Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
680/11.1T2AMD.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
CHEQUE FALSIFICADO
PRESUNÇÃO DE CULPA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O contrato de depósito bancário é aquele pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante.
- Aquele contrato é qualificado como um depósito irregular a que são aplicáveis os artigos 1205º e 1206º do Código Civil e 363º a 406º do Código Comercial, uma vez que o dinheiro depositado é uma coisa fungível. Assim, por remissão do artigo 1206º para o artigo 1144º do Código Civil o dinheiro torna-se propriedade do banco, que se constitui ante o depositante na obrigação de restituição em género.
- Transferindo-se para o banco depositário a propriedade do dinheiro, por força no disposto no artigo 1144º do Código Civil, são aplicáveis duas regras fundamentais: - a presunção de culpa do devedor constante do artigo 799º nº1 do Código Civil quanto ao incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação; - o estatuído no artigo 796º do Código Civil quanto ao risco do perecimento ou deterioração da coisa que correm por conta do adquirente nos contratos que impliquem a transferência do domínio da coisa.
- Cumpre ao banco ilidir a presunção de culpa a que se refere o artigo 799º do Código Civil, sendo certo que é de exigir ao banco uma actuação qualificada na colocação de meios na detecção de falsificação.
- Pelo pagamento de um cheque que havia sido falsificado, só o banco, em princípio, é que é atingido, e não o depositante, que tem o direito de rever o montante igual ao depositado.
- Actua com culpa o banco que paga indevidamente um cheque falsificado por os seus funcionários não terem detectado a falsificação das assinaturas: é que o banco deverá ter ao seu serviço, no exame dos cheques apresentados a pagamento, pessoas altamente preparadas para detectar a falsificação.
- Não o tendo feito é civilmente responsável para com o autor pelo pagamento da quantia de € 4.000,00 que indevidamente debitou na conta bancária do autor.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


CONDOMÍNIO ... intentou contra C.., SA acção com processo sumário, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 4.000,00, a que acrescem juros de mora vencidos à taxa legal, no valor de €160,00 bem como de juros vincendos até integral pagamento, assim como a condenação da ré no pagamento dos honorários que a autora deve despender no patrocínio da acção no montante de € 912,50.

Em síntese, alegou que o autor é cliente do banco réu e que, a 28-04-2010, emitiu um cheque nº 4302398041 no valor de 100 euros, a favor de A..., para pagamento de serviços de limpeza. Contudo, a 14-06-2010, o autor tomou conhecimento através do extracto de conta, que o cheque foi apresentado a pagamento pelo valor de € 4.000,00, o que foi possível por ter sido viciado o cheque de forma grosseira, com a alteração das letras e números que ali tinham sido apostos pelo administrador do condomínio, nomeadamente a indicação numérica e por extenso do valor do cheque e do seu beneficiário. A viciação é evidente a olho nu, sem necessidade a qualquer exame grafológico, pelo que os funcionários do réu deviam ter recusado o seu pagamento face à convenção de cheque, não tendo os funcionários da ré actuado com o cuidado devido.

Contestou a ré alegando que o cheque foi apresentado para depósito na conta de J..., estando emitido em nome deste e pelo valor de 4.000,00 euros. A ré aceitou pagar o cheque, porquanto o mesmo não denotava indícios de rasuras ou de emendas notórias ou visíveis, tendo sido depositado em conta de cliente devidamente identificado. Tendo havido viciação do cheque, o único responsável pelo prejuízo é o autor, porquanto remeteu o cheque a pagamento pelo correio, por via simples, sem o fazer como valor declarado, como impõe a lei, pelo que conclui que foi a falta de cuidado do autor na custódia do cheque que fez com que o cheque fosse apropriado por terceiro.

A ré deduziu incidente de intervenção principal provocada de J..., pessoa que constava no cheque como beneficiário e a quem pertencia a conta bancária onde o cheque foi depositado.

O autor apresentou resposta, referindo que o facto de ter enviado o cheque pelo correio não afasta a responsabilidade da ré na culpa que lhe é atribuída pelo pagamento do cheque falsificado.
Foi admitida a intervenção principal provocada de J... (fls. 78) na posição de réu. Face ao desconhecimento do seu paradeiro, foi ordenada a citação edital do chamado, tendo o Ministério Público sido citado em nome deste nos termos do artigo 21º do CPC.

