Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21989/18.8T8SNT.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
CONDOMÍNIO
CONDÓMINOS
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1-A regra da literalidade do título executivo prevista no artº 53º do CPC/13 não é a única em matéria de legitimidade para a acção executiva; o artº 55º do CPC/13, possibilita que a execução fundada em sentença condenatória possa ser promovida não só contra o devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado.
2- Esta regra de legitimação passiva por extensão subjectiva imperativa do caso julgado aplica-se, além dos mais, aos casos em que figure no processo um dos entes referidos nas diversas alíneas do artº 12º do CPC/13, devendo então distinguir-se entre a parte formal, desprovida de personalidade jurídica e, a parte material, verdadeira titular dos interesses em litígio, como sucede com o condomínio resultante da propriedade horizontal e conjunto dos condóminos.
3- Assim, a sentença proferida contra um condomínio vincula o conjunto dos condóminos, podendo ser executada contra estes, na proporção das respectivas quotas, porque a parte vinculada aos efeitos da decisão não é a parte processual/formal, o condomínio, pessoa meramente judiciária, mas as pessoas jurídicas que não são parte processual, o conjunto dos condóminos.
4- Caso contrário, o credor do condomínio não poderia realizar a execução coactiva da prestação contra um ente desprovido de personalidade e capacidade jurídica e, por conseguinte, de património responsável pela dívida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório.

1 - IS, instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, contra Condomínio do Prédio sito na Rua … e contra ML e outros, na qualidade de condóminos do referido condomínio, visando a cobrança coerciva das quantias de 14 661,60€, mais 1 000€ e ainda mais 1 500€.
Como título executivo apresentou sentença de condenação proferida em acção declarativa em que ela figura como autora e, como réu, consta o referido condomínio do Prédio sito na Rua…(no relatório da sentença, por lapso, consta que se situa no nº … mas, no ponto 1º dos factos provados é dito que se situa no nº…) cuja decisão foi a de condenação do réu condomínio a pagar-lhe aquelas quantias.
2- Entretanto, PV, condómino co-executado nos autos, deduziu oposição à execução.
3- O juiz a quo, por despacho de 11/02/2019, decidiu rejeitar o requerimento executivo no que respeita aos condóminos executados ML e outros, com fundamento em que não têm no título, dado à execução, a posição de devedores e, por isso, considerou-os partes ilegítimas para a acção executiva.
4- Inconformada, a exequente/apelante instaurou o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1º. Traz a Apelante o presente recurso da decisão proferida pelo Mº Juiz do Juízo de Execução de Sintra – Juiz 2 da Comarca de Lisboa Oeste que, no processo n.º21989/18.8SNT decidiu rejeitar o requerimento executivo no que respeita aos executados M L e demais condóminos, extinguindo-se, nessa parte, a execução.
2º. A decisão sob recurso resultou, como se disse, de embargos de um único executado PV, porquanto todos os outros já haviam procedido ao pagamento respectivo ao Sr. Agente de Execução.
3º. A decisão proferida extravasou, pois, o pedido formulado, tendo consequentemente o Mº Juiz “a quo” decidido para além do pedido formulado, o que conduz à nulidade da decisão, conforme preceituado no n.º1 do art.º 609º do CPC, que aqui e agora se invoca.
Por outro lado, estabelece o n.º4 do art.º726º do CPC que “fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º”
Também aqui o Mº Juiz não procedeu do modo prescrito na lei, violando-a neste especial segmento.
4º. Por fim, estabelece o art.º 3º do CPC que “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”.
E o art.º348º do CPC estabelece que “recebidos os embargos, as partes primitivas são notificadas para contestar, seguindo-se os termos do processo comum”, situação a que a Mº Juiz “a quo” também não deu cumprimento!
5º. Adianta o Mº Juiz “a quo” que: “numa acção em que um condómino pretende a reparação dos defeitos das partes comuns dum prédio em propriedade horizontal, bem como ser ressarcido dos prejuízos sofridos na sua fracção e causados pela existência desses defeitos, parte legítima é o Condomínio desse prédio, razão pela qual tendo sido demandados como Réus os proprietários das demais fracções autónomas, enquanto tal, são os mesmos partes ilegítimas na acção, sendo irrelevante para esta questão, a inexistência de Administrador do Condomínio – ver, neste sentido, Ac. RG, de 08.03.2018, relatado por José Cravo (in www.dgsi.pt)”.
Contudo, há que reconhecer que quanto ao acórdão invocado acerca de ilegitimidade da instauração da acção contra todos os condóminos de 8/03/18 do Tribunal da Relação de Guimarães invocado na sentença, o mesmo é proferido em sede de acção declarativa.
A questão, põe-se, pois, em sede executiva e não declarativa.
6º. É obrigação da Administração do Condomínio dar conhecimento a todos os condóminos das situações que ocorram no prédio e mormente, das acções instauradas contra este e das decisões proferidas cobrando as receitas e efectuando as despesas comuns decorrentes (art.º1436º alínea d) do Código Civil).
7º. Nessa medida, não efectuado em prazo razoável (mais de 4 meses e meio após a prolação da sentença condenatória) o pagamento das quantias devidas é absolutamente justificada a instauração da acção executiva em ordem ao cumprimento da sentença.
8º. Ora, como se vê do requerimento executivo, a exequente teve o cuidado de peticionar em primeiro lugar a execução do património do exequente Condomínio e só, subsidiariamente, o património dos executados.
Por isso se alegava no requerimento executivo “Nessa medida a Exequente vem, após a tentativa de penhora de bens do Condomínio (NIF 90…) requerer a penhora de quaisquer bens, propriedade de qualquer dos Condóminos que (com a fundamentação do Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 24/01/17, de Lisboa de 20/06/13 ou de Coimbra de 15/10/13 são responsáveis pelo pagamento e que são os seguintes”:
Descrevendo-se posteriormente os seus nomes, NIF, estado civil, nome do cônjuge, morada e fracção de que eram proprietários, estabelecendo-se, seguidamente, o limite de responsabilidade de cada condómino no pagamento da dívida que é a que resulta da sua percentagem no valor total do prédio o qual posteriormente se indicou discriminadamente, juntando para o efeito cópia da inscrição predial em ordem a que o Sr. Agente de Execução e os demais executados pudessem escrutinar a justeza do valor a pagar por cada um.
9º. Ora, o certo é que o Sr. A.E. procedeu à penhora de bens do Condomínio que se resumiu ao valor do montante depositado na sua conta bancária no reduzido valor de 789,94 € (vide doc. junto aos autos) que constituí a resposta ao pedido de penhora ao Banco Santander Totta em 03/01/19.
10º. O que sucede é que só após realizada tal diligencia e face à insuficiência do valor penhorado ao Condomínio e mediante citação prévia a cada um dos condóminos o Sr. A.E. prosseguiu a execução.
O certo é que cientes da obrigatoriedade desse pagamento todos os condóminos, à excepção do ora recorrido PV, não vieram questionar a legitimidade e proporcionalidade do montante fixado para pagamento e procederam voluntariamente ao pagamento da parte que lhes cabia na execução, reconhecendo deste modo a dívida perante a exequente.
11º. Ainda assim o Mº Juiz “a quo” determinou por sentença a ilegitimidade de todos os demais executados com os fundamentos que constam da sentença recorrida.
12º. Em sentido contrário foi decidido no Acórdão da Relação do Porto datado de 24/01/17 publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo I do ano de 2017, pág. 164, que no respectivo sumário estabelece:
“I – O Condomínio resultante de propriedade horizontal não possui personalidade jurídica, estando apenas dotado de personalidade judiciária nos termos do artigo 12º, al.e) do Código do Processo Civil.
II – A intervenção do Condomínio, representado em juízo pelo administrador, é, assim, processualmente legítima embora a eventual sentença condenatória contra o Condomínio vincule necessariamente os condóminos.
III – Em sede de instância executiva de sentença proferida contra o Condomínio de um prédio constituído em propriedade horizontal, os respectivos condóminos podem ser igualmente demandados na medida dos limites dos valores de cada uma da(s) fracção(es) autónomas respectivas”.
13º. Acresce a tudo o atrás exposto o seguinte:
Cada vez mais se procura no nosso Direito a simplicidade e a economia processual ou seja tornar simples aquilo que se afigura complexo.
A decisão proferida foi-o apenas contra o Condomínio, representado pelo seu administrador, no que o M.º Juiz “a quo” concorda.
Os mesmos através de Assembleia de Condóminos de 18/10/18 tomaram conhecimento do teor da respectiva sentença e com ela se conformaram, já que dela não interpuseram o competente recurso.
Todavia, não pagaram ao Condomínio, representado pelo seu administrador, a quantia que a cada um cabia segundo a sua permilagem.
A exequente aguardou, pacientemente, tal pagamento durante cerca de 4 meses sendo certo que tais quantias destinavam-se à execução das obras para restituir a sua casa nas condições normais de habitabilidade, atento o seu estado muito degradado!
14º. Os executados sabiam da sua obrigação de pagamento, razão pela qual em face da citação prévia feita pelo Sr. A.E. procederam, à excepção do embargante, voluntariamente, ao pagamento da dívida, aceitando-a.
15º. Consequentemente, não tendo pago cada um deles, a quantia devida ao Sr. Administrador do Condomínio, os executados constituíram-se na obrigação de pagar tal quantia, juros, encargos e honorários do Sr. A.E., como peticionado por aquele na sequência do requerimento executivo instaurado.
Nessa medida, os executados são parte legítima na presente execução pelo que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que admita os condóminos como executados.
5- Não foram apresentadas contra-alegações.
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II-Fundamentação.

1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC/13) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC/13) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações (caso as haja) em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC/13) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC/13) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- A invocada nulidade da sentença;
b)-A legitimidade passiva dos condóminos para a execução.
Vejamos cada uma delas.
2- Fundamentação de Facto.
Com relevância para a apreciação e decisão das questões que se colocam, importa ter em consideração a factualidade mencionada no relatório antecedente que nos escusamos de repetir.
3- As questões enunciadas.
3.1- A invocada nulidade da sentença.
Segundo a apelante a sentença será nula, face ao disposto no artº 609º nº 1 do CPC/13, por a decisão ter “extravasado” o pedido formulado pelo embargante P V: apenas este executado deduziu embargos à execução e o juiz a quo rejeitou a execução contra a generalidade dos condóminos por os considerar partes ilegítimas.
Será assim?
O artº 615º nº 1, al. d) do CPC/13 determina que a sentença é nula, além do mais, quando o juiz “…conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.” A sentença é viciada por excesso de pronúncia ou pronúncia indevida e por isso padece de nulidade.
Ora, o preceito está relacionado com a norma do artº 608º nº 2, 2ª parte, do CPC/13: o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes. No entanto, esta regra, derivado do Princípio do Dispositivo – são as partes que circunscrevem o thema decidendum - contém uma excepção, aliás mencionada no próprio preceito: o juiz pode resolver questões não suscitadas pelas partes se a lei lho permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso - manifestação do Princípio do Inquisitório ou da Oficialidade.
Pois bem, no que toca às excepções dilatórias, o artº 578º do CPC/13 estabelece uma regra: o tribunal deve conhecê-las oficiosamente. E a ilegitimidade das partes é uma excepção dilatória (artº 577º al. e) do CPC/13). Por isso, impõe-se que o juiz a aprecie mesmo que as partes não lho requeiram.
Em sede de acção executiva, a consequência para a verificação de excepção dilatória de ilegitimidade, insuprível, é a de indeferimento liminar do requerimento executivo, caso o processo comporta esse despacho liminar (artº 726º nº 2, al. b) do CPC/13). Não comportando o processo despacho liminar, ainda assim o juiz está obrigado, nos termos do artº 734º do CPC/13, a conhecer oficiosamente as questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar, rejeitando então a execução, no todo ou em parte, consoante a extensão do vício ou da excepção.
Daqui resulta que o juiz, ao conhecer oficiosamente das excepções de ilegitimidade de todos os condóminos, ainda que apenas um dos executados lha suscitasse, não extravasou, como pretende a apelante, o conhecimento de objecto de que lhe era lícito ocupar-se.
Assim, sem necessidade de outras considerações, conclui-se que a sentença não padece da apontada nulidade.
Diferente é a questão de saber se a ilegitimidade dos executados condóminos foi bem decidida.
Isso é o que apreciaremos de seguida.
3.2- A legitimidade passiva dos condóminos para a execução.
O juiz a quo fundou a sua decisão, essencialmente, no argumento que retira da letra do artº 53º do CPC/13: que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor e, não tendo os executados (condóminos), no título executivo, a posição de devedores, conheceu a ilegitimidade passiva destes e, por conseguinte, rejeitou o requerimento executivo quanto a eles.
Será assim?
Importa, antes de mais, ter presente que o artº 817º do CC, que estabelece o princípio geral relativo à execução coactiva da prestação, fixa quem tem legitimidade processual activa e passiva na execução: o credor, ou seja, quem tem direito de exigir judicialmente o cumprimento e, o devedor, que é o titular do “património” responsável pela dívida.
O artº 53º nº 1 do CPC/13 enuncia uma regra geral: a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada conta a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
Apela-se, no preceito, à literalidade do título executivo: a legitimidade singular executiva apura-se por confronto entre o título executivo e as partes da causa (Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, pág. 278).
No entanto, a regra da literalidade do título, não é a única em matéria de legitimidade para a acção executiva. Como decorre do artº 55º do CPC/13, “A execução fundada em sentença condenatória pode ser promovida não só contra o devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado”. Estamos perante uma regra de legitimação passiva por extensão subjectiva imperativa do caso julgado (Rui Pinto, A Ação Executiva, cit., pág. 283).
A questão, no caso em apreço, passa, portanto, por saber se a sentença condenatória do condomínio a indemnizar a autora, dada como título executivo, pode considerar-se que tenha força de caso julgado em relação aos condóminos, permitindo assim que a execução corra contra eles.
Para responder à questão importa perceber, desde logo, a questão da personalidade judiciária do condomínio.
Diz-nos o artº 11º nº 1 do CPC/13 que a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte num processo. Por regra, quem tem personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária (artº 11º nº 2 do CPC/13).
A personalidade judiciária é atribuída em função de um de quatro critérios: (i) critério da coincidência, (ii) critério da diferenciação patrimonial, (iii), critério da afectação do acto, (iv) critério da protecção de terceiros. (Cf. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 136).
Interessa-nos os dois primeiros.
Segundo o critério da coincidência, tem personalidade judiciária quem tiver personalidade jurídica (artº 11º nº 2 do CPC/13).
Pelo critério da diferenciação patrimonial, a personalidade judiciária é atribuída, ficticiamente, a determinados património autónomos, pelo mecanismo da extensão da personalidade judiciária. É o que sucede, entre outos, com os condomínios, como veremos posteriormente.
Além da personalidade judiciária, importa relembrar ainda a capacidade judiciária, que consiste da susceptibilidade de a parte estar pessoal e livremente em juízo, ou de se fazer representar por representante voluntário e tem por base e por medida a capacidade de exercício (artº 15º do CPC/13).
A personalidade jurídica caminha, braço dado, com a capacidade jurídica: a susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas (artº 67º do CC). Portanto, fechando o círculo, podemos dizer que a susceptibilidade de ser parte afere-se pela capacidade de ser titular de relações jurídicas em litígio.
Voltando um pouco atrás.
Como referimos, existem ainda entes, sem personalidade jurídica, a que o legislador decidiu, por ficção, estender-lhes personalidade judiciária: são os entes previstos no artº 12º do CPC/13.
Essa extensão da personalidade judiciária a entidades desprovidas de capacidade de gozo de direitosé uma forma expedita de acautelar a defesa de legítimos interesses em crise, nos casos em que haja situação de carência em relação à titularidade dos respectivos direitos (ou dos deveres correlativos) ”. (Antunes Varela/Sampaio e Nora/Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 111).
De entre os entes, que não tem personalidade jurídica e aos quais o legislador entendeu estender personalidade judiciária está, como se referiu, o condomínio resultante da propriedade horizontal (artº 12º al. e) do CPC/13). Ainda assim, essa personalidade judiciária do condomínio está limitada às acções que se inserem no âmbito dos poderes - rectius funções - do administrador. Portanto, para se concluir se para determinada acção o condomínio goza de personalidade judiciária é necessário averiguar, à luz do artº 1436º do CC, se o objecto do processo cabe no âmbito das funções do administrador. Se o litígio diz respeito ou se insere em qualquer uma das funções que competem ao administrador, a acção tem de ser instaurada pelo ou contra, apenas, o condomínio, representado pelo administrador. Os condóminos, nesse caso, não podem constar como partes na acção.
O administrador, em tais casos representa o condomínio que é parte nesse processo.
Como bem salienta Miguel Mesquita (A personalidade judiciária do condomínio nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, Cadernos de Direito Privado, nº 35, Julho/Setembro 2011, pág. 41 e segs., concretamente a pág. 47) referindo-se ao artº 1437º nº 2 do CC, “Ao contrário do que a epígrafe do preceito enuncia, o administrador não tem legitimidade alguma, mas, antes, poderes de representação da parte, que é o condomínio. A legitimidade, ou seja a susceptibilidade de ser a parte certa, pertence ao condomínio e não ao administrador. (…) O administrador limita-se a representar o condomínio em juízo, a ser, no fundo, a “voz do condomínio”, e isto porque este, naturalmente, não pode estar por si só em juízo…”.
Se o objecto da acção diz respeito a matérias que extravasam as funções do administrador, o condomínio perde a susceptibilidade de ser parte, transferindo-se esta para os condóminos.
Por outro lado, quando figure num processo um dos entes referidos nas diversas alíneas do artº 12º do CPC/13, deve distinguir-se entre a parte formal, desprovida de personalidade jurídica e a parte material.
Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, 1982, pág. 109) salienta “…partes na causa verdadeiramente são a sociedade, a herança (os herdeiros), a sociedade civil, etc., e não a sucursal, o administrador do património autónomo, etc., que são simples parte formal, ou meros representantes legais. Quando muito, a sua posição será a de um substituto processual.”.
Este ensinamento aplica-se aos condomínios que, como é sabido, passaram a integrar o elenco dos entes com personalidade judiciária (fictícia) apenas na reforma processual de 95.
Assim, o condomínio será a parte formal, enquanto os condóminos constituem a parte material do litígio.

E qual a relevância da necessidade de distinguir parte formal de parte material?
Paula Costa e Silva (O manto diáfano da personalidade judiciária, Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, vol. II, pág. 1882) entende que em situações em que intervêm no processo as partes formais, devem ser considerados substitutos processuais e, por isso, “A parte vinculada aos efeitos da decisão não é a parte processual, pessoa meramente judiciária, mas a pessoa jurídica, que não é parte processual”.
Portanto, o condomínio actuará no processo como um substituto processual dos condóminos e, precisamente por isso, os efeitos da decisão estendem-se a estes.
Também Remédio Marques (A acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3ª edição, 2011, pág. 358) entende “…os proprietários das fracções autónomas (…) acham-se vinculados por efeito de uma substituição processual e os efeitos da acção produzem-se directamente sobre os substituídos”.
Igualmente, Miguel Mesquita (A personalidade judiciária do condomínio nas acções…cit., pág. 49) afirma “…a sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes.”
Sandra Passinhas, tem o mesmo entendimento: “ …a sentença de condenação emitida contra o administrador constitui título válido para a execução contra os condóminos singulares, ainda que os nomes dos condóminos não venham nela individualizados” (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pág. 339).
No mesmo sentido se pronuncia Rui Pinto (A Execução de Dívidas do Condomínio, Novos Estudos de Processo Civil, 1, pág. 181 e segs, concretamente a pág. 183) “…a sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes (…) ou seja, a parte vinculada aos efeitos da decisão não é a parte processual – o condomínio - pessoa meramente judiciária, mas a pessoa jurídica que não é parte processual – condóminos”.
A jurisprudência é, ao que sabemos, constante neste mesmo sentido (Vejam-se os acórdãos do TRP, de 24/01/2017 (José Igreja Matos), TRC, de 15/10/2013 (José Avelino Gonçalves) e TRL, de 20/06/2013 (Pedro Martins).

Uma nota: a jurisprudência mencionada pelo juiz a quo, refere-se a acções declarativas e, nestas, como vimos, por força do artº 12º al. e) do CPC/13, a parte (formal) é, necessariamente, o condomínio, representado pelo administrador, desde que o litígio se circunscreva em alguma das situações inseridas nas funções do administrador.
Voltando ao início: dissemos que o artº 817º do CC estabelece o princípio geral relativo à execução coactiva da prestação, fixando quem tem legitimidade processual activa e passiva na execução: o credor, que tem o direito de exigir judicialmente o cumprimento e, o devedor, que é o titular do “património” responsável pela dívida.
Ora, se o condomínio não tem personalidade jurídica nem capacidade jurídica é insusceptível de ser titular de direitos e obrigações e, por conseguinte, de património.
Se é assim, como entendemos, como poderá o credor do condomínio realizar a execução coactiva da prestação contra o ente desprovido de personalidade e capacidade jurídica e, por conseguinte, de património responsável pela dívida?
A resposta é a que deixamos atrás: o responsável pelo cumprimento da obrigação, isto é, pelo cumprimento coercivo da obrigação, é a parte material no litígio de responsabilidade civil (contratual ou extracontratual) ou seja, o conjunto dos condóminos, na proporção das respectivas quotas, à luz do que dispõe o princípio geral da responsabilidade dos condóminos previsto no artº 1424º nº 1 do CC.
Portanto e concluindo: sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes na proporção das respectivas quotas.
O recurso procede.
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III- Decisão.
Em face do exposto, decidem na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa julgar procedente o recurso e, em consequência revogam a decisão recorrida determinando que seja substituída por outra que considere os condóminos partes legítimas para a execução, prosseguindo esta contra eles.
Custas: pelos apelados.

Lisboa, 27/06/2019
Adeodato Brotas
Fátima Galante
Gilberto Jorge