Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10352/14.0T2SNT-C L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: MEDIDA TUTELAR
RECURSO
INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: "I-Do despacho que alterou, embora a título provisório, uma medida tutelar cível, cabe sempre recurso nos termos do disposto no artº 32 do RGPTC, ainda que proferido no âmbito de conferência de pais, em que ambos os progenitores estejam presentes, não constituindo restrição ao direito de interpor recurso, o disposto no artº 28 nº5 do mesmo diploma legal.
II-Não sendo o tribunal competente em razão do território para aplicação de medida tutelar cível, a verificação da excepção dilatória de incompetência territorial do tribunal, obsta a que se pronuncie sobre o mérito da causa (artº 105 nº3 e 576 nº2 do C.P.C., aplicáveis ex vi do artº 33 do RGPTC), ainda que a nível cautelar (artº 91 do C.P.C.), salvo casos de manifesta e justificada urgência, na protecção dos direitos do menor."
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
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A……, veio requerer a alteração da regulação do poder paternal referente à menor B…., na parte referente à prestação alimentícia, peticionando a sua retirada do acordo, uma vez que foi atribuída numa altura em que a progenitora se encontrava desempregada, estado que se alterou, não existindo fundamentos para a manutenção desta prestação de alimentos, tendo em conta que a guarda da menor foi fixada em regime partilhado, estando esta o mesmo período de tempo com o pai e a mãe.
Em sede de alegações, veio a requerida invocar que a fixação de alimentos à menor, se deveu à necessidade que a menor deles carecia, uma vez que existia e existe uma enorme disparidade de rendimentos entre o progenitor requerente e a ora requerida, tendo ainda aumentado os encargos com a menor.
Designada data para conferência de pais prevista nos artºs 35 e 42 nº3 do RGPTC, com a presença da menor e realizando-se esta em 07/05/2019, veio nela a ser proferido o seguinte despacho:
“Concede-se aos pais o prazo 15 dias para apresentação de acordo, e nada sendo dito, abra conclusão a fim de se declarar a incompetência territorial deste juízo, atenta a residência atual da criança, Cacém.
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Considerando os elementos dos autos, e as declarações aqui prestadas pelas partes de que resulta indiciariamente provado o seguinte:
- A progenitora aufere mensalmente cerca de € 800,00, e vive em casa onde não paga renda. Quando foi fixada a pensão de alimentos em vigor, a progenitora estava desempregada, não auferindo qualquer rendimento.
- O progenitor aufere cerca de € 200,00 mensais, e vive em casa arrendada, suportando de renda mensal a quantia de € 450.
- O progenitor aceita pagar todas as despesas da filha, exceto os encargos com alimentação e habitação, que caberão a cada um nos períodos em que estiverem com ela em guarda compartilhada.
Ao abrigo do disposto no artigo 28.º do RGPTC, o tribunal deverá fixar regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, aqui de alteração, sempre que o mesmo se afigure do interesse da criança.
É o caso, pois o regime proposto à mãe e pelo pai e também promovido pelo Ministério Público, considerando as condições económicas de ambos parece-nos justo, atento o regime previsto no disposto nos artigos 2003.º e 2004.º, e 1905.º, todos do Código Civil, e contribuirá de forma decisiva para a pacificação da relação, atento o equilíbrio e justiça do mesmo (cfr. a importância da terceira lei definida nas constelações familiares por Bert Hellinger1).
Assim tudo visto, altera-se provisoriamente o regime alimentar na parte da pensão de alimentos, passando a mesma a ter a seguinte redação:
- Cada um dos pais suportará de forma exclusiva as despesas da filha com alimentação e habitação nos períodos que consigo residir, sendo todas as demais despesas da criança (designadamente escolares, saúde, vestuário, atividades extracurriculares, etc.), suportadas pelo pai.
Notifique.”
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Com data de 22/05/19, veio a requerida apresentar requerimento de rectificação da acta ou, caso assim não fosse entendido, invocar a sua falsidade, requerendo a alteração do valor dela constante como vencimento do progenitor de “€ 200,00” para “€ 2.000,00”, tendo por despacho de 28/05/19 sido deferido o pedido de rectificação, alterando a quantia referida como auferida pelo progenitor de “€ 200,00” para “€ 2.000,00”.
Na mesma data foi proferido despacho que decretou a incompetência relativa do tribunal, nos seguintes termos:
“Os progenitores foram notificados para apresentar em 15 dias acordo.
Não o fizeram:
As crianças vivem com pai e mãe, em residência alternada, mãe em colares, e pai no Cacém em casa dos avós paternos, como as crianças referiram na diligência de 7-5-2019. I, a morada indicada nos autos Ericeira, não é a residência habitual, mas de fins de semana e férias.
Nos termos dos artigos 9.º e 42.º do RGPTC, é competente territorialmente para tramitar as alterações o tribunal da área da residência da criança à data da interposição da ação.
Ora, no caso, atenta a residência atual da (s) criança (s), embora seja este Tribunal e Comarca, é sim o Juízo de Sintra (cfr. Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março - Regulamenta a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário, e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais, [Em linha]. [Consultado em 2016-01-12]. Disponível em http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2075&tabela=leis]).
Estamos em presença de uma exceção dilatória (cfr. 577.º do NCPC), de conhecimento oficioso (cfr. também artigo 104.º-1b) do NCPC), que determina aqui a remessa dos autos ao juízo de FM territorialmente competente.
Assim e pelo exposto, declaro este juízo incompetente em razão do território, e, consequentemente, ordeno a remessa dos autos "sub judice", após trânsito em julgado, ao juízo supra identificado, a fim de aí prosseguirem a sua normal tramitação.
Remeta também o apenso, atenta a conexão.
Custas pelo requerente.
Notifique e registe.”
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Na sequência do trânsito da decisão que decretou a incompetência territorial do tribunal ad quo, foi o processo remetido ao tribunal competente.
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Não se conformando com a decisão proferida em acta de 07/05/19, que alterou provisoriamente o regime parental fixado à menor no que se reporta à prestação alimentícia, veio a requerida em 27/05/19, intentar recurso da mesma, constando das suas conclusões o seguinte:
CONCLUSÕES:
a) – A decisão recorrida e a decisão provisória proferida em Conferência de Pais, realizada em 07-05-2019, constante da acta, da mesma data, com a ref.ª citius 119224302, que alterou provisoriamente o regime alimentar, suprimindo o pagamento da quantia de € 250,00 pelo Recorrido e determinando que: «Cada um dos pais suportará de forma exclusiva as despesas da filha com alimentação e habitação nos períodos que consigo residir, sendo todas as demais despesas da criança (designadamente escolares, saúde, vestuário, actividades extracurriculares, etc.), suportadas pelo pai.»;
b) – O Tribunal a quo, antes de proferir o despacho recorrido, tomou conhecimento de factos que atestam que o local onde a menor vive, determina a sua incompetência territorial, tendo os mesmos sido vertidos em acta;
c) O Tribunal a quo ao invés de se declarar incompetente em razão do território decidiu, antes de mais, alterar provisoriamente o regime alimentar vigente, apesar de estes autos não serem processados como urgentes, nem a alteração defender os interesses da menor;
d) O Despacho recorrido é ilegal por violação do disposto nos art.ºs art.º 9.º e 10.º, do RGPTC, 578.º, 102.º, 104.º, n.º 3, todos do C.P.C., aplicáveis ex vi art.º 33.º, n.º 1, do RGPTC;
e) A incompetência relativa é uma excepção dilatória (art.º 577.º, al. a), do C.P.C., aplicável ex vi art.º 33.º, n.º 1, do RGPTC), a qual obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à remessa do processo para o Tribunal competente (art.º 576.º, n.º 2, do C.P.C., aplicável ex vi art.º 33.º, n.º 1, do RGPTC), pelo que o Tribunal a quo estava impedido de conhecer do mérito da causa;
f) Deve o despacho recorrido ser revogado, por violação das regras de competência relativa e substituído por outro que, versando, unicamente sobre esta questão, considere o Tribunal a quo territorialmente incompetente, ordene a remessa dos autos ao Tribunal competente;
g) De acordo com o disposto nos art.ºs 42.º, n.º 1, do RGPTC, e 2012.º do Código Civil, só pode haver lugar a uma alteração do montante de alimentos, anteriormente fixados, se as circunstâncias determinantes para a sua fixação se modificarem;
h) Antes de ser proferida qualquer decisão que comporte uma alteração de regime, tem o Tribunal que aferir se existiu, ou não, uma alteração de circunstâncias, sob pena de violação de tais disposições legais e de violação do caso julgado;
i) O ónus de prova da modificação das circunstâncias incumbe ao Requerente, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do C.C., o que não foi por ele cumprido, por total ausência de junção de documentos ou de pedido de produção de qualquer outro meio de prova;
j) Tendo a Requerida feito contraprova cabal da inexistência de alteração das ditas circunstâncias, nomeadamente mediante documentos dotados de força probatória plena;
k) O Tribunal a quo deveria, atentas as regras de ónus de prova, ter mandado arquivar os autos, após ter tomado conhecimento da Alegação e contraprova promovida pela Requerida;
l) Além do mais, a questão da apreciação pelo Tribunal a quo da inexistência das invocadas circunstâncias supervenientes foi peticionada pela Requerida, na sua alegação [ref.ª 14444888, de 02-04-2019], tendo o aquele relegado o conhecimento da mesma para a Conferência de Pais, por despacho de 04/04/2019, ref.ª 118660847;
m) Todavia, na conferência de 07-05-2019, conforme resulta da acta, o Tribunal não tomou conhecimento de tal questão, tendo incorrido em omissão de pronúncia, sendo, por isso, o despacho recorrido nulo, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.C., aplicável ex vi art.º 33.º, n.º 1, do RGPTC;
n) A fundamentação de facto que presidiu à tomada de decisão constante do despacho recorrido carece de ser alterada, nomeadamente pelo Tribunal ad quem, ao abrigo do disposto no art.º 665.º, do C.P.C.;
o) O despacho recorrido deu como, indiciariamente, provados os seguintes factos: a progenitora aufere mensalmente cerca de € 800,00 e vive numa casa onde não paga renda; quando foi fixada a pensão de alimentos em vigor, a progenitora estava desempregada, não auferindo qualquer rendimento; O progenitor aufere cerca de € 200,00 mensais, e vive em casa arrendada, suportando de renda mensal a quantia de € 450,00;
p) O facto «quando foi fixada a pensão de alimentos em vigor, a progenitora estava desempregada, não auferindo qualquer rendimento» deve ser suprimido do acervo factual que conduziu à decisão, dado constarem dos autos elementos documentos dotados de força probatória plena nos termos do art.º 371.º, n.º 1, do C.C., que o impõem, a saber:
- Certidão do Registo Comercial, Doc. n.º 15, da Alegação da Requerida, documento autêntico nos termos do art.º 363.º, n.º 2, do C.C.;
- Contrato de Constituição da Sociedade, Doc. n.º 16 da Alegação da Requerida, documento
autenticado, nos termos do disposto no art.º 363.º, n.º 3, do C.C., com a mesma força probatória que os documentos autênticos, nos termos do disposto no art.º 377.º, do C.C.;
- Extracto de remunerações da Requerida, de 2014 e 2015, emitido pela Segurança Social, junto como Doc. 1, da sua Alegação, documento autêntico, dotado de força probatória plena – art.ºs 363.º, n.º 2 e 371.º, n.º 1, do C.C.;
- Documentos emitidos pela Segurança Social atestando a baixa médica e o pagamento de subsídio de doença, juntos como Doc. n.ºs 2 a 14 da Alegação da Requerida, documentos autênticos, dotados de força probatória plena – art.ºs 363.º, n.º 2 e 371.º, n.º 1, do C.C.);
- Informação constante do Ministério da Justiça, relativa à cessação do cargo de gerente pela Requerida, junto como doc. 17 da sua Alegação, documento autêntico, dotado de força probatória plena – art.ºs 363.º, n.º 2 e 371.º, n.º 1, do C.C.);
– Balancete analítico da sociedade “Beleza Absoluta, L.da”, junto como Doc. 18 da alegação da Requerida, i.e. da sociedade de que a Requerida era gerente em 24-03-2015, que atesta que a mesma era credora da quantia de € 6.188,17 (seis mil, cento e oitenta e oito euros e dezassete cêntimos), documento este que não foi impugnado pelo Requerente, o qual era sócio de 50% da dita sociedade.