Foi proferida SENTENÇA que julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada, e: a) condenou a ré a pagar ao autor o montante de € 4.000,00, a que acrescem juros de mora à taxa legal vencidos desde 30 de Abril de 2010 e dos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento; b) absolveu o interveniente principal do pedido formulado pelo autor; c) absolveu a ré do pedido de condenação do valor dos honorários do advogado no montante de 912,50 euros.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu a ré, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1ª-Resultou provado - cfr nº 4 dos factos provados - que os serviços da C... não detectaram indícios ou emendas notórias no cheque aqui em causa, e resultou não provado que as mesmas sejam evidentes e claras, ou que um cidadão comum se pudesse aperceber das mesmas.
2ª-O tribunal, no respectivo exame crítico à prova que doutamente elaborou concluiu que a viciação efectuada sobre o cheque em questão não era uma viciação perceptível pelo funcionário bancário médio, conforme se conclui da análise que fez ao depoimento da testemunha L..., inspector da C..., sendo certo que a culpa é apreciada – na falta de outro critério legal - segundo os padrões do bonus pater familiae a que alude o artº 487º nº 2 do CC, que, in casu, são os padrões de um funcionário bancário diligente.
3ª-Com efeito, o que se conclui do exame crítico da prova que o tribunal realizou, é que a viciação do cheque aqui em causa não era (como efectivamente não foi) detectável por empregado bancário “normal” (no dizer da testemunha L..., estava “fora da capacidade dos habituais bancários”) e, ainda que a viciação foi feita “com arte” e que “um bancário normal não tinha capacidade para detectar essa viciação”.
4ª-Um empregado bancário que processa cheques não inicia a sua análise por “exames complementares de diagnóstico”, mas sim pelo exame visual e gráfico do cheque, e pela verificação da sua regularidade formal, e só se tal análise lhe suscitar dúvidas é que passa para uma análise mais fina do título, sendo que o primeiro (em grau de importância) desses “exames complementares de diagnóstico” nem sequer exige rigorosamente nenhuma complexidade de meios técnicos pois resume-se a um simples telefonema ao cliente para que este confirme ou infirme a aparência titulada no cheque.
5ª-Quando da análise da aparência do título não resulta nenhuma desconfiança para o empregado que o “tratou” – por precisamente a viciação ser “feita com arte” o banco não passa para a fase da realização dos “exames complementares de diagnóstico” porque nada no cheque indicia tal necessidade, não lhe sendo exigível que na ausência de evidências de falsificação proceda à realização de outras diligências, pelo que, no caso concreto, não procede conclusão do Tribunal ao referir que o banco não alegou a utilização de qualquer meio técnico de apoio com vista a detecção da viciação (cfr pág.12 da douta sentença), bem como que não alegou os concretos cuidados e qualificação dos técnicos na execução da fiscalização dos seus elementos.
6ª-Conforme concluiu o douto Ac. TRC de 17-01-2012, processo nº 702/08.3TBOVR.C1, “se na verdade pelo artº 73º do DL 298/92, de 31.12, as instituições de crédito devem assegurar aos clientes elevados níveis de competência técnica, tal não significa que tenham de dispor de meios altamente eficazes para detectar falsificações mesmos as mais perfeitas” concluindo ainda que “Aos bancos não podia ser exigido mais cuidados perante cheques que lhes pareciam verdadeiros, cujo preenchimento estava correcto, não suscitando suspeitas as assinaturas neles constantes. De contrário, confrontada diariamente a actividade bancária com centenas de cheques, um exame mais aprofundado levaria decerto à sua paralisação”.
7ª-A falsificação do cheque foi perfeita, “feita com arte”, no expressivo dizer da testemunha L..., e por isso não era possível aos funcionários bancários detectá-la ao ponto de levantar suspeitas e daí passar para uma análise mais fina do cheque.
8ª-Ou seja, a C... provou ter agido com um grau de diligência idóneo, à luz das regras de experiência comum, e dos usos bancários, pelo que deveria o tribunal a quo ter concluído pela inexistência de culpa da sua parte, com as legais consequências.
9ª-Do contrato/convenção de cheque resultam direitos e deveres recíprocos para ambas as partes; para o cliente ou sacador resulta o dever de guardar convenientemente os impressos dos cheques que lhe são confiados pelo banco sacado, destinados a serem por si emitidos, evitando o seu extravio ou apropriação ilícita.
10ª-A guarda dos cheques constitui assim uma verdadeira obrigação contratual por parte do respectivo titular, neste caso o aqui apelado, e que tem como núcleo principal que o seu legítimo possuidor se não deixe desapossar dos mesmos por meio de uma sua actuação descuidada ou negligente, sendo certo que o seu sacador deve ser responsabilizado quando incumpra este seu dever; isto é, o cliente de um banco tem a obrigação - por força do contrato ou convenção de cheque – de acautelar até à entrega do título ao respectivo beneficiário que este seja objecto de furto, extravio ou de falsificação.
11ª-O autor, ao remeter o cheque em causa nestes autos nos moldes em que o mesmo foi expedido, isto é, através de correio simples correu e potenciou os riscos previsíveis de extravio e/ou falsificação, tendo sido esta sua conduta que esteve na base e na origem do pagamento do cheque.
12ª-A razão de ser da exigência normativa constante do art. 12º nº 1 alínea h) e artº 29º do RSPC – envio de valores declarados como tal - assenta precisamente na necessidade de segurança para os utentes que o envio de valores pelo correio exige; ao remeter-se pelo correio valores como valores declarados tal implica que os correios tratem este expediente de uma forma diferenciada e mais segura no que concerne seja à sua expedição e envio seja à confirmação da sua recepção pelo legítimo destinatário.
13ª-A expedição pelo autor via CTT em correio normal duma carta contendo o cheque constitui actuação violadora de regras básicas de segurança e preservação do título, não podendo a autor deixar de saber que ao agir assim punha em flagrante risco a preservação do cheque e a sua entrega ao legítimo destinatário do mesmo, constituindo dever inequívoco do autor assegurar que o cheque em causa depois de ter sido emitido fosse entregue incólume e na sua integridade à destinatária do mesmo.
14ª-A conduta do autor ao preencher o impresso de cheque e ao enviá-lo por simples via postal ao seu credor, deixando de ter qualquer controlo sobre quem poderia aceder ao mesmo, é muito mais causal do prejuízo por si sofrido do que qualquer outra suposta violação de deveres acessórios que possam recair sobre a ré, sendo aliás facto notório o risco de extravio, sendo comummente sabido que o mesmo aumenta exponencialmente quando a expedição, em violação da citada proibição, é feita através de simples carta selada.
15ª-Foi a actuação em violação da lei – ao remeter o cheque em correio simples - por parte da apelada que deu causa ao extravio e falsificação dos dizeres apostos no cheque e que tornou possível o seu pagamento pelo banco.
16ª-Isto é: O autor fundamenta o seu invocado direito perante a ré C... na confessada prática de um ilícito (o próprio autor refere logo na p.i. ter remetido o cheque por correio simples) atendendo a que violou o regime legal imperativo que impede o envio de valores pelo correio sem ser como valores declarados (artº 12º alínea h) e artº 29º do DL 176/88 de 18.05 (Regulamento do Serviço Público de Correios) – com conteúdo idêntico ao nº 5 do artº 25º da Convenção Postal Universal aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 36-A/2004 e ratificada pelo decreto do Presidente da República nº 26-A/2004, publicados no DR séria I-A de 11.05.2004.
17ª-Pelo que há que concluir que o autor agiu com negligente violação do seu dever de guarda do cheque, e que esta violação foi a causa primeira e única do extravio deste.
18ª-Por isso sempre a responsabilidade da apelada estaria alijada por força do disposto no artº 570º nº 1 do CC atenta a culpa do apelado.
19ª-O Regulamento do Serviço Público de Correios constitui um acto normativo que estabelece normas legais gerais, abstractas e imperativas que o legislador não restringiu nem quis restringir às relações contratuais inerentes ao serviço postal; com efeito, nada que conste expresso no texto do DL 176/88 de 18.05 prevê que as suas normas não são invocáveis por qualquer entidade ou sujeito directa ou indirectamente afectado pelo incumprimento das normas de natureza imperativa que o mesmo prevê pelo que tais normas não se restringem na sua aplicação apenas às relações CTT/utentes dos serviços postais, sendo certo onde o legislador não distinguir não cabe ao intérprete fazê-lo em seu lugar.
20ª-São os clientes do banco quem tem o ónus de diligenciar por si mesmos os melhores procedimentos para acautelarem eficazmente o dever de guarda que sobre eles incide no que aos cheques concerne, não competindo aos bancos impor-lhes contratualmente regras a esse respeito, e, mesmo que se entendesse relevante a demonstração de cláusula contratual a proibir os clientes de usar os CTT para remeter cheques o certo é que o ónus da demonstração da sua existência sempre caberia ao autor e não ao banco.
21ª-Do facto de serem os próprios bancos que apresentam aos seus clientes os cheques como meios de realizar pagamentos não se pode extrair nem concluir que os bancos são por causa disso responsáveis pelo bom ou mau uso que os clientes fazem dos cheques.
22ª-O tribunal não explica em que concretos factos e números é que se baseou para concluir que o baixo valor do pagamento (100 euros) desaconselharia ao cliente outras opções potencialmente mais seguras que implicariam custos acrescidos, sendo ademais certo que as regras da experiência comum revelam sem qualquer margem para dúvidas que a transferência bancária não só era mais barata (custo zero, ou seja mais barata que um selo postal e um envelope) como também muito mais segura como meio de efectuar um pagamento à distância.
23ª-Do facto de ter sido dado como provado que os bancos remetem para o domicílio dos clientes livros de cheques que acabam depositados nas caixas de correio, não resulta qualquer possível responsabilização do banco ou qualquer desresponsabilização do apelado, sendo certo que uma coisa é remeter módulos de cheques via CTT (como é evidente nestes casos os cheques não estão preenchidos nem, muito menos, assinados!!!) e outra bem diversa é remeter um cheque preenchido e assinado, pelo que o tribunal considerou iguais e equiparáveis situações que o não são.
24ª-Do facto de não estar afastada a possibilidade de o extravio e viciação do cheque ter ocorrido quando este já chegara ao seu destino nada resulta que afaste a culpa do autor; com efeito se o cheque tivesse sido remetido como valor declarado – conforme exige a lei – o mesmo só poderia ser levantado na estação dos CTT por quem demonstrasse ser o legal representante da sociedade destinatária do mesmo (cfr artº 4º nº 1 alínea c do DL 176/88, de 18/5); ou seja: Se o autor Condomínio tivesse agido conforme a lei lhe exigia não se colocava sequer a questão de saber se o cheque se extraviou já no seu destino ou antes.
25ª-Tendo o banco feito prova de que a falsificação do cheque é imputável a uma culpa do cliente fica exonerado da sua responsabilidade – artº 799º nº 1 e 570º do Código Civil.
26ª-Mesmo que assim se não entenda, o que só por excesso de zelo de patrocínio se hipotetiza então, no mínimo, haveria lugar a uma repartição de responsabilidade, incorrendo o autor na maior parte da quota-parte desta.
Termina, pedindo que a sentença seja revogada.

O autor contra-alegou, pedindo a rejeição do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir

II - FUNDAMENTAÇÃO:

A) Fundamentação de facto.

Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:
1º-Condomínio ..., é cliente da C,,,, sendo titular da conta ...
2º-No dia 28 de Abril de 2010, os administradores do condomínio assinaram o cheque 4302398041 e emitiram-no a favor de Andyca, apondo no mesmo o valor de 100 euros.
3º-O cheque em causa destinava-se ao pagamento de serviços de limpeza.
4º-O condomínio remeteu o cheque por correio simples para o seu beneficiário.
5º-O cheque referido em 2º foi apresentado na C... estando preenchido, para além das assinaturas referidas em 2º, com os seguintes elementos manuscritos: o valor de 4.000,00 após a expressão Pague por este cheque EUROS; a palavra Amadora após a expressão local de emissão, a data de 2010-04-28, o nome J... após a expressão não à ordem e, após os dizeres, a quantia de a frase manuscrita quatro mil euros.
6º-Na sequência do facto referido em 5º, a C... depositou o montante de € 4.000 euros na conta de J... existente naquela instituição, que foi sacado da conta do condomínio autor.
7º-Após o facto referido em 4º, pessoa não concretamente identificada e em circunstâncias não concretamente apuradas apoderou-se do cheque e procedeu à viciação dos seus elementos na parte relativa ao nome do beneficiário e na indicação, numérica e por extenso, do respectivo valor.
8º-Ao receber o extracto da conta, a autora constatou que o cheque havia sido descontado na sua conta pelo valor de 4.000,00 euros, tendo contactado imediatamente a agência da ré na Reboleira.
9º-Em resposta a reclamação da autora, a ré enviou uma carta datada de 08/07/2007, onde informa, além do mais, considerar que tendo o cheque em causa sido depositado em conta de cliente devidamente identificado, a Caixa considera que o mesmo foi regularmente pago. Com efeito, da verificação a que procedemos, com a diligência apropriada a este tipo de situações, constata-se que o título em análise não contém rasuras ou emendas notórias ou visíveis que evidenciem ter havido viciação, pelo que o pagamento não poderia ser recusado ao respectivo apresentante, que não se conseguiu contactar (…).
10º-No momento referido em 5º, os serviços da C... não detectaram indícios de rasuras ou emendas notórias e visíveis a olho nu.
11º-A C... envia livros de cheques aos clientes por via postal simples.

B) Fundamentação de direito.

A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, consiste em saber se existe a responsabilidade civil da ré decorrente da adulteração do cheque nos seus elementos e pelo pagamento do mesmo.

A douta sentença recorrida entendeu que sim e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 4.000,00 euros.

O núcleo essencial da matéria de facto que importa considerar a este respeito é o que consta dos seguintes nºs da Fundamentação de facto:
“2º-No dia 28 de Abril de 2010, os administradores do condomínio assinaram o cheque 4302398041 e emitiram-no a favor de A..., apondo no mesmo o valor de 100 euros.
 5º-O cheque referido em 2º foi apresentado na C... estando preenchido, para além das assinaturas referidas em 2º, com os seguintes elementos manuscritos: o valor de 4.000,00 após a expressão Pague por este cheque EUROS; a palavra Amadora após a expressão local de emissão, a data de 2010-04-28, o nome J... após a expressão não à ordem e, após os dizeres, a quantia de a frase manuscrita quatro mil euros.
6º-Na sequência do facto referido em 5º, a C... depositou o montante de € 4.000 euros na conta de J... existente naquela instituição, que foi sacado da conta do condomínio autor.
7º-Após o facto referido em 4º, pessoa não concretamente identificada e em circunstâncias não concretamente apuradas apoderou-se do cheque e procedeu à viciação dos seus elementos na parte relativa ao nome do beneficiário e na indicação, numérica e por extenso, do respectivo valor.
8º-Ao receber o extracto da conta, a autora constatou que o cheque havia sido descontado na sua conta pelo valor de 4.000,00 euros, tendo contactado imediatamente a agência da ré na Reboleira.
10º-No momento referido em 5º, os serviços da C... não detectaram indícios de rasuras ou emendas notórias e visíveis a olho nu”.

Para a abertura de conta numa entidade bancária é necessário a celebração de um contrato (de abertura de conta), de acordo com o tipo de conta que se pretende, em que uma ou mais pessoas entregam algo seu à Entidade Bancária em função da confiança e solvabilidade que esta lhe transmite, para que o guarde ou movimente, mas lhe restitua em valor, nos termos, prazos e remunerações resultantes do contrato, denominado Contrato de Depósito Bancário ou Depósito de disponibilidades monetárias[1]. A lei comercial faz uma breve alusão a este contrato no seu artigo 407.º, onde se diz:” ...os depósitos feitos em bancos ou sociedades reger-se-ão pelos respectivos estatutos em tudo quanto não se achar prevenido neste capítulo e nas demais disposições legais.”

Esta disposição legal, com um conteúdo generalista,  encontra-se, no nosso entender desactualizada face ao surgimento de alguma legislação que permite regular este tipo de contrato em particular.
Deste modo, e de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro, a actividade das instituições de crédito ou bancárias consiste na recepção de fundos reembolsáveis do público, com vista a ser utilizados por conta própria, bem como concessão de crédito (artigo 2º e 4º nº 1 alínea a).

Mas o regime dos depósitos de disponibilidades monetárias nas instituições de crédito encontra-se regulado pelo DL nº 430/91, de 2 de Novembro.  

Assim, a abertura de conta traduz a existência de uma convenção sobre o conjunto de regras que norteiam créditos e débitos que possam nascer entre ambos os contraentes. Por via do contrato de depósito – escrito (como requisito formal) – a Entidade Bancária solicita ao cliente para assinar um documento de abertura de conta, de acordo com a modalidade que se pretende, tendo em conta o seu funcionamento e movimentação. Contudo, há que salientar que estes contratos que a Entidade Bancária apresenta ao cliente revestem as características de verdadeiros contratos de adesão[2], até porque não é permitido ao cliente negociar o seu conteúdo por forma a salvaguardar a sua posição contratual.

Assim, necessário se torna atentar às exigências legais, no âmbito da formação e negociação deste contrato, quer no tocante à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, quer no tocante à Lei do Consumidor e restante legislação avulsa nesta matéria.

Estes contratos de adesão revelam-se, na maioria dos casos, verdadeiros pactos leoninos, pelo que o legislador procurou estabelecer um conjunto de regras respeitantes às condições gerais destes contratos (o seu clausulado) [3]  por forma a salvaguardar o destinatário de tais contratos, conforme resulta do DL nº 446/85, de 25 de Outubro[4], que aprova a Lei das Condições Gerais dos Contratos.

De facto, quando se pretende abrir uma conta numa entidade bancária, de imediato nos é colocado um contrato, com um conjunto de cláusulas previamente elaboradas, restando ao destinatário/cliente aceitar e assinar sem qualquer hipótese de negociar ou alterar o seu conteúdo [5].

Ora, o que é certo é que muito raramente, para não dizer nunca, o cliente se propõe a “estudar” o conteúdo do contrato, por forma a inteirar-se das condições que regem a relação contratual . Se compulsarmos o Dec. Lei nº 359/91, de 21 de Setembro que vem estabelecer as regras mínimas quanto ao crescendo de contratos de crédito ao consumo, transpondo para o direito interno as Directivas do Conselho das Comunidades Europeias nºs 87/102/CEE, de 22 de Dezembro de 1986, e 90/88/CEE, de 22 de Fevereiro de 1990, temos que, surgem determinados requisitos que procuram proteger a posição do consumidor/cliente das instituições de crédito.

Entre outras, consideramos importante realçar, o requisito formal da redução a escrito destes contratos (artigo 6.º), bem como de outros requisitos obrigatórios tal como a garantia, condições utilização e custo para o consumidor ( al. g. do n.º 2 do artigo 6.º), as menções obrigatórias constantes do n.º2 do artigo 6.º, e o período de reflexão de sete dias úteis para que o contrato se torne eficaz  ou o cliente renuncie (artigo 8.º), requisitos estes que uma vez não verificados padecem de nulidade ou anulabilidade consoante os casos ( artigo 7.º ). 

Contudo, importante se torna relembrar que, à entidade bancária cabem um conjunto de deveres por que se deve reger. Assim, e porque possui uma relevância fulcral nesta sede, há que analisar o dever de informação e o dever de comunicação, deveres estes que devem pautar a conduta da entidade bancária quando propõe a celebração do contrato aqui referido[6].

Estes factos revelam que a ré actuou contra as obrigações assumidas no contrato de depósito bancário, contribuindo para os danos decorrentes da actuação ilícita de outrem que prejudicou o autor.

Preceitua o artigo 227º nº 1 do Código Civil que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

Por seu turno, o nº 2 do artº 762 do mesmo código diz que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.

Se assim é na generalidade dos contratos, relativamente aos contratos bancários mais se acentua a exigência da boa fé em toda a sua formação e execução, regendo-se como se rege a actividade bancária, de modo especial, pela confiança entre os bancos e os clientes, impondo-se que os deveres de lealdade e de probidade assumam aí muito maior peso do que na generalidade dos contratos[7].

O contrato de depósito bancário é definido por Alberto Luís[8] como aquele pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante.

Aquele contrato é qualificado como um depósito irregular a que são aplicáveis os artigos 1205º e 1206º do Código Civil e 363º a 406º do Código Comercial, uma vez que o dinheiro depositado é uma coisa fungível. Assim, por remissão do artigo 1206º para o artigo 1144º do Código Civil o dinheiro torna-se propriedade do banco, que se constitui ante o depositante na obrigação de restituição em género.

Tem a natureza de "depósito irregular", nos termos do artigo 1205º do Código Civil, o contrato pelo qual um Banco a pedido e no interesse de outrem aceitou abrir-lhe uma conta de " depósito à ordem" para ser movimentada a crédito mediante entrega de fundos e a débito por emissão de cheques, ordens de pagamento e transferências e para suporte de ordens de compra e venda de acções[9].

No caso dos depósitos bancários, a responsabilidade dos bancos é acrescida, dado o relevante papel que desempenham no comércio e economia do país. Daí que os agentes económicos não possam ser abalados na sua confiança nas instituições bancárias e na certeza de que os seus depósitos serão oportunamente reembolsados.

Como vem referido na douta sentença, citando o acórdão da Relação de Lisboa de 26-06-2007[10], “uma das marcas fundamentais do sistema bancário é a segurança que rodeia a actividade, proporcionando aos interessados a guarda dos fundos confiados. Outra é o rigor proporcionado por um apertado sistema de controlo e supervisão, dando suficientes garantias de que a mobilização dos fundos ou a realização de outras operações apenas são realizadas dentro do condicionalismo expresso ou tacitamente acordado. Estes princípios encontram reflexo nos artigos 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito.

Por isso, exercendo os bancos uma actividade que se traduz, além do mais, na guarda de numerário e outros valores, são responsáveis pela conjugação de meios humanos e materiais que evitem os efeitos de comportamentos ilícitos tanto mais que, tendo em conta o modo como se encontra organizada a actividade bancária, a gestão dos recursos, a verificação do formalismos das operações bancárias e contabilísticas e o controlo de erros ou fraudes constituem tarefas da sua exclusiva responsabilidade.

Deste modo, pela convenção de cheque, o cliente ficou vinculado ao dever de zelo e diligência na guarda e uso dos cheques assim como deveres de informação sobre ocorrências anormais. Por outro lado, o banco assume deveres de diligência e de controlo através de meios técnicos ou de recursos humanos ao seu dispor, a fim de impedir a execução de saques ilegítimos ou débitos não sustentados em ordens emitidas pela autora nomeadamente o especial dever de verificar se os cheques apresentados a desconto, por depósito directo ou por via da compensação bancária, eram ou não forjados ou se, sendo o impresso genuíno, algum dos elementos fundamentais (assinatura, quantia etc.) eram falsificados. Como refere Alberto Luís, no exame da genuinidade do título, o banco não deve limitar-se à verificação da conformidade da assinatura do sacador à espécime por ele fornecido; o banco deve estar atento a todas as particularidades susceptíveis de o alertar para a existência de qualquer anomalia”.

Continuando, no bom entendimento da douta sentença, transferindo-se para o banco depositário a propriedade do dinheiro, por força no disposto no artigo 1144º do Código Civil, são aplicáveis duas regras fundamentais: - a presunção de culpa do devedor constante do artigo 799º nº1 do Código Civil quanto ao incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação; - o estatuído no artigo 796º do Código Civil quanto ao risco do perecimento ou deterioração da coisa que correm por conta do adquirente nos contratos que impliquem a transferência do domínio da coisa.

QUAL É, ENTÃO, A RESPONSABILIDADE DO BANCO?

Está provado que, após o facto referido em 4º, pessoa não concretamente identificada e em circunstâncias não concretamente apuradas apoderou-se do cheque e procedeu à viciação dos seus elementos na parte relativa ao nome do beneficiário e na indicação, numérica e por extenso, do respectivo valor – nº 7 da Fundamentação de facto.

Assim, podemos concluir, tal como foi feito na douta sentença que o cheque descontado era parcialmente forjado quanto aos elementos relativos ao beneficiário do pagamento e ao montante sacado e, deste modo, a ordem de pagamento é inexistente.

Cumpre, pois, à ré ilidir a presunção de culpa a que se refere o artigo 799º do Código Civil, sendo certo que é de exigir ao banco uma actuação qualificada na colocação de meios na detecção de falsificação.

Seguindo a orientação jurisprudencial constante do acórdão do STJ de 31-03-2009, citado na sentença recorrida[11] cujo raciocínio, embora se referindo especificamente à falsificação de assinaturas, pode ser estendido à falsificação de outros elementos:
É da experiência comum que a proliferação do uso do cheque, despoleta não só a sua emissão sem provisão, com também a falsificação de assinaturas. Para esta realidade, mormente, face aos meios usados na falsificação, não podem os Bancos contrapor com meios e técnicas usadas há dezenas de anos, sob pena de, à sofisticação dos falsários, não reagirem com meios evoluídos, facilmente ao seu alcance e que permitiriam detectar fraudes. Os bancos devem ter funcionários especializados na conferência de assinaturas, sendo objectável que a prova rainha da verificação da regularidade das assinaturas seja feita por mero confronto visual. Nos tempos de agora, em que os interesses dos consumidores são crescentemente protegidos, usar métodos cuja precariedade é notória, e não recorrer a técnicas sofisticadas, não é actuar diligentemente. O comportamento exigido pelo padronizado critério do bónus pater familiae não pressupõe comportamentos ou actuações imutáveis, mas antes faz apelo às circunstâncias de cada tempo. Não é compaginável com o grau de exigência, actualmente, que um banco prudente, zeloso e cauto, não disponha de técnicas e funcionários especializados na detecção de falsificações. (…) Ao banco competia o ónus de provar ter agido com um grau de diligência idóneo, à luz das regras de experiência comum e dos usos bancários, visando a detecção da falsificação. Se o banco apenas se limitou a fazer prova de que, antes de pagar os cheques, verificou a semelhança das assinaturas, sem alegar os meios técnicos que empregou ou se tal tarefa foi executada por pessoa experiente e dotada de conhecimentos que, razoavelmente, lhe permitissem descobrir a falsificação, não pode ser isento de censura, tanto mais que nem sequer se provou estar-se perante flagrante semelhança de assinaturas.

No Acórdão da Relação do Porto de 19-22-2015[12] decidiu-se:
Entre os deveres que para o banco resultam do contrato de cheque, figura o de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados. E, no cumprimento dos deveres de diligência e de informação que impendem sobre o banco sobressai o dever de recusar os cheques onde se suscite dúvida e informar de imediato o cliente, obtendo elementos para clarificar a situação.

Não é compaginável com o grau de diligência actualmente exigível que um Banco prudente e zeloso não disponha de técnicas e funcionários especializados na detecção de falsificação de assinaturas.

Não basta que a C... alegue ou se prove que a adulteração não era visível a olho nu. Tinha de alegar e provar, assim o diz a sentença, quais os meios técnicos que empregou com vista a fiscalizar a genuinidade do cheque, ou se tal tarefa foi executada por pessoa experiente e dotada de conhecimentos que, razoavelmente, lhe permitissem descobrir a falsificação: Ao banco, no âmbito da convenção de cheque, compete o ónus de provar ter agido com um grau de diligência idóneo, à luz das regras de experiência comum, dos usos bancários e dos progressos da técnica, visando a detecção de uma falsificação – sumário do citado acórdão STJ de 31-03-2009.

Deste modo, como bem acentua a douta sentença, pelo pagamento de um cheque que havia sido falsificado, só o banco, em princípio, é que é atingido, e não o depositante, que tem o direito de rever o montante igual ao depositado. Actua com culpa o banco que paga indevidamente um cheque falsificado por os seus funcionários não terem detectado a falsificação das assinaturas: é que o banco deverá ter ao seu serviço, no exame dos cheques apresentados a pagamento, pessoas altamente preparadas para detectar a falsificação.

Não o tendo feito é civilmente responsável para com o autor pelo pagamento da quantia de € 4.000,00 que indevidamente debitou na conta bancária do autor.

Mas haverá comportamento culposo do autor?

A ré alega que o autor agiu com negligência, uma vez que remeteu o cheque para o seu beneficiário por via postal simples, quando o deveria ter feito como valor declarado, não tendo exercido sobre o mesmo o adequado controlo, de modo a impedir a falsificação.

Não tem razão a ré, cujos argumentos das alegações são manifestamente insuficientes para desmantelar a boa construção jurídica plasmada na douta sentença recorrida.

Aqui se considerou, não havendo motivos para se decidir de outro modo, que em primeiro lugar, consideramos que o Regulamento de Serviço Público de Correios, aprovado pelo D.L. 176/88 de 18/05, quando determina que os valores devem circular como valores declarados e não em cartas simples, pretende exclusivamente limitar a responsabilidade dos próprios correios por prejuízos resultantes do extravio das cartas. Não visa proteger os interesses de terceiros numa relação contratual alheia ao serviço postal.

Em segundo lugar, não resulta provado que a C... tenha imposto contratualmente aos seus clientes a proibição dos mesmos enviarem cheques aos seus beneficiários por correio simples ou que tal prática fosse desaconselhada.

Em terceiro lugar, ainda que a transferência bancária apresente maior segurança, são os bancos que apresentam aos seus clientes os cheques como meios de realizar pagamentos.

Em quarto lugar, o baixo valor do pagamento (100 euros) desaconselharia ao cliente outras opções potencialmente mais seguras que implicariam custos acrescidos.

Ademais, resultou provado que os bancos remetem para o domicílio dos clientes livros de cheques que acabam depositados nas caixas de correio, constituindo alvos bem mais fáceis de extravio ou de uso ilegítimo. Tal revela que a remessa de cheques por via postal é uma prática habitual no espaço português e que tal não é desincentivado pelos bancos.

Por fim, nada permite concluir que o autor tenha incumprido deveres de diligência, nem se pode concluir que o cheque tenha sido desviado antes de chegar ao seu destino, uma vez que se desconhece quando, onde e como se verificou o extravio, não estando, por exemplo, afastada a possibilidade de o mesmo ter ocorrido quando o cheque já chegara ao seu destino. Ou seja, não se encontra alegada ou provada a ocorrência de qualquer outro facto que possa qualificar-se como incumprimento causal de deveres de diligência que incidissem sobre o autor.

Deste modo, continuando na senda da muito douta sentença recorrida, nada permite concluir que, ao agir como agiu, o autor tenha incumprido o dever de diligência a que estava obrigado, tendo em conta as circunstâncias referidas. Ainda que o cliente assuma perante o banco, através da convenção de cheque, o dever de guardar cuidadosamente os cheques e avisá-lo logo que dê pela sua falta, não se detecta a existência de qualquer comportamento culposo que, em relação ao evento, esteja ligado por nexo de causalidade adequada.
 
Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações da ré, ora apelante.

SÍNTESE CONCLUSIVA.

-O contrato de depósito bancário é aquele pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante.
-Aquele contrato é qualificado como um depósito irregular a que são aplicáveis os artigos 1205º e 1206º do Código Civil e 363º a 406º do Código Comercial, uma vez que o dinheiro depositado é uma coisa fungível. Assim, por remissão do artigo 1206º para o artigo 1144º do Código Civil o dinheiro torna-se propriedade do banco, que se constitui ante o depositante na obrigação de restituição em género.
-Transferindo-se para o banco depositário a propriedade do dinheiro, por força no disposto no artigo 1144º do Código Civil, são aplicáveis duas regras fundamentais: - a presunção de culpa do devedor constante do artigo 799º nº1 do Código Civil quanto ao incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação; - o estatuído no artigo 796º do Código Civil quanto ao risco do perecimento ou deterioração da coisa que correm por conta do adquirente nos contratos que impliquem a transferência do domínio da coisa.
-Cumpre ao banco ilidir a presunção de culpa a que se refere o artigo 799º do Código Civil, sendo certo que é de exigir ao banco uma actuação qualificada na colocação de meios na detecção de falsificação.
-Pelo pagamento de um cheque que havia sido falsificado, só o banco, em princípio, é que é atingido, e não o depositante, que tem o direito de rever o montante igual ao depositado.
-Actua com culpa o banco que paga indevidamente um cheque falsificado por os seus funcionários não terem detectado a falsificação das assinaturas: é que o banco deverá ter ao seu serviço, no exame dos cheques apresentados a pagamento, pessoas altamente preparadas para detectar a falsificação.
-Não o tendo feito é civilmente responsável para com o autor pelo pagamento da quantia de € 4.000,00 que indevidamente debitou na conta bancária do autor.

III - DECISÃO.

Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a muito douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.


Lisboa, 15/09/2016



Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Octávia Viegas



[1]PAULA PONCES CAMANHO, Do contrato de Depósito Bancário, Livraria Almedina, Coimbra – 1998, Pág. 93.
[2]A este respeito veja-se ALMEIDA COSTA e MENEZES CORDEIRO, Cláusulas contratuais Gerais – anotação ao DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, Coimbra, 1990; PINTO MONTEIRO, Contratos de adesão – O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, instituído pelo DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, ROA, Ano 46, Dezembro de 1886 ; GALVÃO TELLES, Das Condições Gerais dos Contratos e da Directiva Europeia sobre as Cláusulas Abusivas, artigo publicado na Revista Portuguesa de Direito Do Consumo, n.º 2, Abril de 1995, pág.7 e ss. 
[3]Do preâmbulo do Dec. Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, no ponto 4, transcreve-se : “ As cláusulas contratuais gerais surgem como um Instituto à sombra da liberdade contratual.”
[4]Com as alterações constantes do Dec. Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, e do Dec. Lei n.º 249/99, de 7 de Julho. 
[5]MÁRIO FROTA, Âmbito de Aplicação da Lei das Condições Gerais dos Contratos (Decreto – Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro), Revista Portuguesa de Direito do Consumo, n.º 2, Abril de 1995, pág. 22 e ss.
[6]EVA COUTINHO, in www.Verbo Jurídico.net. Setembro 2001.
[7]José Maria Pires, Direito Bancário, vol, II, pág. 62.
[8]Direito Bancário, Edição de 1985, pág. 165.
[9]Ac STJ de 08-10-91, in BMJ 410º-805.
[10]www.dgsi.pt/jtrl.
[11]www.dgsi.pt/jstj.
[12]www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 322/11.5TJPRT.P1.

Decisão Texto Integral: