Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22711/19.7T8LSB.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ADITAMENTO AO CONTRATO
FIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) O propósito do legislador ao enunciar os princípios constantes do artigo 639.º do CPC foi o de vincular os recorrentes a fornecer, nos recursos que interponham, a indicação, em moldes percetíveis, não só do que pretendem, como das disposições legais que afirmam terem sido violadas pela decisão impugnada.
II) Resultando das conclusões do apelante qual o fundamento em que assenta a impugnação deduzida, muito embora delas não conste a expressa referência aos normativos considerados violados, a rejeição do recurso, com fundamento na ausência de especificação ou expressa menção das normas violadas, seria desconforme com a Constituição, porque assentaria numa leitura estritamente formal do consignado nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 639.º do CPC.
III) Da circunstância de a decisão recorrida não se ter debruçado especificamente sobre a alegação produzida num dos artigos -  11.º - da contestação dos apelantes, sem que tal alegação envolvesse a proposição de uma questão que o Tribunal tivesse que decidir, não se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC), uma vez que, inexistia o dever de pronúncia sobre tal alegação (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
IV) Tendo os fiadores subscrito o contrato de arrendamento, no qual assumiram solidariamente com os arrendatários, “o cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos e renovações até efetiva restituição do local devoluto de pessoas e bens, pelo que declaram que a fiança que acabam de prestar subsistirá ainda que haja alterações da renda agora fixada, e mesmo depois de decorrido o prazo de dois anos”, a ulterior subscrição de aditamento ao contrato - subscrito apenas pelos senhorios e pelos arrendatários - , onde se alteraram as condições de renda, de prazo e os termos de cessação do contrato e por via do qual deixou de produzir efeitos a oposição à renovação do contrato de arrendamento a que o senhoria tinha previamente dado execução - mantendo-se o contrato de arrendamento - , não exime os fiadores de pagarem rendas que não foram pagas e as quantias indemnizatórias decorrentes do atraso na entrega do locado, dado que, tais responsabilidades, embora assumidas em “extensão máxima”, são determináveis em face da obrigação que assumiram, tanto mais que, na fiança, foi desconsiderada a relevância para a responsabilidade dos fiadores, das alterações introduzidas em face do aditamento subscrito.
V) A alteração das obrigações assumidas pelos arrendatários na decorrência do aditamento contratual referido, encontrando-se ainda – atento o extenso âmbito com que a garantia pessoal foi assumida pelos fiadores - fundamento para a demanda dos garantes, inserindo-se, as obrigações cujo pagamento foi reclamado pelos autores, ainda, no espectro de vinculações que, em sede da subscrição que efetuaram, os 2.ºs. réus assumiram e com que poderiam contar, sem frustração dos princípios da confiança ou da segurança jurídica.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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1. Relatório:

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1. JV e MC, identificados nos autos, instauraram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra JP e TP (1ºs. réus) e JFP e ES (2.ºs. réus), também identificados nos autos, pedindo a condenação solidária dos réus ao pagamento aos autores da quantia de 7.200 €, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos desde a data do vencimento de cada renda e/ou da indemnização prevista na cláusula 13.º do contrato de arrendamento, até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alegaram, em síntese, que celebraram um contrato de arrendamento com os 1ºs. réus – tendo como fiadores os 2.ºs. réus – que, por meio de uma adenda, foi prolongado até ao dia 30-06-2019, tendo os 1.ºs. réus apenas entregue o imóvel no dia 06-10-2019. Ademais, alegaram estar em falta o pagamento de quatro rendas.

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2. Citados, os 1.ºs. réus contestaram, alegando, em suma, que entregaram o locado no dia 30-08-2019 e que pagaram todas as rendas que eram devidas.

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3. Os 2.ºs. réus contestaram alegando, em suma, que: (i) os autores denunciaram o contrato com efeitos a partir de 30-04-2018, pelo que o mesmo cessou nessa data, não tendo os 2.ºs. réus tido conhecimento do documento a que chamaram “aditamento”; (ii) não foram interpelados para pagamento de rendas em atraso, pelo que não se constituíram em mora; e (iii) o regime da fiança não abrange a indemnização prevista no artigo 1045.º do Código Civil (doravante, abreviadamente, CC).

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4. Em articulado de resposta, vieram os autores alegar que o ónus da prova do pagamento das rendas pertence aos 1ºs. réus e que o contrato foi prorrogado no dia 30-04-2018, não tendo existindo qualquer novo contrato, mais acrescentando que os fiadores concordaram que a fiança subsistia ainda que houvesse alterações de renda (cláusula 14.ª do contrato).

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5. Foi dispensada audiência Prévia, tendo sido proferido despacho saneador.

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6. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com produção probatória,

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7. Após, em 20-09-2022, foi proferida sentença que, julgando a ação totalmente procedente, decidiu:

“(i) Condenar solidariamente os Réus ao pagamento da quantia de 7.200€ (sete mil e duzentos euros);

(ii) Condenar os Primeiros Réus ao pagamento de juros moratórios vencidos e vincendos desde a data do vencimento de cada prestação até efetivo e integral pagamento;

(iii) Condenar os Segundos Réus ao pagamento de juros moratórios desde o dia 08/03/2021 até efetivo e integral pagamento”.

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8. Não se conformando com a decisão proferida em 20-09-2022, dela apela a 2.ª ré, ES, tendo formulado as seguintes conclusões:

“(…) 1- Os recorridos opuseram-se à renovação do contrato de arrendamento celebrado em 23-04-2013, pondo fim ao mesmo com efeitos a partir de 30-04-2018.

2- O recorrido, permitiu que os primeiros réus se mantivessem no locado por mais 14 meses, até 30-06-2019.

3- Para tal elaboraram um documento escrito a que chamaram “aditamento”.

4- Não foi mencionado nesse documento que a carta registada com aviso de recepção enviada para os primeiros réus, que pôs fim ao contrato de arrendanto, fosse dada sem efeito ou dada por não escrita, apenas se podendo eventualmente deduzir que o contrato de arrendamento não terá terminado(?) pelos tempos dos verbos empregues no texto desse aditamento onde é referido “terminaria”, pelo que o primitivo contrato de arrendamento terminou em 30-04-2018.

5- Nessa data, 30-04-2018, terminou também a responsabilidade da fiadora.

6- O documento celebrado só entre senhorio e inquilinos configura um novo contrato de arrendamento com prazo certo.

7- Não se tratou de um aumento de renda, mas sim de uma nova renda dado o valor substancialmente diferente da mesma e ausência do cumprimento das formalidades legais estipuladas para o aumento de rendas quando os contratos de arrendamento são omissos em relação a tal.

8- A recorrente não teve conhecimento da celebração desse novo contrato com prazo certo.

9- A recorrente, desconhecendo a existência desse novo contrato, também desconhecia o incumprimento por parte dos primeiros réus.

10- A ausência de comunicação à recorrente, da celebração e termos desse contrato, não permitiu a esta pronunciar-se sobre a sua capacidade como fiadora para cumprir o mesmo no caso de incumprimento por parte dos inquilinos.

11- A recorrente também não pode promover pelo cumprimento no pagamento das rendas e entrega do locado, pagamento de juros e indemnização porque desconhecia em absoluto que esse contrato existia.

12- A recorrente poderia ter evitado para si os prejuízos decorrentes desse incumprimento, se tivesse tido conhecimento da celebração e termos do contrato.

13- A responsabilidade da fiadora, em situações como a presente, em que aquela se comprometeu, no contrato de arrendamento celebrado em 23-04-2013, a garantir as obrigações do arrendatário perante o senhorio até à entrega do locado, respeitam à renda em singelo até à efectiva desocupação e entrega (cfr. Acórdão do STJ de 9.11.1999 – proc. nº 99A668), mas não pode abarcar a responsabilidade pelo incumprimento na devolução, excepto se se provasse que a própria fiadora, pessoalmente, contribuíra ou colaborara na demora da restituição, o que os factos provados, no caso não demonstram.

14- Entende por isso a recorrente que não tem qualquer responsabilidade no cumprimento do contrato celebrado com efeitos a partir de 01-05-2018, por se tratar de um novo contrato, com uma nova renda e por não ter tido conhecimento do mesmo, fosse por que meio fosse, não podendo por isso promover o seu cumprimento e evitar os prejuízos daí decorrentes como sejam o pagamento de juros, indemnização e despesas judiciais.”.

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9. Igualmente não se conformando com a sentença proferida, dela apela o 2.º réu, JFP, pugnando pela sua revogação, tendo formulado as seguintes conclusões:

“(…) A. Entendeu o tribunal a quo que em virtude do segundo Réu, ora recorrente ser fiador, assumia toda e qualquer obrigação decorrente do contrato de arrendamento celebrado a 01.05.2013.

B. O Recorrente não se conformou, pois o referido contrato foi resolvido conforme consta da P.I, no documento n.º 6, junto com a mesma, em que foi comunicada a resolução do contrato. Pondo fim ao mesmo com efeitos a partir de 30-04-2018.

C. O recorrente desconhecia as condições novas do novo contrato de arrendamento, designadamente:

D. Valor de renda mensal,

E. Duração do contrato de arrendamento,

F. Se era renovável ou não.

G. O Tribunal a quo, entendeu que a fiança que o recorrente havia prestado inicialmente se mantinha para todo e qualquer efeito e situação, independentemente de ter sido negociado um novo e diferente contrato de arrendamento.

H. Sendo que o recorrente desconhecia até ao dia da sua citação no âmbito deste processo que os primeiros RR., se mantinham naquele imóvel, que tinham combinado e celebrado um novo contrato, com um valor de renda diferente, com outra duração, e que o contrato tinha uma data para a entrega do locado, que era improrrogável.

I. O recorrente não pode aceitar ser responsabilizado por algo que desconhecia existir, designadamente este novo contrato de arrendamento, pois que o contrato de arrendamento inicial já havia terminado pela denuncia comunicada pelos AA.

J. O contrato inicial foi denunciado por falta de pagamento das rendas por parte dos primeiros RR., sendo esse valor de renda pago pelos segundos RR.

K. E em momento posterior, sem que nada o fizesse prever, e sem conhecimento e/ ou intervenção do Recorrente foi celebrado um novo contrato, com outro valor de renda, uma duração de 14 meses, e a estipulação do não renovação do mesmo.

L. Ora é entendimento que impor ao recorrente suportar o pagamento, e regime de solidariedade com os primeiros RR., no valor das rendas em atraso, no atraso da entrega do imóvel, é completamente violador dos princípios da confiança jurídica e da segurança jurídica, consagrados no nosso ordenamento jurídico.

M. Pois o que é pedido ao recorrente é que pague o desconhecia ter assumido o risco.

N. Mais como será possível requerer ao Recorrente o pagamento do valor das rendas até a entrega do locado, se este desconhecia que o imóvel se encontrava arrendado?

O. Desconhecendo o Recorrente as condições em que o contrato fora realizado, e as clausulas negociais estipuladas pelos AA., e primeiros RR.?

P. O Recorrente entende por isso que a sentença recorrida atenta o princípio da proteção jurídica, e da confiança, sendo estes princípios basilares do nosso ordenamento jurídico.

Q. Aceitar como válida esta imposição ao recorrente como fiador, é criar um precedente de qualquer e toral proteção no nosso sistema. É aceitar que se aceitar ser fiador, tudo pode ser negociado a sua revelia e terá que aceitar e hipotecar a sua liberdade.

R. Basta analisar o percurso realizado jurisprudencialmente no que atinente aos juros por incumprimento, e a exigência da sua comunicação para poder ser exigido ao fiador o pagamento de juros.

S. Ora é um contrassenso exigir a interpelação ao fiador do incumprimento para calculo de juros, mas nada exigir para a negociação de um novo contrato de arrendamento a coberto da denominação de ““Aditamento a Contrato de Arrendamento para Habitação com Duração Limitada”, no qual o Recorrente não interveio e desconhecia a sua existência, e apos isso a não entrega do locado, que o Recorrente desconhecia que se encontrava arrendado e que uma clausula de caducidade.

T. Em conformidade com o supra exposto, devera a Douta Sentença ser revogada, absolvendo o Recorrente do Pedido (…)”.

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10. Também os 1.ºs. réus, JP e TP, igualmente não se conformando com a sentença proferida, interpuseram recurso de apelação, pugnando pela revogação parcial da sentença proferida, tendo formulado as seguintes conclusões:

“(…) 1- A douta decisão proferida não apreciou a questão levantada pelos Recorrentes e correspondente ao ponto 11 da sua Contestação, no que respeita à entrega do valor de caução constante da Cláusula 2ª do contrato de arrendamento celebrado com o Recorrido.

2- Não tendo sido demonstrada a utilização desse montante para satisfação de alguma das obrigações emergentes do contrato, o mesmo deverá ser abatido ao quantum indemnizatório.

3- Ao não conhecer da questão apontada, a sentença padece de nulidade nos termos conjugados dos art.ºs 608 nº2 e 615º nº1 d) do CPC.”.

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11. Os autores/recorridos apresentaram contra-alegações, concluindo no sentido de que os recursos interpostos devem improceder, com integral manutenção da sentença recorrida.

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12. Nos termos do despacho proferido em 17-01-2023, foram admitidos os recursos interpostos.

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13. Foram colhidos os vistos legais.

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2. Questões a decidir:

Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , tendo em conta os 3 recursos de apelação interpostos, as questões a decidir são:

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I) Questão prévia:

A) Do não cumprimento do disposto no artigo 639.º, n.º 2, do CPC.

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II) Nulidade da sentença:

B) Se a sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC?

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III) Impugnação da matéria de direito:

C) Se a responsabilidade dos recorrentes ES e JFP terminou em 30-04-2018, não tendo responsabilidade pelo incumprimento do contrato celebrado com efeitos a partir de 01-05-2018, tendo a decisão recorrida violado os princípios da confiança e da segurança jurídicas?

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3. Fundamentação de facto:

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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:

1) A fração “E”, correspondente ao 2.º andar direito do prédio sito na Rua …, n.º …, em Lisboa, encontra-se registada na caderneta predial a favor do Autor;

2) No dia 23/04/2013 foi assinado pelos Autores e pelos Segundos e Terceiros Réus um documento intitulado “contrato de arrendamento para habitação com duração limitada”;

3) A cláusula segunda desse documento estipula que “o contrato de arrendamento terá uma duração certa de dois anos, com início a 01/05/2013 e a terminar em 30/04/2015”;

4) A cláusula nona desse documento estipula que “no fim do prazo convencionado o contrato de arrendamento renova-se por períodos sucessivos de um ano enquanto não for denunciado pelos Primeiros Contraentes ou pelos Segundos Contraentes”;

5) No dia 16/10/2017 o Autor remeteu uma missiva para os Primeiros Réus dando conhecimento da sua intenção de “não renovação do contrato de arrendamento em vigor”, comunicando a sua cessação a partir do dia 30/04/2018;

6) No dia 30/04/2018 os Autores e os Primeiros Réus assinaram um documento intitulado “aditamento a contrato de arrendamento para habitação com duração limitada” onde consta no ponto 1, alínea a) que “o contrato é renovado pelo período de 14 meses, com início no dia 01/05/2018 e termo impreterível no dia 30/06/2019, não sendo prorrogável nem carecendo de ser efetuada comunicação de oposição à renovação por parte dos senhorios, cessando o mesmo de forma automática”;

7) No ponto 2, alínea a) do mesmo documento consta que a renda passou a ser de 600€ a partir da vencida no dia 01/06/2018;

8) Nos dias 28/01/2019 e 11/02/2019 os Autores enviaram uma missiva para os Primeiros Réus dando conhecimento que “o contrato cessará os seus efeitos a partir de 30/06/2019 de 2019”;

9) Os Primeiros Réus entregaram o imóvel aos Autores no dia 06/10/2019;

10) Do documento referido em 2), 3) e 4) consta, na cláusula décima quarta, que os Segundos Réus “assumem solidariamente” com os Primeiros Réus “o cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos e renovações até efetiva restituição do local devoluto de pessoas e bens, pelo que declaram que a fiança que acabam de prestar subsistirá ainda que haja alterações da renda agora fixada, e mesmo depois de decorrido o prazo de dois anos”;

11) A cláusula décima terceira do mesmo documento prevê que se os Primeiros Réus não restituírem o locado no prazo legal, constituem-se na obrigação do pagamento de indemnização correspondente ao dobro do valor da renda mensal, por cada mês ou fração até à sua entrega efetiva;

12) Os Segundos Réus não tiveram conhecimento do documento referido em 6) nem de qualquer incumprimento contratual até serem citados no âmbito destes autos.

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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:

a) Os Réus depositaram a chave do locado na caixa de correio do vizinho do R/C esquerdo no dia 30/08/2019;

b) A entrega referida em a) foi combinada com o Autor, que aceitou que ficassem no locado até essa data;

c) Os Primeiros Réus pagaram aos Autores as rendas vencidas nos dias 01/06/2018, 01/12/2018, 01/05/2019 e 01/06/2019, no valor total de 2.400€.

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4. Fundamentação de Direito:

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I) Questão prévia:

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A) Do não cumprimento do disposto no artigo 639.º, n.º 2, do CPC.

Nas contra-alegações, os apelados invocam que os recorrentes ES e JFP não cumpriram os requisitos cumulativos previstos no artigo 639.º, n.º 2, do CPC.

Tal questão poderá contender com a apreciação do objeto do recurso, devendo ser conhecida a título prévio.

Conforme refere Luís Filipe Castelo Branco (Recursos Civis: O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária. Lisboa: CEDIS, 2020, pp. 33-34, consultado em: https://cedis.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2020/09/Recursos-Civis-min.pdf): “O sucesso do recurso cível baseia-se, essencialmente, numa peça processual inicial que, apresentada juntamente com o requerimento de interposição de recurso, contém as alegações de recurso.

Trata-se da exposição alargada dos motivos que justificam, segundo a óptica do recorrente, que o tribunal de recurso opte por posição diversa da adoptada na instância inferior, concluindo pela errada valoração de facto ou pela violação das normas legais aplicáveis à situação sub judice, e que altere, modificando, o sentido da decisão recorrida.

Estas alegações de recurso terminam obrigatoriamente com a formulação das conclusões das alegações (ou melhor dito, das conclusões do corpo das alegações), as quais delimitam o objecto do respectivo conhecimento por parte do tribunal superior.

Trata-se basicamente da concretização do ónus de síntese conclusiva que é colocado sobre os ombros do recorrente e que o mesmo deverá satisfazer com o máximo zelo, clareza e escrúpulo.

Por um lado, esta obrigação processual introduz clareza e transparência na discussão da temática do objecto do recurso: a instância superior fica a saber, de forma ordenada, quais as questões essenciais que lhe compete apreciar, não as podendo descurar, e estabelecendo-se desse modo, com nitidez e utilidade, o foco de incidência do juízo do tribunal ad quem; por outro, o recorrido poderá exercer cabalmente o contraditório que lhe assiste, na medida em que sabe qual a parte da motivação do recurso verdadeiramente relevante e decisiva, a que terá de responder, não se distraindo com as considerações retóricas, marginais e acessórias, que germinam livremente nas orlas da divagação jurídica, por vezes entusiástica e inflamada”.

Vejamos:

O n.º 1 do artigo 637.º do CPC estatui que os recursos de interpõem por meio de requerimento, dirigido ao Tribunal que proferiu a decisão recorrida e nele é indicada a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto.

O n.º 2 do artigo 637.º do CPC estabelece, por seu turno, que o “requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”.

Importa referir, a respeito do n.º 2 do artigo 637.º do CPC que, fora dos casos em que deve ter lugar, sob pena de rejeição do recurso, a indicação do fundamento específico de recorribilidade – o que sucede nos casos do recurso de revista excecional (artigo 672.º, n.º 2) e do recurso para uniformização de jurisprudência (artigo 692.º, n.º 1), em que a condição de recorribilidade da decisão advém de uma norma particular a consentir no recurso – nas demais situações e, concretamente, em sede de recurso de apelação, não é imperioso o apelante indicar algum específico fundamento de recorribilidade.

Por sua vez, decorre dos n.ºs. 1 e 2 do artigo 639.º do CPC que:

“1-O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

3 – Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas não se tenha procedido às especificidades a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada (…)”.

Conforme deriva dos normativos transcritos, o requerimento de interposição de recurso deve satisfazer determinadas condições formais, apresentando a respetiva fundamentação e o pedido.

Como refere, em geral, Rui Pinto (O Recurso Civil. Uma Teoria Geral; AAFDL, Lisboa, 2017, p. 236), “no requerimento o recorrente deve cumprir os ónus básicos de alegação e formulação das respetivas conclusões – i.e., os fundamentos específicos do pedido – conforme os artigos 637º nº 2 e 639º, e terminar no pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial”.

E, noutro local (Manual do Recurso Civil; Vol. I, AAFDL, Lisboa, 2020 p. 293), concretiza o mesmo Autor que: “Dentro das alegações, há uma função lógica que apenas cabe às conclusões: individualizar o objeto do recurso, ao indicar o(s) fundamento(s) específico(s) da recorribilidade (cf. artigo 673.º nº 2) e, sendo o caso, o segmento decisório concretamente impugnado (cf. o artigo 635º nº 4). Daí ser pacífico o entendimento da jurisprudência de que é pelas conclusões que o recorrente delimita, efetivamente, o objeto do recurso. Simetricamente, a presença das conclusões permite a “viabilização do exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas à posição da outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações” (STJ 26-5-2015/Proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1 (HÉLDER ROQUE)”.

As conclusões da motivação de recurso têm de habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito e sempre com a formulação das conclusões que resumem as razões do pedido.

Assim, o ónus de concluir obtém-se pela indicação resumida dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença ou despacho. Mais simplesmente, as conclusões traduzem uma enunciação abreviada dos fundamentos do recurso, que devem ser congruentes, claros e precisos.

É que, “no contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusão, no final da minuta” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra, 1984, p. 359).

As conclusões são, pois, a enunciação resumida dos fundamentos do recurso.

“Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, p. 359).

A lei impõe a indicação especificada dos fundamentos do recurso nas conclusões, para que o tribunal conheça, com precisão, as razões da discordância em relação à decisão recorrida.

Conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-2013 (Pº 483/08.0TBLNH.L1.S1, rel. GARCIA CALEJO): “O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida). Essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar. Não devem valer como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas”.

Na mesma linha, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-03-2017 (Pº 1297/12.9T2AMD-A.L1-2, rel. PEDRO MARTINS) que: “Se as conclusões de um recurso não são a síntese daquilo que foi dito no corpo das alegações (art. 639/1 do CPC), mas matéria nova não discutida neste corpo, não há conclusões que devam ser tidas em consideração. E também não existem conclusões relevantes se em nenhuma delas consta a indicação dos fundamentos por que se pede a alteração da decisão (art. 639/1 do CPC)”.

Esse ónus de concluir compete exclusivamente ao recorrente – conforme decorre do n.º 1 do artigo 639.º do CPC - e tem a finalidade útil e garantística de permitir que não existam dúvidas de interpretação acerca dos motivos que o levam a impugnar a decisão recorrida.

As conclusões nada têm de inútil ou de meramente formal, constituindo, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente como motivadoras do recurso e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate, quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

As conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, daí que deva ser clara a identificação do que se pretende obter junto do tribunal de recurso, por contraposição, com a decisão recorrida.

Sintetizando os aspetos mais relevantes, refere João Aveiro Pereira (“O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”, 2018, pp. 32-33, consultado em: http://www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf) que:

“1. As conclusões das alegações são ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida. Porque são o resultado e não o desenvolvimento do raciocínio alegatório, as conclusões têm necessária e legalmente de ser curtas, claras e objectivas, para que não deixem dúvidas quanto às questões que o tribunal ad quem deve e pode conhecer.

2. O ónus de concluir cumpre-se também com a indicação das disposições violadas, do sentido com que deveriam ter sido aplicadas ou, em caso de erro sobre a norma, aquela que o recorrente entende que devia ter sido aplicada (…)”.

“Todavia, é com inusitada frequência que se verificam situações irregulares: alegações deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações exigidas pelo n.º . São triviais as situações em que as conclusões não passam da mera reprodução (total ou parcial) dos argumentos anteriormente apresentados, sem qualquer preocupação de síntese, como se o volume ou a quantidade das conclusões fosse sinónimo de qualidade ou como se houvesse necessidade de assegurar, por essa via, a delimitação do objeto do processo e a apreciação pelo tribunal ad quem de todas as questões suscitadas” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 768, nota 5).

A jurisprudência dos tribunais superiores tem apreciado diversas situações onde se questiona a validade e admissibilidade das conclusões apresentadas, de que são exemplos, as seguintes decisões:

- Acórdão do STJ de 16-12-2020 (Pº 2817/18.0T8PNF.P1.S1, rel. TOMÉ GOMES): “O ónus de formulação de conclusões recursórias tem em vista uma clara delimitação do objeto do recurso mediante enunciação concisa das questões suscitadas e dos seus fundamentos, expurgadas da respetiva argumentação discursiva que deve constar do corpo das alegações, em ordem a melhor pautar o exercício do contraditório, por banda da parte recorrida, e a permitir ao tribunal de recurso uma adequada e enxuta enunciação das questões a resolver. “A falta de conclusões” a que se refere a alínea b), parte final, do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, como fundamento de rejeição do recurso, deve ser interpretada num sentido essencialmente formal e objetivo, independentemente do conteúdo das conclusões formuladas, sob pena de se abrir caminho a interpretações de pendor subjetivo. Assim, a reprodução do corpo das alegações nas conclusões não se traduz na falta destas, impondo-se, quando muito, o convite ao aperfeiçoamento das mesmas, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do CPC. De todo o modo, a orientação no sentido de fazer equivaler a reprodução integral do corpo das alegações nas conclusões - que aqui não se acolhe - não deverá prescindir de uma aferição casuística em ordem a ponderar, à luz do principio da proporcionalidade, a repercussão que essa reprodução, mais ou menos integral, possa acarretar, em termos de inteligibilidade das questões suscitadas, em sede do exercício do contraditório e da delimitação do objeto do recurso por parte do tribunal”;

- Acórdão do STJ de 02-05-2019 (proc. nº 7907/16.1T8VNG.P1.S1, rel. BERNARDO DOMINGOS):  “A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art.º 641º, nº 2, al. b), do NCPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art.º 639º, nº 3, do NCPC.”;

- Acórdão do STJ de 07-03-2019 (Pº 1821/18.3T8PRD-B.P1.S1, rel. ROSA TCHING): “A reprodução nas “conclusões” do recurso da respetiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, inexistindo, por isso, fundamento para a imediata rejeição do recurso, nos termos do art.º 641º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil. Uma tal irregularidade processual mais se assemelha a uma situação de apresentação de alegações com o segmento conclusivo complexo ou prolixo, pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 639º, nº 3 do Código Processo Civil, impõe-se a prolação de despacho a convidar a recorrente a sintetizar as conclusões apresentadas.”;

- Acórdão do STJ de 19-12-2018 (proc. nº 10776/15.5T8PRT.P1.S1, rel. HENRIQUE ARAÚJO): “I - A reprodução da motivação nas conclusões do recurso não equivale à falta de conclusões, fundamento de indeferimento do recurso – art.º 641.º, n.º 2, al. b), do CPC. II - Neste caso, impõe-se prévio convite ao recorrente para aperfeiçoar as conclusões, no sentido de lhes conferir maior concisão – art.º 639.º, n.º 3, do CPC.”;

- Acórdão do STJ de 27-11-2018 (Pº 28107/15.2T8LSB.L1.S1, rel. JÚLIO GOMES): “I. Quando as conclusões de um recurso são a mera reprodução, ainda que parcial, do corpo das alegações, não se pode, em rigor, afirmar que o Recorrente não deu cumprimento ao ónus previsto no artigo 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC. II. Em tal circunstância não há que rejeitar imediatamente o recurso, podendo convidar-se ao seu aperfeiçoamento, por força do disposto no n.º 1 do artigo 659.º do CPC.”;

- Acórdão do STJ de 02-05-2018 (Pº 687/14.7TTMTS.P1.S1, rel. RIBEIRO CARDOSO): “Impõe o art.º 639º, nºs 1 e 3 do CPC um ónus ao recorrente - a formulação de conclusões sintéticas, e um dever ao tribunal - o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, designadamente sintetizando-as, quando sejam prolixas e, nessa medida, complexas. Não definindo o legislador a forma que deve revestir a síntese das alegações, limitando-se a referir que consistem na indicação sintética dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, o não conhecimento do recurso fundamentado na falta de síntese das conclusões, apenas deve ter lugar em casos muito limitados e flagrantemente violadores do dever de síntese”;

- Acórdão do STJ de 06-07-2017 (Pº 297/13.6TTTMR.E1.S1, rel. GONÇALVES ROCHA): “I - A reprodução nas conclusões do recurso da respectiva alegação não equivale a uma situação de falta de conclusões, estando-se antes perante um caso de conclusões complexas por o recorrente não ter cumprido as exigências de sintetização impostas pelo nº 1 do artigo 639º do CPC. II - Assim, não deve dar lugar à imediata rejeição do recurso, nos termos do artigo 641º, nº 2, alínea b) do CPC, mas à prolação de despacho de convite ao seu aperfeiçoamento com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, conforme resulta do nº 3 do artigo 639º do mesmo compêndio legal.”;

- Acórdão do STJ de 25-05-2017 (Pº 2647/15.1T8CSC.L1.S1, rel. ANA PAULA BOULAROT): “I - A reprodução nas conclusões do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com falta de conclusões. II - Nestas circunstâncias, não há lugar à prolação de um despacho a rejeitar liminarmente o recurso, impondo-se antes um convite ao seu aperfeiçoamento, nos termos do nº3 do artigo 639º do CPCivil, atenta a sua complexidade e/ou prolixidade.”;

- Acórdão do STJ de 13-10-2016 (Pº 5048/14.5TENT-A.E1.S1, rel. OLIVEIRA VASCONCELOS): “I - Do facto de as conclusões serem uma repetição das alegações do recurso não se pode retirar que aquelas conclusões não existam, mas apenas que não assumem a forma sintética legalmente imposta pelo art.º 639.º, n.º 1, do CPC. II - Perante tal irregularidade, deve o tribunal convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões no sentido de proceder à sua sintetização, com respeito pelo objeto do recurso que ficou definido nas alegações originais, nos termos do n.º 3 do citado normativo.”;

- Acórdão do STJ de 18-02-2016 (Pº 558/12.1TTCBR.C1.S1, rel. ANTÓNIO LEONES DANTAS): “Nas conclusões da alegação do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados”;

- Acórdão do STJ de 09-07-2015 (Pº 818/07.3TBAMD.L1.S1, rel. ABRANTES GERALDES): “A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art.º 641º, nº 2, al. b), do NCPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art.º 639º, nº 3, do NCPC.”

- Acórdão da Relação de Guimarães de 24-09-2020 (Pº 2781/18.6T8VCT-A.G1, rel. JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS): “Verificando-se que nas alegações de recurso o apelante, após a explanação da motivação do recurso, conclui essa motivação com a expressão: “ Termos em que…”, passando após a fazer uma súmula das razões pelas quais recorre e a expor o sentido da pretensão que solicita lhe seja reconhecida pelo tribunal ad quem e indicando os dispositivos legais que suportam essa sua pretensão, a falta de conclusões é meramente aparente”;

- Acórdão da Relação do Porto de 27-01-2020 (Pº 2817/18.0T8PNF.P1, rel. JORGE SEABRA): “A reprodução integral e ipsis verbis do anteriormente vertido no corpo das alegações, ainda que intitulada de “conclusões”, não pode ser considerada para efeitos do cumprimento do dever de apresentação de conclusões do recurso nos termos estatuídos no artigo 639.º, n.º 1 do CPC. Equivalendo essa reprodução à falta total de conclusões deve o recurso ser rejeitado nos termos estatuídos no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPC., não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento”;

- Acórdão da Relação do Porto de 13-01-2020 (Pº 3381/18.6T8PNF-A.P1, rel. MIGUEL BALDAIA DE MORAIS): “I - Em consonância com o regime plasmado na lei adjetiva, as conclusões das alegações correspondem às ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida. II - Porque são o resultado e não o desenvolvimento do raciocínio alegatório, as conclusões têm, pois, necessária e legalmente de ser curtas, claras e objetivas. III - Daí que a reprodução praticamente integral e ipsis verbis do anteriormente alegado no corpo das alegações, ainda que apelidada de “conclusões” pela apelante, não pode ser considerada para efeito de válido cumprimento do dever de apresentação das conclusões recursivas. IV - Tal comportamento processual, equivalendo à ausência de conclusões, dará lugar ao não conhecimento do recurso de acordo com o que se dispõe no artigo 641º, nº 1 al. b) do Código de Processo Civil, não cabendo convite ao aperfeiçoamento no sentido de lograr suprir a inobservância desse ónus”;

- Acórdão da Relação de Guimarães de 24-01-2019 (Pº 3113/17.6T8VCT.G1, rel. EUGÉNIA MARIA MOURA MARINHO DA CUNHA): “1. Verificando-se a falta, em peça processual da alegação de recurso de apelação, das “conclusões”, a que alude o nº1, do art.º 639º, do CPC (indicação sintética das questões colocadas pelo recorrente, que define e delimita o objeto do recurso), os apelantes têm de suportar a consequência do incumprimento do ónus de as formular - a rejeição do recurso, em obediência ao consagrado na al. b), do nº2, do art.º 641º, de tal diploma; 2. A deficiência, obscuridade ou complexidade das conclusões das alegações de recurso - passíveis de despacho de aperfeiçoamento - são vícios de conclusões, que pressupõem a existência de esboço de síntese dos fundamentos do recurso; 3. Ocorre efetiva, real e absoluta falta de objeto do recurso-as “conclusões”, definidas na lei adjetiva como indicação sintética dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – e não mero vício, na situação de a apelante, embora usando tal título ao finalizar a alegação de recurso de apelação, reproduzir ipsis verbis e integralmente o antecedente corpo das suas alegações, pois que tal inútil eco do já dito nenhuma síntese dos invocados fundamentos revela. E o esboço de síntese não se verifica em nominadas “conclusões” que apenas repetem, com insignificantes alterações de pormenor na redação e agrupamento, o teor integral do corpo das alegações; 4. Aquela consequência (rejeição do recurso) justifica-se nesta situação de falta de rigor, sem que tal se mostre desproporcional nem excessivo, pois que, tendo a parte o ónus de formular as definidas conclusões, sem o que se decorrem, automaticamente, os efeitos gravosos da rejeição do recurso (em materialização do princípio da auto-responsabilização das partes), a mesma nem sequer um esboço de esforço nesse sentido desenvolveu”;

- Acórdão da Relação de Coimbra de 08-06-2018 (Pº 1840/16.4T8FIG-A.C1, rel. RAMALHO PINTO): “I – O art.º 639º, nº 1 do nCPC impõe ao recorrente dois ónus: o ónus de alegar e o ónus de formular conclusões. II – O recorrente cumpre o ónus de alegar apresentando a sua alegação onde expõe os motivos da sua impugnação, explicitando as razões por que entende que a decisão está errada ou é injusta, através de argumentação sobre os factos, o resultado da prova, a interpretação e aplicação do direito, para além de especificar o objectivo que visa alcançar com o recurso. III – Deve, todavia, terminar a sua minuta com a indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/oude direito, por que pede a alteração ou a anulação da decisão recorrida. IV – As conclusões do recurso que versem matéria não tratada nas alegações são totalmente irrelevantes. V – A não apresentação de conclusões recursivas tem como efeito imediato o puro e simples indeferimento do requerimento de recurso”; e

- Acórdão da Relação de Lisboa de 07-12-2016 (Pº 141/14.7T8SXL.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES): “A reprodução integral, mediante aquilo que se pode designar por “copy-past” do anteriormente alegado no corpo das alegações, ainda que apelidada pelo recorrente de “Conclusões”, não pode ser considerada para efeito do cumprimento do dever de apresentação das conclusões do recurso (proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação), nem podem ser consideradas deficientes (motivação insuficiente, contraditória, incongruente ou mesmo excessiva), obscuras ou complexas, equivalendo, ao invés, à ausência de conclusões, pois é igual a nada dizer, repetir o que antes se disse na motivação, o que sempre dará lugar à rejeição do recurso, nos termos do artigo 641º, nº 1, alínea b) do CPC”.

A propósito do que caracteriza de “peripécias relacionadas com as conclusões das alegações de recurso e dos custos que elas implicam para o sistema judiciário”, remata Miguel Teixeira de Sousa (Blog do IPPC, registo de 03-04-2020, consultado em https://blogippc.blogspot.com/2020/04/jurisprudencia-2019-210.html) que: “ninguém pode "atirar a primeira pedra":

-- A jurisprudência, porque, com decisões, de carácter puramente formal, que se recusaram a apreciar algumas questões suscitadas nos recursos com argumento de que não constavam das conclusões, os tribunais deram azo a que os advogados, segundo a conhecida "jurisprudência das cautelas", alargassem as conclusões muito para além do razoável;

-- A advocacia, porque os advogados continuam a não cumprir o que a lei impõe, que é -- lembre-se -- a indicação, de forma sintética, dos fundamentos por que se pede a alteração ou a anulação da decisão impugnada (art.º 639.º, n.º 1, CPC)”.

A falta de alegações ou de conclusões não admite aperfeiçoamento e determina a liminar rejeição do recurso – cfr. artigo 641.º, n.º 2, al. b) do CPC – ou o seu não conhecimento pelo Tribunal de recurso – cfr. artigo 652.º, n.º 1, al. b) do CPC.

Revertendo estas considerações para o caso em apreço, verifica-se que os aludidos recorrentes apresentaram, separadamente, requerimento de interposição de recurso, que acompanharam de alegações, tendo terminado tais alegações com as conclusões supra transcritas.

Encontra-se expresso o requerimento de impugnação/revogação da decisão recorrida pelo Tribunal de recurso e também a razão sucinta da impugnação.

Assim, não se pode entender que os recorrentes em questão não tenham observado o ónus de alegar e de concluir que lhes incumbia. Nada mais lhe era exigível.

De facto, lidas e relidas as conclusões dos mencionados apelantes, delas não decorre, nem a ausência de síntese, nem uma indeterminação do sentido do concluído.

Insurgem-se os recorridos dizendo que, os mencionados apelantes não observaram os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 639.º do CPC.

Apreciando:

Conforme se referiu, a alínea a), do n.º 2, do artigo 639.º do CPC, prescreve que, versado o recurso matéria de direito, as conclusões devem, entre outras indicações, conter as normas jurídicas violadas.

No caso, não se encontra nas conclusões dos apelantes a referência a dispositivos legais violados, sendo que, apenas na alegação do réu JFP é feita alusão, no decurso da alegação – que não nas conclusões - aos normativos dos artigos 1045.º e 1038.º, al. i) do CC (para além da violação dos “princípios da confiança jurídica e da segurança jurídica”).

Contudo, conforme resulta do exposto e das conclusões acima transcritas, é claramente apreensível qual o fundamento em que assenta a impugnação deduzida pelos apelantes, muito embora não conste, de facto, em termos formais, das conclusões referência expressa aos normativos considerados violados.

Importa referir, a respeito de questão de outra natureza (processual penal), mas com inegável abrangência a uma qualquer impugnação recursória, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (cfr. Acórdão n.º 320/2002, Processo n.º 754/01, publicado no D.R., n.º 231/2002, Série I-A, de 07-10-2002, pp. 6715-6719).

De facto, nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 412.º do CPP, prescrevia-se, em termos semelhantes àqueles que ocorre em processo civil, que, versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; c) Em caso de erro na determinação da norma jurídica aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.

Ora, também relativamente ao artigo 639.º do CPC é de ponderar semelhante interpretação legal.

De facto, o propósito do legislador ao enunciar os princípios constantes deste artigo foi o de vincular os recorrentes a fornecer, nos recursos que interponham, a indicação, em moldes percetíveis, não só do que pretendem, como das disposições legais que afirmam terem sido violadas pela decisão impugnada.

Ora, resultando das conclusões do apelante qual o fundamento em que assenta a impugnação deduzida, muito embora delas não conste a expressa referência aos normativos considerados violados, a rejeição do recurso, com fundamento na ausência de especificação ou expressa menção das normas violadas, seria desconforme com a Constituição, porque assentaria numa leitura estritamente formal do consignado nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 639.º do CPC.

Assim, se a parte nas alegações focou com objetividade a sua discordância sobre o despacho ou decisão que impugna e tomou uma posição conclusiva de discordância em pontos essenciais que referenciou, o Tribunal de recurso está em condições - ainda que a parte não tenha formalizado, mediante a expressa indicação das normas violadas, a conclusão ou conclusões sobre essas discordâncias alegadas - de conhecer do objeto do recurso (no sentido exposto, ainda que, no precedente regime recursório, mas entendimento plenamente aplicável ao preceito em vigor, vd. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-1999, Pº 66/99, de 06-05-2003, Pº 03A720, rel. BARROS CALDEIRA e de 22-04-2009, Pº 08S3083, rel. VASQUES DINIS).

Conforme se concluiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-05-1991 (Pº 041924, rel. SÁ NOGUEIRA): “As falhas dos aspectos puramente formais de ossatura das mesmas motivações - encerramento da motivação pelas conclusões, subordinação destas a artigos, e inclusão nelas da indicação das normas violadas - não tem relevo suficiente para conduzir a rejeição do recurso quando sejam facilmente cognoscíveis, pela própria motivação, quais as conclusões e quais as normas que se reputam violadas pela decisão de que se recorre”.

“Os casos de rejeição do requerimento de interposição de recurso estão taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 641.º e neles não se encontra incluída a falta de observância destes requisitos. Fora das (únicas) situações previstas como sendo fundamento de rejeição imediata do recurso, qualquer falha no cumprimento dos requisitos assinalados ao requerimento constituirá apenas uma irregularidade processual que ou se entende poder condicionar a apreciação do recurso, caso em que deverá ser mandada sanar, ou é mesmo irrelevante para o conhecimento do recurso e não carece sequer de ser suprida, podendo o processo avançar mesma com essa falha” (assim, o citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-04-2014, Processo 4949/10.4TBVFR.P1, relator ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA).

Não se afigura que, em face do exposto, o recurso deva ser rejeitado, não ocorrendo a situação a que se reporta o artigo 641.º, n.º 2, al. b) do CPC, uma vez que as conclusões encontram-se presentes na alegação recursória, só devendo ser rejeitado o recurso por falta de conclusões se estas forem totalmente inexistentes, o que não sucede se as mesmas se encontram presentes.

Do mesmo modo, apreciada a peça processual que contém a alegação recursória, não se afigura existir motivo que justifique a prévia prolação do despacho de convite a que se reporta o n.º 3 do artigo 639.º do CPC, pois, atento o referido, não ocorre situação de deficiência ou obscuridade recursória que o justifique.

Conclui-se, pois, inexistir motivo para o não conhecimento do recurso, improcedendo a questão prévia enunciada.

*

II) Nulidade da sentença:

*

B) Se a sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC?

Concluem os apelantes JP e TP, nas suas alegações de recurso, o seguinte:

“(…) 1- A douta decisão proferida não apreciou a questão levantada pelos Recorrentes e correspondente ao ponto 11 da sua Contestação, no que respeita à entrega do valor de caução constante da Cláusula 2ª do contrato de arrendamento celebrado com o Recorrido.

2- Não tendo sido demonstrada a utilização desse montante para satisfação de alguma das obrigações emergentes do contrato, o mesmo deverá ser abatido ao quantum indemnizatório.

3- Ao não conhecer da questão apontada, a sentença padece de nulidade nos termos conjugados dos art.ºs 608 nº2 e 615º nº1 d) do CPC.”.

Os apelados contrapuseram sobre esta alegação o seguinte:

“(…) 26. Invocam, em síntese, que alegaram na sua contestação que entregaram ao recorrido o valor de €600,00 (seiscentos euros) correspondente à caução e ao primeiro mês de arrendamento e que não resultou decidido nos autos se esse montante foi utilizado para alguma das obrigações contraídas.

27. No despacho saneador, o tribunal a quo entendeu não haver lugar à prolação de despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, tendo proferido despacho saneador nos termos do art.º 597º, alínea c) do CPC.

28. Esse despacho não foi objeto de reclamação ou de recurso, incluindo por parte dos aqui recorrentes.

29. Como igualmente resulta daquele douto despacho, o estado dos autos não permite, sem a produção de outras provas, o conhecimento do mérito da causa.

30. Assim, e para além de tudo quanto as partes entenderam anteriormente alegar e juntar aos autos, assistia-lhes o direito a produzirem prova sobre todas as matérias que considerassem relevantes e necessárias para sustentarem as respetivas posições nos autos, desde logo aquelas que os próprios pudessem ter invocado anteriormente.

31. Não apenas as provas que haviam anteriormente requerido e concretizado, mormente no que tange aos depoimentos de parte e à prestação de declarações de parte.

32. Como, ainda, prova testemunhal sobre toda a matéria que entendessem.

33. Podiam, por isso, os aqui recorrentes ter produzido prova sobre os factos que agora invocam, o que não fizeram.

34. E podiam os aqui recorrentes, caso o tivessem feito, invocar na presente sede, mediante recurso sobre a matéria de facto, quais os factos que teriam sido incorretamente julgados, quais os meios probatórios que impunham uma decisão diversa e qual a decisão que deveria ter sido proferida sobre tais factos. (art.º 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do CPC)

35. Não o tendo feito, não está em causa qualquer nulidade da sentença, tão só a falta de matéria de facto provada que permitisse aos recorrentes sustentarem uma decisão diferente, mediante recurso sobre a matéria de facto.

36. Tudo razões pelas quais, também o recurso dos recorrentes JP e TP deve ser indeferido”.

Vejamos:

Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, a sentença será nula se “[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Vejamos se, no caso, o juiz deixou de se pronunciar sobre questões de que devesse conhecer, sabendo-se que, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades» (assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, p. 132).

Apenas existirá nulidade da sentença por omissão de pronúncia (ou por pronúncia indevida) com referência às questões objecto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte.

A nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2007, Pº 07A091, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).

Caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. Poderá, todavia, existir mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável.

A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608.º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

A questão a decidir pelo julgador está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, “o juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, pelo que, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras, sendo certo que, o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção.

“O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Processo nº 1453/17.3T8BRG.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA).

Assim, “importa distinguir entre os casos em que o tribunal deixa de pronunciar-se efetivamente sobre questão que devia apreciar e aqueles em que esse tribunal invoca razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção, sendo coisas diferentes deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, por não ter o tribunal de esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2019, Processo 226/16.5T8MAI-E.P1, relator NELSON FERNANDES).

Na realidade, como se referiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2011 (P.º n.º 480/09.9JALRA.C1, relator ORLANDO GONÇALVES): “1.- A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. 2.- O que importa é que o tribunal decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão”.

Se a decisão não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que a decisão tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos argumentos ou considerações expendidas, designadamente por opostos, irrelevantes ou prejudicados em face da solução adotada.

Conclui-se – como se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2019 (Processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, relatora MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA) - que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”.

No caso em apreço, os apelantes em questão consideram que a sentença é nula porque não apreciou a questão que levantaram no artigo 11.º da contestação.

No artigo 11.º da contestação dos referidos apelantes foi alegado o seguinte: “Sucedendo que com a celebração do contrato de arrendamento os RR. entregaram o valor correspondente ao adiantamento de duas rendas (Cláusula 3.ª nº2)”.

No desenvolvimento dos autos, foi proferido despacho saneador, no qual, foi considerado que o estado do processo não permitia o conhecimento do mérito da causa, sem produção probatória, tendo sido considerada desnecessária a convocação de audiência prévia, bem como a prolação de despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Em sede de sentença foi fixado como “thema decidendum” o seguinte: “Nos presentes autos importa apurar em que data foi entregue o locado, se os Primeiros Réus não pagaram as rendas vencidas em 01/06/2018, 1/12/2018, 1/05/2019 e 1/06/2019 e, em caso afirmativo, se os Segundos Réus são solidariamente responsáveis tanto pelo pagamento das rendas, como pela indemnização devida pela entrega do locado fora do prazo.”.

E, de facto, em sede de fundamentação de direito da decisão recorrida divisam-se no rol de questões apreciadas, todas as enunciadas questões a decidir/ “thema decidendum”:

Importa sublinhar que, a resolução de questões não se confunde com os factos alegados, nem com os argumentos invocados pelas partes.

Isso mesmo se evidenciou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07-03-2019 (Pº 2305/17.2T8VNF-A.G1, rel. EUGÉNIA CUNHA):

“A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há de (…) resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Mas, a resolução das questões suscitadas pelas partes não pode confundir-se com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas.

A questão a decidir está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.

Se eventualmente não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que a decisão por si tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos mesmos, designadamente por opostos à solução adotada.

(…)

O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz.”.

A causa de pedir traduz-se no facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido (cfr. Antunes Varela; J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil; 2.ª Ed., Coimbra Editora, p. 245), pelo que, sob pena de ineptidão, não bastará uma indicação vaga ou genérica dos factos com base nos quais a autora sustenta a sua pretensão. Ao autor ou demandante não bastará, assim, formular um pedido, devendo sempre indicar a causa de pedir, traduzida nos concretos factos jurídicos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer, o que passa pela narração de concretos acontecimentos da vida que são suscetíveis de redução a um núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas materiais de direito substantivo (cfr., Lebre de Freitas; Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à luz do Código revisto; Coimbra Editora, 1996, pp. 54 a 57).

O autor encontra-se, pois, obrigado a expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação (cfr. art.º 552.º, n.º 1, al. d), do CPC).

A indicação da causa de pedir está perfeitamente conexionada com o princípio do dispositivo, consagrado no n.º 1 do artigo 5.º do CPC, onde se prescreve que, “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.

“Intimamente ligada ao princípio dispositivo, a causa de pedir exerce uma «função individualizadora do pedido e de conformação do objeto do processo»; ao apreciar o pedido, o tribunal não pode basear a sua decisão de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor (art.ºs 608º e 609º), sob pena de nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art.º 615º, al. d) )” (assim, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, vol. II, 2.ª Ed., Almedina, 2015, p. 71).

Daí que se possa dizer, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2017 (Pº 330/16.0T8PRT.P1, rel. FERNANDO SAMÕES), que “o princípio do dispositivo ou da controvérsia, consagrado no n.º 1 do art.º 5.º do CPC, impede que o juiz considere, na decisão, factos essenciais não alegados pelas partes nos articulados”.

O nosso direito adjetivo adota, quanto à causa de pedir, a chamada “teoria da substanciação”, perante a qual a “causa de pedir” constitui o ato ou facto jurídico, simples ou complexo, de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor e que este se propõe fazer valer – cfr. art.º 581º nº4 do CPC.

Tem-se em vista não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas sim, um certo facto jurídico material, concreto, conciso e preciso, cujos contornos se enquadram na definição legal.

Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-11-2022 (Pº 118395/21.4YIPRT.L1, relatado pelo ora relator): “A causa de pedir constitui o ato ou facto jurídico, simples ou complexo, de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor e que este pretende fazer valer, tendo-se em vista, não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico material, concreto, conciso e preciso, cujos contornos se enquadram na definição legal”.

Ora, conforme resulta da sentença recorrida, nela apreciaram-se, sucessivamente, cada uma das questões elencadas e resultantes da causa de pedir invocada pelos autores, nelas não se divisando alguma “questão” atinente à prestação de caução ou ao adiantamento de rendas.

Mas, certo é que, não se divisa que os apelantes tenham, com a alegação produzida no artigo 11.º da contestação, suscitado algum diferendo que devesse ser objeto de pronúncia pelo Tribunal recorrido, não tendo invocado alguma circunstância ou facto que pudesse inculcar que os valores respeitantes foram indevidamente considerados pelos autores, em desarmonia com a finalidade de caucionamento das obrigações dos réus.

Finalmente, importa salientar, conforme o enfatizam os apelados nas suas contra-alegações, que não foi impugnada a matéria de facto selecionada pelo Tribunal recorrido, pelo que, a não inclusão factual do alegado no artigo 11.º da contestação dos apelantes não pode, também por esta perspetiva, ser objeto de apreciação nesta sede recursória, não representando a mesma alguma nulidade.

Assim, da circunstância de a decisão recorrida não se ter debruçado especificamente sobre a alegação produzida num dos artigos - 11.º - da contestação dos apelantes, sem que tal alegação envolvesse a proposição de uma questão que o Tribunal tivesse que decidir, não se verifica a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC), uma vez que, inexistia o dever de pronúncia – cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC - sobre tal alegação.

Em face do exposto, conclui-se que a nulidade arguida não se verifica, improcedendo o que em contrário foi invocado pelos apelantes JP e TP.

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III) Impugnação da matéria de direito:

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C) Se a responsabilidade dos recorrentes ES e JFP terminou em 30-04-2018, não tendo responsabilidade pelo incumprimento do contrato celebrado com efeitos a partir de 01-05-2018, tendo a decisão recorrida violado os princípios da confiança e da segurança jurídicas?

A apelante ES invoca que, ao invés do decidido na decisão recorrida, não existiu um aditamento ao contrato de arrendamento, “mas sim um novo contrato, por período certo, estando previsto nesse período o pagamento de uma nova renda substancialmente diferente, que não cabe no conceito de “aumento de renda”, pelo que a sua responsabilidade como fiadores terminou na data em que o ora recorrido pôs termino ao contrato de arrendamento- 30-04-2018”, sendo que, “ não assinou nem teve conhecimento do novo acordo escrito a que chamaram de “aditamento” o qual foi celebrado exclusivamente entre senhorios e inquilinos”.

Mais alega a apelante ES que: “Mesmo que se tratasse de um verdadeiro aditamento a contrato de arrendamento já existente, pelo menos deveria ter-lhe sido comunicada a celebração desse aditamento e os seus termos. Só com o conhecimento da existência desse “aditamento” e dos termos desse documento é que a recorrente, enquanto fiadora, se poderia defender e até evitar o incumprimento por parte dos inquilinos, promovendo o pagamento atempado das rendas e a entrega do locado no final do prazo estipulado. Ora, se ela desconhecia em absoluto esse documento, como pode ser agora responsabilizada pelo cumprimento do mesmo? Acaso foi consultada se poderia garantir o pagamento de uma renda no valor de 600,00€ mensais? E se por acaso os senhorios e inquilinos tivessem acordado que a renda mensal passaria para 1000,00€ ou 1.000.000,00€? A fiadora continuaria a ter uma responsabilidade cega, mesmo desconhecendo e não tendo participado e dado o seu aval na celebração desse contrato? Parece-nos que não! A constituição em mora do arrendatário não depende de interpelação judicial, por estar em causa uma obrigação com prazo certo (art.º 805º nºs 1 e 2, al. a) do C. Civil), ao contrário, a constituição em mora por parte do fiador depende, nos termos gerais, de interpelação, já que aquele, em regra, poderá nem saber que o arrendatário deixou de cumprir. O mesmo se dirá relativamente à responsabilização do fiador relativamente à entrega do locado. Se a responsabilização do fiador pela mora, fundada no não pagamento das rendas, depende de interpelação, a responsabilidade dos fiadores relativamente aos locatários, só em casos muito particulares, poderá abranger a indemnização a que se reporta o nº 2 do art.º 1045º do C. Civil. É que o fiador, não tem meios para, coercivamente, impor ao arrendatário a desocupação do locado.

A responsabilidade do fiador, em situações como a presente, em que aquele se comprometeu, no contrato de arrendamento celebrado em 23-04-2013, a garantir as obrigações do arrendatário perante o senhorio até à entrega do locado, respeitam à renda em singelo até à efectiva desocupação e entrega (cfr. Acórdão do STJ de 9.11.1999 – proc. nº 99A668), mas não pode abarcar a responsabilidade pelo incumprimento na devolução, excepto se se provasse que o próprio fiador, pessoalmente, contribuíra ou colaborara na demora da restituição, o que os factos provados, no caso não demonstram.  não tem qualquer responsabilidade no cumprimento do contrato celebrado com efeitos a partir de 01-05-2018, por se tratar de um novo contrato, com uma nova renda e por não ter tido conhecimento do mesmo, fosse por que meio fosse, não podendo por isso promover o seu cumprimento e evitar os prejuízos daí decorrentes como sejam o pagamento de juros, indemnização e despesas judiciais.”.

Em semelhantes moldes, o apelante JFP considera, igualmente, que, após a comunicação da oposição à renovação pelos senhorios “veio a ser celebrado um novo contrato de arrendamento, com condições completamente novas e diferentes das originais: a) A duração ora era de 14 meses, b) Cláusula de caducidade, pois não era renovável. c) O valor da renda sofreu um aumento de mais 100€ (cem euros). Ora após a resolução do contrato de locação, e pago o valor em divida pelo Fiador e sua esposa, foi então celebrado este novo contrato de arrendamento. Esse novo contrato de arrendamento e suas condições não foram em qualquer momento comunicado ao Fiador, e segundo Réu, mormente que seria um contrato de duração fixa, e improrrogável, e com um aumento no valor de cem euros.

Ora são elementos essenciais do contrato de arrendamento, além das identificações das partes e do imóvel, a duração, o fim e o valor da renda. Logo sendo um aditamento, contemplaria apenas um desses requisitos, e não todos, e os mais importantes e definidores do contrato em si.

(…)

Sendo entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa que “1. - É nula parcialmente a fiança na parte em que a fiadora de obrigações resultantes de empréstimo, se assume desde logo como garante outrossim de responsabilidades resultantes de posteriores alterações que, sem sua intervenção, venham a ser convencionadas entre os adquirentes de fracção autónoma e o banco (v.g. modificações da taxa de juro). 2 – Daí que, resultando a quantia exequenda, não dos termos do contrato inicial validamente afiançado pela executada, mas antes da configuração contratual decorrente de posterior aditamento, não pode considerar-se a mesma abrangida pela fiança, ficando assim excluída a responsabilidade da oponente/executada pelo respectivo pagamento. 3- Concluindo, a responsabilidade da fiança não se estende às obrigações moldadas pela versão contratual resultante de aditamento celebrado sem a intervenção da fiadora. Publicado in Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (dgsi.pt) (…)”.

Importa sublinhar, liminarmente, que não é colocada em questão a matéria de facto apurada no Tribunal recorrido, pelo que, a apreciação do presente recurso – restrito à apreciação das questões de direito suscitadas pelos impugnantes - tem por referência e base a matéria de facto selecionada na sentença recorrida.

Ora, conforme resulta dos factos provados, em 23-04-2013 foi celebrado entre as partes um contrato de arrendamento de prédio urbano destinado a habitação, com duração limitada. Nele figuram como senhorio os autores e como arrendatários os 1.ºs. réus, sendo que, os 2.ºs. réus, outorgaram em tal contrato, na qualidade de fiadores (cfr. factos provados n.ºs. 2), 4) e 10)).

Trata-se de matéria assente e não controvertida.

Mais se apurou que o contrato foi celebrado por 2 anos, com início a 01-05-2013 e término a 30-04-2015 (cfr. facto provado n.º 3)), renovável por períodos sucessivos de 1 ano (cfr. facto provado n.º 4) e cláusula 9.ª do contrato dos autos).

Foi convencionada a renda mensal 500,00€ (quinhentos euros), nos termos do n.º 1 da cláusula 3.ª do contrato.

O contrato de arrendamento é uma espécie de contrato de locação que o art.º 1022.º do Código Civil (CC) define como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”.

Precisamente, nos termos do art.º 1023.º do CC, a locação diz-se arrendamento sempre que o objecto do contrato seja coisa imóvel.

Assim, de acordo com o estabelecido no art.º 1022º do CC, são elementos caracterizadores, essenciais do contrato de arrendamento enquanto espécie de contrato de locação:

a) A obrigação de uma das partes proporcionar ou conceder à outra o gozo de uma coisa imóvel,

b) Que esse gozo seja temporário,

c) Que a cedência do gozo tenha como contrapartida uma retribuição.

Encontramo-nos perante um contrato bilateral ou sinalagmático, na medida em que às obrigações do locador de entregar ao locatário a coisa locada e de lhe assegurar o gozo desta para os fins a que a mesma se destina (art.º 1031.º do CC), corresponde a obrigação do locatário de pagar a renda (art.º 1038.º, al. a) do CC).

As obrigações em causa, constituindo um vínculo jurídico pelo qual as partes ficam adstritas, entre si, à realização de uma prestação (art.º 397.º do CC), estão sujeitas à liberdade contratual, podendo as partes fixar livremente, dentro dos limites da lei, o seu conteúdo (art.ºs 398.º, n.º 1 e 405.º, n.º 1 do CC).

No caso do contrato de arrendamento, as prestações caracterizam-se como duradouras, uma vez que a sua “execução se prolonga no tempo, em virtude de terem por conteúdo ou um comportamento prolongado no tempo ou uma repetição sucessiva de prestações isoladas por um período de tempo.” (assim, Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 6ª Ed., Almedina, 2007, p. 135).

Relativamente ao locador, a sua prestação caracteriza-se, ainda, como uma prestação duradoura continuada, na medida em que a sua execução não sofre interrupção – a disponibilidade do locado é ininterrupta.

Já no que concerne ao locatário, a respetiva prestação tem-se como duradoura periódica, na medida em que a mesma é sucessivamente repetida em certos períodos de tempo.

No contrato dos autos intervieram ainda, como se viu, os 2.ºs. réus.

Nos termos da cláusula 14.ª do contrato, a obrigação dos 2.ºs. réus - terceiros contraentes do mesmo - enquanto fiadores, encontra-se caraterizada nos seguintes moldes: “Os Terceiros Contraentes assumem solidariamente com os Segundos Contraentes o cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos e renovações até efetiva restituição do local devoluto de pessoas e bens, pelo que declaram que a fiança que acabam de prestar subsistirá ainda que haja alterações da renda agora fixada, e mesmo depois de decorrido o prazo de dois anos”.

Sucede que, no dia 16-10-2017, o Autor remeteu uma missiva para os 1.ºs. réus dando conhecimento da sua intenção de “não renovação do contrato de arrendamento em vigor”, comunicando a sua cessação a partir do dia 30-04-2018 (cfr. facto provado n.º 5)).

Contudo, “no dia 30/04/2018 os Autores e os Primeiros Réus assinaram um documento intitulado “aditamento a contrato de arrendamento para habitação com duração limitada” onde consta no ponto 1, alínea a) que “o contrato é renovado pelo período de 14 meses, com início no dia 01/05/2018 e termo impreterível no dia 30/06/2019, não sendo prorrogável nem carecendo de ser efetuada comunicação de oposição à renovação por parte dos senhorios, cessando o mesmo de forma automática”, passando a renda para 600€, a partir da vencida no dia 01-06-2018 (cfr. factos provados n.ºs. 6) e 7)).

Os 2.ºs. réus não tiveram conhecimento do aditamento referenciado, nem de qualquer incumprimento contratual até serem citados no âmbito destes autos.

Antes de avançarmos para a apreciação do caso que nos ocupa, importa ter presente como se carateriza, em geral, a garantia da fiança e, designadamente, a chamada fiança do locatário.

Vejamos:

A fiança, conforme resulta do artigo 627.º do Código Civil, traduz-se numa garantia pessoal da pessoa que a presta perante o credor, sendo a obrigação daí decorrente acessória da principal, implicando tal compromisso que, “um segundo património, o património de um terceiro (fiador), que vai, cumulativamente com o património do devedor, responder pelo pagamento da dívida. (…) Da parte do fiador há uma responsabilidade pessoal pelo cumprimento de uma obrigação alheia” (assim, Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 5.ª Edição, Almedina, Novembro de 2006, pp. 86-87), tendo que ser expressamente declarada e podendo ter, dentro dos limites consentidos pelo legislador (artigo 631.º do CC), um âmbito mais ou menos restrito, consoante a vontade das partes.

As principais caraterísticas da fiança são a acessoriedade e subsidiariedade. A acessoriedade “significa que a obrigação do fiador se apresenta na dependência estrutural e funcional da obrigação do devedor, sendo determinada por essa obrigação em termos genéticos, funcionais e extintivos” (assim, Luís Menezes Leitão; Garantias das Obrigações; 4.ª ed., Almedina, 2012, p. 97). Por seu turno, a subsidiariedade “reconduz-se à possibilidade de o fiador invocar o benefício da excussão, conforme resulta do art.º 638.º, impedindo o credor de executar o património do fiador enquanto não tiver tentado sem sucesso a execução através do património do devedor (…). A subsidiariedade da fiança constitui, porém, uma característica não essencial, uma vez que o fiador pode renunciar a ela, conforme se prevê no art.º 640.º a)” (cfr., Luís Menezes Leitão; Garantias das Obrigações; 4.ª ed., Almedina, 2012, p. 98).

Por força da regra da acessoriedade da fiança – tendo esta o conteúdo da obrigação principal e cobrindo as consequências legais e contratuais da mora do devedor (cfr. artigo 634.º do CC) – o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor, quer estes respeitem à acção de cumprimento, quer à indemnização por incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso.

“Em relação aos meios de defesa, dispõe o art.º 637.º que o fiador pode exercer perante o credor, além dos meios de defesa que lhe são próprios, as excepções que competem ao devedor, salvo se forem incompatíveis com a sua obrigação. O fiador pode assim utilizar perante o credor tanto as excepções respeitantes à relação e fiança (por exemplo, a invalidade do contrato de fiança ou a extinção da sua obrigação por qualquer causa), como as excepções relativas à própria obrigação do devedor, não produzindo a renúncia deste a essa excepções qualquer efeito em relação ao fiador (art.º 637.º, n.º 2). Já não se admite, porém, que o fiador possa invocar exceções relativas ao devedor que se mostrem incompatíveis com a sua obrigação (…)” (assim, Luís Menezes Leitão; Garantias das Obrigações; 4.ª ed., Almedina, 2012, pp. 98-99).

Assim, “o fiador pode opor ao credor os meios de defesa “que competem ao devedor”; nomeadamente, a excepção de extinção da obrigação principal. A fiança é uma garantia acessória, dependente da obrigação principal; a extinção desta arrasta a daquela” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2013, Processo n.º 3379/05.4TBVCT.G1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA).

De igual modo, na fiança, o conteúdo da obrigação assumida é determinável e, nessa medida, o fiador conhece “ab initio os limites da sua obrigação” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-11-2003, Pº 03B3841, rel. SALVADOR DA COSTA).

Com efeito, a obrigação garantida pela fiança pode ser atual, mas também pode ser condicional ou futura (cfr. artigo 628.º, n.º 2, do CC), considerando-se ser “válida a fiança geral de obrigações já existentes ao tempo da formação da fiança” (assim, Carlos Ferreira de Almeida; Contratos III, Almedina, 2012, p. 194).

Todavia, já “é nula por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança da obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha” (assim, o Acórdão do STJ para uniformização de jurisprudência n.º 4/2001, publ. no DR, I-A, n.º 57, de 08-03-2001, p. 1252).

Os critérios que têm sido apontados para a determinabilidade da dívida afiançada e, portanto, de validade da fiança, são de diversa ordem: “limite temporal, montante máximo, elenco das fontes das obrigações, natureza das relações entre fiador e devedor, interesse do fiador, controlo ou influência do fiador sobre o devedor” (cfr. Carlos Ferreira de Almeida; Contratos III, Almedina, 2012, p. 194; cfr., também, o Acórdão do STJ de 19-12-2006, Pº 06A4127, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS, onde se concluiu que: “A determinabilidade do objecto negocial afere-se no apurar se o mesmo pode ser concretizado inicial ou posteriormente, com apelo a critérios negociais ou legais, sendo que é nulo o negócio jurídico absolutamente indeterminado e indeterminável. O "distinguo" entre fiança geral e fiança "omnibus", ou genérica, está em que aquela é prestada para todas as obrigações do devedor principal, decorrentes de qualquer causa ou qualquer título, enquanto a fiança genérica, ou "omnibus", garante as obrigações futuras resultantes de certa ou certas relações negociais. A fiança "omnibus" será válida se, à data da sua prestação, e em relação aos débitos não constituídos, existem elementos que permitam inferir, com segurança, a origem, o prazo, os possíveis montantes e as relações entre os outorgantes, permissivas do enquadramento do crédito na fiança prestada.”.

Por outro lado, conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-04-2013 (Pº 67/09.6TBLSA.C1.S1, rel. HELDER ROQUE) “a dívida do fiador depende do estado variável do conteúdo da obrigação do devedor principal”.

Na realidade, o património do fiador é aportado a satisfazer, ainda que, em regra, acessoriamente, a obrigação contraída pelo principal obrigado. Assim, na vigência da obrigação principal, o conteúdo da obrigação assumida pelo fiador é determinável em função do concreto conteúdo que, em cada momento, tenha a obrigação do devedor.

“Na fiança, o fiador compromete-se a pagar uma dívida de outrem, o devedor principal, mas a obrigação do primeiro só terá de ser cumprida se o não for a obrigação do devedor principal.

Da natureza acessória da obrigação do fiador, afirmada no n.º 2 do art.º 627.º do C.C., resulta que:

- o valor da fiança não pode exceder o montante da dívida principal, nem aquela pode ser contraída em condições mais onerosas (art.º 631.º do C.C.);

- a validade da fiança depende da validade da obrigação principal (art.º 632.º do C.C.);

- a fiança só se extingue com a extinção da obrigação principal (art.º 651.º do C.C.)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31-03-2016, Processo 85/09.4TBBGC-A.G1, relator FERNANDO FERNANDES FREITAS).

No que respeita à locação, dispunha-se no artigo 655.º do CC que:

“1. A fiança pelas obrigações do locatário abrange apenas, salvo estipulação em contrário, o período inicial de duração do contrato.

2. Obrigando-se o fiador relativamente aos períodos de renovação, sem se limitar o número destes, a fiança extingue-se, na falta de nova convenção, logo que haja alteração da renda ou decorra o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação”.

O Código Civil de 1967 pretendeu, através do regime instituído pelo mencionado artigo 655.º, pôr termo à polémica que existiu na legislação precedente sobre se a fiança prestada abrangia também as prorrogações do contrato de arrendamento.

“Podemos dizer que o artigo 655/1 veio, como princípio geral, consagrar a solução, proposta por Vaz Serra, de limitar a fiança pelas obrigações do arrendatário ao período inicial de duração do contrato de arrendamento, salvo estipulação em contrário, com a particularidade de estender à locação em geral um regime que, em rigor, só fora problematizado no campo do arrendamento e, mais concretamente, no campo do arrendamento urbano.

Já no artigo 655/2 encontramos uma solução que se afasta da algo emaranhada proposta de Vaz Serra, articulando-se, objectivamente, com o então regime da actualização quinquenal das rendas no arrendamento urbano (…)

Na prática, se as partes não estabelecerem o limite dos períodos de prorrogação, o artigo 655/2 determina que a fiança caducará no final do prazo que decorre da soma do prazo inicial do contrato com o prazo de cinco anos: é uma fiança por tempo determinado” (assim, Manuel Januário da Costa Gomes; “A fiança do arrendatário face ao NRAU”, in Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, Vol. II, Almedina, 2008, p. 982).

A respeito da fixação de limite temporal para a garantia de fiança, refere o mesmo Autor, noutro local (Assunção Fidejussória de Dívida – Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Coleção Teses, Almedina, 2000, p. 709), que, “[f]ora do campo das fianças omnibus, a questão da fixação de um limite temporal coloca-se com particular acuidade nos casos em que é garantido o cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de execução continuada, quer a prestação directamente em causa tenha natureza contínua quer tenha natureza reiterada. A tutela da posição do fiador é, então, assegurada pelo regime do art.º 654 que o protege relativamente a vinculações perpétuas, permitindo a sua desvinculação decorrido o prazo supletivo de cinco anos ou o prazo fixado, desde que adequado ao risco do credor”.

Conforme refere Fernando de Gravato Morais (“Fiador do locatário”, in Scientia Ivridica, Tomo LVI, n.º 309, Jan./Mar. 2007, Universidade do Minho, pp. 91-92), “[o] art.º 655.º, n.º 1, do Código Civil previa, no entanto, a possibilidade de se convencionar o vínculo do fiador por prazo não coincidente com o período inicial de duração do contrato.

O fiador podia assegurar as obrigações do locatário para além daquele espaço de tempo. (…).

A disposição tinha, neste âmbito, natureza supletiva”.

E, nessa medida, foi sendo admitida estipulação contratual diversa da que resultava do artigo 655.º do CC.

Assim, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-12-2006 (Pº 9696/2006-2, rel. ANA PAULA BOULAROT) considerou-se que obrigando-se o fiador “como resulta dos termos do contrato de arrendamento, em relação a todos os eventuais aumentos de renda e prorrogações do contrato de arrendamento, mesmo que decorrido o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação, cessando a sua responsabilidade no caso de ser transmitida a outrem a qualidade de inquilina”, estamos perante a “prestação de uma fiança omnibus, válida porque o objecto e a duração são perfeitamente identificáveis (contrariamente à fiança geral, cujo objecto é indefinido, e que conduz à respectiva nulidade)”.

Apreciando, ainda à luz do mencionado artigo 655.º do CC, os casos em que o garante se vincula por todas as prorrogações, não cessando a fiança apesar das modificações da renda e mesmo depois de decorrido o prazo sobre o início da primeira prorrogação, referia Gravato de Morais (loc. cit., pp. 96-101) que “o art.º 655.º, n.º 2, do Código Civil tem carácter supletivo; a fiança apesar de faltar a fixação de um termo, é determinável; a convenção pode ser aposta ab initio no contrato.

(…) [A] obrigação do garante, apesar da inexistência de limitação temporal à sua vinculação, permanece ainda assim determinável.

Por outro lado, não se vislumbra na letra da lei, nem no seu espírito, qualquer impedimento à fiança de extensão máxima. A não limitação dos períodos de prorrogação só extingue a garantia se não existir uma convenção em sentido diverso. Estando clara e explicitamente regulada tal via no clausulado, então não há razões para não a considerar válida. O normativo apenas tutelava o fiador no silêncio do contrato e não também no caso inverso (…).

Admitimos assim a convenção inicial de fiança de extensão máxima. Deve, no entanto, tal estipulação ser concreta e específica”.

Com a revogação deste normativo, operada pelo artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, a fiança do arrendatário segue o regime geral da fiança, articulado com o novo regime do arrendamento, desde logo, em face do artigo 1076.º, n.º 2, do CC, “havendo, neste particular (…) de ponderar a aplicação do regime do artigo 654 do CC” (assim, Manuel Januário da Costa Gomes; “A fiança do arrendatário face ao NRAU”, in Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, Vol. II, Almedina, 2008, p. 975).

Este preceito – o artigo 654.º do CC - dispõe que, “sendo a fiança prestada para garantia de obrigação futura, tem o fiador, enquanto a obrigação se não constituir, a possibilidade de liberar-se da garantia, se a situação patrimonial do devedor se agravar em termos de pôr em risco os seus direitos eventuais contra este, ou se tiverem decorrido cinco anos sobre a prestação da fiança, quando outro prazo não resulte da convenção”.

O preceito em questão “justifica-se porque, sendo a obrigação afiançada futura, pode verificar-se um prolongamento excessivo no tempo de responsabilidades fidejussórias e o fiador corre um risco especial: i) de deterioração da situação patrimonial do devedor afiançado entre o momento da constituição da fiança e o da constituição da obrigação garantida; ii) e de possível aumento sucessivo das suas responsabilidades” (assim, Evaristo Mendes, em anotação ao artigo 654.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral; Universidade Católica Editora, 2018, p. 857, nota I).

Como sustenta Januário Gomes (“A fiança do arrendatário face ao NRAU”, in Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, Vol. II, Almedina, 2008, p. 1004), se o fiador “se vinculou por todo o tempo do contrato ou, o que é o mesmo, pelas sucessivas renovações sem limitação, não poderá deixar de ser aplicável a consequência estabelecida no artigo 654: o [fiador] pode liberar-se da garantia, decorridos cinco anos sobre a prestação de fiança”, muito embora, nesse caso, “a extinção da fiança não é automática – como ocorria na situação do decurso do prazo do artigo 655 do CC – mas potestativa” (cfr., o mesmo Autor, loc. cit., p. 997).

Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verifica-se que, na decisão recorrida, se teceram, sobre a responsabilidade dos 2.ºs. réus, as seguintes considerações:

“(…) Já no que respeita aos Segundos Réus, pretende o Autor que estes se constituam devedores solidários das quantias peticionadas.

Resultou provado que estes réus assinaram o contrato de arrendamento, tendo assumindo solidariamente o cumprimento de todas as cláusulas do referido contrato (facto provado n.º 10), tornando-se, desta forma, fiadores dos Primeiros Réus.

O regime da fiança encontra-se previsto nos artigos 627.º e seguintes do Código Civil, estipulando este artigo que “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”.

Vêm os Segundos Réus alegar que o contrato de arrendamento cessou no dia 30/04/2018, sendo que o documento assinado pelos Autores e Primeiros Réus intitulado de “aditamento a contrato de arrendamento para habitação com duração limitada” traduz-se num novo contrato/ acordo e não numa renovação do contrato ao qual estes se assumiram como fiadores.

Ora, não assiste razão aos Segundos Réus, porquanto o que foi assinado foi, de facto, uma renovação ao contrato de arrendamento, como, aliás, se encontra expresso no próprio documento no ponto 1, alínea a), onde se diz “o contrato é renovado pelo período de 14 meses” (facto provado n.º 6).

Mais afirmam os Segundos Réus que não podem ser responsáveis pelas obrigações que advêm do “aditamento” porque não foram informados do mesmo (facto provado n.º 12).

Não assiste, novamente, razão aos Segundos Réus, uma vez que resulta do próprio contrato assinado por estes que os fiadores são solidariamente responsáveis pelo “cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos e renovações até efetiva restituição do locado devoluto de pessoas e bens”, tendo inclusivamente acordado que a fiança persistiria “ainda que haja alterações de renda” (facto provado n.º 10), não existindo nenhuma norma imperativa que prevaleça sobre a liberdade de estipulação das partes.

De facto, antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, encontrava-se em vigor o artigo 655.º, n.º 2 do Código Civil que estipulava que a fiança se extinguia, na falta de nova convenção, logo que houvesse alteração da renda ou decorresse o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação. No entanto, o contrato em questão nestes autos foi celebrado no dia 13/04/2013 (facto provado n.º 2), altura em que esta norma não se encontrava vigente, pelo que nunca se poderia aplicar (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/04/2015, proc. n.º 5429/11.6YYPRT-E.P2, relator: Soares de Oliveira).

Invocam também os Segundos Réus que não são responsáveis pela entrega do locado, uma vez que a fiança não abrange a indemnização prevista no artigo 1045.º do Código Civil, na medida em que a entrega do locado é responsabilidade do arrendatário, nos termos do disposto no artigo 1038.º, alínea i) do Código Civil.

Ora, no contrato celebrado, os Segundos Réus assumiram solidariamente com os Primeiros Réus “o cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos e renovações até efetiva restituição do local devoluto de pessoas e bens” (facto provado n.º 10), pelo que a sua argumentação não merece acolhimento.”.

Adiante-se, desde já, que este juízo tecido pelo Tribunal recorrido, não nos merece qualquer reparo.

Com efeito, afrontando a questão de saber se, em face do aditamento subscrito em 30-04-2018, se está perante o mesmo contrato de arrendamento – aquele que foi celebrado em 23-04-2013 – ou por um novo contrato, o Tribunal recorrido respondeu no sentido de que o escrito firmado com data de 30-04-2018 corresponde a uma renovação do contrato primitivo.

Importa neste ponto, caraterizar um ponto que os apelantes parecem olvidar: É que a oposição à renovação expressa pelo autor, por carta remetida ao inquilino – e por este rececionada - datada de 26-10-2017 (doc. 6 junto com a petição inicial), “nos termos e para os efeitos do artigo 1097.º do Código Civil”, corresponde à vontade de não renovação do contrato de arrendamento para o termo do prazo correspondente, que, nos termos dessa missiva, foi fixado para 30 de abril de 2018, “respeitando o período de pré-aviso legal”, que resultava desse normativo.

Sucede que, como se viu, nessa data – 30-04-2018 – os autores e os 1.ºs. réus firmaram o documento a que se refere o doc. 3 junto com a petição inicial, intitulado “ADITAMENTO A CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO COM DURAÇÃO LIMITADA”, onde, mencionando que o prazo do contrato de arrendamento – previsto na cláusula 2.ª – cessaria nessa data (cfr. ponto 1 do aditamento) – consideram “o contrato” renovado por 14 meses, com início a 01-05-2018, nos demais termos aí descritos.

Como interpretar o sentido desta “renovação”?

No que concerne à interpretação da declaração negocial, rege o artigo 236.º do CC, onde se dispõe que:

“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”

“A regra estabelecida no nº 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).

(...) O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.

(...) A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.” (assim, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. 1º, p. 233).

O declaratário normal deve ser uma pessoa com “razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas fixando-a na posição do real destinatário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este conheceu concretamente e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo” (assim, Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico; Almedina, 1995, p. 208).

Conforme refere, Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português l, Parte Geral, Tomo l, 1999, pp. 478-479): “A doutrina actual encara a interpretação do negócio jurídico como algo de essencialmente objectivo; o seu ponto de incidência não é a vontade interior: ela recai antes sobre um comportamento significativo (…) tem de ser temperada com o princípio da tutela da confiança (…) “entendemos que a interpretação do negócio deve ser assumida como uma operação concreta, integrada em diversas coordenadas. Embora virada para as declarações concretas, ela deve ter em conta o conjunto do negócio, a ambiência em que ele foi celebrado e vai ser executado, as regras supletivas que ele veio afastar e o regime que dele decorra”.

Já o artigo 237.º do CC estabelece que, para os casos duvidosos, prevalece, nos negócios onerosos, o sentido da declaração que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

E, relativamente aos negócios formais, quer seja legal ou voluntária a forma adotada, estabelece o artigo 238.º do mesmo Código que: “1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”.

Conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-11-92 (in BMJ 421.º, p. 364):

“O Código Civil acolheu no artigo 236º, n.º 1, a chamada “teoria da impressão do destinatário”. Segundo essa teoria, a declaração negocial deve ser interpretada com o sentido que um declaratário normal possa deduzir do comportamento do declarante. Mas, segundo o n.º 2 daquele artigo, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é esta que prevalece ainda que haja divergência entre ela e a declarada, resultante da aplicação da teoria da impressão do destinatário”.

Assim, privilegia-se “o sentido objectivo da declaração negocial temperado por um elemento de inspiração subjectivista: aquele sentido deixa de prevalecer quando não possa razoavelmente ser imputado ao declarante (n.º 1, “in fine”). O mesmo sentido objectivo igualmente é inatendível quando não coincida com a vontade real do declarante e esta seja conhecida do declaratário (n.º 2). Assim, a interpretação das declarações negociais não se dirige, salvo no caso do artigo 236º, n.º 2, a fixar um facto simples – o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração –, mas o sentido jurídico, normativo, da declaração” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-02-1988, in BMJ 374.º, p. 436).

Sobre saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação, refere Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., Coimbra Editora, Maio 2005, p. 446 e ss.) que:

“De acordo com o critério propugnado, quanto ao problema do tipo do sentido negocial decisivo para a interpretação, também aqui se deverá operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta.

A título exemplificativo, Manuel de Andrade referia “os termos do negócio”; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar, devendo prevalecer sobre os usos gerais ou especiais (próprios de certos meios ou profissões), etc.”.

Ora, por via das disposições legais referidas, o declaratário normal do “aditamento”, colocado na posição do declaratário real, deduziria dos termos nele consignados que as partes que o outorgaram pretenderam manter e continuar a relação arrendatícia que então vigorava.

Ou seja: Por via da referida estipulação contratual de 2018, a relação jurídica de arrendamento – que se extinguiria, por denúncia ou oposição à renovação (sobre a equivalência das duas figuras, vd., Pedro Romano Martinez; Da Cessação do Contrato; Almedina, 2005, p. 61) na data de 30-04-2018, por via da oposição à renovação do contrato de arrendamento por iniciativa do senhorio (expressa na missiva remetida em outubro de 2017) – manteve a sua plena vigência, nos novos termos contratados em 2018, tudo se passando como o novo texto se integrasse no modelo contratual estipulado em 2013, com as condições alteradas por via do mencionado “aditamento”.

E, para além destes termos que se afiguram objetivos em face do que consta do texto do “aditamento”, certo é que, também se pode afirmar, sem margem para dúvidas, que foi essa a plena intenção dos subscritores do “aditamento”.

Tal resulta inequívoco de diversos fatores, também eles objetivados: A utilização da expressão “aditamento” para definir o modelo contratual adotado em 30-04-2018 (conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-12-2013, Pº 31/12.8TBCBR.C1, rel. ARLINDO OLIVEIRA, “a designação de “Aditamento” inculca a ideia de que se está no âmbito do contrato inicialmente celebrado (…) e não de um novo contrato (…). o aditamento não configura um novo contrato, mas apenas e tão só uma alteração do mesmo”); a alusão – no proémio e nos pontos 1 e 2 do aditamento – ao previsto no contrato de arrendamento e a remessa para tal texto contratual; a utilização das seguintes expressões, que inculcam a vontade de manter a inicial relação jurídica de arrendamento e de nela integrar o acordado em 2018: “mediante o presente aditamento, que passa a ser parte integrante do contrato de arrendamento”; “outorgado no dia 23.04.2013”; “(…) são introduzidas as seguintes alterações”; “1. (…) O contrato é renovado…”.

Não impressionam os argumentos expendidos pelos apelantes em sentido contrário (de que foi firmado um “novo contrato”):

- A circunstância de ter sido estabelecida, por via do arrendamento, uma renda quantitativamente diferente não releva, uma vez que à relação jurídica dos autos não é aplicável o revogado artigo 655.º do CC (objeto de revogação pela Lei n.º 6/2006, de  27 de fevereiro) e, aliás, no caso, nos termos consignados na cláusula 14.ª do documento datado de 23-04-2013, foi referido que a garantia aí estabelecida se manteria “ainda que haja alterações da renda” então fixada;

- A invocação de que foi posto termo ao arrendamento, na data de 30-04-2018, também não se comprova, pois, como se viu, não se chegaram a produzir os efeitos de extinção da relação de arrendamento decorrentes do envio da comunicação de oposição à renovação de tal contrato, efetuada pelo senhorio em outubro de 2017;

- O mero estabelecimento de condições diversas das originais - a) A duração ora era de 14 meses, b) Cláusula de caducidade, pois não era renovável. c) O valor da renda sofreu um aumento de mais 100€ (cem euros) – não descarateriza a função do “aditamento” contratual estipulado (não bastando por si só, para concluir que é outra a relação jurídica, a circunstância de tais elementos terem sido objeto de alteração, nem se inferindo – ao invés do invocado pelo apelante JFP - que um “aditamento” deva contemplar apenas uma dessas alterações e não todas elas, podendo, apesar disso, ainda se estar perante um elemento contratual que se integra numa relação contratual pré-existente; e

- A ausência de “alusão expressa e inequívoca” de que “a carta enviada” em outubro de 2017 ficava sem efeito/dada como não escrita por via do aditamento, não tem algum relevo, pois, não se tendo extinguido a relação contratual que vigorava, a subscrição de um “aditamento” dando continuidade ou renovando a relação firmada determina, quanto à oposição à renovação do arrendamento, um contrário consenso (figura que se distingue da desvinculação por outras causas – cfr. Ac. do STJ de 29-01-2004, Pº 04B2545, rel. OLIVEIRA BARROS), ou seja, um acordo de vontades que, de harmonia com o disposto no artigo 406.º, n.º 1, do CC, se opõe e sobrepõe à produção de efeitos decorrente de tal manifestação de oposição que, nessa medida, não os faz operar, tornando assim desnecessária qualquer outra alusão, para além das que constam do mencionado aditamento e que inculcam nesse sentido: a integração das alterações decorrentes do aditamento no contrato de arrendamento de 2013 e a alteração do prazo do contrato “cuja cessação operaria na presente data”.

Parece-nos que o elemento distintivo entre um autónomo negócio jurídico e o estabelecimento de um aditamento ou de uma relação negocial que ainda se integra numa relação jurídica pré-existente segue os mesmos termos em que se opera a qualificação de um determinado negócio jurídico, sendo relevante a interpretação de diversos índices ou termos em que a declaração negocial se estrutura, como sejam a sua função, o seu fim, o “nomen” dado pelas partes, o respetivo objeto, a contrapartida, a configuração, o sentido, as qualidades das partes e a própria forma do contrato adotada (segue-se a classificação elencada, a respeito dos “índices do tipo” contratual por Pedro Pais de Vasconcelos; Contratos Atípicos; Almedina, 2002, p. 116).

Considerando estes elementos ou termos – designadamente, a função de manter o vínculo contratual, o fim de continuar, no tempo e nas demais condições acordadas, a relação jurídica de arrendamento antes firmada, o “nomen” – “aditamento” – correspondente à finalidade e à função estabelecidas e o objeto compatível com tais desideratos - , não pode deixar de se qualificar o “aditamento” celebrado em 2018, como ainda fazendo parte integrante da relação jurídica de arrendamento estabelecida em 2013.

Soçobra o que, em contrário, é invocado pelos apelantes/2.ºs. réus.

Tal decaimento abrange as demais considerações por si expendidas.

Assim sucede, também, no que respeita à invocada ausência de responsabilidade dos fiadores pelas obrigações decorrentes do “aditamento” em razão da circunstância de não terem sido informados do mesmo.

Tal ausência de informação foi apurada, conforme resulta do facto provado n.º 12).

Entende a apelante ES que: “Só com o conhecimento da existência desse “aditamento” e dos termos desse documento é que (…) se poderia defender e até evitar o incumprimento por parte dos inquilinos, promovendo o pagamento atempado das rendas e a entrega do locado no final do prazo estipulado (…). A constituição em mora do arrendatário não depende de interpelação judicial, por estar em causa uma obrigação com prazo certo (art.º 805º nº 1 e 2, al. a) do C. Civil), ao contrário, a constituição em mora por parte do fiador depende, nos termos gerais, de interpelação, já que aquele, em regra, poderá nem saber que o arrendatário deixou de cumprir. O mesmo se dirá relativamente à responsabilização do fiador relativamente à entrega do locado. Se a responsabilização do fiador pela mora, fundada no não pagamento das rendas, depende de interpelação, a responsabilidade dos fiadores relativamente aos locatários, só em casos muito particulares, poderá abranger a indemnização a que se reporta o nº 2 do art.º 1045º do C. Civil. É que o fiador, não tem meios para, coercivamente, impor ao arrendatário a desocupação do locado”.

Conforme resulta da cláusula 14.ª do documento firmado em 23-04-2013, os 2.ºs. réus assumiram responsabilidade solidária pelo cumprimento pelos 1.ºs. réus, “de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos e renovações”, pelo que, na decorrência do expresso nas considerações precedentes, movendo-nos no “aditamento” firmado em 2018, ainda, no âmbito da mesma relação jurídica de arrendamento, as garantias prestadas em 2013 são, em princípio, vinculantes e subsistentes no período temporal em que as alterações decorrentes de tal “aditamento” vigora.

Tal só não sucederia se se comprovasse alguma situação que pudesse ter determinado a liberação ou a extinção da fiança (cfr. artigos 648.º e 651.º a 654.º do CC).

Ora, não se apurou alguma situação que tenha determinado a liberação dos fiadores ou a extinção da fiança, garantia que se mantinha na data de 30-04-2018.

É certo que, nessa data, por força da subscrição do aditamento, as responsabilidades potencialmente decorrentes para os fiadores, em razão do contrato de arrendamento, aumentaram, tornando a fiança mais onerosa, porque, desde logo, foi aumentado o quantitativo da renda.

Contudo, não se comprovou qualquer circunstância que determinasse uma manifestação de vontade dos fiadores na liberação da fiança, nem, igualmente, cessou a garantia pessoal que assumiram no contrato que se manteve em vigor.

Mas, os termos da assunção da obrigação, expressa na cláusula 14.ª, colocam de lado a objeção levantada pelos apelantes no sentido de lhes dever ser comunicado o teor do “aditamento”.

Na realidade, a exigência de tal conhecimento não está expresso no teor contratual, que se basta, para a manutenção da responsabilidade dos fiadores, com a ocorrência de renovações ou aditamentos contratuais, que não alteram o âmbito e a perenidade da garantia prestada.

A circunstância de em tal cláusula ser estipulado que a fiança garantia “o cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos e renovações”, subsistindo ainda que “haja alterações da renda” “e mesmo depois de decorrido o prazo de dois anos” não determina que, para os fiadores se vincularem a posteriores alterações contratuais, firmadas entre o arrendatário e o senhorio, tivessem que delas ter prévio conhecimento. Trata-se de uma condição inexistente e, que, com a estipulação consignada na cláusula 14.ª se procurou arredar.

Aliás, na fase de vigência da fiança, após a sua prestação, se é certo que, se tem considerado que existe um “pleno dever de informação do fiador a cargo do mandante [devedor]”, dever que abrange “não só as características da operação a afiançar mas também o estado do seu património e resulta da específica relação contratual assumida” (assim, Januário Gomes; Assunção Fidejussória de Dívida – Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Coleção Teses, Almedina, 2000, p. 579), tem sido referida, na doutrina alemã, a inexistência de um dever de informação por parte do credor: “O credor não tem que informar o fiador “sobre o andamento da situação patrimonial do devedor (…). Um tal dever só é de afirmar num âmbito limitado de situações em que tenha ocorrido um essencial pioramento da situação económica do devedor, desde que “o fiador claramente não possa ser detentor de determinadas informações”; só nesse apertado âmbito – de “de conhecimento positivo de um déficit de informação do fiador “ – é que será possível ao fiador responsabilizar o  credor por violação positiva do contrato”, reconhecendo-se que, no direito português, o problema depende da posição que se tome em sede do benefício da liberação, consagrado no artigo 638.º, n.º 2, do CC (assim, Januário Gomes; Assunção Fidejussória de Dívida – Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Coleção Teses, Almedina, 2000, pp. 592-593), situação que, igualmente, não se coloca relativamente ao caso em apreço.

De todo o modo, a questão da alteração do montante da renda encontrava-se, aliás, salvaguardada já na estipulação constante da cláusula 14.ª, abrangendo o que resultasse dos aditamentos ou renovações contratuais, sem que se configure que devesse ocorrer alguma informação aos 2.ºs. réus a este respeito.

O mesmo se diga relativamente ao prazo do contrato, assumindo-se, na mencionada cláusula, a manutenção da garantia, ainda que, a mesma, perdurasse por mais de 2 anos.

É certo que, o precedente artigo 655.º, n.º 2, do CC estipulava que a fiança se extinguia, na falta de nova convenção, quando houvesse alteração de renda ou decorresse o prazo de 5 anos sobre o início da primeira prorrogação e, bem assim, que, apesar de tal revogação pelo NRAU, o regime relativo à fiança do arrendatário nele previsto continua a aplicar-se às declarações de fiança anteriormente prestadas, designadamente quanto à duração da garantia (assim, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-03-2014, Pº 5429/11.6YYPRT-C.P1.S1, rel. ABRANTES GERALDES; o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-05-2014, Pº 1232/11.1TBCSC-A.L1-2, rel. TERESA ALBUQUERQUE; o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Pº 3450/10.0TJVNF.G1, rel. JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS; e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-05-2018, Pº 5896/17.4T8LSB.L1-6, rel. CRISTINA NEVES).

Contudo, conforme bem se refere na decisão recorrida, “o contrato em questão nestes autos foi celebrado no dia 13/04/2013 (facto provado n.º 2), altura em que esta norma não se encontrava vigente, pelo que nunca se poderia aplicar (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/04/2015, proc. n.º 5429/11.6YYPRT-E.P2, relator: Soares de Oliveira)”.

Na realidade, a fiança prestada nos moldes operados nos autos no âmbito de contrato já celebrado no âmbito do NRAU, tendo-se a garantia prestada configurado em “extensão máxima” nos termos supra apontados, não se afigura que o revogado artigo 655.º do CC seja obstáculo à responsabilização dos fiadores.

De facto, a fiança prestada pelos 2.ºs. réus, dirigida a obrigações futuras, não é nula ou inválida, sendo determinável a obrigação do fiador– determinabilidade que exigia que, no momento de prestação da fiança, se “prefigure o tipo, o montante e a medida do seu compromisso e, consequentemente, se conheça o critério ou critérios indispensáveis para delimitar o limite desse seu compromisso” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Pº 3450/10.0TJVNF.G1, rel. JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS) - o respetivo objeto e extensão das obrigações assumidas, por referência à relação contratual firmada (não se acolhendo o entendimento expresso pelo apelante JFP, ao citar o expendido no Acórdão do TRL de 31-01-2012, Pº 1979/09.2TBTVD-A.L1-1, rel. RIJO FERREIRA).

Por outro lado, a referida garantia manteve-se activa, não tendo cessado, sendo que, o contrato não deixou de produzir efeitos (ainda que o aditamento tenha sido realizado sem intervenção dos fiadores, não se alteraram os termos da garantia, que continuou a ter por objeto a obrigação afiançada, assumida pelos arrendatários), nem, por outra parte, os fiadores fizeram uso, como poderiam, do mecanismo contido no artigo 654.º do CC, não tendo ocorrido liberação do fiador, que sempre dependeria de ato jurídico de iniciativa dos fiadores nesse sentido, não se tendo também extinto a obrigação garantida, apesar de, por força do aditamento contratual, ter sido reconfigurada em moldes diversos dos iniciais.

Alega, todavia, a recorrente ES que:

“A responsabilidade do fiador, em situações como a presente, em que aquele se comprometeu, no contrato de arrendamento celebrado em 23-04-2013, a garantir as obrigações do arrendatário perante o senhorio até à entrega do locado, respeitam à renda em singelo até à efectiva desocupação e entrega (cfr. Acórdão do STJ de 9.11.1999 – proc. nº 99A668), mas não pode abarcar a responsabilidade pelo incumprimento na devolução, excepto se se provasse que o próprio fiador, pessoalmente, contribuíra ou colaborara na demora da restituição, o que os factos provados, no caso não demonstram.  , com uma nova renda e por não ter tido conhecimento do mesmo, fosse por que meio fosse, não podendo por isso promover o seu cumprimento e evitar os prejuízos daí decorrentes como sejam o pagamento de juros, indemnização e despesas judiciais.”.

Ora, começando por esta última objeção, a mesma não é procedente.

Desde logo, não se divisa que a fiança em questão estivesse condicionada à demonstração de que o fiador tivesse contribuído pessoalmente para a demora na restituição do locado. Trata-se de aspeto que não se encontra salvaguardado na previsão contratual estabelecida entre as partes.

Mas, por outro lado, atentos os termos da aludida cláusula 14.ª, verifica-se que o âmbito da obrigação dos fiadores foi assumido “até efetiva restituição do local devoluto de pessoas e bens”.

Os fiadores assumiram, pois, também a obrigação de custódia ou de restituição sobre o locado, que incumbia aos arrendatários, vinculando-se às consequências desfavoráveis decorrentes do atraso ou no protelamento de tal restituição.

Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-03-2018 (Pº 43/14.7T8PFR.P1, rel. CARLOS QUERIDO), “face à natureza e o âmbito de vinculação da garantia prestada por fiança no contrato de arrendamento, a responsabilidade do fiador molda-se, salvo estipulação em contrário, pela do devedor principal, abrangendo tudo aquilo a que este se encontra obrigado: não só a prestação devida mas também as consequências da mora, nomeadamente no que se refere à indemnização prevista no n.º 1 do art.º 1041.º do Código Civil. A manifesta situação de ‘risco’ e de ‘debilidade’ da posição do fiador deverá ser colmatada com uma atitude de diligência vigilante da sua parte, informando-se junto do afiançado sobre o pontual cumprimento das prestações (rendas), a fim de evitar surpresas quando ocorre um incumprimento ainda que temporário (mora) suscetível de gerar responsabilidades que não recaem apenas na esfera jurídica do afiançado mas também na do fiador”.

Mas, afigura-se-nos que, no caso, a responsabilidade dos 2.ºs. réus, abarca, de facto, também a indemnização a que se reporta o artigo 1045.º do CC, regulação normativa que tem espelho no texto contratual, na cláusula 13.ª.

E, na realidade, conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-10-2022 (Pº 4433/17.5T8LSB.L1-2, rel. INÊS MOURA), “a responsabilidade do fiador perante o senhorio pela indemnização da responsabilidade do inquilino correspondente ao valor da renda em dobro por cada mês de atraso na entrega do locado, integra-se no âmbito do art.º 634.º do C.Civil, podendo no entanto ser afastada pelas partes”.

Na situação em apreço – onde a fiança se estende até à obrigação de efetiva restituição do local devoluto – congrega-se um âmbito de vinculação dos fiadores mais vasto do que aquele que foi objeto do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-09-2022 (Pº 8520/20.4T8PRT-B.P2.S1, rel. VIEIRA E CUNHA), onde se concluiu que, “tendo os fiadores se comprometido perante “obrigação emergente do contrato, seus aditamentos e prorrogações”, e pelo critério interpretativo assumido, interpretação estrita e in dubio pro fideiussore, a dita obrigação dos fiadores é de considerar ter pressuposto sempre que o arrendamento não estivesse findo, não abrangendo a indemnização devida pela arrendatária, face ao atraso na restituição do locado”.

De facto, de acordo com o termo de fiança a que se referiam tais autos, a prestação de fiança pelos aí fiadores envolvia a assunção solidária “como principais pagadores de todas as obrigações emergentes do referido contrato, mesmo para além dos cinco anos do prazo do contrato, renunciando ao benefício de excussão prévia”, sem alguma referência ao momento da efetiva restituição do locado aos senhorios.

Assim, a doutrina deste aresto não nos parece colher no caso em apreço.

De facto, ao invés de tal situação, no caso dos autos, os 2.ºs. réus “assumiram solidariamente com os Primeiros Réus “o cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos e renovações até efetiva restituição do local devoluto de pessoas e bens” (cfr. facto provado n.º 10), tendo garantido, igualmente, o bom cumprimento da obrigação – primacialmente a cargo do arrendatário (cfr. artigo 1038.º, al. i) do CC) - de entrega do imóvel ao locador, mesmo após a cessação contratual (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-09-2015, Pº 2411/12.0TVLSB.L1-6, rel. MARIA MANUELA GOMES, onde se concluiu que, “estipulado que o fiador se obrigou a garantir o pagamento de todas as quantias que viessem a ser devidas pela inquilina à senhoria por virtude de contrato de arrendamento, até à entrega efectiva do locado, está aquele obrigado a pagar tais quantias, a título de renda ou equivalente, não obstante a resolução do contrato”), aspeto que foi consignado no contrato subscrito pelos fiadores, no âmbito da autonomia de vontade dos contraentes.

A obrigação pessoal e solidária prestada pelos 2.ºs réus, em garante do cumprimento contratual do arrendatário, subsiste mesmo após o termo do contrato, mantendo-se a ocupação indevida do locado (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2020, Pº 11006/14.2T8LSB-B.L1-7, rel. ISABEL SALGADO).

Em síntese, podem resumir-se as considerações precedentes, no seguinte: Tendo os fiadores subscrito o contrato de arrendamento, no qual assumiram solidariamente com os arrendatários, “o cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos e renovações até efetiva restituição do local devoluto de pessoas e bens, pelo que declaram que a fiança que acabam de prestar subsistirá ainda que haja alterações da renda agora fixada, e mesmo depois de decorrido o prazo de dois anos”, a ulterior subscrição de aditamento ao contrato - subscrito apenas pelos senhorios e pelos arrendatários - , onde se alteraram as condições de renda, de prazo e os termos de cessação do contrato e por via do qual deixou de produzir efeitos a oposição à renovação do contrato de arrendamento a que o senhoria tinha previamente dado execução - mantendo-se o contrato de arrendamento -, não exime os fiadores de pagarem rendas que não foram pagas e as quantias indemnizatórias decorrentes do atraso na entrega do locado, dado que, tais responsabilidades, embora assumidas em “extensão máxima”, são determináveis em face da obrigação que assumiram, tanto mais que, na fiança, foi desconsiderada a relevância para a responsabilidade dos fiadores, das alterações introduzidas em face do aditamento subscrito.

Considera, todavia, o apelante JFP – citando, em abono dessa conclusão, jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (reportada ao Ac. de 05-07-2007, Pº 0164A/04, rel. SÃO PEDRO) - que a decisão recorrida, na medida em que responsabiliza os fiadores como responsáveis perante os autores, atenta contra os princípios da confiança e da segurança jurídicas.

Nas conclusões de recurso, expendeu o aludido apelante, nomeadamente, que:

“(…) I. O recorrente não pode aceitar ser responsabilizado por algo que desconhecia existir, designadamente este novo contrato de arrendamento, pois que o contrato de arrendamento inicial já havia terminado pela denuncia comunicada pelos AA.

J. O contrato inicial foi denunciado por falta de pagamento das rendas por parte dos primeiros RR., sendo esse valor de renda pago pelos segundos RR.

K. E em momento posterior, sem que nada o fizesse prever, e sem conhecimento e/ ou intervenção do Recorrente foi celebrado um novo contrato, com outro valor de renda, uma duração de 14 meses, e a estipulação do não renovação do mesmo.

L. Ora é entendimento que impor ao recorrente suportar o pagamento, e regime de solidariedade com os primeiros RR., no valor das rendas em atraso, no atraso da entrega do imóvel, é completamente violador dos princípios da confiança jurídica e da segurança jurídica, consagrados no nosso ordenamento jurídico.

M. Pois o que é pedido ao recorrente é que pague o desconhecia ter assumido o risco.

N. Mais como será possível requerer ao Recorrente o pagamento do valor das rendas até a entrega do locado, se este desconhecia que o imóvel se encontrava arrendado?

O. Desconhecendo o Recorrente as condições em que o contrato fora realizado, e as clausulas negociais estipuladas pelos AA., e primeiros RR.?

P. O Recorrente entende por isso que a sentença recorrida atenta o princípio da proteção jurídica, e da confiança, sendo estes princípios basilares do nosso ordenamento jurídico.

Q. Aceitar como válida esta imposição ao recorrente como fiador, é criar um precedente de qualquer e toral proteção no nosso sistema. É aceitar que se aceitar ser fiador, tudo pode ser negociado a sua revelia e terá que aceitar e hipotecar a sua liberdade.

R. Basta analisar o percurso realizado jurisprudencialmente no que atinente aos juros por incumprimento, e a exigência da sua comunicação para poder ser exigido ao fiador o pagamento de juros.

S. Ora é um contrassenso exigir a interpelação ao fiador do incumprimento para calculo de juros, mas nada exigir para a negociação de um novo contrato de arrendamento a coberto da denominação de ““Aditamento a Contrato de Arrendamento para Habitação com Duração Limitada”, no qual o Recorrente não interveio e desconhecia a sua existência, e após isso a não entrega do locado, que o Recorrente desconhecia que se encontrava arrendado e que uma clausula de caducidade (…)”.”.

Com arrimo no princípio constitucional do Estado de Direito democrático (cfr. artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), consideram-se que firmam tal princípio, elementos como o caráter restritivo das restrições a direitos, liberdades e garantias, a separação e interdependência de poderes, a reserva aos tribunais da função jurisdicional, o exercício do poder político com sujeição à Constituição, a responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas e, bem assim, os princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva dos direitos e a segurança jurídica.

Conforme salientam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada; Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2010, p. 102), “a segurança jurídica reconduz-se a protecção da confiança, tal como a jurisprudência a tem interpretado. Os cidadãos têm direito à protecção da confiança, da confiança que podem pôr nos actos do poder político que contendam com as suas esferas jurídicas. E o Estado fica vinculado a um dever de boa fé (ou seja, de cumprimento substantivo, e não meramente formal, das normas e de lealdade e respeito pelos particulares.

Não é apenas a Administração pública que lhe está sujeita (…). É o Estado e são quaisquer entidades públicas, em todas as actuações”.

Conforme concretizam os referidos Autores (ob. cit., p. 103) a segurança jurídica traduz-se na satisfação de exigência de:

“- Certeza, como conhecimento exacto das normas aplicáveis, da sua vigência e das suas condições de aplicação;

- Compreensibilidade, como clareza das expressões verbais das normas e susceptibilidade de compreensão pelos seus destinatários médios;

- Razoabilidade, como não arbitrariedade, adequação às necessidades colectivas e coerência interna das normas;

- Determinabilidade, como precisão, suficiente fixação dos comportamentos dos destinatários, densificação de conteúdo normativo;

- Estabilidade, como garantia de um mínimo de permanência das normas, por uma parte, e garantia de actos e de efeitos jurídicos produzidos, por outra parte;

- Previsibilidade, como susceptibilidade de se anteverem situações futuras e susceptibilidade de os destinatários, assim, organizarem as suas vidas”.

Em paralelo com o princípio da segurança jurídica, encontra-se o princípio da confiança, segundo o qual, “a ordem jurídica terá de prescrever ao sujeito que corresponda a certas expectativas alheias realmente verificadas (ou de proibir que as defraude)” (assim, Manuel Carneiro da Frada; Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2007, p. 385).

Trata-se de princípio que regula toda a ordem jurídica, não só o Estado, como também os particulares (com particular enfâse no Direito dos Contratos, onde a protecção da confiança implica que, “haja uma situação (objectiva) de confiança justificada (…) imputável àquele em quem se confia”, num quadro de relação com os “princípios e (…) valores ínsitos na ideia de direito” - assim, Nuno Manuel Pinto Oliveira; Princípios de Direito dos Contratos; Coimbra Editora, 2011, p. 178).

Conforme refere o mesmo Autor (ob. e loc. cits.), “[o] aplicador do direito deve atender a todas as circunstâncias do caso relevantes para a aplicação do princípio da confiança, “averigua[ndo] se existe efectivamente uma ‘necessidade ético-jurídica’ de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta – com os ditames da boa fé em sentido objectivo. Entre os casos em que há uma necessidade ético-jurídica de impedir a conduta contraditória encontram-se aqueles em que alguém tenha reclamado a confiança de outrem para a frustrar e aqueles em que alguém disponha da sua pessoa, da sua propriedade e do seu património por causa da situação de confiança e outrem o saiba, ou deva saber, e nada faça para o evitar”.

Ora, encarada a questão sob a perspetiva de ambos os ditos princípios, certo é que, não se verificam condições para se concluir que algum deles tenha sido defraudado em face do decidido na sentença recorrida.

Desde logo, carece de sustentáculo a afirmação de que o apelante “desconhecia o novo contrato de arrendamento”/que o imóvel estava arrendado.

Na realidade, como se viu, apurou-se que o contrato de arrendamento firmado com intervenção dos fiadores/2.ºs. réus se manteve em vigor até depois da subscrição do aditamento contratual, onde aqueles não tiveram intervenção.

Não pode, pois, dizer-se – com a demais fundamentação já supra expendida – que, em maio de 2018, foi celebrado um “novo contrato de arrendamento”, dado que, o contrato de 2013 não deixou de existir, nem cessou os respetivos efeitos jurídicos.

Não se valida, também, nesta perspetiva, a afirmação do apelante de que não sabia que o imóvel estava arrendado (afirmação que, além do mais, não se mostra temporalmente concretizada, parecendo que o apelante se referirá a momento temporal posterior à subscrição do aditamento contratual).

De acordo com os factos apurados, este elemento não resultou demonstrado, tendo apenas resultado provado que não foi dado conhecimento aos fiadores do documento referente ao “aditamento” ou de incumprimento contratual em momento anterior à citação para os presentes autos.

Não pode o apelante prevalecer-se, assim, de factualidade não demonstrada, sendo certo que, igualmente, não se subscreve o entendimento do apelante de que “o contrato inicial havia terminado pela denúncia”, pelas razões já amplamente expostas.

Finalmente, não colhe a argumentação do apelante no sentido de que, em face da decisão recorrida é-lhe pedido que pague o que desconhecia ter assumido o risco.

Na realidade, a causa da demanda dos fiadores assenta, ainda e apenas, na subscrição da fiança, com a extensão com que tal garantia foi assumida.

Conforme salienta Januário Gomes (Assunção Fidejussória de Dívida – Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Coleção Teses, Almedina, 2000, pp. 118-119):

“O regime da fiança obedece (…) a duas linhas de força – a acessoriedade e o fim de garantia – que se complementam, de algum modo conflituosamente, para a moldagem do regime da fiança: há aspectos cuja explicação radica fundamentalmente na acessoriedade, outros há que só o apelo ao fim da garantia logra explicar. Mas há um terceiro pilar que não pode deixar de ser relevado: a circunstância de a fiança ser um negócio de risco; só ela logra explicar aspectos de regime, tradicionalmente justificados (quando o são) por outros prismas.

Dizer-se que a fiança é um negócio de risco é o mesmo que dizer que é um negócio de perigo para o fiador, maxime nas fianças de amigos, parentes ou conhecidos prestadas por pessoas singulares sem ligação com o exercício duma actividade profissional (…)”.

Ora, a subscrição da fiança pelos 2.ºs. réus, constituindo embora um negócio de risco, respeitando à garantia relativamente a obrigações futuras (face ao momento em que foi assumida), mostra-se, como se viu, determinável, atento o objeto da obrigação assumida, sendo que, não obstante os amplos termos em que tal assunção teve lugar, não se pode dizer que frustrou a segurança jurídica ou a confiança, a circunstância de, na sentença recorrida, se ter reconhecido a vigência da responsabilização dos mencionados réus, enquanto fiadores, relativamente ao tempo pelo qual o contrato de arrendamento durou.

Como se referiu, a alteração das obrigações assumidas pelos arrendatários, não se quadra numa frustração desta confiança, mas, pode encontrar-se ainda, para responsabilização dos fiadores, o extenso âmbito com que a garantia pessoal foi assumida por estes.

É certo que, como se viu, pelo menos, no que respeita ao montante da renda – com reflexo nos valores que são exigidos em face dos fiadores – o aditamento alterou o respetivo montante para mais, onerando a potencial responsabilidade dos fiadores. O mesmo sucedeu com a alteração do prazo do contrato e com as condições de cessação previstas para a relação de arrendamento.

Contudo, a alteração e a correspondente oneração da responsabilidade dos fiadores não afetou a validade e a manutenção das obrigações assumidas que, qualitativamente, permaneceram.

As consequências das alterações contratualmente introduzidas ao arrendamento por força da subscrição do aditamento, poderiam ser debeladas e tuteladas pela possibilidade de os fiadores desencadearem a liberação da fiança ou outros meios jurídicos tendentes à promoção da extinção da garantia assumida. Tal não sucedeu, não tendo os 2.ºs. réus promovido o recurso a tais meios. Isso apenas lhes é imputável, sem qualquer defraudação da confiança ou da segurança jurídicas exigíveis no caso, que a decisão recorrida mantém incólume.

Em suma: A alteração das obrigações assumidas pelos arrendatários na decorrência do aditamento contratual referido, encontrando-se ainda – atento o extenso âmbito com que a garantia pessoal foi assumida pelos fiadores - fundamento para a demanda dos garantes, inserindo-se, as obrigações cujo pagamento foi reclamado pelos autores, ainda, no espectro de vinculações que, em sede da subscrição que efetuaram, os 2.ºs. réus assumiram e com que poderiam contar, sem frustração dos princípios da confiança ou da segurança jurídica.

Assim, de acordo com o exposto, conclui-se que a responsabilidade dos 2.ºs. réus não cessou em 30-04-2018, sendo os mesmos responsáveis pelo cumprimento das obrigações afiançadas mesmo após tal data, sem que, daí decorra alguma violação dos aludidos princípios da confiança e da segurança jurídicas.

*

A apelação improcederá, com manutenção, na íntegra, da decisão recorrida.

*

De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.

Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.

Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.

Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária inerente incide, in totum, sobre os réus/apelantes, que decaiu, para este efeito, integralmente – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC – sem prejuízo do apoio judiciário de que, os mesmos, presentemente, gozam.

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5. Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

Custas da apelação pelos réus/apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário de que, presentemente, beneficiam.

Notifique e registe.

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Lisboa, 2 de março de 2023.

Carlos Castelo Branco

Orlando dos Santos Nascimento

João Miguel Mourão Vaz Gomes