Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
65/22.4T8SNT-A.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: REGIME JURÍDICO DO PERSI
AÇÃO EXECUTIVA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Não padece do vício de ineptidão, a alegação de recurso, na qual se encontram expressos os fundamentos e as conclusões (causa de pedir), bem como, a pretensão de revogação da decisão recorrida (pedido), em termos congruentes e inteligíveis, mas em que, igualmente, se refere requerer a “anulação de venda”, acto processual que não teve lugar no processo, patenteando o lapso de tal alusão.
II) O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, visa proteger especificamente o cliente bancário, que, nos termos do artigo 3.º, al. a) do mesmo Decreto-Lei é “o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”, ou seja, “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
III) Tendo o contrato de compra e venda com mútuo e hipoteca dos autos sido contraído com a finalidade de o imóvel se destinar a habitação própria permanente da mutuária/executada e ocorrendo mora, no domínio de aplicação e vigência do regime do PERSI, ainda que o contrato dos autos tenha sido celebrado em data anterior à de entrada em vigor (01-01-2013) desse regime jurídico, a instituição de crédito deveria promover as diligências necessárias à implementação do PERSI, relativamente a tal cliente bancário, que tem a feição de consumidor, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 3.º, al. a) e c), e 12.º e ss. do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, na redação originária deste diploma.
IV) A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito – cfr. artigo 18.º, n.º 1, al. b) do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro – pelo que, estando o crédito em incumprimento sujeito ao âmbito de aplicação do diploma que aprovou o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), o credor não pode instaurar execução para obter a satisfação do seu crédito sem previamente instaurar e tramitar este procedimento.
V) A instauração de acção executiva sem que se mostrem verificada a referida condição objectiva de procedibilidade, que deverá ser sedimentada sempre em “suporte duradouro” – que, no caso, se mostra inexistente - gera a verificação de uma excepção dilatória inominada, que conduz à absolvição da instância (cfr. artigos 576.º, n.ºs. 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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1. Relatório:
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1. A CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. apresentou requerimento executivo, dando origem aos autos com o n.º …/…, onde qual figura como título executivo “outro título com força executiva”, tendo sido alegados no mesmo requerimento, os seguintes factos:
“1. Por documento particular, outorgado ao abrigo do DL nº 255/93, de 15 de Julho, em catorze de dezembro de mil novecentos e noventa e cinco, os Executados SV, na qualidade de mutuária, e AV e cônjuge MV, na qualidade de fiadores, celebraram com a Caixa Geral de Depósitos, S.A., ora Exequente, um contrato de Mútuo e Hipoteca e Fiança, a que corresponde o empréstimo bancário nº PT …, o qual se junta como documento nº 1.
2. No âmbito do contrato acima celebrado, a Executada SV recebeu a título de quantia mutuada o montante de 11.000.000$00, equivalente a €54.867,77, de que se confessou devedora e que se obrigou pagar à ora Exequente através de 300 prestações mensais e no prazo de 25 anos a contar da data da celebração do contrato, acrescido das taxas de juros (inicialmente TAE de 12,962%) e nas demais condições acordadas, destinando-se a financiamento de aquisição de imóvel para habitação própria permanente – cfr. documento nº 1.
3. Para garantia do mútuo foi constituída uma hipoteca sobre o seguinte bem imóvel: fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao …º andar D, habitação e arrecadação nº 11 na cave, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida …, nºs … a …-D, na freguesia de São Marcos, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o nº …, da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3º, da freguesia de Cacém e São Marcos, conforme melhor resulta da Certidão de Registo Predial que se junta como documento nº 2.
4. A hipoteca assim constituída encontra-se registada a favor da Exequente, a título definitivo, através da inscrição correspondente à apresentação AP. 68 de 1995/10/06 – Hipoteca Voluntária, para garantia do capital acima mutuado, dos respetivos juros anuais contratualmente acordados até 12,962%, e, em caso de mora, acrescidos de sobretaxa de mora até quatro por cento, ao ano, a título de cláusula penal, bem como, das despesas emergentes do contrato celebrado, e com o montante máximo assegurado de 17.037.460$00, equivalente a €84.982,49 – cfr. documento nº 2.
5. Para garantia do bom cumprimento do contrato de empréstimo, constituíram-se ainda como fiadores e principais pagadores os Executados AV e MV, os quais se responsabilizaram solidariamente pelo pagamento à ora Exequente de tudo quanto viesse a ser devido em consequência das obrigações contratadas – cfr. documento nº 1.
6. Por documentos particulares, os Executados e a ora Exequente acordaram a introdução de diversas alterações ao clausulado do contrato de mútuo acima celebrado descritas nos documentos nºs 3 e 4 que se juntam.
7. A Executada SV, apesar de instada pela ora Exequente, não efetuou o pagamento das prestações mensais contratadas e designadamente todas as vencidas desde 14 de outubro de 2020, mantendo-se atualmente numa situação de incumprimento e com os fiadores ora Executados AV e MV a assumirem igual posição de incumprimento contratual.
8. Pretende a Exequente reaver a totalidade do capital mutuado ainda em dívida, acrescido da totalidade dos juros vencidos e vincendos, bem como das demais despesas em que incorreu e incorrerá com a recuperação do seu crédito, dado que o incumprimento dos Executados tornou vencida a totalidade das obrigações contratadas.
9. Em 28 de dezembro de 2021, a dívida relativa ao contrato de mútuo, ascende ao montante global de €50.575,35 (cinquenta mil quinhentos e setenta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos), sendo que:
• a dívida de capital perfaz o montante de €48.853,06;
• os respetivos juros vencidos, contabilizados desde 14/10/2020 a 28/12/2021, perfazem o montante de €1.515,79; e,
• as comissões devidas ascendem ao montante de €206,50;
- tudo conforme Nota de Débito nº …/…, emitida nos termos contratados, que se junta como documento nº 5.
10. A partir de 29 de dezembro de 2021 inclusive, continuarão a vencer-se juros calculados à taxa anual de 5,466% até ao integral e efetivo pagamento da dívida – cfr. documento nº 5.
11. O crédito goza de garantia real (Hipoteca Voluntária) constituída sobre o bem imóvel nomeado à penhora nos presentes autos, encontra-se vencido na sua totalidade, é líquido, integralmente exigível e está consubstanciado em título com força executiva bastante.”.
Juntou “contrato de compra e venda com mútuo e hipoteca”, “contrato de fiança”, certidão permanente do registo predial, cartas datadas de 13-01-2009 e de 14-09-2015 e documento bancário.
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2. Por apenso aos referidos autos de execução, veio a executada SV, deduzir embargos de executado, alegando, nomeadamente, que verificando-se o incumprimento do contrato de mútuo celebrado, destinado para aquisição de habitação própria, a embargada não desencadeou o procedimento previsto nos artigos 12.º a 21.º do D.L. n.º 227/12, de 25 de outubro, com as alterações do D.L. n.º 70-B/2021, de 6 de agosto, concluindo que não estando vencido o capital, não é devida a quantia exequenda.
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3. Recebidos os embargos, por despacho de 17-03-2022 e determinada a notificação da exequente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 732.º, n.º 2, do CPC, dos autos não consta contestação.
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4. Após, em 22-08-2022, foi proferido despacho saneador que, fixou o valor da causa e julgou procedente a exceção dilatória prevista no artigo 18.º, n.º 1, al. b) do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, absolvendo a executada/embargante da instância executiva.
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5. Não se conformando com esta decisão, dela apela a exequente/embargada, pugnando pela sua revogação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“a. Refere a Douta Sentença que a ora Recorrente se encontrava obrigada a desencadear o PERSI em relação à Executada (artigo 39.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro), o que não corresponde à verdade.
b. o incumprimento do contrato de mútuo ocorreu em 14/10/2020, período em que o diploma legal em causa não se encontrava em vigor.
c. Logo, à data do incumprimento os procedimentos invocados pela Executada não tinham qualquer consagração legal.
d. Não obstante a não aplicação do Decreto-Lei ao presente caso, a Recorrente procurou sempre promover pela resolução extrajudicial do litígio, mesmo sem a obrigação de o fazer, no entanto sem qualquer êxito.
e. É do insucesso das tentativas de resolução, que surge a necessidade de recorrer à instauração da presente ação executiva.
f. Tendo o incumprimento do presente contrato ocorrido a 14 de outubro 2020, o regime invocado não se aplica, pois à data da entrada do referido Decreto-Lei, já o contrato encontrava-se resolvido com fundamento no incumprimento.”.
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6. A embargante contra-alegou, tendo suscitando como questão prévia a ineptidão da petição de apelação e concluindo no sentido de ser negado provimento à apelação
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7. O requerimento recursório foi admitido por despacho de 30-01-2023.
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8. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso -, as questões a decidir são:
I) Questão prévia:
A) Se ocorre “ineptidão da petição de alegação"?
II) Mérito do Recurso:
B) Se o regime jurídico do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, não é aplicável à situação dos autos?
C) Se a decisão recorrida deve ser revogada?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
Vejamos o recurso apresentado, apreciando as questões supra enunciadas.
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I) Questão prévia:
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A) Se ocorre “ineptidão da petição de alegação”?
Nas contra-alegações de recurso, a embargante vem invocar, como questão prévia, que ocorre a “ineptidão da petição de apelação”, tendo concluído o seguinte:
“a) A recorrente dirigiu o requerimento através do qual interpôs o presente recurso ao Mmo. Juiz do Juízo de Comércio de Olhão e fundamentou a admissibilidade do recurso em diversas normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, diploma legal que não é aplicável ao caso dos autos;
b) Os presentes embargos de executado têm unicamente como sujeito activo a ora recorrida, tendo os demais executados deduzido a sua oposição noutros embargos (que constituem o Apenso B da execução, que aguarda o decurso do prazo para contestação);
c) O pedido de provimento do recurso formulado pela ora apelante a final das suas alegações é desprovido de objecto, uma vez que não ocorreu qualquer venda nos autos, não cabendo sindicar alegadas irregularidades dum acto que não existiu;
d) A petição de apelação é inepta;”.
Vejamos:
Segundo o disposto no artigo 186.º, n.º 2, do CPC, a petição inicial será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (al. a) ), quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir (al. b) ) ou, quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (al. c) ).
A ineptidão – que se reporta ao articulado da petição inicial – constitui uma exceção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição do réu da instância, sendo de conhecimento oficioso pelo tribunal, conforme decorre dos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2 e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, e 552.º, n.º 1, al. d) do CPC, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e as exceções, sendo, pois, na petição inicial que devem constar os concretos e reais factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito.
Pode dizer-se, assim, que a alegação dos factos e das exceções, deve ser efetuada pelo autor na petição inicial do processo declarativo, mas também, integrarão as demais peças processuais – denominadas por lei como “articulados” (cfr. artigo 147.º, n.º 1, do CPC) – em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos correspondentes.
O requerimento de interposição de recurso e as alegações correspondentemente apresentadas não têm semelhante feição, não podendo considerar-se, para este efeito, como “articulados”.
Contudo, entre os pressupostos processuais dos recursos conta-se o da forma de interposição do recurso.
Sobre o ponto regula o artigo 637.º do CPC, dispondo que:
“1 - Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, no qual se indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto.
2 - O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”.
“Na falta de indicação da espécie, efeito e modo de subida, caberá ao juiz no despacho que o admita, supri-la [cfr. artigo 641.º, n.º 5, do CPC], pelo que bastará ao recorrente referir no requerimento que pretende recorrer (sem prejuízo de, claro está, ter de apresentar a alegação respectiva)” (assim, Carla Inês Brás Câmara; “Recursos em Processo Civil: Regime dos Pressupostos após a Reforma de 2007”, in As Recentes Reformas na Acção Executiva e nos Recursos; Coord. de Miguel Teixeira de Sousa, Paula Costa e Silva e Rui Pinto; Coimbra Editora, 2010, p. 220).
Contudo, já se o requerimento de recurso não tem fundamentos ou conclusões, ainda que contenha um pedido de revogação, a lei sujeita essas faltas “ao regime específico do artigo 641.º, n.º 2, al. b)”, o que “redunda num indeferimento do recurso” (assim, Rui Pinto, O Recurso Civil. Uma Teoria Geral – Noção, Objeto, Natureza, Fundamento, Pressupostos e Sistema; AAFDL, 2017, p. 159).
De facto, as causas de indeferimento do recurso são as consignadas no n.º 2 do artigo 641.º do CPC, o que sucederá quando:
a) Se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora de prazo ou que o requerente não tem as condições necessárias para recorrer;
b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.
O recurso a que faltem os fundamentos ou as conclusões será, pois, objeto de indeferimento, sem que haja lugar a aperfeiçoamento, sendo que, o incumprimento do ónus de formulação de conclusões “cai no âmbito do princípio da autorresponsabilização das partes, uma vez que, querendo recorrer, as partes devem fazê-lo nos prazos e pela forma consagrada na lei, não devendo ser subvertido o sistema dos referidos ónus mediante a aplicação inadequada dos princípios de agilização ou adequação processual.” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-02-2022, Pº 185/21.2YHLSB.L1-PICRS, rel. MARIA DA LUZ SEABRA, entre outros).
Conforme salienta também Rui Pinto (O Recurso Civil. Uma Teoria Geral – Noção, Objeto, Natureza, Fundamento, Pressupostos e Sistema; AAFDL, 2017, p. 159), o requerimento de recurso deve conter “um objeto processual que seja apto, no plano lógico e no plano substancial. A lei enuncia-o de modo negativo e casuístico, como ineptidão no artigo 186.º. Portanto, um recurso cujo pedido final seja contraditório com as alegações ou cujos pedidos revogatórios sejam substantivamente incompatíveis entre si é um recurso inepto, nos termos daquele artigo, sendo causa insanável de nulidade processual (cf. artigo 186.º, n.º 1), salva, mutatis mutandis, a eventualidade admitida pelo n.º 3 do artigo 186.º”.
Noutro local (Rui Pinto; Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL, 2020, pp. 180-181), considera o mesmo Autor que, “a causa de pedir recursória corresponde às conclusões do recurso”, concluindo que “a falta daquelas constitui um vício específico de não cumprimento do respetivo ónus, cominado com o indeferimento ou não conhecimento, nos termos, respetivos, do artigo 641º, nº 2, al. b) in fine e 655º nº 1.
Mas já se faltar o pedido de “alteração ou anulação da decisão” (artigo 639.º, n.º 1) o recurso é inepto.
O recurso também será inepto (i) se esse pedido for contraditório com as conclusões ou (ii) se forem deduzidos pedidos de alteração ou anulação da decisão sejam substantivamente incompatíveis.
(…) A ineptidão do recurso constituirá causa de nulidade processual (cf. artigo 186º, nº 1), sem prejuízo, mutatis mutandis, da sua sanação admitida pelo n.º 3 do artigo 186.º”.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, importa evidenciar que, conforme salienta Manuel Tomé Soares Gomes (“Do julgamento do recurso em processo civil”, in As Recentes Reformas na Acção Executiva e nos Recursos; Coord. de Miguel Teixeira de Sousa, Paula Costa e Silva e Rui Pinto; Coimbra Editora, 2010, p. 356), “[a] função ou finalidade do recurso é, em primeira linha, permitir o reexame da decisão recorrida com vista a constatar a existência de erro de julgamento, portanto relativo ao seu objecto, seja por erro na determinação, interpretação ou aplicação das normas de direitos substantivo ou de direito processual (…), seja por erro quanto à decisão de facto”.
No caso, verifica-se que o recurso interposto pela apelante se encontra dotado de conclusões e de fundamentos, tendo a respetiva alegação acompanhado o requerimento de interposição do recurso.
E, como se referiu o objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC.
É em função dessas conclusões que se delimita o objeto do recurso.
No caso, as conclusões expressas pela apelante são inteligíveis e congruentes com a pretensão ou pedido recursório de revogação da decisão recorrida – pretendendo a recorrente que não seja considerado aplicável à situação dos autos, o D.L. n.º 227/2012 e que, de todo o modo, efetuou negociações que resultaram frustradas, dando origem à execução -, cumprindo as demais prescrições contidas no artigo 639.º do CPC.
A invocação de que o pedido de provimento do recurso formulado pela apelante “é desprovido de objecto, uma vez que não ocorreu qualquer venda nos autos, não cabendo sindicar alegadas irregularidades dum acto que não existiu”, não procede.
Na realidade, verifica-se que o objeto do presente recurso não abarca alguma questão sobre a invalidade da venda, atentas as conclusões constantes da alegação, as quais – repita-se -são o elemento que delimita o objeto recursório.
Em tais conclusões não se encontra nenhuma referência à invalidade de venda, sendo que, conforme bem menciona a apelada, daí se deduzindo que percebeu o que está em jogo, tal acto processual não teve lugar, afigurando-se, claro e manifesto que tal menção é devida a lapso que, por ser evidente, é corrigível.
É que, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-01-2013 (Pº 493/09.0TCFUN.L1-1, rel. RUI VOUGA):
“Segundo uma orientação jurisprudencial praticamente pacífica, mercê do disposto no art.º 295º do mesmo diploma, o princípio contido no art.º 249º do Cód. Civil - rectificação de lapso manifesto - é aplicável a todos os actos processuais e das partes. Consequentemente, como o requerimento de interposição de recurso constitui uma autêntica declaração de vontade da parte visando produzir determinados efeitos processuais, é-lhe aplicável o princípio contido no artigo 249º do Código Civil, segundo o qual o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, dá direito à rectificação desta. De qualquer modo tal erro só pode ser rectificado (ao abrigo do cit. art.º 249º do Código Civil) se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: é preciso que, ao ler o texto logo se veja que há erro e logo se entenda o que o interessado queria dizer”.
Ora, é manifesto que a menção a “anulação da venda”, referente a ato processual que não se encontra na tramitação do presente processo executivo, constitui um erro ostensivo e patente, que deve ser corrigido, desconsiderando-se tal alusão.
De todo o modo, ainda que tal não sucedesse, nem por isso a “petição de recurso” seria inepta, apenas sucedendo que a irregularidade verificada determinaria despacho do relator no sentido da restrição do objeto recursório, por falta de conclusões a esse respeito.
Pode sintetizar o referido nos seguintes termos: Não padece do vício de ineptidão, a alegação de recurso, na qual se encontram expressos os fundamentos e as conclusões (causa de pedir), bem como, a pretensão de revogação da decisão recorrida (pedido), em termos congruentes e inteligíveis, mas em que, igualmente, se refere requerer a “anulação de venda”, acto processual que não teve lugar no processo, patenteando o lapso de tal alusão.
Quanto ao mais invocado pela apelada, é certo que, o requerimento – que não o formulário apresentado com o mesmo, onde o recurso se mostra dirigido ao Tribunal recorrido – faz referência que o mesmo é destinado ao “Juízo de Comércio de Olhão”.
Contudo, esta divergência, para além de não colidir com o objeto do recurso, encontra-se resolvida, de harmonia com o prescrito no artigo 7.º, n.º 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, prevalecendo a indicação aposta no formulário apresentado, sem outra consequência.
Soçobra, pois, o invocado na conclusão a) da apelada supra transcrita.
Semelhante destino merecem as remanescentes invocações efetuadas pela apelada.
De facto, a alusão, na alegação de recurso, a normas legais que a recorrente entendeu pertinente invocar, mas que, no juízo da apelada, não serão aplicáveis ao caso dos autos, não determina a ineptidão do recurso, mas, a comprovar-se tal inaplicabilidade, a sua improcedência.
Com efeito, reportando-se a alegação desses normativos, especificamente, ao conhecimento do recurso, a sua pertinência ou desconsideração deverá ser efetuada no momento da apreciação do objeto recursório, igualmente, sem que, a sua invocação, possa acarretar a ineptidão do requerimento recursório.
Iguais considerações são de efetuar relativamente à menção que é feita quanto aos demais executados, a qual, não contende com a admissibilidade do recurso, ou com a sua aptidão à finalidade pretendida com esse meio impugnatório, mas sim, com a relevância ou não, de tal alegação para o conhecimento do recurso – cujo objeto subjetivo se encontra claramente definido e delimitado à apelante e apelada.
De harmonia com o exposto, a arguição de ineptidão é, pois, improcedente.
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II) Mérito do Recurso:
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B) Se o regime jurídico do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, não é aplicável à situação dos autos?
Conclui a apelante que não é verdade que a mesma se encontrasse obrigada a desencadear o PERSI, aprovado pelo D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, relativamente à executada, dizendo que o incumprimento do contrato de mútuo ocorreu em 14-10-2020, período em que o diploma legal não se encontrava em vigor, não tendo consagração legal os procedimentos invocados pela executada, à data do incumprimento.
Contrapõe a apelada que o PERSI, consagrado pelo D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, passou a ser aplicável de 01-01-2013 em diante, data em que aquele diploma legal entrou em vigor, sendo que, de acordo com a apelante, a apelada terá entrado em incumprimento no dia 14-10-2020, na vigência do citado diploma.
Vejamos:
O Decreto-Lei nº. 227/2012, de 25 de outubro, veio prever acerca do Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) – entretanto objeto de alteração pelo D.L. n.º 70-B/2021, de 6 de agosto - estabelecendo “princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações”.
Do preâmbulo deste diploma resulta pretender-se estabelecer “um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”.
Visa-se proteger especificamente o cliente bancário que seja consumidor, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, que celebra contratos de mútuo com entidades bancárias, nos termos do artigo 3.º, al. a) do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro.
De acordo com o n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro – preceito que define o “âmbito” de aplicação do regime instituído, o mesmo aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs. 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
De acordo com o disposto no artigo 3.º, al. a) do D.L. n.º 227/2012, define-se «cliente bancário», como “o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”.
De acordo com a Lei de Defesa do Consumidor (cfr. artigo 2.º, n.º 1) considera-se “consumidor” todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.
Dá conta Teresa Almeida (Lei de Defesa do Consumidor Anotada; Instituto do Consumidor, Dez. 2001, p. 10), “o conceito de consumidor sofre uma importante alteração, no sentido da sua aproximação à noção constante da generalidade dos textos comunitários: o uso a que se destina o bem, serviço ou direito adquirido deixa de ser necessariamente privado, bastando que seja um uso não profissional (…)”.
E, conforme ensina Jorge Morais Carvalho (Os Contratos de Consumo - Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo; Lisboa, 2011, pp. 22-26):
“Qualquer conceito de consumidor pode, em princípio, ser analisado com referência a quatro elementos, todos presentes na norma citada: elemento subjectivo, elemento objectivo, elemento teleológico e elemento relacional.
O elemento subjectivo (“todo aquele”) é bastante amplo, abrangendo, numa primeira abordagem, todas as pessoas, físicas ou jurídicas, embora sofra depois uma restrição face ao elemento teleológico (…).
O elemento objectivo também tem uma amplitude significativa (“a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços e transmitidos quaisquer direitos”), parecendo abarcar qualquer relação contratual estabelecida entre as partes (…).
O elemento teleológico também consta da definição (“destinados a uso não profissional”). Neste ponto, a actual Lei de Defesa do Consumidor adopta uma expressão diferente da anterior (“uso privado”), embora esta circunstância não reflicta qualquer diferença do ponto de vista dos sujeitos abrangidos. A finalidade pode ser revelada por forma positiva (“uso privado”) ou por via negativa (“uso não profissional”).
Discute-se o preenchimento deste requisito sempre que o bem é destinado a uso misto, ou seja, simultaneamente, a uso profissional e a uso não profissional. É o caso, por exemplo, da pessoa que adquire um automóvel para utilizar quer no exercício da sua actividade profissional quer na sua vida privada. Nestes casos, o melhor critério para determinar se se trata de uma relação de consumo parece consistir no uso predominantemente dado ao bem (…).
Outra questão diz respeito ao momento em que deve ser verificado o destino a dar aos bens: o momento da celebração do contrato, o momento da entrega ou um momento posterior? Uma vez que o cumprimento das regras específicas de protecção dos consumidores depende do conhecimento da natureza da relação por parte do profissional, é ao momento da celebração do contrato que se deve reportar a determinação do uso predominante a dar ao bem.
A noção contém ainda o elemento relacional, impondo que a contraparte (em relação ao consumidor) seja uma “pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
Face ao elemento teleológico assinalado (“uso não profissional”), a lei portuguesa parece clara no sentido da não inclusão na noção de consumidor das pessoas, físicas ou jurídicas, que actuam no âmbito de uma actividade económica, independentemente de terem conhecimentos específicos no que respeita ao negócio em causa”.
E, de acordo com o artigo 3.º, al. c) do D.L. n.º 227/2012, considera-se como “contrato de crédito”, “o contrato celebrado entre um cliente bancário e uma instituição de crédito com sede ou sucursal em território nacional que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo anterior, esteja incluído no âmbito de aplicação do presente diploma”.
O regime normativo consagra, essencialmente, dois mecanismos: Um, em momento temporal prévio ao incumprimento contratual do mutuário consumidor, previsto e regulado nos artigos 9.º a 11.º, sob a designação elucidativa de “Gestão do risco de incumprimento”; e, outro, para fazer face à mora dos mutuários no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, previsto nos artigos 12.º a 21.º, onde se regula o denominado “Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)”.
No âmbito do PERSI “as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”.
O desiderato da criação deste mecanismo foi o de “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”, prevendo-se que, caso o PERSI não termine com um acordo entre as partes, o cliente bancário possa solicitar a intervenção do Mediador do Crédito, bem como a criação de uma rede “que apoie os consumidores em dificuldades financeiras, nomeadamente através da prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito”.
Prevendo acerca dos princípios gerais estabelecidos no diploma, referencia o artigo 4.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, que:
“1 - No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa.
2 - Os clientes bancários devem gerir as suas obrigações de crédito de forma responsável e, com observância do princípio da boa fé, alertar atempadamente as instituições de crédito para o eventual risco de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e colaborar com estas na procura de soluções extrajudiciais para o cumprimento dessas obrigações”.
Especificamente, acerca do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situação de Incumprimento (PERSI), o artigo 12.º do mesmo diploma legal, impõe às instituições de crédito a obrigatoriedade de promoverem “as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito”.
Tal procedimento passa, então, por uma “Fase Inicial”, prevista no artigo 14.º (considerando-se a redação anterior à conferida pelo D.L. n.º 70-B/2021, de 6 de agosto, atenta a data invocada como a do incumprimento da embargante), no qual se referencia que:
“1 - Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição de crédito está obrigada a iniciar o PERSI sempre que:
a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, considerando-se, para todos os efeitos, que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação;
b) O cliente bancário, que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre em mora, devendo, para todos os efeitos, considerar-se que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do referido incumprimento.
3 - Quando, na pendência do PERSI, o cliente bancário entre em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de outros contratos de crédito celebrados com a mesma instituição, a instituição de crédito deve procurar obter a regularização do incumprimento no âmbito de um único procedimento, informando o cliente bancário desse facto nos termos previstos no número seguinte.
4 - No prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no número anterior”.
Prolonga-se por uma “Fase de Avaliação e Proposta”, enunciada no artigo 15.º do mesmo Decreto-Lei, preceito onde se prescreve que:
“1 - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito.
2 - Para os efeitos previstos no número anterior, a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário, podendo solicitar-lhe as informações e os documentos estritamente necessários e adequados, nos termos a definir, mediante aviso, pelo Banco de Portugal.
3 - Salvo motivo atendível, o cliente bancário presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados pela instituição de crédito no prazo máximo de 10 dias.
4 - No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:
a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou
b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.
5 - Na apresentação de propostas aos clientes bancários, as instituições de crédito observam os deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.
Após a referida fase, o procedimento segue para uma “Fase de Negociação”, regulada nos termos do artigo 16.º do mesmo diploma, do seguinte modo:
“1 - Caso o cliente bancário recuse as propostas apresentadas, a instituição de crédito, quando considere que existem outras alternativas adequadas à situação do cliente bancário, apresenta uma nova proposta.
2 - Quando o cliente bancário proponha alterações à proposta inicial, a instituição de crédito comunica-lhe, no prazo máximo de 15 dias e em suporte duradouro, a sua aceitação ou recusa, podendo igualmente apresentar uma nova proposta, observando o disposto no n.º 5 do artigo anterior.
3 - O cliente bancário pronuncia-se sobre as propostas que lhe sejam apresentadas no prazo máximo de 15 dias após a sua receção”.
O PERSI extingue-se, entre outros casos, no 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se for acordada pelas partes, por escrito, a respetiva prorrogação (cfr. artigo 17.º, n.º 1, al. c) do D.L. n.º 272/2012, de 25 de outubro).
De harmonia com o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 18.º do D.L. n.º 272/2012, de 25 de outubro, “no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de (…) intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”.
Assim, “a falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31-01-2019, Pº 832/17.0T8MMN-A.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO), que o mesmo é dizer que, “estando o crédito em incumprimento sujeito ao âmbito de aplicação do diploma que aprovou o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), o credor não pode instaurar execução para obter a satisfação do seu crédito sem previamente instaurar e tramitar este procedimento.” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-01-2020, Pº 4097/14.8TBMTS.P1, rel. ANA LUCINDA CABRAL).
As demais alíneas do n.º 1 do artigo 18.º impedem a instituição de crédito a, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento (al. a)), de ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito (al. c)) e de transmitir a terceiro a sua posição contratual (al. d)).
A jurisprudência tem apreciado este regime jurídico do PERSI, a propósito de variadas questões.
Entre outras decisões, enunciam-se, por ordem cronológica crescente, as seguintes:
- Acórdão do TRE (Tribunal da Relação de Évora) de 06-10-2016 (Pº 4956/14.8T8ENT-A.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO): “O Decreto-Lei nº 227/2012, impõe assim às instituições de crédito mutuante uma “renegociação forçada” e confere ainda ao cliente diversas garantias não displicentes tais como a impossibilidade de a instituição de crédito mutuante (a) resolver o contrato com fundamento no incumprimento, (b) intentar acções judiciais com vista à satisfação do seu crédito, (c) ceder a terceiros, total ou parcialmente, o crédito em questão, ou (d) transmitir a sua posição contratual – tudo isto, enquanto durar o PERSI”;
- Acórdão do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) de 09-02-2017 (Pº 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA): “O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – instituído pelo DL n.º 272/2012, de 25-10, que está em vigor desde 01-01-2013 e é aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito – constitui uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (art.ºs 14.º a 17.º do referido diploma legal). Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (art.º 18.º, n.º 1, al. b), do citado DL n.º 272/2012)”;
- Acórdão do TRC (Tribunal da Relação de Coimbra) de 07-11-2017 (Pº 29358/16.8YIPRT.C1, rel. VÍTOR AMARAL): “Se for necessária a ampliação da matéria de facto, a sentença deve ser anulada, com repetição parcial do julgamento, como no caso de necessidade de determinação fáctica tendente a esclarecer quanto à notificação, ou não, da abertura e do encerramento de PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previsto no DLei n.º 227/2012, de 25-10) ao cliente/devedor, sem prejuízo da apreciação de outros pontos fácticos, com o fim de evitar contradições. Com aquele PERSI pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma instituição de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção. É nesse âmbito que é imposta a abertura, tramitação e encerramento de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, que constitui uma fase pré-judicial destinada à composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, contemplando uma fase inicial, uma fase de avaliação e proposta e uma fase de negociação. Enquanto não ocorrer extinção do PERSI, está vedada à instituição de crédito a instauração de procedimentos/ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito. No quadro daqueles deveres de informação, esclarecimento e proteção, cabe à instituição de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/cliente/consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida, para o que cabe ao credor dar conhecimento à contraparte da abertura e do encerramento do PERSI, impendendo sobre si o ónus da alegação e prova da respetiva notificação”;
- Acórdão do TRC de 19-06-2018 (Pº 29358/16.8YIPRT.C1, rel. VÍTOR AMARAL): “Com o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previsto no DLei n.º 227/2012, de 25-10) pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma entidade de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção. É nesse âmbito que é imposta a abertura, tramitação e encerramento de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, que constitui uma fase pré-judicial destinada à composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, contemplando uma fase inicial, uma fase de avaliação e proposta e uma fase de negociação. Enquanto não ocorrer extinção do PERSI, está vedada à entidade de crédito a instauração de procedimentos/ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito. No quadro daqueles deveres de informação, esclarecimento e proteção, cabe à entidade de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/cliente/consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida, para o que cabe ao credor dar conhecimento à contraparte da abertura e do encerramento do PERSI, impendendo sobre si o ónus da alegação e prova da respetiva notificação. Dada essa oportunidade, não pode a contraparte (devedor) demitir-se da necessária cooperação/colaboração com a entidade de crédito, devendo, ao invés, empenhar-se nos contactos e prestação de informações necessários, sem o que o credor não poderia levar a bom termo o cumprimento dos deveres a seu cargo. A falta dessa cooperação/colaboração é causa de extinção do PERSI pela entidade de crédito (por iniciativa desta) (…)”;
- Acórdão do TRE de 28-06-2018 (Pº 2791/17.0T8STB-C.E1, rel. MATA RIBEIRO): “Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários na situação comtemplada pelo Dec. Lei 227/2012 é a proibição de sobre eles serem intentadas ações judiciais, proibição esta que impende sobre o credor, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no PERSI e a sua extinção – cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea b). A preterição de sujeição do devedor ao PERSI, por parte do Banco credor, consubstancia incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objetiva de procedibilidade da própria pretensão, que deve ser enquadrada com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias. O regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no art.º 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso. A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do art.º 573º do CPC, que descarta a aplicação do princípio da preclusão”;
- Acórdão do TRC de 28-11-2018 (Pº 494/14.7TBFIG-A.C1, rel. ALBERTO RUÇO): “Nos termos do n.º 4 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. O envio de uma carta, desacompanhada de aviso de receção, na ausência de prova sobre o efetivo recebimento da carta, é insuficiente para provar que a mencionada comunicação do banco ao cliente foi feita”;
- Acórdão do TRP (Tribunal da Relação do Porto) de 09-05-2019 (Pº 21609/18.0T8PRT-A.P1, rel. JUDITE PIRES): “Estando em causa obrigações decorrentes de contratos de crédito vigentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, perante a situação de mora do devedor terá este de ser automaticamente integrado no PERSI, ficando sujeito à disciplina regulamentadora do referido diploma, sendo vedado à instituição de crédito o recurso às vias judiciais para obtenção da satisfação dos seus créditos antes de extinto o aludido procedimento pré-judicial. Sendo a integração do devedor no PERSI e a ulterior extinção daquele procedimento condições objectivas de procedibilidade da acção executiva, a instauração desta exige a verificação das referidas condições objectivas de procedibilidade, isto é, integração do devedor no PERSI e extinção do procedimento e a sua comunicação a este em suporte duradouro (designadamente, carta ou email), recaindo sobre o exequente o ónus de o comprovar. A instauração de acção executiva sem que se mostrem verificadas as referidas condições objectivas de procedibilidade gera excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso”;
- Acórdão do TRE de 16-05-2019 (Pº 4474/16.9T8ENT-A.E1, rel. JOSÉ MANUEL BARATA): “O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, criou o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), visando promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, como resulta do respetivo Preâmbulo. Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários, na situação comtemplada pelo Dec.-Lei 227/2012, é a proibição de serem propostas ações judiciais sobre o credor para a satisfação do seu crédito entre a data da integração do devedor no procedimento e a sua extinção – art.º 18º/1 b). Demonstrando os autos que o procedimento previsto nos artigos 12º a 17º teve início mas não se mostra concluído (extinto), estamos perante uma exceção dilatória inominada – preterição de sujeição do devedor ao PERSI – de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 573º/2 in fine e 578º do CPC, o que implica a absolvição da instância”;
- Acórdão do TRG (Tribunal da Relação de Guimarães) de 30-01-2020 (Pº 5520/18.8T8VNF-A.G1, rel. ALCIDES RODRIGUES): “A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito a quem não é uma instituição de crédito. De outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no Dec. Lei n.º 227/2012, de 25/10, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI”;
- Acórdão do TRL de 07-05-2020 (Pº 2282/15.4T8ALM-A.L1-6, rel. ADEODATO BROTAS): “O PERSI - instituído pelo DL 227/2013, de 25/10 - compreende três fases: a “fase inicial”, que corresponde ao desencadeamento do procedimento com inclusão obrigatória do cliente no PERSI (art.º 14.º); a “fase de avaliação e proposta”, em que a instituição de crédito, uma vez analisada a situação financeira do cliente, deve apresentar-lhe uma ou mais propostas de regularização ou concluir pela incapacidade financeira do cliente (art.º 15.º); e, uma fase eventual de “negociação” (art.º 16.º), que se abre quando o cliente recuse as propostas do banco. Se na fase de avaliação e proposta, o cliente não colaborar com a instituição de crédito, não lhe facultando os elementos nem prestando as informações solicitados que possibilitariam a avaliação da sua capacidade financeira, a instituição de crédito pode, em alternativa: (i) aguardar o decurso do prazo de 91 dias subsequentes à integração do cliente no PERSI e, por essa via, comunicar a extinção do PERSI (art.º 17º nº 1, al. c)); ou (ii) proceder à extinção do PERSI, por sua iniciativa, ao abrigo do art.º 17º nº 2, al. d), com fundamento na falta de colaboração com a instituição de crédito. A extinção do PERSI só produz efeito após a respectiva comunicação (art.º 17º nº 4). E, enquanto não ocorrer essa comunicação de extinção do PERSI a instituição de crédito está impedida de: (i) resolver o contrato de crédito com fundamento no incumprimento; (ii) intentar acções judiciais com vista à satisfação do crédito (art.º 18º). Assim, a comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da acção executiva: a inobservância dessa condição de admissibilidade da execução obsta a que o crédito possa ser realizado coactivamente levando, por isso, à extinção da execução instaurada contra o devedor”;
- Acórdão do STJ de 19-05-2020 (Pº 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, rel. MARIA OLINDA GARCIA): “A instituição de crédito que move ação executiva contra o mutuário consumidor, que se encontra em mora, tem o ónus de demonstrar que cumpriu as obrigações impostas pelos artigos 12º e seguintes do DL n.227/2012, que prevê o regime jurídico do PERSI. Enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito (como se extrai do art.º 18º daquele diploma). O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância”;
- Acórdão do TRL de 21-05-2020 (Pº 5585/15.4T8FNC-A.L2-2, rel. LAURINDA GEMAS): “Na oposição à execução para pagamento de quantia (fundada no incumprimento de contratos de mútuo) é sobre a instituição de crédito, exequente-embargada, que recai o ónus da prova do envio e receção de cartas atinentes à integração dos executados clientes bancários no PERSI. Para tanto não bastam as cópias de cartas alegadamente enviadas (pelo correio) e as declarações do seu legal representante e os depoimentos de testemunhas (funcionários do Banco) se não constar dos autos mais nenhuma prova documental a esse respeito, designadamente talão de registo, prova de depósito, aviso de entrega da qual resulte a expedição e muito menos a receção dessas cartas (ou mesmo outra correspondência comprovadamente rececionada em que seja feita menção àquelas). Está-se, com as devidas adaptações, perante uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, já que não estando demonstrado o prévio cumprimento por parte da instituição de crédito-exequente dos princípios e regras imperativas estabelecidas no DL n.º 227/2012, de 25-10, a mesma não pode intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito - cf. art.º 17.º, n.º 1, al. al. b) -, faltando assim um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da sua pretensão. Não configura abuso do direito a invocação pelos executados dessa exceção se, em face do factos provados, não se descortina nenhuma razão objetiva para que a exequente pudesse confiar que, caso instaurasse (como fez, em 01-10-2015) uma ação executiva contra os mesmos fundada no incumprimento, verificado a partir de 01-05-2015, dos contratos de mútuo (celebrados em 28-12-2012), eles se iriam abster de invocar na sede própria as garantias de que beneficiavam por força de lei imperativa, tão pouco se podendo considerar que estivessem manifestamente a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”;
- Acórdão do TRE de 21-05-2020 (Pº 715/16.1T8ENT-B.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO): “A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. Este incumprimento do regime legal traduz-se numa falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias e que conduz à absolvição da instância. As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10. A actualização da morada é um ónus do cliente bancário e a falta de cumprimento do mesmo é da sua responsabilidade. Caso seja endereçada a correspondência para a morada que foi efectivamente disponibilizada ao banco tem de se considerar cumprida a obrigação de notificação para os termos do PERSI”;
- Acórdão do TRL de 29-09-2020 (Pº 1827/18.2T8ALM-B.L1-7, rel. MICAELA DA SILVA SOUSA): “A falta de integração no PERSI, verificados que estejam os respetivos pressupostos, impede que a instituição de crédito intente acção judicial com vista à satisfação do seu crédito, porque antes de o poder fazer tem de cumprir aquela obrigação que lhe é imposta, no sentido de tentar extrajudicialmente a regularização do incumprimento, ou seja, aquela integração surge como uma condição prévia ao accionamento judicial: “A preterição de sujeição do devedor ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), por parte da instituição de crédito credora, traduz-se no incumprimento de norma imperativa e que, em termos adjectivos, consiste numa condição objectiva de procedibilidade da pretensão, que deve regulada, com as adaptações que se revelem necessárias pelo regime jurídico das excepções dilatórias. (…). A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso (…)”;
- Acórdão do TRL de 13-10-2020 (Pº 15367/17.3T8SNT-A.L1-7, rel. MARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA): “Devendo a instituição de crédito informar o cliente bancário (através de comunicação em suporte duradouro) da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, nos termos do nº 3 do art.º 17 do DL nº 227/2012, de 25.10, deve considerar-se como inexistente ou inválida tal comunicação se a mesma não indicar qualquer fundamento para a extinção do procedimento; A comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da ação executiva, constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível que determina a extinção da instância executiva quanto ao crédito correspondente”;
- Acórdão do TRC de 24-11-2020 (Pº 3655/18.6T8CBR-B.C1, rel. SÍLVIA PIRES): “O DL nº 227/2012, de 25.10, entrado em vigor em 1.1.2013, estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e criar uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações. O seu âmbito de aplicação rege-se pelo art.º 2º que dispõe: 1 - O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários: a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria; b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel; c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo; d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato; e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês. 2 - O disposto no presente diploma não prejudica o regime aplicável aos sistemas de apoio ao sobre-endividamento, instituído pela Portaria n.º 312/2009, de 30 de março. Nos art.ºs 12º a 21º do mencionado DL encontra-se regulado o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento – PERSI – cabendo às instituições de crédito a sua implementação relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. A aplicação da lei do tempo deste procedimento encontra-se prevista no art.º 39º do referido DL nos seguintes termos: 1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias. 2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º. 3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º. No que a estes contratos respeita e sendo, para a implementação do PERSI, cumulativos os requisitos do devedor ser cliente bancário e os contratos de crédito estarem em vigor – art.º 12º - deve começar por se averiguar se os mesmos se encontravam em vigor em 1.1.2013 – data da entrada em vigor do DL 227/2012, de 25.10. Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios – art.º 2º, n.º 1 da LDC”;
- Acórdão do TRC de 15-12-2020 (Pº 6971/18.3T8CBR-A/B.C1, rel. MARIA TERESA ALBUQUERQUE): “(…) O regime estabelecido no PERSI insere-se no âmbito da tutela do consumidor, integrando a chamada “ordem pública de proteção” e, por isso, em face da obrigatoriedade legal da integração prévia e automática no PERSI nos termos dos art.ºs 14º/1 e 39º do DL 227/2012, de 25/10, constitui a mesma uma condição objetiva de procedibilidade da ação executiva, cuja omissão consubstancia exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, implicante da absolvição da instância executiva. Pode a mesma ser invocada nas alegações de recurso, satisfazendo o necessário contraditório a possibilidade que a embargada mantém de contrariar aquela invocação nas contra-alegações”;
- Acórdão do STJ de 16-12-2020 (Pº 2282/15.4T8ALM-A.L1.S1, rel. CATARINA SERRA): “O PERSI, como mecanismo ou instrumento para a prevenção de incumprimento no crédito bancário, não tem por suficiente ou bastante o mero cumprimento formal, por parte da instituição de crédito, de integração do cliente no procedimento, antes se lhe exigindo a concreta observância de deveres específicos e a realização de diligências concretas”;
- Acórdão do TRL de 05-01-2021 (Pº 105874/18.0YIPRT.L1-7, rel. MARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA): “A comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da ação, declarativa ou executiva, constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância; A integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro” (cfr. art.ºs 3, al. h), 14, nº 4, e 17, nº 3, do DL 227/2012, de 25.10), o que inclui, designadamente, o papel (uma carta remetida pelo correio) ou um e-mail; Coisa distinta é a prova do envio dessas comunicações e da sua receção pelos destinatários, entendendo-se que estão em causa declarações receptícias, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 224 do C.C.; Tendo o Tribunal convidado a A., instituição de crédito, para que documentasse a abertura, tramitação e encerramento do PERSI e a sua efetiva comunicação aos RR., devem as cópias das cartas, endereçadas estes, que foram juntas pela A. em resposta, ser consideradas como princípio de prova desse envio e receção, podendo aquela fazer prova do facto-indiciário do respetivo envio por meio de testemunhas; provado, desse modo, o envio das cartas, é de presumir a sua receção pelos RR., sem prejuízo destes ilidirem tal presunção (…)”;
- Acórdão do TRP (Tribunal da Relação do Porto) de 23-02-2021 (Pº 8821/19.4T8PRT-A.P1, rel. RODRIGUES PIRES): “A integração do cliente bancário no PERSI [Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento], estando em causa contrato de crédito englobado na previsão do art.º 2º do Dec. Lei nº 227/2012, de 25.10. e verificando-se uma situação de mora do mutuário, é obrigatória, uma vez reunidos os respetivos pressupostos, de tal modo que a ação executiva só pode ser intentada após a extinção deste procedimento, recaindo sobre o exequente o ónus de o comprovar. Se a execução é instaurada, sem que se mostrem reunidas estas condições, tal implica a ocorrência de uma exceção dilatória inominada ou atípica, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva, exceção esta suscetível de conhecimento oficioso (…)”;
- Acórdão do STJ de 13-04-2021 (Pº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, rel. GRAÇA AMARAL): “A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art.º 576.º, n.º 2, do CPC). Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do art.º 362.º do CC. Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada; A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova. Consequentemente, o conhecimento imediato da referida excepção dilatória em fase de saneador com fundamento de que tal factualidade – o envio da carta de comunicação de integração no PERSI – não pode ser feita com recurso à prova testemunhal impede a possibilidade de a respectiva parte poder fazer a prova da sua alegação”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-09-2021 (Pº 173/21.9T8ENT-A.E1, rel. MANUEL BARGADO): “As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente. Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a referida obrigação legal”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-09-2021 (Pº 3935/19.3T8ENT-A.E1, rel. JAIME PESTANA): “A instituição de crédito está obrigada a informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro, que é «qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas»”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-10-2021 (Pº 4270/21.2T8SNT-B.L1-1, rel. RENATA LINHARES DE CASTRO): “O procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), instituído pelo Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tem aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1. O recurso a tal procedimento constitui condição prévia de admissibilidade e procedibilidade à instauração de acção pela qual a instituição bancária peticiona a declaração de insolvência de clientes bancários que entraram em incumprimento do contrato de mútuo com hipoteca para aquisição de imóvel que corresponda à casa de morada de família e constitua a habitação própria e permanente dos mesmos. Sendo tal acção intentada com preterição dessa obrigação, estar-se-á perante uma excepção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância dos requeridos (…)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-10-2021 (Pº 2915/18.0T8ENT.E1, rel. MÁRIO COELHO): “O regime legal do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento a comunicar através de correio registado, tê-lo-ia consagrado expressamente. Apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela não recepção de tais cartas. Caberia aos executados, através dos meios processuais ao seu alcance, efectuar essa alegação, caso em que a exequente ofereceria a prova, inclusive testemunhal, apta a demonstrar o efectivo recebimento da correspondência”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-11-2021 (Pº 5633/18.6 T8FNC-A.L1-6, rel. TERESA PARDAL): “A arguição pela executada embargante, fiadora da obrigação exequenda, da excepção inominada de omissão de condição de procedibilidade da execução por incumprimento das normas de aplicação do PERSI é de conhecimento oficioso, podendo ser arguida só em sede de recurso, cabendo ao exequente embargado o ónus de alegar e provar que cumpriu as referidas normas. Não provando o exequente embargado ter cumprido as referidas normas, procede a excepção dilatória de omissão de condição de procediblidade da execução, devendo a executada embargante ser absolvida da instância executiva”;
- Acórdão do STJ de 16-11-2021 (Pº 21827/17.9T8SNT-A.L1.L1.S1, rel. MARIA CLARA SOTTOMAYOR): “A aplicação do instituto do abuso do direito tem uma natureza subsidiária, só a ele sendo lícito recorrer na falta de uma norma jurídica que resolva, de forma adequada, a questão em causa. Dada a integração automática do cliente-devedor em mora no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (e o dever do Banco proceder à mesma), tem de se considerar que os executados estão abrangidos por este regime de regularização da dívida, que só se extingue em situações tipificadas na lei (artigo 17.º, n.º 1 e 2, do DL 227/2012, de 25-10) e mediante comunicação aos clientes bancários-devedores, nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do diploma que criou o PERSI. Não constando da matéria de facto que tenha ocorrido a extinção do PERSI, nem que a exequente Caixa Geral de Depósitos, SA, tenha comunicado aos executados, nos termos da lei, essa eventual extinção, conclui-se que o Banco exequente instaurou a execução durante o período de vigência do PERSI, numa fase em que estava impedido de o fazer, por força da lei (artigo 18.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 227/2012). Neste contexto, e na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo cliente-bancário das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor não constitui um abuso do direito, mesmo que tal tenha sucedido após a alienação do imóvel, garantia do mútuo. Não se pode esquecer, como se salienta no Preâmbulo do diploma legal que prevê o PERSI, que estamos perante uma relação jurídica caraterizada por uma acentuada assimetria informativa, em que a lei inculca uma especial responsabilidade nas instituições bancárias e considera o cliente bancário-consumidor como a parte mais fraca”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-11-2021 (Pº 17026/20.0T8PRT.E1, rel. MARIA ADELAIDE DOMINGOS): “A extinção do PERSI com o fundamento legal de terem decorrido 91.º dias subsequentes à data da integração do cliente bancário nesse procedimento, não exime a entidade bancária de lhe comunicar, para além daquele fundamento legal, as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, sob pena de ineficácia da comunicação da extinção do PERSI. A ineficácia da extinção do PERSI impede a entidade bancária de intentar ação executiva contra o cliente bancário tendente à satisfação do seu crédito, por faltar uma condição de admissibilidade da execução, que correspondente a uma exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da extinção da instância executiva caso a mesma tenha sido instaurada”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2021 (Pº 930/20.3T8ACB-A.C1, rel. LUÍS CRAVO): “A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI [aprovado pelo Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10], quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. Assim como constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito a quem não é uma instituição de crédito. De outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI. O incumprimento do regime legal da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI traduz-se numa falta de condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias (atípicas ou inominadas). As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – art.ºs 14º, nº 4 e 17º, nº 3 do dito DL 227/2012, de 25/10 – e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (art.ºs 364º, nº 2 e 393º, nº 1, ambos do C.Civil) exceto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação (…)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-02-2022 (Pº 5978/19.8T8VNF-A.G1, rel. JOAQUIM BOAVIDA): “A não comunicação aos consumidores clientes bancários da sua integração no PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) e da extinção do procedimento impede a instituição de crédito de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento e de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. As normas que consagram a obrigatoriedade das comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste têm carácter imperativo e estabelecem condições objectivas de procedibilidade, que operam, na sua ausência, como excepções dilatórias atípicas ou inominadas, de natureza insuprível e de conhecimento oficioso, conduzindo, no caso de se verificarem os respectivos pressupostos, à absolvição da instância – art.ºs 576º, nº 2, 578º e, especificamente quanto à acção executiva, 726º, nº 2, al. b), do CPC (…)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-02-2022 (Pº 6487/13.4T2SNT.L1-6, rel. ANTÓNIO SANTOS): “1. O regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro - de sujeição do devedor ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – tem por objecto, em termos subjectivos e objectivos, por um lado as instituições de crédito como credores e, por outro, os contratos de crédito celebrados com clientes bancários. 2. A preterição de sujeição do devedor ao PERSI nos termos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, consubstancia um incumprimento de uma norma imperativa, razão porque a existir tal inobservância é o vício em causa de conhecimento oficioso, estando em causa uma excepção dilatória inominada. 3. Estando em causa contratos de crédito cujo incumprimento ocorre já em 2004 e 2006, e que foram objecto de cessão pela instituição de crédito a entidade de diversa natureza já em 2008 (muitos anos antes ainda da entrada em vigor em 1/1/2013 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro) , não incorre a adquirente/cessionária em violação de obrigação de sujeição do devedor ao PERSI quando em Março de 2013 vem intentar a acção executiva. 4. Perante o referido em .3., não ocorre fundamento legal para que sejam os executados absolvidos da instância coerciva com base em excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso. 5. Ao referido em .3. e 4.. acresce que a execução iniciada em 12.03.2013 é proposta por cessionária que não sendo uma Instituição de crédito, certo é que, mesmo antes da entrada em vigor da legislação PERSI, ofereceu ao Executado mutuário uma possibilidade (em acordo de pagamento da divida) favorável (com redução significativa do capital) de cumprir pontualmente as suas obrigações, o que não veio a aproveitado”;
- Acórdão do TRP de 07-03-2022 (Pº 121/20.3T8VLG-A.P1, rel. MIGUEL BALDAIA DE MORAIS): “O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tem aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1. A circunstância de o cliente bancário ter sido anteriormente integrado em PERSI já extinto não constitui obstáculo a que venha novamente a beneficiar desse regime, caso se encontrem reunidos os necessários pressupostos normativos para esse efeito. Verificados esses pressupostos, a falta de integração do cliente bancário no PERSI constitui impedimento legal a que a instituição de crédito instaure ação executiva destinada a obter a cobrança coerciva de crédito abrangido por esse regime legal. Sendo a ação executiva intentada com preterição dessa obrigação, estar-se-á perante uma exceção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância dos executados”;
- Acórdão do TRP de 07-03-2022 (Pº 266/10.8TBVLC-B.P1, rel. PEDRO DAMIÃO E CUNHA): “O regime do PERSI, previsto no DL nº 227/2012, de 25.10, só se aplica a situações de incumprimento dos contratos de crédito referidos no seu art.º 2º, nº 1, destinando-se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da Lei de Defesa dos Consumidores, e aos fiadores destes que o requeiram, informados que sejam dessa possibilidade. O art.º 21.º do referido diploma legal não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento, uma vez que a posição dos avalistas não é equiparável às situações abrangidas pelo regime PERSI, tendo em conta a intenção legislativa subjacente à sua elaboração e o âmbito da sua aplicação. Não se vislumbra que a norma do art.º 2º, nº 1, al. b) do DL 227/2012 de 25/10 (ou a interpretação a que se chegou) possa ser considerada inconstitucional, uma vez que da sua aplicação não resulta qualquer violação do direito à habitação previsto no artigo 65.º da Constituição, preceito constitucional que apenas se impõe como obrigação, não aos particulares, mas sim ao Estado e em que a única injunção directa que dela decorre é a proibição da privação arbitrária da habitação de um particular”;
- Acórdão do TRC de 08-03-2022 (Pº 824/20.2T8ANS.C1, rel. JOSÉ AVELINO GONÇALVES): “O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) constitui um mecanismo de protecção aplicável a clientes bancários que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, obviando a que as instituições bancárias possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos. A omissão do PERSI integra excepção dilatória inominada que determina a absolvição do executado da instância executiva. É o exequente que tem o ónus de alegar e provar a existência, o envio e a respectiva recepção pelo devedor das comunicações exigidas no âmbito do PERSI. Na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo devedor das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor não constitui um abuso do direito”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-03-2022 (Pº 8027/14.7T8PRT.P1, rel. FILIPE CAROÇO): “A integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória quando verificados os respetivos pressupostos, pelo que a ação executiva só pode ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento quando a ele deva haver lugar. A instauração da execução, sem inobservância do PERSI, pode conduzir à sua extinção, devendo aquele procedimento ser tratado como uma condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias, de conhecimento oficioso e insanável. Porém, o tribunal só pode conhecer dessa exceção no despacho liminar ou, não o tendo feito, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (art.º 734º, nº 1, do Código de Processo Civil)”.
Por outro lado, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-10-2017 (Pº 6776-15.3T8ALM.L1-8, rel. ISOLETA ALMEIDA COSTA): “O DL 227/201[2] de 25.10 veio determinar - tendo em conta uma especial necessidade de acompanhamento permanente e sistemático da execução dos contratos de crédito, de clientes bancários decorrente da progressiva degradação das condições económicas e financeiras - que todas as instituições de crédito criassem um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), definindo procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito (PERSI). Destinou-se a viabilizar situações de difícil solvabilidade das famílias que viram subitamente os seus rendimentos reduzidos de modo substancial. Nos termos do disposto no seu artigo 2º nº1, o PERSI é aplicável aos contratos celebrados com clientes bancários que conforme a alínea a) do seu artigo 3º são os consumidores de acordo com a definição legal de consumidor constante da Lei 67/2003. A definição legal de consumidor constante da Lei 67/2003 adoptou um sentido restrito «consumidor» definido este como qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não atuando no âmbito da sua atividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar (…)”.
Em semelhante linha, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2019 (Pº 6470/14.2T8ALM.L1-6, rel. MARIA DE DEUS CORREIA) que: “O regime do PERSI previsto no DL nº 227/2012, de 25.10, só se aplica a situações de incumprimento dos contratos de crédito referidos no seu art.º 2, nº 1, destinando-se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da LDC, e aos fiadores destes que o requeiram, informados que sejam dessa possibilidade. O art.º 21.º do referido diploma legal não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento”.
No mesmo sentido, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-02-2021 (Pº 11791/19.5T8LSB-A.L1-7, rel. ANA RODRIGUES DA SILVA) decidiu-se que: “O regime previsto no DL 227/2012, de 25 de Outubro só se aplica quando as situações de incumprimento se reportem aos contratos de crédito referidos no nº 1 do art.º 2º desde diploma e quando os clientes bancários se integrem na noção de consumidores prevista na LDC; Esta lei adoptou um sentido restrito de consumidor, entendendo-se este como qualquer pessoa singular que actue com objectivos não respeitantes à sua actividade comercial ou profissional, ou seja que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar;- Destinando-se o financiamento contraído a liquidar dívidas de uma empresa, não pode a dívida daí resultante ser abrangida pelo regime decorrente do 227/2012, de 25 de Outubro”.
Finalmente, cite-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-04-2021 (Pº 992/19.6T8PTG-A.E1, rel. CONCEIÇÃO FERREIRA), onde se decidiu, nos seguintes termos:
“(…) O PERSI não é indiferenciadamente aplicável aos contratos de crédito em risco de incumprimento ou em incumprimento, sendo apenas aplicável aos contratos aludidos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo”.
Nos termos do artigo 40.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, o referido diploma entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013 e, em conformidade com o disposto no artigo 39.º do mesmo diploma legal, respeitante à aplicação no tempo:
“1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º”.
O PERSI é aplicável aos contratos em vigor à data da sua entrada em vigor, mesmo sendo o incumprimento anterior (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-10-2020, Pº 14235/15.8T8LRS-A.L1-6, rel. ANA DE AZEREDO COELHO e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-2017, Pº 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA).
Na realidade, conforme decorre deste preceito, o mesmo apenas regula os termos da aplicação da lei aos contratos de crédito que permaneçam em vigor na data de 01-01-2013, desde que, o vencimento das obrigações tenha ocorrido nos termos mencionados no mesmo.
Claro está que, quanto aos demais contratos de crédito, cujo incumprimento ocorra na vigência do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, ou seja, em 01-01-2013 ou após esta data, o regime do PERSI é plenamente aplicável, desde que se verifiquem os demais pressupostos da aplicação do seu âmbito (cfr., nesta linha, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-11-2020, Pº 3655/18.6T8CBR-B.C1, rel. SÍLVIA PIRES). Trata-se de decorrência lógica do princípio da aplicação imediata da lei nova (cfr. artigo 12.º, n.º 1, 1.ª parte e n.º 2, 2.ª parte do CC – “tempus regist actum”) aos factos jurídicos que ocorram posteriormente – ou seja, no caso, aos incumprimentos registados no âmbito da nova lei – à data de início de vigência da lei (sobre o ponto, para maiores desenvolvimentos, vd. Pedro Romano Martinez; Introdução ao Estudo do Direito; AAFDL Editora, 2021, p. 365 e ss.).
Ora, no caso dos autos, o incumprimento invocado pela exequente ocorreu em plena vigência do regime jurídico do PERSI, sendo aplicáveis, de pleno, as disposições do regime legal instituído pelo D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Assim, de acordo com o exposto, conclui-se que era obrigatória a integração da embargante, enquanto cliente bancária, para efeitos do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, no regime jurídico do PERSI.
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C) Se a decisão recorrida deve ser revogada?
Assim, verificada uma situação de mora no cumprimento de obrigações decorrentes do aludido contrato, cumpriria à instituição de crédito promover as diligências necessárias à implementação do PERSI (cfr. artigo 12.º e ss. do D.L. n.º 227/2012).
Ora, essa promoção de diligências para implementação do PERSI não resultou comprovada.
Não o comprova, ademais, a mera invocação da exequente – diga-se, apenas nesta sede de recurso de apelação - de que “sempre procurou promover pela resolução extrajudicial do litígio” e de que “É do insucesso das tentativas de resolução, que surge a necessidade de recorrer à instauração da presente ação executiva”, sendo certo que, conforme se assinalou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-2020 (Pº 2282/15.4T8ALM-A.L1.S1, rel. CATARINA SERRA): “Como instrumento para a prevenção de incumprimento no crédito bancário, o Procedimento Extrajudicial para Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) não se basta com o cumprimento formal, pela instituição de crédito, do dever de integração do cliente bancário no procedimento, sendo-lhe exigida a observância de deveres específicos e a realização de diligências concretas”.
Na realidade, a integração do devedor no PERSI e a ulterior extinção daquele procedimento constituem verdadeiras condições da ação executiva - condições objectivas de procedibilidade da execução: A instauração desta, determina que seja verificado se tal condição da ação se mostra reunida.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2021 (Pº 930/20.3T8ACB-A.C1, rel. LUÍS CRAVO):
“A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI [aprovado pelo Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10], quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Assim como constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito a quem não é uma instituição de crédito.
De outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI.
O incumprimento do regime legal da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI traduz-se numa falta de condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias (atípicas ou inominadas).
As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – art.ºs 14º, nº 4 e 17º, nº 3 do dito DL 227/2012, de 25/10 – e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (art.ºs 364º, nº 2 e 393º, nº 1, ambos do C.Civil) exceto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação”.
E, dúvidas não há, no sentido de que a prova da integração do devedor no PERSI e extinção do procedimento e a sua comunicação a este, realizada em suporte duradouro (designadamente, carta ou email), recai sobre o exequente (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29-10-2020, Pº 6/19.6T8GMR-A.G1, rel. RAQUEL BAPTISTA TAVARES, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-05-2022, Pº 829/17.0T8ENT-D.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-06-2022, Pº 172/20.8T8VLF-A.C1, rel. CRISTINA NEVES).
Ou seja: “É o exequente que tem o ónus de alegar e provar a existência, o envio e a respectiva recepção pelo devedor das comunicações exigidas no âmbito do PERSI” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-03-2022, Pº 824/20.2T8ANS.C1, rel. JOSÉ AVELINO GONÇALVES).
Compreende-se que assim seja, uma vez que, enquanto a instituição de crédito não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade de encontrar uma solução extrajudicial para a situação de mora, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não pode recorrer à via judicial para fazer valer o seu crédito, nos termos já apontados, na decorrência do previsto no artigo 18.º, n.º 1, al. b) do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Assim, o prévio cumprimento dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor.
Ao invés, a instauração de acção executiva sem que se mostrem verificada a referida condição objectiva de procedibilidade, que deverá ser sedimentada sempre em “suporte duradouro” – que, no caso, se mostra inexistente - gera a verificação de uma excepção dilatória inominada, que conduz à absolvição da instância (cfr. artigos 576.º, n.ºs. 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC).
Podem sintetizar-se as considerações precedentes nas seguintes proposições conclusivas:
- O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, visa proteger especificamente o cliente bancário, que, nos termos do artigo 3.º, al. a) do mesmo Decreto-Lei é “o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”, ou seja, “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”;
- Tendo o contrato de compra e venda com mútuo e hipoteca dos autos sido contraído com a finalidade de o imóvel se destinar a habitação própria permanente da mutuária/executada e ocorrendo mora, no domínio de aplicação e vigência do regime do PERSI, ainda que o contrato dos autos tenha sido celebrado em data anterior à de entrada em vigor (01-01-2013) desse regime jurídico, a instituição de crédito deveria promover as diligências necessárias à implementação do PERSI, relativamente a tal cliente bancário, que tem a feição de consumidor, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 3.º, al. a) e c), e 12.º e ss. do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, na redação originária deste diploma;
- A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito – cfr. artigo 18.º, n.º 1, al. b) do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro – pelo que, estando o crédito em incumprimento sujeito ao âmbito de aplicação do diploma que aprovou o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), o credor não pode instaurar execução para obter a satisfação do seu crédito sem previamente instaurar e tramitar este procedimento; e
- A instauração de acção executiva sem que se mostrem verificada a referida condição objectiva de procedibilidade, que deverá ser sedimentada sempre em “suporte duradouro” – que, no caso, se mostra inexistente -  gera a verificação de uma excepção dilatória inominada, que conduz à absolvição da instância (cfr. artigos 576.º, n.ºs. 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC).
A apelação improcederá, com manutenção, na íntegra, da decisão recorrida.
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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária inerente incidirá, in totum, sobre a exequente/apelante, que decaiu, para este efeito, integralmente – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas da apelação pela exequente/apelante.
Notifique e registe.
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Lisboa, 2 de março de 2023.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
João Miguel Mourão Vaz Gomes