Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
245/15.9YHLSB.L1-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: MARCAS
REGISTO DE MARCA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Estando assente a prioridade e a oponibilidade das marcas da ora recorrente.
E estando admitido por acordo, e evidenciado na matéria de facto assente, que as marcas em confronto se destinam a assinalar produtos idênticos ou afins,
Conclui-se que a marca nominativa “TAKIS FUEGO”, que a recorrida pretende registar, é suscetível de ser confundida pelo consumidor com as marcas da ora recorrente, em particular com a marca nominativa “FUEGO”.
Para este efeito, o confronto que importa fazer é, apenas, entre os sinais que se pretendem registar de novo e os sinais já registados para os produtos idênticos ou afins, independentemente de quaisquer formas concretas da sua utilização, que não estejam especificadas no registo.
(FA)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

GRUPO, sociedade de direito mexicano, com sede em (…) México, veio, ao abrigo do disposto no art.º 39º, al. a) e no art.º 40º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial (CPI) e no art.º n.º 89º-A, n.º 1, al. d) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 46/2011 de 24 de Junho de 2011, recorrer do despacho proferido em 27 de Abril de 2015, pela Exma. Diretora da Direção de Marcas e Patentes do I.N.P.I – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, por subdelegação de competências do Conselho Diretivo, que recusou o registo da marca nacional n.º 537.588 “TAKIS FUEGO”.
Alegou, em síntese:
Em 20 de Outubro de 2014, requereu o registo da marca nacional n.º 537.588 “TAKIS FUEGO”.
Contra o referido pedido de registo foi apresentada reclamação pela sociedade alemã Spices, com o fundamento de que a marca registanda era suscetível de se confundir com a marca comunitária n.º 3567815, e com a marca internacional n.º 572.716, “FUEGO”, de que era titular.
A recorrente não questiona a prioridade dos registos das marcas invocadas em oposição, nem a existência de identidade ou afinidade entre os produtos que as mesmas se destinam a assinalar.
Mas considera que a conjunção dos elementos que formam a marca da recorrente apresenta uma distintividade e uma aura próprias, não se gerando, em consequência, qualquer risco de confusão ou associação erróneas, porquanto dispõem as mesmas de suficientes dissemelhanças onde o consumidor médio pode alicerçar a necessária distinção.
Daí resultando também afastada a possibilidade de concorrência desleal.
Concluiu pedindo a revogação do despacho recorrido e a concessão do registo da marca nacional n.º 537.588 “TAKIS FUEGO”.
Cumprido o disposto no artigo 43.º do CPI, o INPI remeteu, a título devolutivo, o processo administrativo.
Citada, a sociedade SPICES veio responder, defendendo que entre as marcas em confronto existe manifesta semelhança gráfica, fonética e conceptual, que induz facilmente o consumidor em erro ou confusão, pelo que deve ser mantida a recusa do registo da marca nacional n.º 537.588 “TAKIS FUEGO”.
No seguimento, foi proferida sentença, com a seguinte decisão:
«Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso interposto por GRUPO e, em consequência, decido:
a) Revogar o despacho proferido, em 27 de Abril de 2015, pela Exma. Senhora Diretora da Direção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, por subdelegação de competências do Conselho Diretivo, que recusou o registo da marca nacional n.º 537 588 “TAKIS FUEGO”;
b) Conceder o registo à marca nacional n.º 537 588 “TAKIS FUEGO”;
Custas pela Recorrida. (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).»

Inconformada, a sociedade SPICES apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:

a) O objecto da presente apelação é a douta sentença proferida nos autos do 1º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual, no Processo nº 245/15.9YHLSB, concedendo provimento ao recurso interposto do despacho do INPI que recusou o registo da marca nacional nº 537588 “TAKIS FUEGO”.
b) O presente recurso é ordinário de apelação, com efeito meramente devolutivo, a subir imediatamente nos próprios autos, sendo interposto nos termos do disposto no artigo 46º do CPI e nos artigos 627º, nºs. 1 e 2, 629º, nº 1, 637, nº 1, 638º, nº 1, 645º, nº 1, a) e 647º, nº 1, todos do novo Código de Processo Civil (NCPC) .
c) A marca “TAKIS FUEGO” comporta relativamente às marcas prioritárias da titularidade da aqui Apelante - “FUEGO”- qualificadas semelhanças gráficas, fonéticas e conceptuais, decorrentes da reprodução integral do sinal distintivo e exclusivamente identificativo “FUEGO”, protegido pelo registo da marca internacional nº 572716 e elemento dominante (e único nominativo) em termos identificativos do registo da marca comunitária nº 3567815, semelhanças estas que determinam o risco de fácil indução em erro ou associação errónea para o consumidor relevante, ou seja, o consumidor médio dos produtos assinalados pelas marcas em conflito.
d) A douta sentença recorrida considerou que entre as marcas TAKIS FUEGO e FUEGO não existiam semelhanças susceptíveis de confusão por considerar que o consumidor reterá o elemento TAKIS em detrimento do elemento FUEGO, considerando que este é descritivo de alimento picantes e/ou condimentados.
e) A douta sentença recorrida ignorou que nem a marca TAKIS FUEGO assinala na lista dos produtos que pretende proteger quaisquer alimentos alimento picantes e/ou condimentados, ignorando igualmente que tão pouco as marcas FUEGO da titularidade da Recorrente assinalam
quaisquer alimentos picantes e/ou condimentados.
f) Caso a Recorrida pretendesse “avisar/informar” os consumidores de especiais qualidades dos seus produtos teria registado a marca “TAKIS PICANTE” ou “TAKIS CONDIMENTOS” ou “TAKIS CONDIMENTADO” e não adoptado a marca “TAKIS FUEGO” que reproduz o um sinal distintivo protegido a favor dum seu concorrente.
g) Sendo aliás, que já demonstrou que o que pretende é adoptar e registar a marca “FUEGO”, como resulta provado pelo pedido de registo da marca “FUEGO” com que iniciou o processo de registo e do qual desistiu, na sequência de reclamação apresentada pela ora Recorrente, em sede de processo administrativo.
h) A douta sentença ignorou que o sinal distintivo FUEGO é um sinal exclusivo de comércio protegido por via do registo de marca, a favor da ora Recorrente, tendo sido considerado pelas entidades competentes com capacidade distintiva para identificar os produtos que protege, ignorando assim, os direitos de exclusividade que decorrem do registo (constitutivo de direitos) a favor da Recorrente, em violação do disposto no artigo 224º do CPI, e que, como tal, não poderá ser reproduzido e imitado por terceiros concorrentes.
i) A douta sentença fez uma errada avaliação da interdependência dos factores e requisitos do conceito de imitação, não tendo tido em consideração, na avaliação do terceiro requisito da imitação, que se verificavam quer registos de marcas prioritárias quer que em causa estavam produtos concorrentes e de grande consumo, destinado a um consumidor de mediana atenção.
j) A douta sentença recorrida ao assim ter procedido fez uma errada interpretação do terceiro requisito do conceito legal de imitação e por conseguinte, ao não considerar existirem semelhanças susceptíveis de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão, violou o disposto no nº 1 do artigo 245º do CPI e o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 239º do mesmo CPI,
k) Por consequência, violou o disposto no nº 1 do artigo 245º do CPI e o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 239º do mesmo CPI.
l) A qualificada semelhança gráfica, fonética e conceptual entre as marcas FUEGO e TAKIS FUEGO leva inevitavelmente o consumidor dos produtos em questão ao risco de fácil confusão e associação enganosa o que tem por consequência igualmente inevitável, o risco de ocorrerem situações de concorrência desleal nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 239º do CPI, m) Consubstanciando-se o preenchimento deste requisito legal de forma objectiva, independentemente de tal ser a intenção da requerente da marca TAKIS FUEGO.
n) Ao assim não decidir, a douta sentença recorrida violou o disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 239º do já referido CPI.
o) Em suma, a douta sentença recorrida é ilegal por violação do disposto nos artigos 239º, nº 1, alíneas a) e e), artigo 245º, nº 1 e artigos 224º e 258º todos do CPI e ainda o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 9.º e no n.º 1 do artigo 16.º do Regulamento (CE) n.º 40/94 do Conselho sobre a marca comunitária (RCM)
Nestes termos, nos melhores de direito (….) deve considerar-se procedente o presente Recurso de Apelação, revogando-se a Douta Decisão Recorrida.

A apelada contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Sendo o objeto dos recursos delimitado, em regra, pelas conclusões formuladas pela parte recorrente, enquanto fundadas nas respetivas alegações, no presente recurso está em causa:
Em sede de matéria de facto, saber se deve ser julgado provado que, antes do presente pedido de registo, a ora apelada tinha requerido o registo da marca “FUEGO”, do qual desistiu, na sequência de reclamação apresentada pela ora recorrente, em sede de processo administrativo.
Em sede conclusiva e de direito, saber se a marca nominativa “TAKIS FUEGO”, que a recorrida pretende registar, é suscetível de ser confundida pelo consumidor com as marcas da ora recorrente, em particular com a marca nominativa “FUEGO”.
Estando admitido por acordo, e evidenciado na matéria de facto assente, que as marcas em confronto se destinam a assinalar produtos idênticos ou afins.
E estando assente a prioridade e a oponibilidade das marcas da ora recorrente.

Vejamos:

I – A matéria de facto

Nesta sede está em causa saber se deve ser julgado provado que, antes do presente pedido de registo, a ora apelada tinha requerido o registo da marca “FUEGO”, do qual desistiu, na sequência de reclamação apresentada pela ora recorrente, em sede de processo administrativo.
Muito brevemente, julga-se que deve ser reconhecida razão à recorrente neste ponto.
O facto em causa foi alegado pela ora recorrente no art. 33º da sua contestação, acompanhado de cópias das páginas dos boletins da propriedade industrial onde foi feita a publicação desse pedido de registo (a fls. 105/107 dos autos) e da respetiva desistência (a fls.108/109).
O assim alegado e documentado não sofreu qualquer impugnação.
E dos documentos juntos resulta que a ora recorrida requereu o registo da marca “Fuego” no dia 09-10-2013 e que desistiu desse pedido no dia 19-03-2014.
O que deve, pois, ser julgado provado.

A matéria de facto a considerar é pois, a seguinte

1. GRUPO, ora recorrida, requereu, em 20 de Outubro de 2014, o registo da marca nacional n.º 537.588 “TAKIS FUEGO”, destinada a assinalar - “Aperitivos à base de frutos secos preparados, como amendoins, nozes, amêndoas, cajus e/ou frutos secos, dissecados, torrados, salgados; produtos de batata preparados, batatas fritas aos palitos e batatas fritas para aperitivos; carne, peixe, aves e caça; extractos de carne; frutos e legumes em conserva, congelados, secos e cozidos; geleias, doces, compotas; ovos; leite e lacticínios; óleos e gorduras comestíveis” (classe 29); e - “Aperitivos à base de milho em forma de tacos; produtos alimentares extrudidos à base de milho; pão; bolos; confeitaria, bolachas, café; cacau, farinha de milho; confeitaria; chocolate, gelados comestíveis; mel; gelo para refrescar; sagu, levedura; mostarda, vinagres, massas alimentares; amido para a alimentação; bebidas à base de chocolate, biscoitos; brioches; produtos de confeitaria à base de amendoim; bebidas à base de cacau, aveia moída; milho moído, goma de mascar, milho torrado, rebuçados de menta; menta para confeitaria [hortelã para confeitaria]; noz-moscada, pãezinhos, massa para bolos; pizzas; pudins; sandwiches; hambúrgueres (sanduíches), bolos; empadas, tortilhas de trigo (lanchas); quesadillas (tortilhas recheadas); enchiladas (tortilhas de trigo recheadas de carne e condimentadas com chili); molhos, com excepção de molhos para saladas, fatias de tortilha de milho, fatias de farinha de trigo”, na classe 30ª da Classificação Internacional de Produtos e Serviços.
2. Contra o referido pedido de registo foi apresentada uma reclamação pela sociedade alemã SPICES, com o fundamento de que a marca registanda era suscetível de se confundir com a marca comunitária n.º 3567815 , que assinala os seguintes produtos: - “Carne, peixe, aves e caça, bem como moluscos e crustáceos; extracto de carne; frutos e legumes em conserva, secos e cozidos; conservas, conservas; sopas; geleias, doces, compotas; produtos pré-confeccionados, essencialmente à base de carne, peixe, aves, caça, moluscos e crustáceos, fruta e/ou legumes; entradas, tais como batatas fritas às rodelas; ovos, queijo, gorduras e óleos comestíveis; aperitivos, em especial amendoins, nozes, amêndoas, caju, secos, torrados, salgados e/ou condimentados; biscoitos à base de batata fritos” (classe 29); - “Arroz, tapioca, sagu; farinhas e preparações feitas de cereais, pão, pastelaria, em especial biscoitos de cebola e de queijo, confeitaria, gelados, mel, xarope de melaço; levedura, fermento em pó, sal, mostarda, vinagre, molhos, especiarias, pães ázimos, essencialmente com recheio ou cobertura de carne, peixe, aves ou caça, tais como burritos, fajitas, tacos, enchiladas e chimicangas; produtos à base de trigo, arroz e milho fabricados segundo o processo de extrusão enquanto aperitivos, em especial tortilhas, nachos, tacos, bolachas secas (água e sal);entradas, tais como aperitivos de cereais, molhos e molhos espessos, essencialmente à base de farinha, gorduras e/ou óleos vegetais, tomate, cebolas, pimentos, vagens de chili, queijo fundido e/ou especiarias ;produtos de pastelaria prontos a preparar na torradeira para serem consumidos, em especial sanduíches salgadas; pipocas, flocos de milho“ (classe 30) e - “Amêndoas e caju“ (classe 31), bem como com a marca internacional n.º 572.716 “FUEGO” que assinala os seguintes produtos: “Meat, fish, poultry and game; meat extracts; preserved, dried and cooked fruits and vegetables; meat, fish, fruit, vegetable, poultry and game jellies, jams; eggs, milk and dairy products namely butter, cheese, cream, yogurt, powdered milk for food; edible oils and fats; salad dressings; canned meat, fish, poultry and game” (classe 29) e - “Coffee, tea, cocoa, sugar, rice, tapioca, sago, artificial coffee; flour and preparations made from cereals, bread, pastry and confectionery, edible ices; honey, treacle; yeast, baking-powder; salt, mustard; vinegar, sauces (except salad dressings); spices; ice for refreshment” (classe 30).
3. Em 23 de Fevereiro de 2015, a ora Recorrente contestou a reclamação apresentada pela sociedade Spices, tendo para o efeito alegado que entre as referidas marcas não se verifica a existência de uma semelhança suscetível de induzir facilmente os consumidores em erro ou confusão.
4. O INPI por despacho proferido em 27 de Abril de 2015, recusou o registo da marca nacional n.º 537.588 “TAKIS FUEGO”, conforme publicação inserta no Boletim da Propriedade Industrial n.º 87/2015, de 6 de Maio de 2015.
5. GRUPO, ora recorrida, requereu, no dia 09-10-2013, o registo da marca “Fuego”, pedido de que desistiu no dia 19-03-2014.

A matéria conclusiva e de direito:

Nos termos já referidos, nesta sede está em causa saber se a marca nominativa “TAKIS FUEGO”, que a recorrida pretende registar, é suscetível de ser confundida pelo consumidor com as marcas da ora recorrente, em particular com a marca nominativa “FUEGO”.
Estando assente a prioridade e a oponibilidade das marcas da ora recorrente.
E estando admitido por acordo, e evidenciado na matéria de facto assente, que as marcas em confronto se destinam a assinalar produtos idênticos ou afins. Não tendo sido questionada a conclusão, estabelecida na decisão administrativa, de que entre os produtos que as marcas em confronto se destinam a assinalar se “estabelece uma relação de total identidade e de afinidade por complementaridade e substituição”.
Assim, o que está em causa é a eficácia distintiva da marca “TAKIS FUEGO”, no confronto com a marca “FUEGO”, prioritária, aplicadas a produtos idênticos ou afins.
As bases em que esta apreciação deve ser feita foram bem enunciadas na decisão ora recorrida, em termos que não vêm questionados, nem suscitam dúvidas e que, por comodidade, se reproduzem:
«Conforme dispõe o artigo 239.º, n.º 1, alínea a), do CPI, constitui fundamento de recusa do registo de marca a reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.
Segundo o artigo 245.º, n.º 1 do CPI, existe imitação quando, cumulativamente:
a) A marca imitada tiver prioridade;
b) Ambas as marcas se destinem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; e
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
A Recorrente aceita que as marcas da Recorrida tem prioridade e que se verifica identidade e/ou afinidade entre os produtos que a sua marca visa assinalar e os assinalados pelas marcas da Recorrida, e tendo em conta que as marcas da Recorrida tem registo concedido antes do pedido da marca sob recurso e atento os produtos que as marcas assinalam é evidente a verificação dos dois primeiros pressupostos da imitação.
Assim, cumpre apenas apreciar, mais detalhadamente, do terceiro requisito semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra entre as marcas em confronto.
No que concerne ao terceiro pressuposto - à semelhança entre marcas - a lei não define este conceito, somente indicando os critérios para determinar a sua existência, cabendo ao intérprete e aplicador da lei, designadamente à jurisprudência, a tarefa de decidir, caso a caso e à luz desses critérios, sobre a sua verificação e consequente relevância para efeitos de recusa de registo.
Convém, por isso, relembrar alguns princípios ou regras que se vêm firmando quer na doutrina quer, especialmente, na jurisprudência no âmbito desta específica atividade hermenêutica.
São eles:
- É matéria de facto saber se existe ou não semelhança e é matéria de direito apurar quer da existência ou não de imitação em face das semelhanças ou dissemelhanças fixadas pelas instâncias, quer se a imitação assenta numa semelhança capaz de determinar erro ou confusão;
- O juízo comparativo deve ser objetivo, apurando-se se existe risco de confusão tomando em conta o consumidor ou utilizador final medianamente atento;
- Para a formulação desse juízo releva menos as dissemelhanças que ofereçam os diversos pormenores isoladamente do que a semelhança que resulta do conjunto dos elementos componentes, devendo ainda tomar-se em conta a interligação entre os produtos e serviços, por um lado, e, por outro, os sinais que os diferenciam.
Isto é, esse confronto não demanda, da parte do consumidor, especiais qualidades de perspicácia, subtileza ou atenção, já que, no frenético universo do consumo, o padrão é o consumidor médio, razoavelmente informado, mas não particularmente atento às especificidades próprias das marcas.
Daí que, no juízo a fazer acerca da imitação, se deva ter em conta uma impressão de conjunto e não de pormenor das marcas ou produtos, sendo relevantes os elementos que essencialmente, as distinguem por serem os dominantes.
É assim o critério do consumidor médio, o relevante, para diante dos elementos gráficos, fonéticos ou figurativos (sobretudo nas marcas mistas) de certo produto de uma marca, poder ou não, ter a perceção de que pode confundir essa com aquela outra, ou associá-la a uma já existente, não sendo de exigir que, se tivesse a possibilitar de as confrontar, logo as suas dúvidas pudessem ser dissipadas — cf. o Acórdão do STJ de 15.02.2000, CJSTJ 2000, I, pág. 97.
Por outras palavras, o consumidor em causa não é um consumidor concreto, mas um consumidor abstrato, não de todo e qualquer produto ou serviço, mas sim daquele a que a marca se destina. O critério de confundibilidade a ter em conta será, portanto, colocado na perspetiva do consumidor médio dos produtos ou serviços em questão, tomando em conta o estrato ou estratos populacionais a que primordialmente são destinados.
Haverá, aliás, que atender à espécie de marca de que se trata. Assim, nas marcas nominativas, deverá proceder-se a um confronto sobre os aspetos gráficos e fonético — cf. Acórdão do STJ de 30.01.2001, CJSTJ 2001, I, pág. 89 —, e nas mistas atender ainda aos figurativos, tudo no seu conjunto, salientando aquilo que chama mais a atenção ao referido consumidor, aquilo que mais (facilmente) retém na memória.
Quanto ao risco de associação, COUTINHO DE ABREU, B.F.D.U.C., vol. LXXIII, 1997, pág. 145, em estudo sobre as Marcas escreve: « (…) o risco de confusão deve ser entendido em sentido lato, de modo a abarcar tanto o risco de confusão em sentido estrito ou próprio como risco de associação. Verifica-se o primeiro quando os consumidores podem ser induzidos a tomar uma marca por outra e, consequentemente, um produto por outro (os consumidores creem erroneamente tratar-se da mesma marca e produto). Verifica-se o segundo quando os consumidores, distinguindo embora os sinais, ligam um ao outro e, em consequência, um produto ao outro (creem erroneamente tratar-se de marcas e produtos imputáveis a sujeitos com relação de coligação ou licença, ou tratar-se de marcas comunicando análogas qualidades dos produtos)».
Na feliz afirmação de KOHLER, citado no acórdão do STJ de 03.11.1981, BMJ 311º-402, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação.
A resposta à questão em análise não poderá olvidar o ensinamento de PINTO COELHO, nas suas "Lições de Direito Comercial": «Sempre que a marca, no seu conjunto, forma uma semelhança tal com outra que possa determinar a confusão entre as duas, deve considerar-se a marca como imitada; deve olhar-se, insiste-se, à semelhança do conjunto e não à natureza das dissemelhanças ou ao grau das diferenças que as separam.
É preciso considerar-se - refere ainda o mesmo autor - que o público geralmente não está a pensar na imitação, na existência ou inexistência de imitação. Liga um produto, que lhe agradou, a certa marca, de que conserva uma ideia mais ou menos precisa. E deve evitar-se que outro comerciante adote uma marca que, ao olhar distraído do público possa apresentar-se como sendo a que ele busca».
Como é sublinhado por FERRER CORREIA, existirá imitação quando «tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é suscetível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento», Lições de Direito Comercial, vol. I, 1965, pág. 347.
Como vem afirmado no acórdão do STJ de 25.03.2004, processo n.º 03B3971, disponível in www.dgsi.pt, trazendo à colação a lição de Paul Roubier, a comparação entre duas marcas deve ser feita tendo em conta que o comprador, quando compra um produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem simultaneamente as marcas sob os olhos para as comparar. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória. Por isso, também o Juiz não deve colocar uma das marcas ao lado da outra para proceder a um exame simultâneo das duas; o que deve fazer é examiná-las sucessivamente, de maneira a perguntar-se se a impressão deixada pela primeira é semelhante à da segunda, colocando-se em posição semelhante à do consumidor, que, por não ter as duas marcas ao mesmo tempo diante dos olhos, não pode fazer um exame comparativo, tendo de decidir com o auxílio da sua memória.

Justificando-se aditar, em relação a este último ponto, o seguinte excerto das alegações da ora recorrente, a fls. 20 da referida peça processual:
«Permite-se a apelante a este propósito, referir Carlos Olavo, in “Propriedade Industrial Sinais Distintivos do Comércio”, Vol. I, pág. 101,
“O consumidor médio quase nunca se defronta com os dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento; a comparação que entre eles pode fazer não é assim simultânea, mas sucessiva.
(…)
Da constatação de que a comparação não é simultânea, mas sucessiva, decorrem importantes corolários.
Se dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam.
Mas quando dois sinais são vistos sucessivamente, é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece, pelo que, nesse momento, apenas as semelhanças ressaltam”.

Ainda em tese geral, também se acompanha a recorrente quando, a fls. 14/15, alega:
«Atente-se que são apenas relevantes para efeitos de aferição da semelhança entre os sinais e, por conseguinte, do conceito de imitação, os sinais tal qual se encontram registados, no caso sub judice, entre os sinais distintivos “TAKIS FUEGO” e “FUEGO”, respectivamente.
A semelhança deverá ser aferida apenas de acordo como os mesmos se encontram registados (ou requeridos), independentemente de estarem ou poderem vir a ser a ser usados sozinhos ou em conjunto com outras marcas ou sinais de comércio….».
Ou seja, o confronto que importa fazer é, apenas, entre os sinais que se pretendem registar de novo e os sinais já registados para os produtos idênticos ou afins, independentemente de quaisquer formas concretas da sua utilização, que não estejam especificadas no registo.
Tentando concretizar os princípio assim enunciados, e responder à questão de saber se a marca nominativa “TAKIS FUEGO”, que a recorrida pretende registar, é suscetível de ser confundida pelo consumidor com as marcas da ora recorrente, em particular com a marca nominativa “FUEGO”, começa-se por salientar as respostas divergentes que foram dadas, primeiro na decisão administrativa, e depois na decisão ora recorrida.
Na primeira decisão foi entendido que não estava assegurada a eficácia distintiva da marca registanda em relação às marcas prioritárias, o que foi justificado nos seguintes termos:
«Do confronto entre a marca requerida e a marca prioritariamente registada ressalta uma forte semelhança gráfica e fonética, na medida em que, a componente verbal protegida pelas marcas reclamantes foi inteiramente reproduzida no sinal exclusivamente verbal registando, circunstância que, a nosso ver, dificilmente permitirá a sua destrinça por ser susceptível de induzir em erro ou favorecer uma associação natural e espontânea entre as marcas litigantes e impelir o consumidor médio a crer, indevidamente, que têm a mesma origem empresarial ou que algum tipo de relação existe entre as respectivas entidades»
Na decisão ora recorrida concluiu-se, diversamente, que «…não se verificam semelhanças bastantes para induzir o consumidor em erro ou confusão, ou que compreendam um risco de associação com as marcas anteriores da Recorrida, não se verificando, in casu, qualquer situação para recusar o registo».
O que foi justificado, designadamente, nos seguintes termos:
«No caso em apreço, os sinais “TAKIS FUEGO”, cujo pedido de registo foi recusado, e as marcas da Recorrida e “FUEGO” têm em comum, no que respeita ao elemento nominativo, a expressão – FUEGO - sendo que é, essencialmente, o elemento “TAKIS …” na marca da Recorrente que, ontologicamente, tornam cada uma das marcas gráfica e foneticamente diferentes.
Resta saber se tal sucede igualmente juridicamente.
Em meu entender, mesmo tendo apenas em consideração o elemento nominativo, o que confere carácter distintivo às marcas em confronto é o seu todo, “TAKIS FUEGO” vs “FUEGO”.
(…)
Da análise global dos sinais em confronto resulta que eles são gráfica e foneticamente distintos.
O INPI isolou um dos elementos que compõem o elemento nominativo da marca da Recorrente e, sendo este igual ao elemento nominativo das marcas da Recorrida, conclui que havia imitação.
Não pode ser aceite tal raciocínio.
Tal decomposição das expressões que compõem a marca vai contra os princípios de análise, pois tais expressões valem pelo seu todo e não pelas suas partes integrantes e sem autonomia.
O juízo de comparação deve ser feito “por intuição sintética e não por dissecação analítica”, apreciando-se a imitação “pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca”.
O facto de ambas as marcas terem como elemento comum na sua formação a palavra – FUEGO - não se afigura suficiente para conferir uma semelhança visual ou auditiva de tal ordem que potencie o risco de confusão ou associação por parte do consumidor. Com efeito, da comparação das duas marcas na sua globalidade ressaltam diferenças evidentes cuja verificação dispensa um exame atento ou o confronto direto por parte do consumidor, pelo que fica afastada a possibilidade de imitação.
A marca da recorrente é constituída também pela palavra “TAKIS …”, que se encontra no início da marca, sendo, por este facto, aquela que o consumidor mais facilmente reterá na sua memória.
Sendo certo que a marca da Recorrida tem uma componente figurativa extremamente forte pelo facto de ser constituída por cores vivas e fortemente impressivas.
E a marca “FUEGO” da Recorrida é formada apenas por uma única palavra, ao passo que a marca da recorrente é formada por dois vocábulos, resultando, por conseguinte, num conjunto gráfico e fonético bastante diverso.
Por outro lado, a palavra “FUEGO” traduzida para português “FOGO” não é uma palavra dotada de forte capacidade distintiva.
Aquela expressão, aplicada a produtos assinalados, designadamente aperitivos, o consumidor médio português apreenderá a expressão “FUEGO” como uma expressão destinada a “avisar/informar/descrever” que os alimentos em causa são especialmente picantes e/ou condimentados. Ou seja, a expressão “FUEGO” é tomada pelo consumidor médio com um significado descritivo.
Assim, o consumidor médio quando confrontado com as marcas em causa - seguramente entenderá que os produtos assinalados são especialmente picantes e/ou condimentados – atenta a diferença vincada na impressão global que receberá de uma e de outra marca não é plausível que o consumidor as confunda.
Em suma, da apreciação do conjunto de cada uma das marcas resulta, em meu entender, não haver semelhança (e muito menos identidade) gráfica ou fonética entre a marca sob recurso e as marcas da Recorrida, pelo que, a confrontação com a marca sob recurso não invoca na mente do consumidor as marcas da Recorrida e vice-versa
Foi ainda considerado que a possibilidade de o consumidor ser induzido em erro entre as marcas em confronto era afastada pela forma como as duas marcas seriam usadas, concretizada em três tipos diferentes de embalagens de produtos de cada uma das marcas em confronto, reproduzidas a fls. 14 da decisão recorrida.
Pela nossa parte, reconhecendo-se que a questão não é de resposta inequívoca, como é evidenciado pelas posições divergentes assumidas nas decisões proferidas nos autos, propendemos a reconhecer razão à recorrente e à decisão administrativa.
De facto, considerando apenas as marcas nominativas em confronto, verifica-se que a marca da recorrente é inteiramente reproduzida pela marca da recorrida. E, diversamente do que foi entendido na decisão ora recorrida, julga-se que, ao menos para os consumidores de língua portuguesa, que são os preferencialmente visados com o registo da marca nacional “TAKIS FUEGO”, o elemento preponderante desta marca será a palavra “FUEGO”, que tem significado específico, que a maioria dos consumidores portugueses identificará, e não a palavra “TAKIS”, que aparece como uma mera expressão de fantasia, a que não vem atribuído qualquer significado.
Depois, não resulta da matéria de facto provada, nem pode ser julgado provado nos autos, que o consumidor médio português apreenderá a expressão “FUEGO”, quando aplicada aos produtos assinalados, designadamente a aperitivos, como uma expressão destinada a avisar/informar/descrever que os alimentos em causa são especialmente picantes e/ou condimentados.
E quanto à maior ou menor capacidade distintiva desta palavra, observa-se que a mesma foi admitida a registo, nas duas marcas da ora recorrente, o que envolve o reconhecimento de eficácia distintiva bastante. Para além de que a própria recorrida quis registar uma marca nacional constituída apenas por essa palavra, assim lhe reconhecendo também eficácia distintiva.
Também não procede o argumento, que foi aduzido na decisão recorrida, fundado na forma como os produtos assinalados pelas marcas em confronto seriam apresentados ao consumidor. Pois que, nos termos já referidos, essa forma de utilização não está especificada no registo, não sendo, por isso, limitadora do uso da marca, uma vez registada.
Para além de que essa forma de utilização também não integra a matéria de facto julgada provada, nem pode ser julgada assente nos autos, posto que a sua alegação não foi apoiada em qualquer meio de prova plena e, no que respeita à marca registanda, foi objeto de impugnação.
Deste modo, não está assente nos autos que a marca da ora recorrida se destina a ser usada pela forma que a mesma documentou a fls. 53 e 54. E, independentemente disso, a concessão do registo de marca pretendido nunca limitaria o seu uso a qualquer forma de utilização não especificada nesse registo.
Assim, a apreciação a fazer fica efetivamente confinada ao exame dos sinais em confronto, de forma preferencialmente sucessiva, tentando confrontar o sinal “TAKIS FUEGO”, que a recorrida pretende registar, com a memória que se possa reter da marca “FUEGO”.
Sabendo-se que, neste confronto não simultâneo dos sinais, são as semelhanças que ressaltam, e não as diferenças.
Para além de que, nos termos já referidos, se considera preponderante, na marca “TAKIS FUEGO”, ao menos para os consumidores de língua portuguesa, o elemento “FUEGO”, uma vez que tem um significado específico, que a maioria dos consumidores portugueses identificará, diversamente do que sucede com o elemento “TAKIS”, a que não será vem atribuído qualquer significado.
E assim, afigura-se fundada a conclusão, a que se chegou na decisão administrativa, de que a reprodução integral, na marca que a recorrida pretende registar, da componente verbal protegida pelas marcas da recorrente é suscetível de induzir em erro ou favorecer uma associação natural e espontânea entre as marcas litigantes e impelir o consumidor médio a crer, indevidamente, que têm a mesma origem empresarial ou que algum tipo de relação existe entre as respetivas entidades.
Devendo prevalecer esta decisão, sendo recusado o registo da marca nacional “TAKIS FUEGO”.
Procedendo o presente recurso.

Termos em que acordam em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e recusando-se o registo da marca nacional “TAKIS FUEGO”.
Custas pela apelada.

Lisboa, 28-04-2016


(Farinha Alves)


(Tibério Silva)


(Ezagüy Martins