Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1000/22.5T8OER.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - São da responsabilidade do condomínio – por força do art. 492/1 do CC ou, provado que este tem a coisa em seu poder, com o poder de a vigiar, por força do art. 493/1 do CC - os danos em bens de terceiro que advém da falta de conservação das partes comuns, excepto se se provar que essas partes comuns estão afectadas ao uso exclusivo de um condómino e o estado delas for imputável a esse condómino, caso em que é este o único responsável (art. 1424/6 do CC).
II - A acção a pedir aquela responsabilidade deve ser intentada contra o Condomínio representado pelo administrador (art. 1437/1 do CC).
III - O administrador do condomínio pode ser responsabilizado, por si, se não tiver feito as obras de reparação urgentes (que sejam de administração ordinária) dos defeitos de conservação das partes comuns das quais advém os danos (artigos 492/2, 1427 e 1436/1-g do CC) ou se não tiver convocado a assembleia dos condóminos para a deliberação de outras obras de reparação (não urgentes e de administração extraordinária).
IV – A eventual responsabilidade do administrador não afasta necessariamente a do condomínio, podendo haver um concurso de responsabilidades.
V – Pelo que não havia razão para absolver da instância o Condomínio por falta de personalidade judiciária, nem a administração por ilegitimidade passiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A 03/03/2022, o Condomínio do prédio urbano sito na Praceta B e J intentaram contra (i) Condomínio do prédio urbano sito na Av. A e (ii) F-Unipessoal Lda – pedindo a condenação dos réus a – em síntese - (a) proceder ou mandar proceder, à sua custa, à eliminação do ponto de origem das infiltrações, nomeadamente procedendo às obras de manutenção e reparação do terraço de cobertura, (b) bem como às obras de reparação dos danos causados pelas infiltrações; ou (c) no pagamento de uma indemnização de valor equivalente ao custo da realização das referidas obras, e (d) a pagar ao condomínio autor o valor de 250€ semanais, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada semana de atraso na eliminação das anomalias e dos danos.
Alegam para tanto, em síntese, que: o autor J é dono de uma fracção autónoma do edifício do autor Condomínio, representado pela sua administração; no início de 2021 foi reportada à administração do Condomínio autor a existência de diversas patologias no edifício que podiam pôr em causa a estabilidade e segurança do mesmo; após análise, verificou-se que as referidas patologias tinham grande probabilidade de ser originadas no edifício contíguo, cujo Condomínio é aqui réu; para confirmar a origem das patologias existentes, o Condomínio autor, a 17/03/2021, solicitou à Câmara Municipal de Oeiras a realização de uma vistoria às condições de salubridade e segurança do edifício; a 30/03/2021, o Condomínio autor recebeu uma notificação por parte da CMO a informar que a vistoria se realizaria no dia 13/04/2021; a 06/04/2021, o Condomínio autor enviou uma carta à Administração do Condomínio réu, aqui segunda ré, a informar da realização da vistoria por parte da CMO, solicitando a colaboração da mesma na resolução desta questão; no dia 13/04/2021 realizou-se a vistoria ao edifício, não tendo estado presente qualquer representante do Condomínio réu, apesar de instados para o efeito; em Julho de 2021 o Condomínio autor foi notificado pela CMO do relatório da vistoria realizada, bem como de que havia aquela entidade desencadeado o necessário procedimento em relação ao Condomínio réu para correcção das anomalias existentes no seu edifício, constantes daquele relatório, onde se conclui existir uma situação em que a visível falta de conservação do terraço do edifício do Condomínio réu tem levado à sua degradação geral, resultando nos danos verificados no edifício do Condomínio autor; apesar de notificado pela CMO para realização das obras de reparação do terraço do edifício, o Condomínio réu, até à data, nada fez; consequentemente, as patologias existentes no edifício do Condomínio autor têm vindo a agravar-se; as infiltrações provocadas pela falta de conservação do terraço do edifício do Condomínio réu, também causam prejuízos na estrutura do edifício do Condomínio autor, nomeadamente com a deterioração do betão armado, com o enferrujamento da armadura de ferro e respectiva corrosão. Invocando o artigo 89.º do DL 555/99, de 16/12 - Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), o disposto nos artigos 493.º/1 e 1421º.º/1-b do Código Civil e os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/11/2020, 981/19.0T8CSC.L1-7, do Tribunal da Relação de Évora, de 11/05/2006, proc. 676/06-3, e do Tribunal da Relação do Porto, de 23/04/2018, proc. 972/14.8T8GDM.P1, e os factos descritos, concluem que o Condomínio réu, bem como a sua Administração, tinham obrigação de manter, conservar e reparar as partes comuns do edifício respectivo e que eles bem sabiam que o terraço necessitava de obras de conservação e reparação e que o estado de degradação do mesmo provoca danos no edifício vizinho, optando por não proceder às obras de manutenção e reparação do terraço do edifício do Condomínio réu, sendo, consequentemente, responsáveis pelos danos causados nos bens dos autores [a precisão da identificação dos acórdãos foi feita por este TRL que também colocou os links para os mesmos]
O Condomínio réu (com procuração passada ao Sr. advogado pelo gerente da pessoa designada como administradora do condomínio) contestou por impugnação.
A ré F-Lda contestou, entre o mais excepcionando a sua ilegitimidade passiva, por não ter interesse em contradizer.
Notificados para se pronunciarem quanto à excepção deduzida pela ré F-Lda e quanto à falta de personalidade judiciária do réu Condomínio, os autores vieram dizer: No que concerne à excepção de ilegitimidade da 2.ª ré, parece-nos estar bem patente nos artigos 29 a 31 da petição inicial o interesse que a mesma tem em contradizer, ou seja, a 2.ª ré, enquanto administradora do Condomínio, 1.º réu, tem um dever de vigilância sobre as partes comuns do edifício e, enquanto órgão executivo, poderá responder a título pessoal perante o proprietário afectado em consequência de patologias sobrevindas nessas partes comuns se, tendo conhecimento das mesmas e dos seus efeitos, não encetar diligências para lhes pôr cobro, como é o caso dos presentes autos; no que concerne à personalidade judiciária do 1.º réu, por lapso, não foi indicada a representação do mesmo pela sua administração, como, aliás, foi feito em relação ao autor, o que agora fazem ao abrigo do disposto no disposto nos artigos 590.º e 6.º/2 do CPC (apresentando em anexo PI aperfeiçoada, na qual agora consta, no cabeçalho: Condomínio [réu] representado pela sua administração, F-Unipessoal, Lda; e F-Unipessoal Lda.
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No saneador absolveram-se os réus da instância, o Condomínio por falta de personalidade judiciária e a Administrador por falta de legitimidade.
Os autores recorrem deste saneador-sentença, para que seja revogado e ordenado o prosseguimento dos autos contra ambos os réus, terminando as suas alegações com conclusões em que, no essencial, mantém a posição assumida na petição inicial e na resposta às excepções.
O réu Condomínio contra-alegou, no sentido da improcedência do recurso, no essencial pelas razões que constam do saneador-sentença, pelo que este não sofreria – como não sofre, diz desde já este TRL, afastando-se com isso a necessidade de outras considerações sobre a questão – da falta de fundamentação que os autores também lhe imputam.
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Questões que importa decidir: se o réu condomínio tem personalidade judiciária para esta acção e se a ré administradora tem legitimidade para ela, isto nos termos em que os autores configuraram a acção.
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O saneador recorrido tem a seguinte fundamentação:
Os autores consideram que a Administrador tinha “obrigação de manter, conservar e reparar as partes comuns” do edifício que alegam ser causador de danos, mas tal não é assim: a decisão sobre a realização de obras não compete ao administrador, mas, sim, à assembleia de condóminos (artigo 1436º/d) e h) do Código Civil) – pelo que se conclui que não é “sujeito da relação controvertida” (tal como configurada pelos autores), devendo ser absolvida da instância (CPC 30.º/3 e 577.º/-e).
Note-se que seria sempre abusivo, e violador do princípio básico do contraditório (CPC 3.º/1), condenar a administração do condomínio a realizar obras sem que os condóminos fossem ouvidos, ou sem que se se pudessem pronunciar quanto à necessidade e valor das mesmas.
Quanto ao réu Condomínio, verifica-se que lhe é atribuída, excepcionalmente, personalidade judiciária “relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador” (CPC 12.º/e)) – que, como se referiu supra, não é o caso: não compete ao Administrador decidir realizar obras (ou aprovar quotas para pagamento de tais obras).
Não se tratando de acção que se insira no âmbito dos poderes do administrador, o “condomínio resultante da propriedade horizontal” não beneficia de personalidade judiciária – devendo ser absolvido da instância (CPC 577.º/c)).
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Apreciação:
I
Da responsabilidade do condomínio
A ruína de um edifício, por vício de construção ou defeito de conservação, pode estar a provocar danos noutro edifício.
O proprietário da coisa é responsável por esses danos, por força do art. 492/1 do CC.
E se o proprietário, para além disso, for possuidor de facto da coisa e nada o afastar do dever de a vigiar, responde também por força do art. 493/1 do CC. Ora, parte da jurisprudência tem pressuposto que o proprietário (mesmo que seja um condomínio), tem a coisa em seu poder, como se pode ver no ac. do TRP de 22/01/2015, 355/12.4TBSJM.P1, e nas várias decisões jurisprudenciais que cita. Se for de aceitar que este pressuposto se verifica, a responsabilidade do proprietário também tem base legal naquela norma.
Se o proprietário forem várias pessoas (art. 1403 do CC), são elas as responsáveis nos mesmos termos
Se o edifício estiver constituído em propriedade horizontal e forem os defeitos de conservação das partes comuns a provocar os danos, a responsabilidade é do conjunto dos condóminos. O conjunto dessas pessoas chama-se um condomínio (artigos 1404, 1414, 1415 e 1420/1, todos do CC). A responsabilidade, neste caso, é, pois, do condomínio.
Isto em termos gerais pode ser visto, por exemplo, em Ana Maria Taveira da Fonseca, Responsabilidade civil pelos danos causados pela ruína de edifícios ou outras obras, Novas tendências da responsabilidade civil, Almedina, Maio de 2007, páginas 85 a145, especialmente páginas 103 e 129 a 131 (e no Comentário ao CC, da UCP/FD/UCE, Dez2018,da páginas 316 a 319, com uma diferença assinalada à frente – onde consta a referência a outra doutrina e a jurisprudência), seguida por Mafalda Miranda Barbosa, Lições de responsabilidade civil, Principia, 2017, pág. 241-245. Com diferenças, falando antes na responsabilidade do possuidor em nome próprio no caso do art. 492/1 do CC, Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, Almedina, Abril de 2015, páginas 287 a 301.
Em suma, os factos alegados, se provados, permitirão a condenação do Condomínio, sem prejuízo das questões referidas abaixo.
II
A propositura da acção contra o condomínio
Para facilitar a propositura da acção contra o condomínio, como conjunto de proprietários das partes comuns, a lei em vigor até pouco antes da data da propositura da acção, atribuía legitimidade ao administrador do condomínio (Artigo 1437.º - Legitimidade do administrador - 1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo […] 2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.)
Discutia-se, doutrinariamente, se esta legitimidade do administrador era uma legitimidade como representante do Condomínio (com o que se lhe reconhecia personalidade judiciária – era a posição de Castro Mendes, de Lebre de Freitas [veja-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1.º, Almedina, 2021, reimpressão da de 2017, páginas 60-61, 63 e 64-65, n.ºs 1, 2, 5 e 9 e páginas 85-86, nota 2, e Parecer da Comissão de Legislação da Ordem dos Advogados sobre o projecto de CPC, Revista da Ordem dos Advogados, 1990, III, páginas 780-781, n.º 5] - e de Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador da propriedade horizontal, Almedina, 2000, páginas 328 a 331) ou era uma legitimidade própria (como substituto representativo do condomínio – era a posição de Miguel Teixeira de Sousa, por exemplo nos locais citados mais à frente, e do ac. do TRL também citado mais à frente).
A Lei 8/2022, que nesta parte entrou em vigor em 11/01/2022 (art. 8 da Lei), veio generalizar a solução (deixando de prever especificamente a regra do art. 1437/2 do CC) e optar pela primeira solução: o administrador actua como representante do Condomínio.
A Lei 8/2022, na sua vontade de resolver de vez a questão, foi ao ponto de prever, naquele artigo 8, que “a alteração ao artigo 1437.º do CC é imediatamente aplicável aos processos judiciais em que seja discutida a regularidade da representação do condomínio, devendo ser encetados os procedimentos necessários para que esta seja assegurada pelo respectivo administrador).
Um dos deputados oradores na discussão do projecto de lei disse (página inicial 3ª república assembleia da república série ixiv legislatura sessão legislativa 02 número 066 2021-05-15 página 10)que a lei “[…] quer acabar com as controvérsias que  permanecem, há largos anos, nos tribunais sobre quem representa quem, pois tem de ser claro para todos quem pode litigar em tribunal quando tal é necessário. Não é razoável continuarmos a assistir a discussões sobre legitimidade processual. Quem apresenta a acção em tribunal e contra quem é ela apresentada? O condómino? O administrador do condomínio? O condomínio propriamente dito? Srªs e Srs Deputados, estas  dúvidas  não  podem  continuar  a  existir  e  a  onerar  as  pessoas  com  custas judiciais  e  com  anos  de  discussão  sobre  matérias  que desviam as atenções dos  problemas  reais de  um determinado prédio e de um conjunto de condóminos. Muitas vezes, como todos sabemos, quando temos uma sentença, passados anos, já nem o problema material existe ou já o mesmo não tem solução possível e, entretanto, andamos anos e anos a discutir quem deveria ter apresentado a acção em tribunal.”
O parecer da PGR sobre o projecto de lei diz que “(…) Quanto à legitimidade do administrador para representar o condomínio em juízo, o artigo 1437.º é, igualmente, alvo de proposta de alteração, com vista a adequar o texto legal ao que se vem tornando pacífico na jurisprudência, no sentido de ser o condomínio parte legítima na acção, sendo representado em juízo pelo respectivo administrador, que demanda ou é demandado em nome do condomínio” (o parecer consta da discussão do Projecto de Lei n.º 718/XIV/2.ª)
Este parecer remete para um acórdão do TRL de 12/02/2009, proc. 271/2009-6, em que, realmente, o II ponto interessa ao caso, embora o faça de modo lateral ao que estava em discussão [que era a legitimidade para as acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos]: “II – A redacção algo dúbia do artigo 1437.º do CC permite sustentar que o Administrador do Condomínio pode accionar e ser accionado, enquanto tal (como órgão executivo e representativo do Condomínio) e a título pessoal, sem necessidade da presença em juízo deste último mas julgamos que não é esse o verdadeiro sentido e alcance das normas em análise, que apontam em direcção diversa, ou seja, que é o Condomínio que recorre a tribunal ou aí é interpelado, muito embora seja devidamente representado pelo dito Administrador.”
Aquele parecer remete também para o ac. do TRP de 27/11/2017,  proc. 822/17.3T8VFR.P1: “I - O artigo 1437.º do CC não se reporta à legitimidade processual, no sentido da legitimidade ad causam, mas apenas à legitimatio ad processum, daí decorrendo que a representação do condomínio em juízo (parte na acção por força da extensão da personalidade judiciária prevista no art.º 12/e) do CPC) incumbe ao respectivo administrador. II - Numa acção intentada por condóminos, em que é pedida a condenação na realização de obras de restauro e impermeabilização do terraço dum prédio urbano em regime de propriedade horizontal, e no pagamento de uma quantia indemnizatória, deverá ser demandado o condomínio, a citar na pessoa do seu administrador.”
Em suma: são em princípio da responsabilidade do condomínio os danos causados pelo estado de conservação das partes comuns em bens de um terceiro e a acção a pedir essa responsabilidade deve ser intentada contra o Condomínio representado pelo administrador.
Como é este o caso, o Condomínio réu não devia ter sido absolvido da instância, pois que é indubitável que ele tem personalidade judiciária para estas acções.
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Note-se que, como já o disse este colectivo no ac. do TRL de 24/02/2022, proc. 625/20.8T8CSC.L1-2, para o Prof. Miguel Teixeira de Sousa o legislador está errado, devia ter consagrado a tese da substituição processual representativa (veja-se, por exemplo, o post colocado no blog do IPPC a 11/01/2022, A posição em juízo do administrador do condomínio: et tu, Legislator?); mas desta posição não decorreria a absolvição do Condomínio, já que, seguindo-se esta tese, quem deveria ser condenado – naturalmente que a provarem-se os factos, pressuposto de tudo o que se está aqui a dizer – deveria ser o administrador como representante do condomínio. Por isso, num comentário (publicado no blog do IPPC de 03/01/2022: A posição em juízo do administrador do condomínio analisada sem confusões) a um acórdão em que se discutiu quem é que era o réu na acção, se a administradora do condomínio ou o condomínio, este Professor, apesar de defensor da tese da substituição processual e de, formalmente, nessa acção, a ré ser a administradora, disse que a única decisão aceitável proferida tinha sido a da 1.ª instância, que considerou que o réu na acção era o condomínio (que foi condenado), representado pela sua administradora, e não a administradora demandada, como foi decidido pela Relação e pelo STJ absolvendo a administradora da instância.
Entretanto, diga-se que o parecer da PGR, a seguir à parte citada, remete, “com interesse”, dando azo à continuação futura da discussão, para o ac. do TRL de 04/06/2019, proc. 12529/18.0T8SNT.L1-7, que considerou que “a representação em juízo do condomínio pelo administrador se trata de substituição processual, em virtude de reconhecer o condomínio como «sujeito de direito, constituindo um centro autónomo de imputação de relações jurídicas, dotado de personalidade judiciária» e de, em face da letra do actual artigo 1437.º do CC, o administrador atua em juízo não como representante do condomínio, mas como parte.” O parecer da PGR, assim, parece não reparar que este acórdão é uma amostra da posição que foi afastada e que não deve continuar a ser seguida, sob pena de se continuar a discutir uma questão com a qual a Lei quis acabar de vez, porque a incerteza dela resultante apenas traz prejuízos para as partes.
Há, no entanto, que ter em conta dois pontos:
III
Da responsabilidade do condómino a quem o uso da coisa comum está afectada
O art. 1421/3 do CC dispõe que “O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.”
E o art. 1424/3 do CC, na redacção anterior à Lei 8/2022, disponha para esse caso que “as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.”
Daqui pareceria que, neste caso, “só este [condómino pode ser responsabilizado, um vez que, nesse caso, os encargos de conservação e fruição só àquele pertencem” (Ana Taveira da Fonseca, estudo citado, pág. 103) ou “[…] só este [condómino] responde, visto correrem por sua conta os encargos de conservação […]” (Rui Ataíde, obra citada, pág. 300).
No entanto, desde pelo menos 2005, a doutrina [Raul Guichard, Propriedade horizontal. Despesas com a conservação de um “terraço intermédio”, Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 3 (2005), pág. 244, consultado online)] e depois a jurisprudência fazia uma distinção que se traduzia numa interpretação restritiva do art. 1424/3 do CC, no sentido de que: III - Há, porém, que distinguir, dentro dessas despesas [as referidas no art. 1424/3 do CC], as chamadas despesas de manutenção das despesas de reparação resultantes, não do uso normal das partes comuns do edifício pelos condóminos que delas se servem, mas de deficiência na construção ou de falta de manutenção de espaços exteriores a essas partes comuns que não são utilizados por aqueles condóminos: as primeiras são a cargo dos condóminos que usam e fruem do terraço por serem eles os beneficiários exclusivos do mesmo e, em princípio, terem sido eles que deram origem ao desgaste ou deterioração dos materiais desse terraço; já as segundas são a cargo de todos os condóminos por as reparações a realizar constituírem um benefício comum de todos eles (acórdão do STJ de 09/06/2016, proc. 211/12.6TVLSB.L2.S1).
No acórdão deste colectivo, de 05/03/2020, proc. 2151/18.6T8ALM.L1, segue-se a mesma posição e faz-se uma resenha de alguma daquela doutrina e jurisprudência que ia no mesmo sentido.
Ora, neste contexto, a Lei 8/2022 acrescentou, um n.º 6 do art. 1421 do CC, que dispõe: “Caso o estado de conservação das partes comuns referidas no n.º 3 do artigo 1421.º afecte o estado de conservação ou o uso das demais partes comuns do prédio, o condómino a favor de quem está afecto o uso exclusivo daquelas apenas suporta o valor das respectivas despesas de reparação na proporção indicada no n.º 1, salvo se tal necessidade decorrer de facto que lhe seja imputável.”
Portanto, esta lei consagra a posição que já então se vinha seguindo, isto é, o estado de conservação é da responsabilidade de todos os condóminos salvo quando o estado de conservação do bem comum do qual advém danos seja imputável ao condómino a quem o bem comum está afectado, pelo que, não se verificando esta ressalva, também naquele caso a acção deve ser proposta contra todos, como Condomínio, representado pelo administrador (se ficar provado que o estado do bem é imputável ao condómino a quem o bem comum está afectado, o condomínio terá que ser absolvido, pois que então a responsabilidade é daquele condómino: art. 492/2 do CC).
IV
Da responsabilidade da administradora, por si, e não como representante
O outro ponto é o seguinte:
Quando há um condomínio há também uma administração do condomínio.
Do disposto no art. 1427 do CC, a contrario, decorre que o administrador do condomínio deve levar a efeito reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, sendo elas as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.
Esta norma tem a redacção da Lei 8/2022, que só entrou em vigor em 10/04/2022, depois da propositura da acção, mas o mesmo resultava da redacção anterior que apenas não esclarecia expressamente o que é que eram reparações indispensáveis e urgentes.       
Do art. 1436/-f [= alínea g na redacção da Lei 8/2022] decorre que o administrador do condomínio deve realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns, ou seja, “os destinados a evitar a deterioração ou destruição dos bens, podendo ter natureza material ou judicial.”
Sobre este dever/função do administrador, veja-se Sandra Passinhas, por exemplo nas páginas 311-315 (donde se retirou a passagem acabada de citar); e Ana Taveira da Fonseca, Comentário ao CC, Direito das Coisas, UCP/FD/UCE, Out2021, pág. 467, e o ac. do TRL de 22/10/2015, 1617/11.3TJLSB.L1-6. Também Ana Filipa Morais Antunes e Rodrigo Moreira, mesmo Comentário, páginas 471-480 e 524-525, referem que “deve entender-se que se encontram também abrangidos pela presente previsão os actos materiais que estejam relacionados instrumentalmente com estes bens, na linha da autorização enunciada pelo artigo 1427 do CC”).
É certo que estes últimos autores (Ana Antunes / Rodrigo Moreira, Comentário 2021, pág. 425) acabam por aceitar a distinção entre actos de administração ordinária e actos de administração extraordinária, e quanto a estes entendem que é à assembleia de condomínios que cabe a determinação dessa realização, caso em que o administrador deve levar o assunto à assembleia de condóminos, para o que a deve convocar.
De tudo isto decorre a responsabilidade da administração do condomínio por força do art. 492/2 do CC, pelo menos quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação e estes fossem urgentes e pudessem ser realizados com despesas pouco expressivos ou, não o sendo, isto é, se pudessem ser qualificados como actos de administração extraordinária, por não ter a administração convocado a assembleia de condóminos para que ela deliberasse sobre eles. 
Não tem, por isso, razão, ré administração quando excepciona a sua ilegitimidade passiva, nem o saneador recorrido quando diz, em termos genéricos que a “decisão sobre a realização de obras não compete ao administrador, mas, sim, à assembleia de condóminos (artigo 1436º/d) e h) do Código Civil) ”.
E muito menos o saneador tem razão em dizer que “seria sempre abusivo, e violador do princípio básico do contraditório (CPC 3.º/1), condenar a administração do condomínio a realizar obras sem que os condóminos fossem ouvidos, ou sem que se se pudessem pronunciar quanto à necessidade e valor das mesmas”, porque (i) as obras podem ser de administração ordinária e urgentes e se for o caso a administração pode ser condenada a fazê-las pelo tribunal; (ii), se não for o caso, isto é, se forem de administração extraordinária, quem será condenado a fazer as obras será o condomínio e é nesta acção e na subsequente execução que o condomínio terá o direito de se defender.
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Para responsabilizar a administração também se tem visto invocar o disposto no art. 493/1 do CC, pressupondo-se também que o administrador tem o edifício em seu poder. Ana Antunes / Rodrigo Moreira, Comentário 2021, pág. 525, referem, nesse sentido, para além do ac. do TRP de 23/04/2018, proc. 972/14 (já citado pelos autores nesta acção – acórdão este que se refere de facto à responsabilidade do administrador mas não parece que o faça por esta via do art. 493/1 do CC), ainda três acórdãos no sentido de imporem ao administrador um dever de vigilância, mas todos estes três acórdãos estão a falar da responsabilidade do Condomínio ou da sua seguradora, embora se refiram ao administrador [o ac. do TRE de 11/05/2006, 676/06-3, está a falar do administrador do condomínio como representante do Condomínio – tanto que foi o Condomínio (representado pelo administrador) que foi condenado; o ac. do TRG de 15/02/2018, 1249/15.7T8VCT.G1, para além disso põe em alternativa o ter a coisa em seu poder e ter o encargo da vigilância (“II - O nº 1 do artº 493º do CC apenas exige a detenção material da coisa causadora do dano ou um dever de vigilância da parte do imputado responsável […]”), quando a norma não permite falar em alternativa já que diz: “1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar […]”; por fim, o ac. do TRP de 22/01/2015, 355/12.4TBSJM.P1, já citado acima, enquadra a responsabilidade do condomínio – não do administrador – no art. 493/1 do CC, e pressupondo que o Condomínio está em poder da coisa).
De qualquer modo, se se aceitar que assim é, então a responsabilidade do administrador também tem base legal nesta norma.
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Esta responsabilidade do administrador do condomínio foi feita agora constar (pela Lei 8/2022) expressamente do art. 1436/3 do CC: o administrador de condomínio que não cumprir as funções que lhe são cometidas neste artigo, noutras disposições legais ou em deliberações da assembleia de condóminos é civilmente responsável pela sua omissão […]”
Mas, como se vê, essa responsabilidade já se retirava anterior do art. 492/2 e eventualmente do art. 493/1 do CC, como, apenas por exemplo, se pode ver no ac. do TRP de 2018 citado pelos autores já na petição inicial, e, com várias distinções, no comentário 6 de Ana Filipa Morais Antunes e Rodrigo Moreira, ao art. 1436 do CC, antes da nova redacção, Direito das Coisas, UCP/FD/UCE, Out2021, pág. 529, e a vária doutrina e jurisprudência aí referidas. Daí que nos trabalhos preparatórios da Lei, o referido parecer da PGR diga que “A proposta […] remete, em termos genéricos, para a responsabilidade civil e criminal, em caso de incumprimento pelo administrador das funções que lhe são cometidas. O que, apesar de não se entender por necessário, não nos levantará questões de conformidade legal ou constitucional de assinalar.”
Pelo que o administrador do condomínio ré não devia ter sido absolvido da instância.
V
Do concurso de responsabilidades
Ana Maria Taveira da Fonseca, estudo citado de 2005, pág. 103, escreve: “Frequentemente, os condóminos contratam terceiros para proceder à manutenção permanente do condomínio. Neste caso, se ocorrer a ruína de uma parte comum que, nos termos do contrato, coubesse ao administrador conservar, somos da opinião que, em vez dos proprietários, este deve responder, nos termos do art. 492/2” do CC. Na página 104 esclarece, seguindo Vaz Serra [nota 45: anotação ao ac. do STJ de 20/03/1970, RLJ 104, páginas 123 e 124; no mesmo sentido, vide Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, citado, pág. 592], que os proprietários “não deixam, contudo, de responder nos termos gerais, por exemplo, por culpa in eligendo, in instruendo ou in vigilando, pois o que se quis com a norma foi dar mais garantias aos lesados.” Nas páginas seguintes (até à 110) analisa a norma em relação ao usufrutuário, locatário e empreiteiro.
Rui Ataíde, citado, páginas 300-301, diz: “Se os condóminos confiarem por contrato a administração do condomínio a um terceiro, aplica-se também aqui o preceituado no art. 492/2, respondendo apenas o administrador, caso a ruína se deva exclusivamente a defeito de conservação.” Depois, nas páginas 330-331 remete (implicitamente) o desenvolvimento da questão para o título VIII da obra. Nas páginas 945 a 968, especialmente 957 a 964, depois de referência a autores alemães que tentam defender, em alguns casos e por variadas vias, a manutenção da responsabilidade do primeiro garante/primitivo vinculado, acaba, no essencial, por seguir a posição já acima referida de Vaz Serra, só por aí (art. 483 do CC), admitindo a responsabilidade do que contratou o tomador/assuntor. Diz, neste contexto, que “a contratação de empresas especializadas na administração de condomínios […] só por si não iliba, automaticamente, de responsabilidade, os condóminos quanto aos danos subsequentes à patente degradação de partes comuns” (pág. 962) e, em nota, 1872, refere, para além do mais, que Larenz/Canaris consideram que cumpre basicamente o seu dever no tráfego quem escolhe um fiável administrador de condomínio.” Noutra nota, 1878, refere ainda a posição de Adelaide Menezes Leitão, Normas de protecção e Danos Puramente Patrimoniais, Almedina, 2009, páginas 600-601.
Esta autora diz:
“Vamos dedicar […] a nossa atenção, à luz do direito nacional, à questão da "transferência" dos deveres do tráfego. Esta questão necessita de ser articulada com o domínio do facto. Por vezes, pressupõe-se que a execução dos deveres do tráfego se transmita para um terceiro que tem o domínio do facto. No entanto, independentemente do domínio do facto, o adstringido a deveres do tráfego pode desonerar-se do seu cumprimento através do cumprimento por terceiro. Trata-se de uma situação normal, a que o direito deve dar resposta, e que assenta na divisão de tarefas numa sociedade complexa, que se baseia na divisão do trabalho. Pensamos que a "transferência" de deveres do tráfego deve ser admitida e com as consequências resultantes do modelo que subjaz às disposições dos artigos 492.º e 493.º do CC. Sendo estas disposições uma concretização dos deveres do tráfego, estabelece-se uma presunção de culpa e de nexo de causalidade, que pode ser afastada se se provar que não houve culpa ou que, mesmo com a diligência devida, não se teriam evitado os danos, o que significa que, caso o primeiro obrigado prove que a escolha do terceiro para cumprir foi zelosa ou que os danos se teriam produzido de qualquer maneira, deverá haver uma desoneração em termos de responsabilidade do primeiro obrigado. Caso não verifiquem os pressupostos necessários para a desoneração do primeiro obrigado deverá ser aplicado o artigo 497.º, n.º 2, do CC, entre o primeiro e o segundo obrigado, respondendo o primeiro titular solidariamente com quem foram “delegadas as acções para o cumprimento" do dever do tráfego, pelo que substantivamente entende-se não haver uma verdadeira transferência dos deveres de tráfego, mas apenas, como preconizam Larenz/Canaris, das acções que permitem a terceiro o cumprimento desses deveres de modo a afastar a responsabilidade do primeiro titular. Porem, caso não se verifiquem os pressupostos necessários para o afastamento do primeiro titular, impõe-se uma responsabilidade solidária de ambos.”
Ana Maria Taveira da Fonseca, no Comentário ao CC, de 2018, já não faz a afirmação categórica citada acima, dizendo agora, pág. 317: “[…] pode questionar-se se, estando o encargo da conservação entregue a um terceiro, nomeadamente a uma empresa profissional de gestão de condomínios, só esta responderá perante o lesado.”
Tendo isto presente diga-se, desde logo, que é evidente que a ré administração e o saneador sentença recorrida não têm razão ao pretenderem que a administração não tem legitimidade passiva para esta acção. Pelo contrário, como se vê, até se pode defender que ela era a única a ter legitimidade para acção, e não como representante do condomínio, mas por si mesma.
No entanto, não tem sido assim que as coisas têm sido entendidas em termos práticos: normalmente este tipo de acções são intentadas contra os Condomínios, representados pelos administradores.
E, para já – neste recurso de um saneador sentença, em que ainda não foi produzida prova sobre os factos - não se vê razão para afastar a hipótese do concurso de responsabilidades, ou seja, do condomínio e da sua administração.
Para além da posição Adelaide Menezes Leitão – da qual decorre que a alegação dos factos que afastam a responsabilidade do condomínio teria de caber a este – ainda se pode dizer, justificando a forma como as acções têm sido postas, com a aceitação da jurisprudência – o que talvez tenha levado à posição mais reticente, actual, de Ana Taveira da Fonseca -, que o condomínio quando contrata uma administração, nos normais contratos de administração, não “perde”, só por isso, os deveres de conservação das partes comuns; o administrador do condomínio não substitui o proprietário/possuidor no dever de conservação (e de vigilância quando se possa afirmar que existe), junta-se a ele, naquilo a que Ana Antunes / Rodrigo Moreira chamam uma administração de estrutura dual ou uma orgânica bicéfala (páginas 471 a 474), prevista no art. 1430/1 do CC. E isto não pode deixar de ser assim, porque a norma do art. 1430/1, como uma norma que disciplina o direito real de propriedade horizontal, é uma norma imperativa (Sandra Passinhas e Ana Antunes / Rodrigo Moreira – estes na pág. 474 da obra citada, e citando aquela). O art. 492/2 do CC não se sobrepõe a esta norma e não pode por isso permitir que o condomínio, por contrato, perca todos os poderes de administração que lhe advêm do art. 1430/1 do CC. E dentro desses poderes estão os de conservação dos bens comuns, ou seja “os destinados a fazer quaisquer reparações necessárias nesses bens tendentes a evitar a sua deterioração ou destruição.” (Sandra Passinhas, obra citada, pág. 261).
Ora, se o condomínio tem uma deficiente estrutura organizativa, incluindo uma administração que não faz o necessário para que o condomínio cumpra os seus deveres e se ela, por si, não arranja forma de os cumprir, a responsabilidade é dela também.
O que, de resto, pode ser visto por outro modo: o administrador do condomínio é um órgão administrativo do condomínio, seu representante, pelo que o condomínio responde, por força dos artigos 165 e 500 do CC, pelos actos ou omissões do seu administrador nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários, ou seja, independentemente de culpa, pelos danos que este causar, desde que sobre ele recaia também a obrigação de indemnizar, se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada, tendo depois direito de regresso contra ele, excepto se houver também culpa da sua parte, caso em que será aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 497.º do CC (neste sentido, Sandra Passinhas, obra citada, 341-342).
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se as absolvições da instância dos réus e, em substituição do saneador sentença recorrido, julga-se que o réu tem personalidade judiciária para esta acção e julga-se improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva deduzida pela ré.
Custas de parte pelos réus, em partes iguais.

Lisboa, 10/11/2022
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas