÇÃO
MOBBING
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I - O art. 405 do CT DE 2003 diz-nos que constitui fundamento de despedimento do trabalhador a sua inadaptação superveniente ao posto de trabalho, nos termos dos artigos seguintes. Não se trata de uma causa puramente objectiva nem subjectiva, estando ligada ao binómio posto de trabalho/ trabalhador concreto já que, e simultaneamente, é necessário que tenha havido uma modificação recente no posto de trabalho resultante de novos processos de fabrico, novas tecnologias ou de novos equipamentos ( art.407, nº1, a) ) e uma inadaptação do trabalhador a este posto de trabalho.
II - O art. 406 do CT prevê duas situações de inadaptação:
-a 1ª aplica-se aos trabalhadores em geral, relativamente aos quais tenha ocorrido redução continuada de produtividade ou de qualidade (a); avarias repetidas nos meios afectos ao posto de trabalho (b); ou riscos para a saúde do próprio, dos restantes trabalhadores e de terceiros (c).
- a 2ª aplicável aos trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica ou de direcção, que não tenham cumprido os objectivos previamente fixados e formalmente aceites por escrito, tudo determinado pelo modo de exercício de funções.
III - Num e noutro caso é ainda necessário que tais situações tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho bem como a verificação e prova dos requisitos previstos no art. 407 deste diploma, que são de verificação cumulativa.
IV - O mobbing ou assédio moral é percebido como uma prática insana de perseguição” metodicamente organizada, temporalmente prolongada, dirigida normalmente contra um só trabalhador que, por consequência, se vê remetido para uma situação e desesperada, violentado e frequentemente constrangido a abandonar o seu emprego, seja por iniciativa própria ou não.
V - A qualificação da situação como assédio moral, traduz um ilícito contratual dado que foi violado o dever de respeito e a integridade psíquica e moral do trabalhador, direito de personalidade consagrado no art. 18 do CT, dando causa a um dano moral merecedor da tutela do direito (a autora ficou abalada psicologicamente, pondo em causa a sua auto-estima e confiança, provocando-lhe ainda humilhação e desgosto); sendo a actuação da ré culposa, porque não ilidiu a presunção que decorre do art. 799 do CC e intenso o seu grau de culpa, mas desconhecendo-se a situação económica de ambas as partes, sendo a ré uma IPSS que, por norma não têm grande desafogo financeiro e perdurando a situação de assédio por um período relativamente curto (pouco mais de três meses), entende-se equilibrado fixar essa indemnização em € 6000,00.
Decisão Texto Parcial:I - Relatório

AA, (…), accionou BB, (…).
Pede que se declare ilícito o despedimento e se condene a R. a reintegrá-la, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade ou, consoante opção que se reserva efectuar, no pagamento de uma indemnização de antiguidade a calcular em função da retribuição devida de acordo com as funções correspondentes às de Director de Serviços, no pagamento da quantia correspondente às retribuições mensais vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até à data da decisão final, no pagamento da retribuição correspondente ao crédito de horas para formação profissional, se condene a R. a reconhecer-lhe a categoria de directora de serviços de recursos humanos e se ordene a R. a ocupá-la efectivamente no desempenho das correspondentes funções nos seus quadros de pessoal, no caso de vir a optar pela reintegração, sob pena de aplicação de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 100,00 por cada dia de incumprimento da decisão, se condene a R. a pagar-lhe todas as diferenças retributivas, vencidas e vincendas, entre a retribuição que lhe foi paga e a que lhe era devida por força da CCT aplicável, se condene a R. no pagamento da quantia de € 13.000,00, a regularizar a sua situação perante a Segurança Social e nos juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento dos créditos até integral pagamento.
Alega, em síntese, que manteve contrato de trabalho com a R., ao qual a mesma pôs termo invocando inadaptação sem que tenham sido observados os requisitos legais (inobservância do adequado procedimento no que respeita à definição de objectivos, falta de alegação de introdução de novos processos, tecnologias ou equipamentos), o que fere de ilicitude o seu despedimento. Mais alega que foi contratada para o exercício de funções de socióloga, funções essas que nunca desempenhou, tendo desempenhado outras que se enquadram na categoria profissional de director de serviços, pelo que não foi adequadamente remunerada. Alega ainda que na sequência de avaliação a que foi sujeita, efectuou uma reclamação o que lhe valeu a retirada de todas as funções de que havia sido incumbida, mantendo-se, desde 2006, desocupada. Por fim alega que sofreu abalo psicológico, desgosto e humilhação com a atitude da R..
A R. contestou e concluiu pela improcedência.
Afirmou, em resumo, que o despedimento da A. foi precedido de procedimento por inadaptação, que ambas haviam definido um conjunto de tarefas a cumprir pela A., que os níveis de desempenho da A. foram qualificados como não adequados, que a mesma nunca desempenhou tarefas inerentes á categoria para a qual foi admitida, tendo desempenhado funções de gestão do pessoal de apoio directo.
A A. respondeu à contestação, pronunciando-se acerca da não verificação de um despedimento por motivo objectivo.

Na sequência de convite que lhe foi formulado para o efeito, a R. veio a apresentar nova contestação na qual alega os comportamentos imputados á A. numa comunicação que lhe endereçou e enuncia os motivos determinantes da cessação do contrato (incapacidade para o desempenho de funções, dificuldades na integração do espírito de grupo, falta de capacidade para dirigir a área de recursos humanos, inaptidão no desempenho das funções de responsável pelos recursos humanos...).
A A. respondeu também a esta peça, afirmando que a nova factualidade não configura fundamento para a cessação do contrato por inadaptação, evidenciando um despedimento sanção.
Foi proferido despacho saneador tabelar, fixada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, sem reclamações.
Procedeu-se depois a julgamento com gravação da audiência, respondendo-se à base instrutória, sem qualquer objecção das partes.
Seguidamente foi prolatada a sentença de fls 1879 a 1900, na qual foi exarada a seguinte decisão:

Em conformidade com o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1. Declaro ilícito o despedimento;
2. Condeno a R. a reintegrar a A., sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
3.Condeno a R. a pagar á A. as retribuições vencidas desde 11/07/2006 até ao trânsito em julgado da decisão;
4.Condeno a R. a reconhecer á A. a categoria de Directora de Serviços;
5.Condeno a R. a pagar á A. a quantia de mil seiscentos e trinta e três euros e sete cêntimos (€1.633,07), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais que integra o valor em causa e até integral pagamento;
6.Condeno a R. a pagar á A. a quantia de dez mil euros (€ 10.000,00), acrescida de juros de mora á taxa anual de 4% desde a citação até integral pagamento;
7.Condeno a R. a regularizar, perante a Segurança Social, a situação da A. em razão das diferenças retributivas.
8.Absolvo a R. do mais que vem pedido.
Inconformada, interpôs a Ré recurso para esta Relação, no qual formulou as seguintes
CONCLUSÕES:
(…)
Contra-alegou a Autora pugnando pela confirmação do julgado.
Subidos os autos a esta Relação e colhido os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões alegatórias (arts. 684,nº3 e 690, nº1 do CPC), são as seguintes as questões a resolver:
1.Nulidade da sentença;
2.Categoria Profissional da Autora;
3.(I)licitude do despedimento;
4.Danos morais.

II - Fundamentos de Facto

A 1ª Instância deu como assentes os seguintes factos:

1 - Em 01 de Setembro de 2003, mediante a subscrição do contrato de trabalho a termo certo cuja cópia se mostra junta a fls. 22 e 23, a A. foi admitida ao serviço da R. com a retribuição mensal de € 823,02.
2 - A R. remeteu à A. o escrito datado de 07 de Julho de 2006, cuja cópia se mostra junta a fls. 24 a 27 e teor aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhe a intenção de fazer cessar o contrato referido em A).
3 - A A. respondeu por carta datada de 13 de Julho de 2006, cuja cópia se mostra junta a fls. 28 e 29 e teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4 - A R. remeteu à A. e esta recebeu, o escrito datado de 01 de Agosto' de 2006 junto a fls. 30 a 32, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, por meio do qual comunicou à A. a sua decisão de fazer cessar o contrato referido com efeitos a 07 de Agosto de 2006.
5 - O escrito referido em 4 foi acompanhado de um cheque no valor de € 3.045,60.
6 - No contrato referido consta a admissão da A. para exercer as funções "inerentes à categoria profissional de Socióloga".
7 - Desde o início da prestação de trabalho, a A. nunca desempenhou quaisquer tarefas inerentes à categoria profissional de Socióloga.
8 - A A. desempenhou para a R., pelo menos, as seguintes funções:
a) gestão do pessoal de apoio directo ao lar, centro dia e apoio domiciliário (chefes de turno, ajudantes de lar e auxiliares de serviço geral);
b) a gestão do pessoal afecto à cozinha (cozinheiros e pessoal de apoio) e certificação da higiene e manutenção dos respectivos equipamentos;
c) a gestão do pessoal da lavandaria, atestando o cumprimento atempado das necessidades diárias do lar e do serviço externos domiciliário;
d) a gestão do motorista e do auxiliar de manutenção em tudo o que se revelasse necessário à implementação das tarefas do pessoal e serviços referidos nas alíneas anteriores.
9 - No ano de 2005, à semelhança dos anteriores, a A. foi sujeita ao processo anual de avaliação do seu desempenho profissional, tendo-lhe sido atribuída a classificação global de "Desempenho Adequado", mas considerado "Não Adequado" relativamente às actividades de "Participação em propostas de definição da política de recursos humanos", "Gestão e equipas e de pessoas" e de "Acompanhamento e apoio aos restantes serviços, visando a melhoria da qualidade de vida na Instituição".
10 - Em Agosto de 2004 a Dra. CC saiu da R..
11 - Em Abril de 2006, a R. restringiu as funções da A. ao acompanhamento e desenvolvimento de um curso de formação de cozinheiros.
12 - As funções referidas em 8 foram cometidas à A. pela R. na reunião com o seu órgão de Direcção, realizada em 22 de Setembro de 2003.
13 - Em tal reunião a R. cometeu ainda à A. a coordenação com a Dr.ª CC da integração do pessoal e serviços, referidos em 8, nas novas valências a implementar de acordo com o levantamento de necessidades e com o plano de actividades estabelecido por ambas para as suprir, bem como cometeu à A. a apresentação de propostas para realização de acções de formação e a coordenação das que estivessem em curso, bem como o acompanhamento dos formandos em actividade no lar.
14 - E cometeu à A. o acompanhamento do processo de selecção do pessoal a admitir na sua área de intervenção, e a avaliação do desempenho do pessoal que dependesse directamente da A..
15 - No cumprimento das funções de que foi incumbida pela R., a A. organizava a distribuição das respectivas tarefas e instrumentos de trabalho, elaborando e coordenando os horários de trabalho, as férias, as faltas, os turnos e escalas da prestação de serviço dos trabalhadores da R., bem como verificava a higiene e manutenção dos respectivos equipamentos da cozinha e lavandaria, e dirigiu novos serviços quanto ao apoio domiciliário já prestado, bem como dirigiu os processos de selecção do pessoal a admitir na sua área de intervenção e avaliação do desempenho do pessoal que dependa directamente de si.
16 – A A. acompanhou os formandos em actividade no lar.
17 - Em Fevereiro de 2004, o vencimento da A. foi aumentado para € 843,60.
18 - Em Agosto de 2004, o vencimento da A. foi aumentado para € 867,65.
19 - Em Janeiro de 2005, o vencimento da A. foi aumentado para € 889,34.
20 - Desde Janeiro de 2006 o vencimento da A. foi de € 911,57.
21 - Na sequência da apresentação de resposta por parte da A. à avaliação referida, a R., em reunião da Direcção realizada em 20 de Abril de 2006, comunicou à A. a decisão de retirar à A. todas as funções de que a incumbira, com excepção das funções relativas à gestão da formação, e comunicou que outra trabalhadora iria assumir o desempenho das funções retiradas à A..
22 - Seguidamente, a A. foi mudada do seu gabinete de trabalho no 2.° piso para um espaço no 3.° piso, sito na "kitchenet".
23 - E a A. foi substituída pela Dr.a CC nas funções que lhe , foram retiradas, tendo a Dr.a CC ocupado o gabinete da A. no 2.° piso.
24 - O comportamento da R. referido nos números 21 e 22 e 11, abalou a A. psicologicamente, e pôs em causa a auto-estima e confiança da A...
25 - Na edição de Maio de 2006 do jornal regional do Concelho de Vila ..., denominado "Notícias de ...", a Direcção da R. publicou e subscreveu um texto com o seguinte teor: "Existe uma preocupação da nossa parte no que às qualificações e competências dos nossos recursos humanos diz respeito. Vem isto a propósito das alterações que a Direcção decidiu introduzir na estrutura organizativa da Instituição e que, a seu tempo, serão dadas a conhecer, as quais passam também pela admissão de novos elementos para o quadro técnico. Subjacente a tudo isto, sempre a mesma determinação e convicção: quando as pessoas e os métodos de trabalho não apresentam resultados e eficácia, não há que ter medo da mudança. Foi o que fizemos e continuaremos a fazer sempre que os interesses da Instituição estiverem em causa. "
26 - Na edição de Junho de 2006 do jornal regional do Concelho de Vila ..., denominado "Notícias de ...", a Direcção da R. publicou e subscreveu um texto com o seguinte teor: "Já tinham sido afloradas, na nota do mês anterior, alterações na estrutura de funcionamento da Instituição. Porque se tomaram realidade, importa aqui referir aquela que se tomou, para já, mais visível: a nomeação de uma directora técnica para fazer parte da gestão da Instituição, cargo este que foi entregue à Dra. S..., técnica que já pertencera aos nossos quadros e cujo regresso se saúda, por tudo aquilo que, para os membros da Direcção que já a conheciam, significa. (...) O seu regresso e as suas novas funções vieram criar algumas dificuldades na reestruturação que a Direcção se propôs levar a cabo e que, com bom senso, paciência, mas também determinação, saberemos ultrapassar. (...) ".
27 - Através dos factos referidos em 25 e 26, a R. tornou a retirada de funções atribuídas à A. do conhecimento do público em geral.
28 - A "kitchenet" referida acima é o espaço comum que os demais trabalhadores da R. usam para se servirem dos equipamentos como o microondas ou o lava-loiças, sendo frequentada, ocasionalmente, durante o dia, pelos trabalhadores da R. que antes estavam sob a alçada e direcção da A. e frequentada, habitualmente, no final do dia e após os jantares, pelos mesmos e ainda pelos utentes da R..
29 - Ao actuar conforme referido (mudança para a "kitchenet"), a R. quis sujeitar a A. à vergonha e à humilhação provocada por essa exposição, tendo a A. ficado humilhada e desgostosa.
30 - Em 24 de Maio de 2006, a R. deu início a averiguação do comportamento da A., por forma a apurar da eventual existência de justa causa de despedimento, com a instrução de um processo prévio de inquérito.
31 - Em tal processo foi proferido o despacho de fls. 1567, o que motivou que não fosse elaborada nota de culpa, mas antes remetido à A. o escrito enunciado em 2.
32 - Em 01 de Setembro de 2003 foi igualmente contratada a Dra. CC, que colaborou com a A..
33 - Durante o ano de 2005 e no início de 2006, existia um "clima de instabilidade" entre alguns trabalhadores da R., como DD, EE e FF e a A..
34 - Dos trabalhadores da R., apenas 7, dos entre 30 a perto de 50, não eram abrangidos pelas funções de gestão da A., enunciadas em 8.

Não tendo sido impugnada, nem havendo motivos para proceder à sua alteração, aceita-se a matéria de facto fixada pela 1ª Instância.


III- Fundamentos de Direito

1- Da Nulidade da Sentença

A Ré/Apelante vem arguir a nulidade da sentença, ”uma vez que o Tribunal a quo não apreciou o facto de a Apelada ter recebido e feito sua a importância correspondente à compensação legal devida pelo seu despedimento”, o que implicaria a aceitação do mesmo e a impossibilidade da sua ulterior impugnação.
Vejamos.
Dispõe o art. 668, nº1, d) do CPC que a sentença é nula quando” o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar (…)”.
A nulidade de omissão de pronuncia prevista neste normativo traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no nº 2 do art. 660 do CPC, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada à anterior.
Tal dever impõe ao juiz o acatamento de dois princípios:
1º. Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação;
2º.Não se ocupar senão das questões suscitadas pelas partes.
Como refere Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., pág. 31 : “Por força do primeiro princípio, apoiando o autor a sua pretensão em duas causas de pedir não incompatíveis ou invocando o réu duas excepções peremptórias, deve o tribunal apreciar todas elas, mesmo que o conhecimento das primeiras sobre que incida a sua análise bastasse para satisfazer o aspirado por qualquer das partes”.
O dever de exaustividade por parte da sentença funda-se no direito à tutela jurisdicional efectiva a que alude o art. 20, nº 1 da CRP, que impõe aos tribunais, no âmbito da justiça civil, a pronúncia sobre todas as pretensões deduzidas pelas partes e a resolução de todos os pontos litigiosos que lhe sejam submetidos, não sendo, contudo obrigado a conhecer as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ( 2ª parte do nº 2 do art. 660).
A 2ª regra contida nesta mesma norma impõe ao juiz que conheça unicamente das questões suscitadas pelas partes, que se justifica pelos princípios dispositivo e contraditório.Com efeito, o princípio dispositivo veda ao juiz pronunciar-se sobre objecto processual distinto do proposto pelos litigantes, enquanto o princípio do contraditório impede o conhecimento de tudo aquilo que não tenha sido matéria de debate entre as partes. Esta regra contém apenas um desvio, na medida em que é lícito ao juiz ocupar-se das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Revertendo ao caso concreto, verifica-se que tendo a Autora proposto acção para impugnar a cessação do contrato de trabalho promovido pela Ré, cabia a esta, na contestação, invocar a excepção peremptória em que se traduz o facto impeditivo que ora invoca e do qual decorre a presunção legal a que alude o nº 4 do art. 401 do CT de 2003, aplicável por forçado art. 409 do mesmo diploma.
E não o fez, sendo cero que, de acordo com o art. 489, nº 1 do CPC toda a defesa deve ser deduzida na contestação, sendo que, posteriormente, apenas podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei admita passado esse momento, o que não é o caso.
Assim, não tendo a Ré invocado esta excepção na contestação, dando oportunidade à parte contrária para se pronunciar quanto à mesma, estava vedado ao Tribunal a quo apreciá-la, sob pena de cometer outro vício, consistente no excesso de pronuncia.
Não ocorre, pois, a invocada nulidade.

2- Da Categoria Profissional da Autora

A Autora alega que, não obstante ter sido admitida como socióloga, sempre exerceu funções correspondentes à categoria profissional de Director de Serviços, cujo reconhecimento reclama, bem como o pagamento das correspondentes diferenças remuneratórias.
A Ré, por seu turno, embora aceite que a Autora nunca exerceu funções de socióloga, recusa enquadrar as respectivas funções nesta categoria, alegando que aquelas se limitam à gestão de pessoal de apoio directo e não á direcção de serviços.
Vejamos então.
Como resulta do art. 151 do CT aprovado pela Lei 99/2003, que é o aplicável, “o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que foi contratado”.
Porém, e de facto, nunca as exerceu, conforme resulta do ponto 7 da matéria de facto, tendo-lhe sido cometidas as elencadas sob os pontos 8, 13, 14, 15e 16.
A 1ª Instância entendeu que, em face das funções exercidas pela Autora, esta devia ser classificada como Directora de serviços, no que a Apelante discorda.
Para efeitos de enquadramento categorial, quer a doutrina, quer a jurisprudência, exigem que se exerçam as funções nucleares da categoria reivindicada, aferindo-se a categoria profissional de um trabalhador pelas tarefas que ele na realidade exerce, em conjugação com a norma ou convenção aplicável, não sendo se relevar, de forma necessária, a qualificação que lhe é dada pelo empregador.
A categoria assim encontrada é a que se define comummente como categoria contratual ou categoria--função.
Por seu turno, a denominada categoria normativa ou categoria estatuto é a que deriva da disciplina legal ou convencional em que se preveja esta matéria, definindo-se a posição do trabalhador pela correspondência das suas funções a uma determinada categoria, cujo conteúdo ou funções típicas se descrevem.
N o caso concreto a Autora para fundamentar a sua pretensão à integração na categoria convencional de “Director de Serviços” arrima-se à tal correspondência entre as tarefas que exercia na empresa e a definição categorial que consta do Anexo I do CCT celebrado entre a UIPS - União das Instituições Particulares de Segurança Social e a FENPROF- Federação Nacional dos Professores e Outras, publicado no BTE Nº 6, 1ª SÉRIE, DE 15.2.2001, aplicável por força da PE publicada no BTE nº 6, 1ª série, de 15.2.2002.
Segundo este CCT o Director de Serviços é o trabalhador que “Estuda, organiza e dirige, nos limites dos poderes que está investido, as actividades da instituição, colabora na determinação da política da instituição; planeia a utilização mais conveniente da mão-de-obra, equipamento, materiais, instalações e capitais; orienta, dirige e fiscaliza a actividade da instituição segundo os planos estabelecidos, a política adoptada e as normas e regulamentos prescritos; cria e mantém uma estrutura administrativa que permute explorar e dirigir a instituição de maneira eficaz; colabora na fixação da política financeira e exerce a verificação dos custos”.
Como se refere na sentença recorrida “No cumprimento das funções de que foi incumbida pela R. a A. organizava a distribuição das respectivas tarefas e instrumentos de trabalho, elaborando e coordenando os horários de trabalho, as férias, as faltas, os turnos e escalas de serviços quanto ao apoio domiciliário já prestado, bem como dirigiu os processos de selecção do pessoal a admitir na sua área de intervenção e avaliação do desempenho do pessoal que dependa directamente de si, tendo ainda acompanhado os formandos em actividade no lar.
Dos trabalhadores da Ré, apenas 7, dos entre 30 a perto de 50, não eram abrangidos pelas funções de gestão da A., enunciadas supra.”
Importa ainda ter presente que foi cometido à A. a coordenação, com a Drª. CC, da integração do pessoal e serviços ( apoio directo ao lar, centro de dia e apoio domiciliário, cozinha, lavandaria, motorista e auxiliar de manutenção), nas novas valências a implementar de acordo com o levantamento de necessidades e com o plano de actividades estabelecido para as suprir. Contrariamente ao que defende a Apelante o perfil funcional do director de serviços não obriga que todas as funções nele previstas estejam a seu exclusivo cargo, prevendo expressamente a mera colaboração , nomeadamente na determinação da política da instituição, em que se podem inserir estas últimas.
Se relembrarmos que a integração numa determinada categoria profissional exige apenas que se exerçam as funções nucleares da categoria reivindicada, cotejando as que estavam cometidas A. afigura-se-nos corresponderem, no essencial às previstas para a categoria de director de serviços, “porquanto não há dúvida de que dirigia parte substancial das actividades da instituição, que é a da gestão de pessoal e serviços nela prestados.
Defende ainda a Apelante que a A. estaria melhor integrada na categoria profissional (pessoal administrativo) de chefe de secção ou de chefe de departamento de pessoal.
Trata-se, porém de questão nova que, por essa razão, não pode ser abordada por esta Relação, além de não integrar a causa de pedir, estando apenas em causa saber se deve ou não ser atribuída à A. a categoria que esta reclama, sendo que, pelos motivos referidos, entendemos que a sua pretensão merece acolhimento, improcedendo o recurso, nesta parte.

3. Da (I)licitude do Cessação do Contrato

Sustenta a Apelante que deve ser considerada lícita a cessação do contrato de trabalho da A. com fundamento na inadaptação às funções que desde sempre vinha desempenhando.
Entendeu a 1ª Instância - e bem, adianta-se – que não se mostram preenchidos, no caso concreto, os requisitos substantivos definidos na lei para esta forma de cessação do contrato.
O art. 405 do CT DE 2003 ( que é o aplicável) diz-nos que constitui fundamento de despedimento do trabalhador a sua inadaptação superveniente ao posto de trabalho, nos termos dos artigos seguintes (sublinhado nosso).
Não se trata de uma causa puramente objectiva nem subjectiva, estando ligada ao binómio posto de trabalho/ trabalhador concreto já que, e simultaneamente, é necessário que tenha havido uma modificação recente no posto de trabalho resultante de novos processos de fabrico, novas tecnologias ou de novos equipamentos( art.407, nº1, a) ) e uma inadaptação do trabalhador a este posto de trabalho ( veja-se Bernardo Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 3ª ed., pág. 454).
O art. 406 do CT prevê duas situações de inadaptação:
-a 1ª aplica-se aos trabalhadores em geral, relativamente aos quais tenha ocorrido redução continuada de produtividade ou de qualidade (a); avarias repetidas nos meios afectos ao posto de trabalho (b); ou riscos para a saúde do próprio, dos restantes trabalhadores e de terceiros (c).
- a 2ª aplicável aos trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica ou de direcção, que não tenham cumprido os objectivos previamente fixados e formalmente aceites por escrito, tudo determinado pelo modo de exercício de funções.
Num e noutro caso é ainda necessário que tais situações tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
No entanto, numa e noutra das situações é necessário a verificação e prova dos requisitos previstos no art. 407 deste diploma, que são de verificação cumulativa.
No caso dos autos. Como acima referimos, a Autora desempenhava um cargo de direcção, pelo que a situação de inadaptação invocada teria de ser subsumível à previsão do art. 406, nº2.
Assim, para estes trabalhadores a lei admite que a inadaptação se traduza no não cumprimento de “objectivos previamente fixados e formalmente aceites por escrito”
Ora, além de não se ter provada a existência de objectivos acordados e formalizados em documento escrito, deve sublinhar-se que também aqui é necessário verificar-se a ”introdução de novos processos de fabrico, de novas tecnologias ou equipamentos baseados em diferente ou mais complexa tecnologia que implique modificação nas funções relativas ao posto de trabalho” (cfr. art. 407, nº2), o que não foi sequer alegado – e muito menos provado - pela entidade patronal .
Esta exigência, aliás, é comum aos casos de inadaptação previstos no art. 406, nº 1 para os trabalhadores em geral, como também resulta dos requisitos expressos no nº 1 do mesmo art. 407.
É assim manifesto que, no caso concreto, não ocorreu uma inadaptação superveniente da trabalhadora motivada por quaisquer daquelas circunstâncias, não podendo ser confundidas, como o parece fazer a Ré, com uma invocada inaptidão da Autora para o exercício das funções para que foi contratada, e que pode revelar-se em redução anormal da produtividade ou num incumprimento das obrigações que sobre ela impendiam com a diligência devida, que poderão consubstanciar comportamentos do trabalhador integradores de justa causa de despedimento, mas que não estão em causa nos presentes autos.

4. Dos Danos Morais

Finalmente sustenta a Apelante que a sua condenação, a título de indemnização por danos não patrimoniais, no pagamento da quantia de €10 000,00 é infundada ou ainda manifestamente excessiva.
Como decorre da p.i. a Autora reclama o pagamento de indemnização por danos morais com fundamento no se afastamento do núcleo essencial das funções que vinha exercendo, no facto de ter sido deslocada do seu gabinete e isolada num espaço que constituía a kitchenet do lar e ter divulgado, publicamente, aquela retirada de funções de direcção.
A CRP consagra no seu art. 58,nº1 o direito ao trabalho, sendo a dimensão deste direito o de “exercer efectivamente a actividade correspondente ao seu posto de trabalho, sendo proibido a manutenção arbitrária do trabalhador na inactividade (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada, pág.315).
Este princípio teve expresso acolhimento no CT de 2003 que no seu art.122 proíbe o empregador que obste, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho.
Como fundamento, aduz-se que “ o contrato de trabalho envolve o compromisso da ocupação efectiva (até como imperativo da boa-fé, não merecendo protecção as motivações (…) que levem o empregador a manter o trabalhador inactivo podendo objectivamente ocupá-lo”(cfr. Monteiro Fernandes, Noções Fundamentais, 6ª ed., pág.190 e sgs).
No caso vertente, provou-se que, na sequência da resposta apresentada pela Autora à avaliação de que foi objecto por parte da Ré, esta, em reunião de Direcção de 20.4.2006, comunicou a decisão de lhe retirar todas as funções que lhe estavam atribuídas, com excepção das relativas à gestão da formação, informando-a ainda que outra trabalhadora iria desempenhar as funções que lhe foram retiradas,
Seguidamente, a Autora foi mudada do seu gabinete para um espaço no 3º piso, sito na kitchenete. Este é um espaço comum que os demais trabalhadores da Ré usam para se servirem dos equipamentos como o micro-ondas ou o lava-louça, sendo frequentada, ocasionalmente, durante o dia, pelos trabalhadores da Ré que antes estavam sob a alçada e direcção da Autora e frequentado habitualmente, no final do dia e após os jantares, pelos mesmos e ainda pelos utentes da Ré.
A actuar conforme referido, a Ré quis sujeitar a Autora à vergonha e humilhação provocada por essa exposição, tendo esta ficado humilhada e desgostosa
Porque a retirada de funções não foi total não podemos referir que se verifica, no caso vertente, a violação do direito à ocupação efectiva. No entanto, a factualidade atrás aludida, no seu conjunto, permite-nos afirmar ser inequívoco estarmos perante um autêntico caso de mobbing ou assédio moral, previsto no art. 24 do CT de 2003.
Como refere Maria Regina Redinha, in Assédio Moral ou Mobbing no Trabalho, Estudos de Homenagem ao Prof. Raul Ventura, vol. II, 2003 “ o mobbing ou assédio moral é percebido como uma “prática insana de perseguição” metodicamente organizada, temporalmente prolongada, dirigida normalmente contra um só trabalhador que, por consequência, se vê remetido para uma situação e desesperada, violentado e frequentemente constrangido a abandonar o seu emprego, seja por iniciativa própria ou não”.
O mobbing, que também se designa por terrorismo psicológico, pode caracterizar-se por três facetas:
- a prática de determinados comportamentos (que tanto podem integrar condutas que isoladamente poderiam ser consideradas lícitas e porventura insignificantes como comportamentos identificados como ilícitos;
- a sua duração, salientando-se o seu carácter repetitivo;
- e as suas consequências deste, designadamente sobre a saúde física e psíquica da vítima ( veja-se Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I,pág.428).
Como refere ainda M. Regina Redinha (ob. e local citados) “As estratégias utilizadas são múltiplas, sendo recorrentes o isolamento, as transferências vexatórias, a desocupação, o empobrecimento funcional das tarefas, a desautorização”.
No recurso a Apelante avança com factos que pretendem justificar ou enquadrar o comportamento da Ré. Porém, porque não provados, não podem os mesmos ser atendidos.
A qualificação da situação como assédio moral, traduz um ilícito contratual dado que foi violado o dever de respeito e a integridade psíquica e moral do trabalhador, direito de personalidade consagrado no art. 18 do CT, dando causa a um dano moral merecedor da tutela do direito (a A. ficou abalada psicologicamente, pondo em causa a sua auto-estima e confiança, provocando-lhe ainda humilhação e desgosto).
A actuação da Ré é culposa, porque não ilidiu a presunção que decorre do art. 799 do CC.
Todavia, o valor fixado pela 1ª Instância - €10 000,00 – afigura-se-nos excessivo. Com efeito, embora o critério para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais seja a equidade (art. 496,nº1 do CC), esta norma manda atender às circunstâncias referidas no art.494.
Sendo intenso o grau de culpa da Ré, mas desconhecendo-se a situação económica de ambas as partes, sendo a Ré uma IPSS que, por norma não têm grande desafogo financeiro e perdurando a situação de assédio por um período relativamente curto ( pouco mais de três meses ), entende-se equilibrado fixar essa indemnização em €6 000,00.
Procede, pois, parcialmente a apelação.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, pelo que se altera o ponto 6 do dispositivo, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de €6 000 (seis mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora nos termos aí fixados, mantendo-se, no mais, a douta decisão recorrida.
Custas por Apelante e Apelada na proporção do decaimento

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2012

Filomena Manso
Ramalho Pinto
Isabel Tapadinhas
Decisão Texto Integral: