Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4244/09.1T2SNT-A.L1-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
VALOR DA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) A oposição por embargos de executado constitui, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à ação executiva, tomando a natureza de uma contra-ação.
II) Logo, o requerimento de oposição equivale à petição inicial da ação declarativa, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 552.º do CPC.
III) Há que ponderar, porém, que a oposição por embargos de executado está ligada instrumental e funcionalmente à ação executiva em que se insere.
IV) As disposições do CPC relativas à verificação do valor da causa não contemplam um regime específico quanto ao valor da oposição por embargos de executado.
V) A oposição por embargos de executado tem um valor próprio, correspondente à sua utilidade económica, a qual coincidirá, em princípio, com o valor da execução.
VI) Deverá, pois, ser perspetivada neste particular como incidente da instância, à semelhança do que sucede com os embargos de terceiro, sendo-lhe aplicável o disposto nos artigos 304.º e 307.º do CPC.
VII) Não tendo sido indicado o valor na petição de embargos de executado, não é de aplicar a cominação da extinção da instância prevista no artigo 305.º, n.º 3, do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,

I - Relatório

1 – CA… interpôs recurso de apelação da sentença proferida nos autos de oposição por embargos de executado supra identificados, a qual julgou extinta a instância por falta de indicação do valor da causa.
Por apenso à execução que MG… intentou contra PM… e CA…, fundada em sentença, este deduziu embargos de executado no dia 11.9.2013, nos quais pediu a extinção da execução em face do pagamento da quantia exequenda com os descontos efetuados aos Executados ou, subsidiariamente, a redução parcial da quantia exequenda e da execução pelo montante que o Embargante descontou enquanto trabalhador.
Por despacho de 23.10.2017, convidou-se o Embargante a declarar o valor da causa em dez dias, sob pena de a instância se extinguir, ao abrigo do disposto no artigo 305.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante CPC).
Por sentença de 18.1.2018, julgou-se extinta a instância declarativa e determinou-se o prosseguimento da execução, ao abrigo do artigo 305.º, n.º 3, do CPC.
            
2 - Inconformado com o assim decidido, o Embargante interpôs recurso de apelação, tendo apresentado as seguintes CONCLUSÕES:
«1- Não é de aplicar ao caso de falta de indicação do valor da oposição à execução por embargos de executado a cominação do artigo 305º nº 3 do NCPC que a lei prevê para a petição inicial.
2-   A oposição à execução, no que respeita ao seu valor, deve ser tratada como incidente da instância à semelhança do que ocorre com os embargos de terceiro, sendo-lhe aplicável o disposto nos arts. 304 nº1, e 307º nº1 do Novo Código de Processo Civil.
3-  Reforça tal entendimento a circunstância de no DUC a pagar se mencionar ser correspondente a “Oposições à execução ou à penhora/embargos de terceiro - Tabela II”- aliás por lapso por dever ser Tabela I.
4-  Assim o valor da oposição é o da execução a que respeita, salvo se tiver realmente valor diverso deste (art. 304º, nº l); se, porém, o opoente não indicar o valor, entende-se que aceita o valor dado à execução (art. 307º, nº1).
5- Se no requerimento de oposição não foi indicado, expressamente, qualquer valor, deve ter-se como aceite o valor dado à execução.
6-  Entregue no Tribunal, por via electrónica, a oposição a uma execução contra si instaurada e tendo sido recebida e ordenada a notificação da exequente para contestar, a notificação de um despacho a dizer implicitamente que nem sequer deveria ter sido recebida porque não continha a indicação do valor da causa no articulado e a invocar e aplicar regras relativas à admissão do articulado inicial de acção declarativa autónoma, viola o principio da confiança e caso julgado formal,
7-   Sendo certo que o valor da causa é conhecido do Tribunal, pois corresponde ao valor da execução, não existindo quais quer dúvidas sobre o Tribunal competente para apreciar a oposição à execução que procede por apenso à execução e sobre o valor quer da execução quer da oposição, por constarem em diversas instâncias da aplicação Citius-docs. 1,2,3 cuja junção se torna necessária atento o conteúdo da decisão ignorar a sua existência na mesma,
8-   A decisão de ordenar a extinção da instância de oposição, por falta de indicação do valor da causa, viola as disposições dos arts. 296º nº 1, 297º nº1, 304º nº1, 307º nº1 todos do NCPC».
Propugna, por isso, o Apelante a revogação da decisão de extinção da instância e o prosseguimento dos termos da oposição que não foi impugnada.

3 - O Recorrido não apresentou contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - Âmbito do recurso de apelação

Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
- A natureza da oposição por embargos de executado;
- A consequência da omissão do valor da causa nesse articulado.
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III - Fundamentação

Fundamentação de facto

A factualidade relevante para apreciação do presente recurso é a que resulta do iter processual descrito no relatório.

Enquadramento jurídico

Da natureza da oposição por embargos de executado

Na sentença recorrida teve-se em consideração o disposto no artigo 305.º, n.º 3, do CPC, segundo o qual «Quando a petição inicial não contenha a indicação do valor e, apesar disso, haja sido recebida, deve o autor ser convidado, logo que a falta seja notada e sob a cominação de a instância se extinguir, a declarar o valor (...)».
O Recorrente sustenta, porém, que devem ser aplicadas à oposição por embargos de executado as regras dos incidentes da instância, designadamente o disposto no artigo 307.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual, se a parte que deduzir qualquer incidente não indicar o respetivo valor, entende-se que aceita o valor dado à causa.
Quid juris?
Analisando a figura da oposição à execução, tout court ou mediante embargos de executado, segundo a velha terminologia eliminada pela revisão de 2003 e repristinada pelo CPC de 2013, pode concluir-se que, não obstante a flutuação de nomenclatura, a sua natureza jurídica não mudou em qualquer das reformas desde 2003.
A oposição mediante embargos de executado continua a ser uma fase eventual da ação executiva que assume a natureza de contra-ação tendente a obstar aos efeitos da execução por via da afetação dos efeitos normais do título executivo e/ou da ação que nele se baseia – vide Lebre de Freitas, A Ação Executiva - À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, p. 212.

Da consequência da omissão do valor da causa na oposição por embargos de executado

Da natureza jurídica da oposição em apreço ressalta que a petição de embargos de executado equivale a uma petição inicial da ação declarativa, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 552.º do CPC, designadamente a alínea f) do n.º 1, relativa à indicação do valor da causa.
Porém, não se pode descurar que na sua dinâmica, esta fase eventual da ação executiva garante ao executado a defesa contra a pretensão do exequente.
Seguindo de perto a jurisprudência dos acórdãos do TRP de 22.2.2007 e do TRL de 3.12.2015, proferidos nos processos n.ºs 0730569 e 4287/14.3YYLSB-A.L1-6, respetivamente, in www.dgsi.pt, há que ponderar que a oposição constitui também uma ação declarativa ligada instrumental e funcionalmente à ação executiva em que se enxerta.
Ora, o citado artigo 305.º, n.º 3, do CPC contempla uma consequência gravosa para a falta de indicação do valor da causa numa petição inicial atendendo à sua necessidade para a determinação da competência do tribunal, da forma de processo comum e da relação da causa com a alçada.
Essas razões não subsistem no caso da oposição por embargos.
Com efeito, as disposições do CPC relativas à verificação do valor da causa não contemplam um regime específico quanto ao valor da oposição por embargos de executado.
Mas a oposição por embargos de executado tem um valor próprio, correspondente à sua utilidade económica – artigo 305.º, n.º 1, do CPC, a qual coincidirá, em princípio, com o valor da execução ou, se não a abranger na totalidade, ao valor da parte a que a oposição se refere.
Deverá, pois, ser perspetivada neste particular como incidente da instância à semelhança do que sucede com os embargos de terceiro, sendo-lhe aplicável o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 304.º e 307.º do CPC, tendo-se como aceite, em princípio, o valor dado à execução.
Volvendo ao caso em espécie à luz das considerações expendidas, consideramos desadequada e desproporcional a consequência a que chegou a sentença recorrida para a falta de indicação de valor na oposição.
Citando Menezes Cordeiro, apud acórdão do TRP de 22.2.2007, o Direito «(…) não estatui em abstracto: ele pretende a prossecução de determinados objectivos, em termos de efectividade; daí o primado da teleologia e a ponderação das consequências da decisão como um dos elementos da moderna teoria interpretativa» (Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 82).
Em face dos fundamentos de facto e de Direito supra explanados, a apelação do Recorrente deve proceder na íntegra.
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Uma vez que neste recurso o Recorrente obteve vencimento e não se pode afirmar que o Recorrido tenha ficado vencido ou obtido proveito do processo nos termos previstos no artigo 527.º do Código de Processo Civil, não haverá condenação no pagamento das custas processuais.
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IV - Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes desta 2.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação, revogando, em consequência, a sentença recorrida, devendo os autos de oposição por embargos de executado prosseguir os seus termos, considerando-se como valor da oposição por embargos de executado o valor da execução.
Sem custas.
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Lisboa, 8 de novembro de 2018

Gabriela Cunha Rodrigues

Arlindo Crua

António Moreira