q) Em face do teor dos mencionados documentos dotados de força probatória plena, devem ser aditados à fundamentação de facto os seguintes:
– A Requerida, em 24-03-2015, era sócia gerente da sociedade por quotas denominada C….– LDA, com o NIPC 509503543;
- A Requerida exercia o cargo de gerente com remuneração;
– A Requerida durante todo o ano de 2015 tinha um vínculo laboral, encontrando-se de baixa médica;
– A Requerida só deixou de ser gerente da mencionada sociedade em 26-09-2016, por renúncia;
– A Requerida, em 24-03-2015, era credora da mencionada sociedade da quantia de € 6.188,17 (seis mil, cento e oitenta e oito euros e dezassete cêntimos).
r) Em face da matéria de facto, verdadeiramente apurada, deve o Tribunal ad quem revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere inexistirem alterações supervenientes das circunstâncias que permitam alterar o regime anteriormente fixado e, consequentemente, ordenar o arquivamento dos autos;
s) O facto «O progenitor aufere cerca de € 200,00 mensais, e vive em casa arrendada, suportando de renda mensal a quantia de € 450,00» carece de ser alterado, dado o Requerente ter declarado, em Conferência de Pais que aufere cerca de € 2.000,00 líquidos mensais, ao invés dos mencionados € 200,00;
t) A menção aos € 200,00 constitui um erro manifesto, derivado de lapso de escrita, tendo a Requerida pedido já a sua rectificação e, subsidiariamente, deduzido incidente de falsidade de acta, o qual foi junto aos autos em 22/05/2019, com a ref.ª 14764641;
u) Caso não haja lugar à requerida rectificação, resulta das regras da experiência que o Requerente, um empregado bancário, nomeadamente Inspector, nunca poderia auferir 1/3 do salário mínimo nacional, devendo o Tribunal ad quem, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662.º, n.º 2, al. b), do C.P.C., expedir ofício ao serviço de Finanças competente para que este informe qual o rendimento anual declarado pelo Requerente nas Declarações de IRS de 2017 e 2018;
v) Assim, deve o mencionado ponto da matéria de facto ser alterado de molde a que do mesmo consta o valor de € 2.000,00 mensais, ou o valor que venha a ser apurado nos termos da alínea anterior destas conclusões;
w) Deve ainda ser suprimido do elenco dos factos indiciariamente provados que o Requerente «vive em casa arrendada, suportando de renda mensal a quantia de € 450,00», uma vez que não foi produzida qualquer prova quanto ao mesmo, nem sequer indiciária, constando dos autos elementos que o infirmam, nomeadamente: as declarações da menor, de onde resulta que o Requerente vive com a mãe no C…. escritura de divisão de coisa comum [documento dotado de força probatória plena, junto como doc. n.º 19 da Alegação da Requerida] que atesta que o Requerente é proprietário de uma moradia na Ericeira;
x) Caso assim não se entenda, deverá o Tribunal ad quem, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662.º, n.º 2, al. b), do C.P.C., expedir ofício ao serviço de Finanças competente para que este informe se existe algum contrato de arrendamento em que o Requerente seja arrendatário;
y) A decisão recorrida foi tomada oficiosamente, dado o Requerente não ter pedido a tomada de qualquer medida provisória, nem sendo os presentes autos processados como urgentes;
z) A decisão em causa que suprime a prestação alimentícia de € 250,00 mensais, em nada protege o interesse da menor, não tendo sido norteada pelo critério de conveniência estabelecido na lei, violando o disposto nos art.ºs 28.º, n.ºs 1 e 2 e 27.º do RGPTC;
aa) Deve a decisão provisória ser revogada e substituída por outra que determine a desnecessidade e a inconveniência de uma decisão provisória;
bb) A decisão recorrida, pala além do mais, não respeito o processado previsto nos 45.º a 47.º do RGPTC, violando frontalmente o n.º 1, do art.º 47.º, do citado diploma, devendo, em conformidade, ser revogada a substituída por outra que, ante a constatação da ausência da acordo, ordene a notificação da Requerida para contestar.
Termos em que deve o recurso ser julgado procedente, com todas as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA!
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O requerente não apresentou contra alegações.
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O Digno Magistrado do M.P. junto do tribunal recorrido, pronunciou-se pelo indeferimento do recurso, elencando as seguintes razões:
“Em conclusão
1 — Salvo o devido respeito por melhor opinião é, pelo menos, discutível que a Requerente possa recorrer da decisão dos autos, pois parece decorrer do disposto nas alíneas a) e b) do n°5 do art.28° ("a contrariu sensu") do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (doravante, RGPTC) que apenas é legítimo recorrer das decisões tomadas nos termos do disposto nos n°s 1 e 2 do artº 28 do RGPTC, "Quando as partes não tiverem sido ouvidas".
Ora, no caso dos autos, as partes estavam presentes na conferência de pais que teve 7 de Maio de 2019 e aí foram ouvidas, pelo que não existe fundamento legal para a recorrente recorrer.”
2 — Admitindo que a requerente tenha legitimidade para recorrer (mas não concedendo), sempre se dirá que a decisão provisória tomada na conferência de pais de 7 de Maio de 2019, é justa e equilibrada, pois toma em consideração as alterações de rendimentos entretanto ocorridas.
3 — De facto, a decisão em vigor, anteriormente, foi tomada, tendo em consideração que a progenitora estava desempregada (na altura) e que o progenitor auferia rendimentos superiores aos que actualmente aufere.
4 — Acontece que, entretanto, a progenitora deixou de estar desempregada, tendo passado a auferir €800 (oitocentos euros), mensais e, por outro lado, o progenitor, viu os seus rendimentos diminuírem, tendo passado a auferir €2000 (dois mil euros) mensais.
5 — Face a tal situação, parece equilibrada e justa a decisão dos autos, ao determinar que: "Cada um dos pais suportará de forma exclusiva as despesas da filha com alimentação e habitação nos períodos que consigo residir, sendo todas as demais despesas da criança (designadamente escolares, saúde, vestuário, actividades extracurriculares, etc.), suportadas pelo pai."
Assim, a decisão, ora em crise, é justa e equilibrada, não merecendo qualquer reparo, devendo ser mantida nos seus precisos termos.
Contudo, V.V. Ex.as farão a costumada JUSTIÇA.”
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QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Quer isto dizer que qualquer questão invocada em sede de recurso e não levada ao corpo das conclusões, não é passível de decisão por este tribunal.
Tendo em mente este preceito, as questões a decidir subsumem-se ao seguinte:
Como questão prévia:
a) Se é admissível recurso da decisão provisória proferida, no âmbito do artº 28 do RGPTC, quando ambos os progenitores estiveram presentes em conferência de pais.
Sendo admissível, no âmbito do recurso instaurado pela requerida:
b) Se equacionando o tribunal a sua incompetência em razão do território, lhe era lícito, previamente a tal despacho, fixar regime provisório alterando o regime relativo à prestação de alimentos fixada à menor;
c) Se o despacho recorrido incorreu em nulidade por omissão de pronúncia por não ter apreciado a inexistência de alteração das circunstâncias em que se fundou o regime de regulação do poder paternal;
d) Se, nesta sequência, a matéria de facto dada como assente pelo tribunal recorrido carece de ser alterada. 
e) Se dos autos constam elementos fácticos que permitam alterar o regime de alimentos fixado previamente, em sede de regulação do poder paternal, à menor.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto a considerar é a descrita no relatório acima elaborado, a que acresce a seguinte:
-Em 24-03-2015, em Conferência de Pais, realizada nos autos que correram termos sob o Proc. n.º 10352/14.0T2SNT - A, Comarca de Lisboa Oeste, Sintra, Instância Central, 1.ª Secção de Família e Menores, J4, Recorrente e Recorrido chegaram a acordo quanto à Relação do Exercício das Responsabilidades Parentais, homologado por sentença, nos seguintes termos:
«12. O pai pagará a título de alimentos a favor da menor a quantia mensal de 250,00 euros, a entregar à mãe ate dia 8 de cada mês, mediante depósito ou transferência bancária para a conta de mãe, cujo NIB a mãe se compromete a indicar no prazo de 10 dias.
13. A prestação de alimentos a favor do menor será actualizada anualmente em função dos índices de inflação divulgados pelo INE (Instituto Nacional de Estatística).
14. O pai compromete-se a assegurar a manutenção do seguro de saúde a favor da menor, através da sua entidade patronal.
15. As despesas de saúde realizadas em Portugal relativamente à menor serão suportadas pelo pai.
16. Se realizadas na Alemanha, com o acordo de ambos os progenitores quanto a tal acompanhamento médico, serão suportadas em partes iguais por ambos, mediante entrega do respectivo documento comprovativo.
17. Serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais as despesas escolares do início do ano lectivo com aquisição de livros e material escolar, bem como visitas de estudo.
18. Os progenitores suportarão em partes iguais as despesas com estabelecimento de ensino, desde que decididas de comum acordo entre ambos.
19. Os progenitores suportarão em partes iguais as despesas com actividades extracurriculares, desde que decididas por comum acordo entre ambos.”
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Veio o Digno Magistrado do M.P. nas suas alegações suscitar a inadmissibilidade do presente recurso, alegando que, do disposto no artº 28 nº5 decorre que, tendo ambos os progenitores sido convocados para a conferência de pais, não é admissível a interposição de recurso.
Cumpre assim a apreciar previamente a admissibilidade deste recurso, tendo em conta que nos termos do artº 641 nº 5 do C.P.C., não está este tribunal limitado pelo despacho proferido no tribunal recorrido que o admitiu.
a) Se é admissível recurso da decisão provisória proferida no âmbito do artº 28 do RGPTC, quando ambos os progenitores estiveram presentes em conferência de pais.
Estipula o referido preceito legal, no seu nº5 que:
“5 - Quando as partes não tiverem sido ouvidas antes do decretamento da providência, é-lhes lícito, em alternativa, na sequência da notificação da decisão que a decretou:
a) Recorrer, nos termos gerais, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.”
Deste preceito decorre, ao contrário do defendido pelo Digno Magistrado do M.P., não a restrição do direito de recurso das medidas provisórias, apenas aos casos em que sejam decretadas sem audição dos progenitores, mas antes a faculdade de, não tendo sido ouvidas, poderem, em alternativa, recorrer nos termos gerais previstos no artº 32 do RGPTC, no prazo de 15 dias, do despacho que decretou a medida, ou deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova, não tidos em conta pelo tribunal.
Assim, “face à imposição expressa na lei na utilização dos meios processuais em alternativa, cabe à parte optar por aquele que melhor defende os seus interesses, não podendo usar os dois em simultâneo, nem utilizar o incidente de oposição, reservado na alínea b) do nº 5, para nele verter argumentos ou suscitar questões que só no recurso podia fazer.”[3]
  Tendo sido ouvidas as partes, não existe já o direito de oposição, restando o direito a interpor recurso nos termos previstos no artº 32 do RGPTC, o qual estabelece a recorribilidade de qualquer decisão que se pronuncie definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação das medidas tutelares cíveis.
Assim do despacho que alterou, embora a título provisório, uma medida tutelar cível, cabe sempre recurso, ainda que proferido no âmbito de conferência de pais, em que ambos os progenitores estejam presentes “nos termos do artº 32º, do RGPTC, a despeito do n º 5, do artº 28º, que, em tal sentido, não deve interpretar-se por argumento a contrario sensu.[4]
Consignar-se o contrário seria uma restrição intolerável ao direito de ver reapreciada tal decisão, sendo certo que não se pode invocar que em causa estejam critérios de oportunidade ou conveniência da prolação da referida decisão provisória, que essa sim traduz o exercício de um poder discricionário pelo magistrado e portanto, insusceptível de recurso.
Coincide aliás, com idêntico preceito previsto para as medidas cautelares cíveis (artºs 366 nº1 e 372 nº1 e 3 do C.P.C.).
Assim, se conclui que o despacho proferido em acta que alterou o regime de alimentos fixado à menor, é recorrível.
Apreciando o primeiro fundamento do recurso, insurge-se a recorrente contra a decisão provisória proferida pelo tribunal recorrido, alegando que caberia ao tribunal recorrido, equacionando a sua incompetência territorial, proferir despacho neste sentido, não lhe sendo lícito apreciar do mérito da causa, considerando assim tal despacho ilegal, “por violação do disposto nos art.ºs art.º 9.º e 10.º, do RGPTC, 578.º, 102.º, 104.º, n.º 3, todos do C.P.C., aplicáveis ex vi art.º 33.º, n.º 1, do RGPTC”, uma vez que, sendo a incompetência relativa “uma excepção dilatória (art.º 577.º, al. a), do C.P.C., aplicável ex vi art.º 33.º, n.º 1, do RGPTC), a qual obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à remessa do processo para o Tribunal competente (art.º 576.º, n.º 2, do C.P.C., aplicável ex vi art.º 33.º, n.º 1, do RGPTC), pelo que o Tribunal a quo estava impedido de conhecer do mérito da causa”.
Cumpre pois decidir
b) Se equacionando o tribunal a sua incompetência em razão do território, lhe era lícito previamente a tal despacho, fixar regime provisório alterando o regime relativo à prestação de alimentos fixada à menor;
A respeito da alteração da regulação das responsabilidades parentais, dispõe o artº 42 nº1 do RGPTC que “quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente” (negrito nosso) nova regulação, seguindo-se os termos previstos nos demais números deste preceito.
Com efeito, a regulação das responsabilidades parentais relativas aos menores, nunca é definitiva (ainda que haja homologação de acordos ou decisão final transitada em julgado), podendo quando circunstâncias supervenientes tornarem necessária essa alteração no superior interesse do menor, sendo este um processo de jurisdição voluntária (artº 12 do RGPTC e 988 do C.P.C.”
Este pedido de alteração da regulação do poder paternal, em qualquer dos seus regimes, seja de visitas, alimentos ou guarda, deve ser suscitado junto do tribunal territorialmente competente naquele momento, sendo aplicáveis as regras previstas no artº 9 do RGPTC, para a definição dessa competência. 
No caso em apreço, não está em causa a incompetência deste tribunal, declarada após a interposição deste recurso, tendo o tribunal recorrido, declarado ser incompetente em razão do território, por despacho transitado, sendo os autos remetidos nessa sequência ao tribunal competente, ou seja aos Juízos de Família e Menores de Sintra, onde se encontram pendentes, pelo que a este tribunal não cabe apreciar da verificação dessa (in)competência.
A questão que ora se coloca é se o tribunal recorrido podia proferir despacho de alteração provisória da regulação das responsabilidades parentais relativas à menor, no que se reporta à prestação alimentícia, ainda que em data anterior ao despacho que verificou essa incompetência (sendo no entanto certo que, na mesma acta fez consignar que o iria proferir, findo prazo concedido para junção de acordo pelos progenitores).
Como bem refere a recorrente a competência do tribunal fixa-se no momento em que os autos são instaurados (sendo irrelevantes alterações posteriores sem prejuízo das regras de conexão e do disposto em legislação especial), constituindo a regra a da residência da criança, à data em que é interposto o pedido de alteração (artº 9 nº1 do RGPTC)[5]
O preceito acima citado, fixa como regra geral de atribuição de competência na ordem interna, em razão do território, para conhecer e decretar as providências cautelares cíveis, o da residência da criança à data em que a providência foi instaurada, sendo que, no caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, aplica-se a regra prevista no nº 4.
Não sendo o tribunal em apreço competente em razão do território, a verificação da excepção dilatória de incompetência territorial do tribunal, tem como efeito a remessa do processo ao tribunal competente (o que ocorreu já) e obsta ainda que este se pronuncie sobre o mérito da causa (artº 105 nº3 e 576 nº2 do C.P.C., aplicáveis ex vi do artº 33 do RGPTC), ainda que a nível cautelar (artº 91 do C.P.C.), o que quer dizer que, como regra geral não pode o tribunal equacionar a sua incompetência territorial (logo anunciada a decisão a proferir em acta de 07/05/19) e proferir decisão sobre a concreta questão que lhe fora colocada, ainda que de forma provisória e cautelar.
Decorre ainda do disposto no artº 104 nº3 do C.P.C. que o juiz deve suscitar e decidir a questão da incompetência até ao despacho saneador e, não havendo lugar a saneador, pode a questão ser suscitada e decidida até à prolação do primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados.
Aliás, cfr. se refere em Ac. desta relação de 10/09/09 (Proc. nº 2559/07-2) “De tal modo o legislador se preocupou com o pressuposto processual da competência em razão do território – quer quando seja de conhecimento oficioso, quer quando haja sido arguida - que foi apenas relativamente a ele que previu a natureza incidental da sua aferição, regulamentando especificamente a tramitação desse incidente – cfr arts 109º e 111º- e determinando que a decisão a seu respeito, que transite em julgado, resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta seja oficiosamente suscitada [6] - nº 1 e 2 do 111º –, tudo implicando, assim, que a questão da competência territorial do tribunal esteja decidida antes do saneador. (…) Como o conclui Lebre de Freitas a propósito da norma do nº 3 do art 110º [7], o legislador pretendeu que “se julgar o tribunal (territorialmente) incompetente, o juiz deve evitar proferir ao mesmo tempo, qualquer outra decisão, reservando-a para o juiz competente.”
É esta efectivamente a regra geral.
Ora, é certo que o processo tutelar cível é um processo de jurisdição voluntária, não sujeito a critérios estritos de legalidade, sendo norteado pelo superior interesse dos menores.
É igualmente certo que, em qualquer estado da causa, sempre que o entenda conveniente, ainda que oficiosamente, pode o tribunal decidir provisoriamente questões que lhe incumba decidir afinal, visando precisamente a protecção do superior interesse da criança (artº 28 nº2 do RGPTC), mas desde que seja competente para a prolação destas medidas tutelares cíveis (competência que recorde-se se fixa no momento da propositura da acção), admitindo-se apenas que, em caso de fundada urgência, tendo em conta os superiores interesses do menor e a natureza destes autos, possa proferir decisão, ainda que verifique a sua incompetência territorial.
Não é o caso, não se vislumbrando nem urgência atendível (e não declarada) nem razão para prolação de decisão provisória que veio no fundo alterar, embora de forma provisória, um regime alimentar vigente, mas sem que resulte dos autos que esta alteração se impunha, de forma cautelar e imediata.
Aliás, afigura-se ainda mais incompreensível a prolação deste despacho, quando o tribunal em despacho anterior fizera consignar que “Concede-se aos pais o prazo 15 dias para apresentação de acordo, e nada sendo dito, abra conclusão a fim de se declarar a incompetência territorial deste juízo, atenta a residência atual da criança, Cacém.”, significando afinal que o tribunal recorrido, embora sem o declarar expressamente, suspendeu a instância, aguardando eventual acordo dos progenitores, estando-lhe também por essa via vedado, prosseguir e determinar medida provisória, sem que critérios de urgência o determinassem (artº 275 do C.P.C.)
O despacho proferido que alterou provisoriamente a prestação alimentícia fixada em sede de anterior regulação das responsabilidades parentais, não é pois de manter, porque proferido por tribunal incompetente para o efeito.
Ficam, assim prejudicadas as demais questões colocadas pela recorrente, incumbindo ao tribunal competente, para o qual o processo já foi remetido, proceder à apreciação e posterior decisão do pedido de alteração relativamente à prestação alimentícia e à eventual necessidade de fixação de regime provisório.
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DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar procedente a apelação, revogando o despacho de 07/05/19, que fixou regime provisório de alteração da prestação de alimentos, por violação das regras de competência territorial.
Custas pela parte vencida afinal.
              
Lisboa 21/11/19
Cristina Neves
Manuel Rodrigues
Ana Paula A.A. Carvalho
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Tomé D´Almeida Ramião, anotação ao artº 28 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, pág. 89
[4] Ac. do TRG de 01/02/18, proc. nº 1806/17.7T8GMR-C.G1, disponível in www.dgsi.pt
[5] Assim ocorria já no âmbito do anterior artº 182 da OTM