Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8609/15.1T8SNT.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Tendo o contrato de locação financeira findado por resolução, por falta de pagamento de rendas, é o locador que viu defraudada a expectativa de que os locatários adquirissem o direito de propriedade sobre o imóvel.
- Por isso, quando acciona a providência cautelar de entrega judicial do bem locado, ainda que o valor do imóvel seja superior ao devido pelos requeridos, não actua com abuso de direito.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



I-Relatório:



Tendo em conta o disposto no art.º 304 nº1, 298 nº2, ambos do CPC, fixo o valor da providência cautelar em € 11.690,22.

Assim se procedeu, por inexistir caso julgado formal sobre esta questão em concreto e, ainda por ter ocorrido erro material.
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B..., S.A., com sede ..., pessoa colectiva n.º ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, nos termos do artigo 21º do Decreto Lei nº 149/95 de 24 de Julho, requer contra M... e J..., casados no regime de comunhão de adquiridos, residentes ..., portadores dos bilhetes de identidade n.ºs ... , contribuintes fiscais n.ºs ..., respetivamente, o presente procedimento de entrega judicial.

Como fundamento do seu pedido alega a Requerente, em síntese, que os Requeridos celebraram consigo um contrato de locação financeira imobiliária cujo objecto era a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão com logradouro, do prédio urbano sito na Av.ª 25 de Abril, n.º 37 (antiga Av.ª José Frederico Ulrich, bloco D), descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º 676, da freguesia de Cascais e inscrito na respetiva matriz sob o art.º 2965.

Mais alega que perante o incumprimento reiterado dos requeridos em proceder ao pagamento das rendas acordadas, foi comunicada a resolução do contrato, sem que, contudo, o bem tenha sido entregue.

Não foi dispensada a audição dos Requeridos, os quais apresentaram oposição.

Aceitaram o seu incumprimento, e aceitaram que o Tribunal decretasse a entrega provisória do bem imóvel, porém, manifestaram a sua oposição à entrega definitiva do mesmo.

Os factos apurados.

1) Em 18/12/2003, a Requerente celebrou com a Requerida um contrato de locação financeira n.º 60121, através do qual cedeu, por um prazo de 12 anos, o gozo de uma fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão com logradouro, do prédio urbano sito na Av.ª 25 de Abril, n.º 37 (antiga Av.ª José Frederico Ulrich, bloco D), descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º 676, da freguesia de Cascais e inscrito na respetiva matriz sob o art.º 29650.
2) Naquele contrato foi fixado como valor da locação € 550.000,00, a ser pago pela Requerida em 144 rendas, mensais e antecipadas, sendo a primeira renda no valor de € 175.000,00, liquidada em 01/12/2003.
3) O valor das rendas resultaria da aplicação de uma taxa de referência, correspondente a 3%, para 1ª à 4ª rendas, e à “Euribor a três meses”, acrescida de spread de 0,8%, para as restantes.
4) O valor residual para o exercício da opção de compra do imóvel pela Locatária, no termo do contrato, foi fixado em € 11.000,00.
5) Tendo a Requerente adquirido a fração acima identificada por escritura pública outorgada em 18/12/2003, no 19º Cartório Notarial de Lisboa e procedeu ao registo predial da sua aquisição pela Ap. 13 de 2004/01/14.
6) Ainda em 30/12/2003, a Requerente entregou o referido imóvel à Requerida, destinado a comércio.
7) Posteriormente, em 26/11/2008, as partes celebraram um aditamento ao contrato de locação financeira n.º 60121, mediante o qual procederam à alteração do prazo do contrato para 204 meses (17 anos), com termo em 01/12/2020, passando consequentemente o valor da locação a ser amortizado em 204 rendas, mantendo-se as demais condições em vigor.

8) Sucede que a Requerida, desde Agosto de 2014, deixou de pagar as rendas e encargos devidos no âmbito do contrato em apreço designadamente:
a) 129ª Renda, no valor de € 1.783,19, vencida em 01/08/2014;
b) 130ª Renda, no valor de € 1.783,19, vencida em 01/09/2014;
c) 131ª Renda, no valor de € 1.774,69, vencida em 01/10/2014;
d) 132ª Renda, no valor de € 1.774,69, vencida em 01/11/2014.

9) Pelo que, em 03/11/2014, a Requerente enviou cartas registadas aos Requeridos, interpelando-os ao cumprimento das suas obrigações contratuais, no prazo de 30 dias, conforme estipulado no n.º1, da cláusula 22ª das condições gerais do contrato de locação financeira.
10) Porém, os Requeridos não efectuaram o pagamento das rendas acima indicadas.
11) Acresce que as rendas 133ª e 134ª, no valor de € 1.774,69 e de € 1.768,83, respetivamente, que se venceram em 01/12/2014 e 01/01/2015, também não foram pagas pelos Requeridos, que além disso não liquidaram encargos no valor de € 251,59.
12) Face à dívida acumulada no montante de € 10.690,22, em 19/01/2015, a Requerente enviou aos Requeridos novas cartas registadas, declarando que considerava resolvido o contrato de locação financeira, ao abrigo do n.º 2, da cláusula 22ª das condições gerais, e consequentemente, reclamando a entrega do imóvel locado.
13) A resolução do contrato de locação financeira produziu efeitos em 22/01/2015.
14) Todavia, os Requeridos não restituíram à Requerente as chaves da fração autónoma.
15) A Requerente já logrou obter o cancelamento do ónus da locação financeira na Conservatória do Registo Predial.
16) Contudo, os imóveis em causa permanecem em poder dos Requeridos, contra a vontade da Requerente, com o risco inerente de deterioração e consequente desvalorização.
17) Os requeridos pagaram 128 rendas e encargos no valor que ascende € 413.982,42.
18) Por carta de 9 de Março de 2015, dirigida pelos Requeridos à Requerente, na sequência da comunicação da resolução do contrato com efeitos a partir de 19 de Janeiro de 2015, solicitaram o pagamento das rendas em falta em prestações mensais a partir de Abril.
19) Por carta de 26 de Março de 2015, a Requerente comunicou aos Requeridos que já tendo o contrato sido resolvido por carta remetida no passado dia 19 de Janeiro de 2015, face ao incumprimento reiterado do pagamentos das rendas devidas, não poderiam os mesmo deixar proceder à restituição da fracção autónoma objecto do contrato, adiantando “mais deverão proceder ao pagamento das rendas e encargos em divida, acrescidos de juros de mora vencidos, que ascendem ao montante de € 11.078,96, estando a B... disposta a sustar a apresentação da acção executiva, mediante o pagamento integral daquela quantia em quatro prestações mensais, no valor de € 2.769,74 cada, como inicio no dia 1 de Abril de 2015, e as restantes no primeiro dia dos meses subsequente, conforme solicitado por V. Exas.
20) Por email de 30 de Março de 2015, a pedido dos Requeridos o ora mandatário, respondeu à carta acima aludida ao Ilustre Representante da Requerente, comunicando em síntese o seguinte: - que no caso em concreto verificava-se que a resolução do contrato traria mais vantagens à locadora, (Requerente), do que o cumprimento do mesmo; - que por diligência sua pedisse à Requerente, atentas as dificuldades dos Requeridos, que não poderiam ser “esmagados” pela pressão da credora ainda que lhe assista razão pelo atraso no pagamento das prestações; - para um equilíbrio de interesses iria retomar o pagamento das rendas vincendas, bem como as vencidas com inicio em 15 de Abril, ainda que com os juros que a Requerente entendesse serem-lhe pagos para que não ficasse prejudicada com a mora.
21) Os Requeridos em 15 de Abril de 2015, procederam ao depósito na DO nº 18349 no valor de € 1.800,00, que foi imputado ao pagamento de parte dos juros de mora e da 129ª renda, vencida há mais tempo.
22) A Requerente comunicou que à data de 20/04/2015, que as rendas e encargos vencidos até à data da resolução, (19/01/2015), ascendiam a € 9.311,39.
23) O imóvel locado foi objecto de avaliação em Fevereiro de 2014 tendo-lhe sido atribuído o valor de € 700.000,00.
24) Os requeridos pagaram em 18.05.2015 e 18.06.2015 a quantia global de € 3.600,00, tendo tal valor sido imputado no remanescente da renda 129.ª (vencida em 01.08.2014), no valor da renda 130.ª (vencida em 01.09.2014) e em parte da renda 131.ª (vencida em 01.10.2014).

A final foi proferida esta decisão:

“Em face do exposto e sem necessidade de outras considerações, este Tribunal decide julgar procedente o presente procedimento cautelar e, consequentemente, decide:

- Ordenar a imediata entrega e a título definitivo ao Requerente da fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do- chão com logradouro, do prédio urbano sito na Av.ª 25 de Abril, n.º 37 (antiga Av.ª José Frederico Ulrich, bloco D), descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º 676, da freguesia de Cascais e inscrito na respectiva matriz sob o art.º 2965O.”

Conclusões:

1- Para a hipótese do Tribunal não corrigir e dar indiciariamente por provado as rendas vincendas no valor de € 139.230,79, (o que entendemos que se deveu a manifesto lapso pelas razões expostas), este Venerando Tribunal poderá dar por provado tal facto por existirem no processo elementos que inequivocamente traduzem tal valor ademais documentado pela própria Requerente. Ou, caso assim não se entenda, ordenar a baixa dos autos para a ampliação da matéria de facto, o que só subsidiariamente e por excesso de cautela se coloca.
2- A Primazia da Materialidade Subjacente é o equilíbrio no exercício das posições que conduz a uma melhor articulação do sistema com a periferia permitindo uma interpretação e uma aplicação melhorada da lei.
3- O Desequilíbrio é uma constelação do instituto do abuso de direito que comporta a desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem. O abuso de direito, que dispensa o “animus nocendi”, tem como principal escopo impedir que a estrita aplicação de uma cláusula contratual (in casu), conduza a notória ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.

4- Sendo o valor da locação de €550.000,00;
- Tendo os locatários pago 128 rendas no valor total de € 413.982,42;
- Estando em divida € 139.230,79, (nele se incluindo o valor residual de € 11.000,00);
- Considerando que o bem em causa foi avaliado pela locadora em Fevereiro de 2014 pelo valor de € 700.000,00;
- A locadora ao proceder à resolução do contrato pelo não pagamento de 4 rendas no valor total de € 10.690,22, conhecendo a firme vontade da locatária proceder ao pagamento, mas que naquele momento se encontrava numa situação de necessidade, (que era do seu conhecimento e que rica cliente foi em tempos idos), a sua actuação comporta uma desproporção grave entre o
seu beneficio e o sacrifício imposto ao locatário – o que constitui uma manifesto Abuso de Direito.

5- Estamos em presença de um contrato de locação financeira e segundo o disposto no nº2 do artigo 762º do CC, as partes devem proceder de boa fé, tanto no cumprimento da obrigação como no exercício do direito correspondente;
- Por outro lado, nos termos do artigo334º do mesmo Código, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé.

6- A Requerente locadora nos termos daqueles 2 preceitos procede de modo a alcançar resultado opostos aos que uma consciência, razoável poderia tolerar, impondo sacrifícios intoleráveis à contraparte –in casu aos Requeridos locatários -.

A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, consiste em saber se procedência desta providência cautelar assenta no abuso de direito

Vejamos.

Tendo em conta o disposto no artº 662 nº1 do CPC, em face do teor da decisão impugnada, o  ponto 17 da matéria de facto terá a seguinte redacção:
17) Os requeridos pagaram 128 rendas e encargos no valor que ascende € 413.982,42.
Segundo consta na decisão, o valor ainda devido pelos apelantes é inferior a € 139.000,00.

No que respeita ao abuso de direito.

Como prescreve o artigo 334º do Código Civil é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Há abuso de direito quando, embora exercendo um direito, o titular exorbita o exercício do mesmo, quando o excesso cometido seja manifesto, quando haja uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico-socialmente dominante.

E não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, bastando que os limites tenham sido excedidos de forma nítida e intolerável, não obstante serem
relevantes os factores subjectivos.

O legislador sufragou a concepção objectivista do abuso de direito (que proclama que não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico), o que não significa “que ao conceito de abuso do direito consagrado no artigo 334º sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido”[1]

A figura do abuso de direito surge como uma forma de adaptação do direito à evolução da vida. Serve como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social vigorante em determinada época, evitando que, observada a estrutura formal do poder que a lei confere, se excedam manifestamente os limites que se devem observar tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo.

Para os Professores Pires de Lima e Antunes Varela,[2]A nota típica do abuso do direito reside na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido”.

E Cunha de Sá escreve que “abusa-se do direito quando se vai para além dos limites do normal, do legítimo: exerce-se o direito próprio em termos que não eram de esperar, ultrapassa-se o razoável, chega-se mais longe do que seria de prever”[3]. E, mais adiante, analisando a noção legal de abuso de direito, refere que o mesmo se traduz “num acto ilegítimo, consistindo a sua ilegitimidade precisamente num excesso de exercício de um certo e determinado direito subjectivo: hão-de ultrapassar-se os limites que ao mesmo direito são impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo próprio fim social ou económico do direito exercido[4]

Antunes Varela[5] escreve que “há abuso de direito, segundo a concepção objectiva aceite no artigo 334º, sempre que o titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito. Não basta que o exercício do direito cause prejuízos a outrem. Naturalmente, a reclamação do crédito pelo credor abastado ao devedor em má situação económica será contrária aos interesses deste. O proprietário que constrói, no seu terreno, tirando as vistas ou a luz ao prédio vizinho, também pode prejudicar este. Mas em nenhum dos casos haverá, em princípio, abuso de direito, visto a atribuição do direito traduzir deliberadamente a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com eles conflituantes. Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar. Se, para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade, a consideração do fim económico ou social do direito apela de preferência para os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei. Não pode, em qualquer dos casos, afirmar-se a exclusão dos factores subjectivos nem o afastamento da intenção com que o titular tenha agido, visto este poder interessar, quer à boa fé ou aos bons costumes, quer ao próprio fim do direito”.

Não está em causa a inexistência dos pressupostos do procedimento cautelar especifico para a não entrega dos bens locados em regime de locação financeira, ou sequer a caracterização do contrato como de locação financeira .
[6]

Daí que, atento o quadro conceptual traçado, a conclusão jurídica sobre a verificação da excepção peremptória do abuso do direito em qualquer das suas modalidades deve resultar, naturalmente, da existência de factos provados que a revelem[7].

Por isso, apreciando os factos, vejamos se há lugar a um juízo de censurabilidade sobre a conduta da requerente/apelada.

Porém, importa salientar o seguinte:

Com o contrato de locação financeira não se transmite a propriedade ou qualquer outro direito real sobre a coisa locada; com ele constitui-se, apenas, uma relação jurídica de natureza obrigacional, por via da qual o locador apenas transmite, durante determinado prazo e mediante o pagamento de determinada quantia, o direito de uso e fruição, pelo locatário, da coisa locada, mas com a possibilidade deste, querendo (direito potestativo), a adquirir no final do contrato mediante o pagamento do preço convencionado.

O que existe, pois e tão-só isso, é uma expectativa de aquisição futura do bem por parte do locatário ,conforme tem sido uniformemente aceite.

Até lá, a expectativa consiste, então, na posição que o locatário tem de vir a adquirir nos termos que o contrato lho faculta - no fim do contrato e pelo preço acordado.


Porém, extinto que seja o contrato de locação, mormente por resolução do mesmo por iniciativa do locador com fundamento na falta de pagamento das rendas devidas, sem que tal aquisição se verifique, cessa essa expectativa.

Daí que, só a entrega dos bens abarcados pelo contrato de locação financeira proteja os direitos emergentes para o credor desse contrato específico.

Resta, então saber se podemos retirar da factualidade apurada qualquer facto que obstasse ao decurso desta dinâmica própria das relações contratuais.

Desde Agosto de 2014, deixou de pagar as rendas e encargos devidos no âmbito do contrato em apreço designadamente:

--129ª Renda, no valor de € 1.783,19, vencida em 01/08/2014;
b) 130ª Renda, no valor de € 1.783,19, vencida em 01/09/2014;
c) 131ª Renda, no valor de € 1.774,69, vencida em 01/10/2014;
d) 132ª Renda, no valor de € 1.774,69, vencida em 01/11/2014.

Pelo que, em 03/11/2014, a Requerente enviou cartas registadas aos Requeridos, interpelando-os ao cumprimento das suas obrigações contratuais, no prazo de 30 dias, conforme estipulado no n.º1, da cláusula 22ª das condições gerais do contrato de locação financeira.

Porém, os Requeridos não efectuaram o pagamento das rendas acima indicadas.

Acresce que as rendas 133ª e 134ª, no valor de € 1.774,69 e de € 1.768,83, respetivamente, que se venceram em 01/12/2014 e 01/01/2015, também não foram pagas pelos Requeridos, que além disso não liquidaram encargos no valor de € 251,59.

Face à dívida acumulada no montante de € 10.690,22, em 19/01/2015, a Requerente enviou aos Requeridos novas cartas registadas, declarando que considerava resolvido o contrato de locação financeira, ao abrigo do n.º 2, da cláusula 22ª das condições gerais, e consequentemente, reclamando a entrega do imóvel locado.

A resolução do contrato de locação financeira produziu efeitos em 22/01/2015.

E só, por carta de 9 de Março de 2015, dirigida pelos Requeridos à Requerente, na sequência da comunicação da resolução do contrato com efeitos a partir de 19 de Janeiro de 2015, solicitaram o pagamento das rendas em falta em prestações mensais a partir de Abril.

Os requeridos pagaram em 18.05.2015 e 18.06.2015 a quantia global de € 3.600,00, tendo tal valor sido imputado no remanescente da renda 129.ª (vencida em 01.08.2014), no valor da renda 130.ª (vencida em 01.09.2014) e em parte da renda 131.ª (vencida em 01.10.2014).

Os requeridos pagaram 128 rendas e encargos no valor que ascende € 413.982,42.

O valor devido pelos requeridos é inferior € 139.000,00

Esta factualidade apenas nos aponta para um incumprimento de um contrato, por falta de pagamento das rendas, ou seja, da obrigação principal do locatário e nada mais do que isso; desconhece-se o que é que os apelantes entendem por “ estado de necessidade”.

Por isso, atento este incumprimento houve lugar à resolução contratual e, consequentemente, findou a expectativa da requerente em que os apelantes adquirissem a propriedade do imóvel.

Logo, agiu a apelante em conformidade com os mecanismos processuais próprios para que o seu direito de propriedade sobre o imóvel não ficasse prejudicado.

Assim, a nossa total concordância com o explanado na sentença “  …..Porém, convém não esquecer que a Requerente é a proprietária do imóvel, tendo despendido de determinada quantia para a sua aquisição com vista à concretização do negócio de locação financeira com os requeridos.
E essa “desproporção” de que falam os requeridos é permitida pelo tipo de negócio celebrado, desenhado sobre o negócio comum da locação, em que é apenas convencionada a final a possibilidade de compra do bem.
Mas perante este panorama deveriam ter os requeridos diligenciados para que o requerente não fizesse operar a resolução…”

É que a requerente não defrauda qualquer expectativa dos apelantes na medida em que  a tipologia do vínculo contratual entre as partes responsabilizava os apelantes por um comportamento que estes não tiveram. E estes sabiam que inexistia qualquer pressuposto para que o requerente não exercitasse os meios processuais para garantir o seu direito de propriedade.

Ora,o que os apelantes poderiam ter feito era obstar à resolução, mas tal não foi feito.

O que os apelantes alegam é apenas a “ sua” perspectiva do ponto de vista financeiro, ou seja, perante o montante em falta, não era expectável, ou justificável que o apelado peticionasse a entrega do imóvel. Entende –se  esta alegação do ponto de vista das “relações humanas” ,mas ela escapa à disciplina deste tipo de contratos do absoluto conhecimento dos apelantes ,desde o inicio ;o que sucedeu é que foram os apelantes defraudaram as expectativas da requerente, tal como já as referenciamos.

Logo, as relações contratuais entre as partes decorreram com a máxima boa-fé, sempre direcionadas na salvaguarda dos interesses que estavam a ser colocados em crise pelos apelantes: estes não logram provar qualquer facto que remetesse o requerente para qualquer violação contratual ou pré-contratual, ou para qualquer exercício abusivo dos direitos sustentados nesse contrato.

Não existe, pois, qualquer juízo de censurabilidade à conduta do requerente.

Termos em que concordamos com o explanado:

“…Ora, no caso concreto não se nos afigura que a requerente/locadora tenha actuado de forma abusiva. Com efeito, entre as partes foi celebrado um contrato, bilateral e oneroso, o qual impunha deveres e obrigações para ambas as partes.
A requerente cumpriu pontualmente com os seus deveres, comprou o imóvel que locou aos requeridos.
Os requeridos não. Deixaram de pagar rendas, que ascendiam a quatro à data da interpelação para cumprimento e cujo valor à data da resolução era de € 10.690,22.
A requerente actuou dentro dos limites da sua posição contratual e nos termos exarados pelas partes no contrato.
Não existe abuso de direito, é o que se decide.”

Síntese:
Tendo o contrato de locação financeira findado por resolução, por falta de pagamento de rendas, é o locador que viu defraudada a expectativa de que os locatários adquirissem o direito de propriedade sobre o imóvel.

Por isso, quando acciona a providência cautelar de entrega judicial do bem locado, ainda que o valor do imóvel seja superior ao devido pelos requeridos, não actua com abuso de direito.
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Pelo exposto, acordam em negar provimento à apelação e confirmar a decisão impugnada.
Custas pelos apelantes


Lisboa, 14/01/2016


Teresa Prazeres Pais
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes



[1]cf Pires de Lima – Antunes Varela, in CCAnotado, Vol. I – 2ª Ed., pág. 277.
2]CC Anotado, Vol. I, 4ª Ed., pág. 300
3]Abuso do Direito, pág. 101.
[4]Autor e ob cit pág. 103.
[5]Das Obrigações em Geral”, Vol. I, págs. 436 a 438.
[6]A este propósito remetemo-nos para as considerações explanadas na decisão impugnada acerca da natureza do contrato de locação imobiliário e deste procedimento cautelar
[7]Ac. STJ de 03.02.2005 , publicado in DGSI

Decisão Texto Integral: