Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
303/10.6TYLSB-B.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: DÍVIDAS DA INSOLVÊNCIA
DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE
LISTA DE CREDORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 4.1. Os artigos 47º e 51º do CIRE aludem a duas diversas categorias de dívidas: o primeiro, reporta-se às dívidas da insolvência ( a que correspondem os denominados créditos sobre a insolvência) e, o segundo, às dívidas da massa insolvente (a que correspondem os créditos sobre a massa insolvente);

4.2. Os créditos a que se reportam as dívidas da massa insolvente , devendo ser pagos nas datas dos respectivos vencimentos, não carecem de ser reclamados pelo meio previsto no artigo 128º do CIRE, o qual disciplina tão só a forma e timing para a reclamação dos créditos sobre a insolvência.

4.3. Caso o titular de um crédito sobre a massa insolvente lance mão - erradamente - do expediente reclamatório previsto no artigo 128.º o IRE e uma vez integrado na lista de
credores reconhecidos como crédito comum sobre a insolvência , não é o referido crédito objecto de qualquer impugnação, em última análise o erro [ provocado ab initio pelo próprio reclamante, quando lança mão de um meio processual desadequado ] de qualificação da natureza do crédito constante da referida LISTA, porque não MANIFESTO, como que se consolida, não podendo o mesmo em sede de recurso - interposto da sentença de verificação e graduação dos créditos - ser objecto de correcção.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de LISBOA.

                                                          
1.–Relatório:  
                                  

Na sequência da propositura e subsequente tramitação de acção com processo especial previsto no CIRE ( aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18 de Março ), veio Juízo do Tribunal do Comércio da Comarca de Lisboa, por sentença transitada em julgado, a declarar a insolvência de A, fixando-se prazo para a reclamação - pelos credores da insolvência - de créditos.

1.1.Seguindo-se a apresentação pelo Administrador da insolvência da lista dos credores por si reconhecidos e dos não reconhecidos ( cfr. artº 129º do CIRE ), não foi apresentada qualquer impugnação [ nos termos do artº 130º, do Cire ], sendo que, da referida LISTA consta a indicação de um crédito no valor de €3540,58, reclamado por B [ atinente a depósito indevidamente efectuado e cuja restituição solicita ] , e sendo o mesmo qualificado como se tratando de um crédito comum.

1.2. Em razão da não apresentação de qualquer impugnação, foi de imediato proferido despacho saneador/sentença ( cfr. artº 130º, nº3,do CIRE), o qual homologou a lista de credores reconhecidos  elaborada pelo Administrador da insolvência e procedeu à respectiva graduação.

1.3.No âmbito da Graduação identificada em 1.1., integra a Sentença proferida o seguinte comando decisório :
“(…)
5.Decisão.
Pelo exposto, consideram-se reconhecidos os créditos dos seguintes credores :
(…)
- B no valor de € 3.540,58;
- C - Soc. Garantia Mútua S.A. no valor de € 670.109,49 ;
- D - Excursões e Turismo L.da no valor de € 48.676,65;
(…)
- Vítor …….. no valor de € 4.367,62, que se graduam nos seguintes termos, para serem pagos pelo produto do activo obtido nos autos:
1.- Em primeiro lugar, na mesma posição rateadamente:
- Créditos privilegiados reconhecidos aos credores trabalhadores, descontados os valores pagos pelo Fundo de Garantia Salarial:
(…)
2.- Em segundo lugar:
- Créditos reconhecidos ao Fundo de Garantia Salarial nos valores de € 116.693,27 + € 37.092,23 + € 20.857,00.
3.- Em terceiro lugar:
Créditos privilegiados reconhecidos ao credor:
- Ministério Público, em representação do Estado, Fazenda Nacional no valor de € 33.633,35.
4.- Em quarto lugar:
- Créditos privilegiados reconhecidos ao credor:
Instituto de Segurança Social LP. no valor reclamado das contribuições vencidas desde 05.07.2010 até à declaração de insolvência (reclamação no valor total de € 156.132,26).
5.- Em quinto lugar, na mesma posição rateadamente:
Créditos comuns reconhecidos aos credores:
(…)
- B no valor de € 3.540,58;
- C - Soc. Garantia Mútua S.A. no valor de € 670.109,49 ;
- D - Excursões e Turismo L.da no valor de € 48.676,65;
 (…)
6.- Em sexto lugar, na mesma posição rateadamente:
 Créditos subordinados reconhecidos aos credores:
- Banco Espírito Santo S.A. - Créditos correspondentes aos valores dos juros posteriores à declaração de insolvência reclamados;
(…)
Nos termos do disposto no art.° 303° do C.I.R.E., a actividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma.
Assim, não há lugar a custas.
Registe e Notifique. “.

1.4.Notificado da sentença referida em 1.3., logo atravessou nos autos a credora B , a competente Apelação, aduzindo então as seguintes conclusões :
I.- Salvo o devido respeito que nos merece a opinião e a ciência jurídica do Meritíssimo Juiz "a quo", afigura-se à Recorrente que a sentença proferida no presente apenso de Reclamação de Créditos, não se pode manter.
II.- Fruto da actividade comercial da Recorrente, a sua administração e colaboradores necessitam de realizar inúmeras deslocações ao estrangeiro, nessa medida, e dado que a ora Insolvente operava como intermediária entre determinados prestadores de serviços turísticos, nomeadamente aéreos e hoteleiros, a Recorrente e a ora Insolvente até ao passado dia 24 de Novembro de 2009 mantiveram uma estreita relação comercial.
III.- Data a partir da qual a Recorrente, por sua iniciativa, recorreu aos serviços de uma outra Agência de Viagens e Turismo, denominada "TOP ATLÂNTICO - Viagens e Turismo, S.A.".
IV.- Sucede que, por lapso dos serviços de contabilidade da Recorrente, quando se preparavam para efectuar o pagamento de uma factura emitida pela "TOP ATLÂNTICO - Viagens e Turismo, S.A.", no valor de €3.540,58 (três mil quinhentos e quarenta euros e cinquenta e oito cêntimos), a referida compra foi indevidamente inserida no fornecedor A .
V.- Sendo os procedimentos de pagamento operados de forma automática, o lapso que supra se refere, originou um pagamento indevido à ora insolvente A , montante esse que indevidamente e por conta de um lapso dos serviços de contabilidade da Recorrente, foi transferido para a massa insolvente.
VI.- Temos assim que a quantia que constitui a massa patrimonial deslocada do património da Recorrente para o da massa insolvente não teve causa justificativa!
VII.- Nessa medida encontra-se na massa insolvente de A, desde 03 de Agosto de 2010, a quantia de €3.540,58, conforme resulta de todo o vertido no apenso M dos presentes autos,
VIII.- Encontrando-se por conseguinte a massa insolvente, desde a mencionada data - 03 de Agosto de 2010 - enriquecida no aludido montante.
IX.- Não obstante o exposto, a verdade é que o crédito reconhecido à aqui Recorrente, ao invés de ter sido considerado como crédito da massa insolvente, foi considerado como crédito da insolvência na sentença a que se recorre, na posição 18.° do quinto lugar do rateio.
X.- Nessa medida e tendo por base que o artigo 47.° n.° 1 do CIRE preceitua que " Declarada a insolvência todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantido por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicilio", acrescenta o seu n.° 2 que " Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência."
XI.- Por seu turno o n.° 3 refere que são equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquiridos no decorrer do processo.
XII.- Prescreve ainda o artigo 46.° n.° 1 do CIRE que "A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo."
XIII.- "O que significa que as dívidas da massa insolvente são pagas com precipuicidade, de onde se conclui que os créditos sobre a insolvência, seja qual for a respectiva categoria, são preteridos no confronto com aqueles", conforme referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 20.10.2015, com o número 640/11.2TBCMN-B.G1.SI.
XIV.- Temos que na esteira do referido e das disposições legais citadas, o crédito da Recorrente não pode ser considerado como um crédito anterior à data da declaração de insolvência e nessa medida se encontrar graduado no lugar em que se situa.
XV.- Nessa medida e reiterando o supra exposto temos que o crédito da aqui Recorrente é no valor de €3.540,58 e tem origem numa transferência indevidamente feita à massa insolvente, datada de 03.08.2010, conforme melhor resulta do apenso M.
XVI.- Por outro lado temos que a declaração de insolvência foi proferida nos presentes autos a 05.07.2010.
XVII.- Temos assim que o crédito em apreço tem a sua origem em data posterior à declaração de insolvência, e tratando-se o mesmo de uma transferência erradamente feita à Insolvente, encontra-se a Massa Insolvente enriquecida no montante de €3.540,58 desde 03.08.2010, sem que para tal tenha qualquer fundamento.
XVIII.- Afigura-se assim à Recorrente que o crédito em apreço configura como um enriquecimento indevido da massa insolvente nos termos e para os efeitos do artigo 51.° n.° 1 alínea i) do CIRE, uma dívida da massa.
XIX.- Tanto mais que veja-se que o Senhor Administrador de Insolvência não procedeu à apreensão do montante aqui em causa para a massa insolvente, conforme assim refere o Tribunal a quo na sentença proferida no âmbito do apenso M dos presentes autos, conforme aliás lhe competiria se o mesmo não fosse considerado como crédito da massa insolvente!
XX.- Nessa medida não poderá o crédito da ora Recorrente ser classificado na posição 18.° do quinto lugar do rateio, lugar em que foi graduado pela presente sentença.
XXI.- Em face de tudo quanto foi exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça a Recorrente como detentora de um crédito sobre a massa insolvente no valor de €3.540,58, devendo por conseguinte o mesmo ser pago nos termos e para os efeitos do artigo 172.° do CIRE.
XXII.- Aliás, tendo o Meritíssimo Juiz "a quo" pleno conhecimento do depósito efectuado por erro na conta da Insolvente e que, em consequência, o Sr. Administrador da Insolvência não apreendeu o valor em causa, não poderia ter relacionado este crédito na Sentença ora recorrida, uma vez que, mesmo que tal crédito não tivesse sido impugnado na lista de credores a que alude o artigo 129° do CIRE, é evidente que se trata de um erro manifesto, conforme se extrai do artigo 130° n° 3 do mesmo Código.
XXIII.- Para além de que é Jurisprudência unânime dos Tribunais superiores que a sua análise não poderia escapar ao "crivo" do princípio da legalidade ou seja, ao ser elaborada a Sentença ora recorrida deveria o Meritíssimo Juiz "a quo" ter detectado tal erro manifesto e assim, nela não incluir o crédito da Recorrente.
XXIV.- Nesta conformidade, afigura-se à Recorrente que o Tribunal "a quo" andou mal ao proferir a sentença recorrida, tendo feito uma errada aplicação e interpretação dos artigos 46.° N.° 1; 47.° n.° 1, 2 e 3; 51.° n.° 1 alínea i), 130 n° 3 e 172.° todos do CIRE.
Termos em que o presente recurso de apelação deve merecer provimento, não se devendo manter a douta Sentença recorrida, em conformidade com as presentes Alegações.

1.5. Com referência à apelação identificada em 1.4, veio o MINISTÉRIO PÚBLICO apresentar contra-alegações, impetrando, no essencial, a improcedência do recurso interposto pela credora B .
*

Thema decidendum.
1.6. Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir resume-se à seguinte  :
I.- Aferir se a Sentença Proferida Pelo Tribunal  a quo e em sede de decisão de graduação de créditos, e ao qualificar o crédito reclamado pela credora e apelante B, como sendo uma dívida da INSOLVÊNCIA, que não uma dívida da MASSA INSOLVENTE  [ e a ser pago em conformidade com disposto no art.º 172º, nºs 1, 2 e 3 , do CIRE ] , incorre em error in judicando.
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2.Motivação de Facto.
Não constando da sentença apelada a fixação de qualquer factualidade PROVADA, e para a economia da presente apelação, resta atentar ao que resulta do processado nos autos do qual emerge a instância recursória, maxime ao aludido no presente acórdão em sede de Relatório ( e para o qual se remete)
*

3.Motivação de direito
3.1. - Se a Sentença Proferida pelo Tribunal a quo e em sede de decisão de graduação de créditos, e ao qualificar o crédito reclamado pela credora e apelante  B, como sendo uma dívida da INSOLVÊNCIA, que não uma dívida da MASSA INSOLVENTE  [ e a ser pago em conformidade com disposto no art.º 172º, nºs 1, 2 e 3 , do CIRE ] , incorre em error in judicando.
Relaciona-se o thema decidenduum com a questão de aferir se o crédito pela apelante B reclamado ( nos termos do artº 128º, do CIRE ) e, para todos os efeitos pelo administrador da insolvência reconhecido na relação de créditos a que alude o artº 129º, do CIRE, e ao invés da qualificação que consta ( como sendo um crédito sobre a insolvência ) da sentença de verificação e graduação recorrida, deveria na referida sentença ter sido qualificado/considerado como correspondendo a uma dívida da massa insolvente ( ou seja, um crédito sobre a massa insolvente ), porque para todos os efeitos subsumível o mesmo na alínea i), do nº1, do 51º, do CIRE  [ porque de  dívida se trata que tem por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente ].

Vejamos.

Diz-nos o art.º 46º, nº 1, do CIRE, que  “a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas,…”, identificando por sua vez o art.º 51º do mesmo diploma legal , quais as dívidas que devem ser consideradas da massa insolvente, por contraposição às dívidas da insolvência.

Dos referidos normativos,  e outrossim do art.º 47º, o CIRE consagrou e tratou de forma diferenciada duas categorias de dívidas, a saber : as dívidas da insolvência (a que correspondem os denominados créditos sobre a insolvência) e as dívidas da massa insolvente (a que correspondem os créditos sobre a massa insolvente).

As primeiras ( às quais se refere o art.º 47º), reportam-se a créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência (1) .

Já as segundas, são as enunciadas pelo art.º 51º, além de outras que, como tal, sejam qualificadas pelo código (cf., v.g. as dos art.ºs 84º, 140º, nº 3 e 142º, nº 2).

A classificação e distinção entre dívidas da insolvência e dívidas da massa insolvente assume a maior importância, dado o regime diferenciado a que se encontram sujeitas, sendo de destacar, de entre as referidas diferenças, as que se prendem com o timing da respectiva satisfação, pois que, as segundas, são satisfeitas primeiramente , tal como o determina o nº1, do artº 172º, do CIRE, ao estipular que “Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência , o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários á satisfação das dividas desta , incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo “.

Em suma, e bem a propósito da destrinça entre créditos sobre a massa insolvente e créditos sobre a insolvência, esclarece CATARINA SERRA (2) que “ Distingue-se agora entre os «créditos sobre a massa insolvente» (ou «dívidas da massa insolvente») e «créditos sobre a insolvência» (ou «dívidas da insolvência») e, em conformidade com isso, entre «credores da massa» e «credores da insolvência». Os «créditos sobre a massa» são os créditos constituídos no decurso do processo (cfr. art. 51º, nºs. 1 e 2) e os «créditos sobre a insolvência» são os créditos cujo fundamento já existe à data da declaração de insolvência (cfr. art. 47º, nºs. 1 e 2). Dentro dos «créditos sobre a insolvência», distingue-se por seu turno, entre «créditos garantidos», «créditos privilegiados», «créditos subordinados» e «créditos comuns».”

Mas, outrossim ao nível adjectivo, trata o legislador de forma diferente os créditos sobre a insolvência e os créditos sobre a massa insolvente , pois que, em sede de competente reclamação/exercício, diversas são as formas de actuação que dos credores se exige.

Assim, dispondo desde logo o artigo 90º do CIRE [ sob a epígrafe de “Exercício dos créditos sobre a insolvência “ ] que os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do Código, durante a pendência do processo de insolvência, tal equivale a dizer que o credor da insolvência obrigado está a reclamar o seu crédito no processo de insolvência, nos termos do artigo 128º, do CIRE, ou seja, através de requerimento endereçado ao administrador da insolvência e dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência.

O mesmo credor (da insolvência), e mesmo depois de findo o prazo das reclamações, pode ainda reclamar a verificação dos seus créditos através de acção para verificação ulterior de créditos ou de outros direitos, nos termos dos artigos 146º a 148º do CIRE, correndo as competentes acções  por apenso ao processo de insolvência.

Porém, já o credor da massa insolvente, e dispondo o nº 3 ,do artigo 172º , do CIRE, que o pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo, obrigado não está ( para obter o seu pagamento ) a deduzir qualquer reclamação, sendo que, não lhe sendo paga pelo administrador da insolvência o crédito sobre a massa insolvente do qual é titular, resta-lhe lançar mão da acção declarativa a que alude o artigo 89º nº 2 do CIRE [ o qual reza que “ As acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária” ].

Em suma, tal como bem o decidiu este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa em Ac. de 15-10-2015  (3), e não podendo um mesmo crédito ser tratado e qualificado, ao mesmo tempo, indistintamente, como “crédito sobre a massa” e como “crédito sobre a insolvência”, certo é que quem se arroga titular de um crédito sobre a massa não preenche a previsão do artigo 128.º do CIRE  e, consequentemente, não deve reclamar o seu crédito nos termos de tal preceito, devendo antes aguardar que tal crédito, sobre a massa, lhe seja liquidado, com precipuidade, nos termos do artigo 172.º, nº 3 do CIRE, ou se tal não suceder, propor então a devida acção, por apenso ao processo de insolvência, nos termos do nº 2 do artigo 89º do mesmo diploma legal.

Ou seja, as dívidas da massa, porque saem precípuas, não carece o respectivo credor de deduzir a sua reclamação ( cfr. arts. 46.º, n.º 1 e 172.º, ambos do CIRE), mas, já as dívidas sobre a insolvência, sujeito está o seu titular ao dever de reclamação - nos termos previstos no art. 128.º CIRE - e isto caso pretenda ele obter o seu pagamento, e sendo ademais e para tanto totalmente irrelevante a sua natureza e fundamento e mesmo se em causa estiverem créditos reconhecidos por decisão definitiva.

Com relevância para o desfecho da presente apelação, importa considerar que, enveredando concreto credor pela reclamação do seu crédito através do requerimento a que alude o artº 128º,nº1, do CIRE, e sendo o mesmo reconduzido à LISTA dos credores reconhecidos e a que se refere o artº 129º, do mesmo diploma legal [ lista que identifica cada credor e qual a natureza do respectivo crédito - cfr. nº2, do arrº 129º, do CIRE ],  pode/deve qualquer interessado dirigir-lhe concreta impugnação, maxime com fundamento na incorrecção da qualificação dos créditos reconhecidos - cfr. nº1, do artº 130º,do CIRE.

É que, recorda-se, “Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista” - cfr.  nº3, do artº 130º,do CIRE.

Isto dito, e descendo agora ao processado nos autos, vemos que a  credora/apelante, não obstante se arrogar titular de crédito sobre a massa insolvente [ porque alegadamente subsumível na alínea i), do artigo 51º, do CIRE ], vem lançar mão da reclamação a que o artº 128º,nº1, do CIRE, que não v.g. do mecanismo a que alude o artigo 89º, nº 2 , do mesmo diploma legal, e previsto para o caso o administrador da insolvência não proceder ao seu pagamento.

Depois, e a acrescer à utilização de um meio processual desadequado para o desiderato pretendido, e não obstante da LISTA apresentada pelo Administrador da insolvência ( nos termos do artº 129º do CIRE ) resultar a qualificação do seu crédito como um crédito comum, não foi apresentada qualquer impugnação [ nos termos do artº 130º, do Cire ], sendo que, da referida LISTA consta a indicação de um crédito no valor de €3540,58, reclamado por B. [atinente a depósito indevidamente efectuado e cuja restituição solicita ], e sendo o mesmo qualificado como se tratando de um crédito comum  sobre a insolvência, não lhe dirigiu qualquer impugnação.

Ora, porque nada justificava considerar que padecia a LISTA apresentada pelo Administrador da insolvência de um qualquer ERRO MANIFESTO [ o qual pode respeitar à indevida inclusão do crédito reclamado na referida lista, ao seu montante ou às suas qualidades ] no tocante à qualificação do crédito reclamado pela credora Lineamédica,S.A., em última análise como que o invocado erro [ provocado ab initio pela própria reclamante, quando lança mão de um meio processual desadequado em sede de reclamação do seu crédito ] de qualificação da natureza do crédito se consolidou, não podendo ele em sede de recurso ser objecto de correcção.

É que, como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João labareda (4) , “Segundo este preceito [ o do nº4, do artº 130º, do CIRE ], verificada esta hipótese, o juiz profere de imediato sentença de verificação e graduação dos créditos elaborada pelo administrador das insolvência, nos termos que desta constam.  Por outras palavras, que, de resto, traduzem a letra da lei, a sentença limita-se então a homologar essa lista, atribuindo-se efeito cominatório à falta de impugnações”.

Acresce que, não existindo fundamento pertinente que justifique sancionar de forma diversa a ausência de impugnações e consoante se esteja perante uma errada qualificação de um crédito como respeitando ele a um crédito sobre a insolvência  quando  de crédito sobre a massa insolvente se trate ,ou de crédito comum quando na presença de crédito privilegiado,  como que a força e autoridade do caso julgado formal - decorrente da ausência de impugnação - obsta forçosamente a que a referida questão possa voltar a discutir-se .

Destarte, nenhuma censura é a sentença apelada merecedora, ao integrar o crédito reclamado pela apelante na graduação que operou no tocante a todos os demais créditos da insolvência.

Improcede, por conseguinte, a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
***

4. - SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
4.1. - Os artigos 47º e 51º do CIRE  aludem  a duas diversas categorias de dívidas: o primeiro, reporta-se às dívidas da insolvência ( a que correspondem os denominados créditos sobre a insolvência) e, o segundo, às dívidas da massa insolvente (a que correspondem os créditos sobre a massa insolvente);
4.2. - Os créditos a que se reportam as dívidas da massa insolvente , devendo ser pagos nas datas dos respectivos vencimentos, não carecem de ser reclamados pelo meio previsto no artigo 128º do CIRE, o qual disciplina tão só a forma e timing para a  reclamação dos créditos sobre a insolvência.
4.3. - Caso o titular de um crédito sobre a massa insolvente lance mão - erradamente - do expediente reclamatório previsto no artigo 128.º do CIRE e, uma vez integrado na lista de credores reconhecidos como crédito comum sobre a insolvência , não é o referido crédito objecto de qualquer impugnação, em última análise o erro [ provocado ab initio pelo próprio reclamante, quando lança mão de um meio processual desadequado ] de qualificação da natureza do crédito constante da referida LISTA, porque não MANIFESTO, como que se consolida, não podendo o mesmo em sede de recurso - interposto da sentença de verificação e graduação dos créditos - ser objecto de correcção.
***

5.Decisão.
Em face de todo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa , em , julgando improcedente a apelação de B .
5.1.- Confirmar a sentença recorrida
*
Custas da apelação pela apelante.
***


LISBOA, 17/5/2018
                                          
    
          
António Manuel Fernandes dos Santos (O Relator) 
Eduardo Petersen Silva (1º Adjunto)                                               
Cristina Isabel S.C. F. Neves (2ª Adjunta)



(1)Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, 2103, 5 tª Edição, pág. 89.
(2)In “ O Novo Regime Português da Insolvência” , Uma Introdução, Almedina, 3ª Edição, pág. 30.
(3)Proferido no Proc. nº 188/14.3T8VPV-C.L1-2
(4)In CIRE Anotado, Quid Júris -Sociedade Editora, 3ª Edição, 2015, pág. 528.