Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2542/19.5T8VFX.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CREDITOS TRIBUTÁRIOS
PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE
INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL
AUTORIZAÇÃO
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
VOTAÇÃO
INEFICÁCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I -  Pelas consequências dos ‘tempos’ incomuns que o vírus Covid 19 causou e nos tempos mais recentes vai continuar a causar no giro e vida do tráfego comercial normal, e sob pena de acabarmos com boa parte do ‘sistema produtivo’ do país à venda e sujeito às vicissitudes do mercado da venda liquidatária, agora, com maior premência do que antes, deve encara-se com rigor e seriedade a priorização da promoção da recuperação efetiva de empresas que, sendo economicamente viáveis, se encontrem em situação económica difícil ou de insolvência, iminente ou atual.
II – Neste âmbito, considerando que o Estado Português é uno e que é o próprio Estado que, pelas diretrizes da sua atividade legislativa, vem desde 2012 sucessivamente a afirmar e a reiterar a priorização da recuperação de empresas como vetor absolutamente estruturante no quadro da legislação insolvencial portuguesa, no mínimo permanece incompreensível, a emissão, relativamente à mesma realidade empresarial, de sentidos de voto divergentes no seio do próprio Estado (no caso, Autoridade Tributária e Segurança Social).
III -  O princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto pelo art. 30º, nº 2 e 3 da LGT vai reportado apenas aos pressupostos ou condições em que a lei ‘autoriza’ a Autoridade Tributária ou a Segurança Social a autorizar a extinção e a redução do crédito tributário, mas não inclui a autorização destas entidades e, assim, não inclui o sentido de voto que pelo credor Estado seja manifestado em sede de votação de Plano (seja no âmbito de PER, seja em processo de insolvência), que o emite como qualquer outro credor, nas condições aplicáveis previstas pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
IV – Ainda que o voto do Instituto da Segurança Social seja de não aprovação do Plano, é admissível a medida de pagamento do respetivo crédito em 60 prestações mensais e sucessivas inserida em Plano de recuperação aprovado por maioria legal de credores, se nela não se surpreender a violação do regime legal de redução ou extinção das dívidas à Segurança Social e, assim, do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, que deve ser avaliada pela aferição da inexistência de violação não negligenciável de regras aplicáveis ao plano de revitalização.
IV – A nulidade ou a ineficácia de medidas restritivas do crédito tributário com fundamento na violação dos termos e/ou limites legais da sua redução e extinção, abrange, não a totalidade do plano de recuperação em que se inserem, mas apenas essas concretas medidas ilegais, permanecendo no demais válido e eficaz relativamente a todos os credores, incluindo o Estado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
1. No âmbito do presente Processo Especial de Revitalização (PER) de W…, Unipessoal Lda foi proferida sentença pela qual, tendo concluído que Não se verifica, no caso, violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, se decidiu homologar o Plano de Recuperação conducente à Revitalização de ‘W…. Unipessoal, Lda., constante dos autos, aprovado por maioria dos credores, que vincula os credores, mesmo os que não tenham participado nas negociações.
2. O credor Instituto da Segurança Social, IP apresentou recurso da sentença, requerendo a sua revogação com os fundamentos que aduziu em sede de alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões:
- O presente recurso vem interposto da Sentença que homologou o Plano de Revitalização, W…., LDA, aprovado pelos Credores, porquanto a mesma viola o disposto nos art°s 195° e 215.° do CIRE, 190.° e sgts do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16 de setembro (alterado pela Lei n.° 119/2009, de 30 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.° 140-B/2010, de 30 de dezembro, pela Lei n.° 55-A/2010) e n.°s 2 e 3 do art.° 30.° da Lei Geral Tributária.
- É à Lei que cabe a regulação da obrigação contributiva e não a uma vontade colectiva de Credores, o que permite a concessão de benefícios, moratórias, perdões fiscais, conseguidos não nos precisos e excepcionais termos da Lei, mas em resultado de uma vontade colectiva, o que constitui uma violação ao princípio da igualdade e da legalidade.
- A alteração introduzida pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que aditou um n.° 3 ao art.° 30.° da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo DL 398/98, de 17de Dezembro, nos termos do qual “o disposto no n.° anterior [n. 2 do art.° 30.° da LGT “ O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.”] prevalece sobre qualquer legislação especial, sendo certa a aplicabilidade da norma, designadamente aos processos especiais de revitalização.
- Qualquer autorização da regularização da dívida à Segurança Social deveria ser feita de acordo com as referidas normas, e implicaria sempre o acordo da Segurança Social.
- À auto-regulação, consagrada no CIRE, impõe-se normas, em vigor no nosso ordenamento jurídico, que fixam limites e exigências formais e materiais que cremos não terem sido respeitados com a homologação do Plano em análise.
- Nestes termos a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação da Lei, violando as disposições legais aplicáveis.
- Sobre esta temática vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Novembro de 2010 (Proc. n.° 103/09.6 TYLSB.L1-1 E), de 15 de Dezembro de 2011 (Proc. n.° 1407/09.3 TYLSB-G.L 1) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Fevereiro de 2014 (1786/12.5TBTNV.C2.S1), disponíveis em www,.dgsi.pt.
Concluiu pedindo a revogação da sentença.
3. A requerente do PER apresentou contra-alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões:
A. A decisão recorrida não merece qualquer reparo, 
B. Aliás, nem nas alegações nem nas conclusões logrou a Recorrente concretizar os factos em que baseia a sua conclusão de que o seu crédito foi reduzido sem respeito pelo princípio da igualdade e legalidade tributária.
C. Não pode a Devedora e os demais credores que aprovaram o plano com 69,37% dos votos, ficarem reféns da vontade da Recorrente.
D. A decisão homologatória do plano não enferma de qualquer vício, interpretou e aplicou a lei correctamente, no estrito cumprimento da legalidade.
E. E ainda que se considerasse a hipótese de o plano de revitalização aprovado conter cláusula violadora da norma imperativa do art. 30º, nº. 3 da LGT, deveria sempre ser homologado, pelos fundamentos melhor explanados na Douta Sentença, pois, no máximo poderia enfermar de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível ao Instituto da Segurança Social.
F. Assim e ao contrário do que pretende a Recorrente, não merece a Sentença recorrida qualquer censura.
4. Admitido e recebido o recurso, foi proferida decisão singular nos termos do art. 656º do CPC, que foi impugnada pela recorrente através de requerimento de recurso de revista que, por despacho da relatora, foi convolado e admitido como requerimento para a conferência prevista pelo art. 652º, nº 3 do CPC, que foi designada, com simultânea remessa dos autos aos vistos.
II – OBJETO DO RECURSO
Nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida, é balizado pelo objeto desta, tal qual como surge configurado pelas partes de acordo com as questões por elas suscitadas, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, e não a analisar e a criar soluções sobre questões não submetidas à apreciação do tribunal a quo (de acordo com o pedido ou por dever de conhecimento oficioso) que, por isso, se apresentam como novas. Acresce que o tribunal não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações das partes, mas apenas das questões de facto ou de direito suscitadas que, contidas nos elementos da causa (ou do incidente), se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto.
Assim, considerando o teor da decisão recorrida e conforme conclusões enunciadas pelo recorrente, cumpre apreciar se o plano objeto da sentença recorrida viola o princípio da igualdade e/ou lei imperativa atinente com o regime legal de regulação da obrigação contributiva à segurança social e, na positiva, se tal violação obsta à sua homologação.
III – FUNDAMENTAÇÃO
A) Com relevo para o objeto em discussão, do processado nos autos resultam os seguintes factos:
1. Com o requerimento inicial do PER a Recorrida descreveu/apresentou:
- relação de bens, correspondentes a equipamento informático e mobiliário de escritório (este, tomado de arrendamento a terceiro pela renda mensal de €450,00/mês), descritos em auto de penhora realizado em 06.08.2019 no âmbito de execução fiscal, e neste avaliados em € 5.675,00, e quatro veículos (dois Fiat Punto e dois Opel Corsa), que alegou serem objeto de contratos de locação celebrados com os credores Cetelem/BNP Paribas e Banco Credibom e em situação de cumprimento à data da instauração dos autos (cfr. art. 30º da petição inicial e doc. nº 5 junto com esta);
- identificação dos trabalhadores ao serviço (seis);
2. Da lista de créditos definitiva elaborada pelo Sr. Administrador Judicial Provisório constam relacionados créditos no montante total de € 290.031,42 distribuído por sete credores, dos quais, Autoridade Tributária (€ 116.635,68 a título de impostos), Banco BNP Paribas Persinal Finance, SA (€ 7.526,12 de capital emergente de contrato(s) com reserva de propriedade sobre dois veículos automóveis), Banco Credibom, SA (€ 5.681,15 de capital e € 1.071,16 de juros, emergente de contrato(s) com reserva de propriedade sobre dois veículos automóveis),  e Instituto da Segurança Social, IP (€ 80.092,14 capital e € 8.738,82 de juros, a título de contribuições).
2. Concluídas as negociações, a devedora juntou aos autos proposta de versão final de plano de revitalização que, publicitada, não foi objeto de pedido de alteração ou de censura; publicado anúncio advertindo da não junção de nova versão do plano, não foi apresentado pedido de recusa de homologação do Plano.
3. Do Plano de Recuperação constam previstos planos de regularização das dívidas por categoria de credores, nos seguintes termos:
A. Credores Privilegiados
i) Autoridade Tributária
a) Pagamento de 100% de todos os créditos vencidos à data da apresentação do PER;
b) Pedido de redução dos juros de mora vencidos e vincendos nos termos e para os efeitos do disposto no Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de março;
c) Liquidação das quantias de a) e b) em dívida em 106 (cento e seis) prestações mensais no valor de 1.060,32€, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D do CIRE;
d) Manutenção das garantias existentes, nos termos do nº 13, do art. 199º do CPPT;
ii Instituto de Segurança Social:
a) Pagamento em 60 (sessenta] prestações mensais, e sucessivas.
b) Solicitação de perdão de juros em 80% dos juros vencidos.
c) Solicitação para Juros vincendos à taxa de 3,5% ao ano.
d) A 1ª prestação do acordo vence-se no mês seguinte ao do transito em julgado da sentença de homologação do plano.
B. Credores garantidos:
Banco Credibom e Banco Cetelem
-> Manutenção dos contratos em vigor.
C. Credores Comuns
a) Pagamento a 100% do capital em divida;
b) Perdão integral de todos os juros e penalidades, incluídos juros de mora vencidos e vincendos e despesas de contencioso;
c) Pagamento mensal dos créditos comuns no prazo de 150 (cento e cinquenta] prestações, com início no mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano.
 4. Concluídas as negociações, o Sr. Administrador Judicial Provisório juntou resultado da votação do plano de revitalização e declarações de voto, dos quais resulta que o Plano foi votado favoravelmente por todos os credores inscritos na lista, com exceção do credor Instituto da Segurança Social, que emitiu voto desfavorável, correspondendo-lhe 30,63% do total dos créditos inscritos na lista.
5. Da declaração de voto (correspondente a deliberação do Conselho Diretivo) apresentada pelo credor Instituto da Segurança Social consta, além do mais, que O plano de revitalização prevê uma taxa de juro vincendo inferior à legal num contexto em que tal não é legalmente admissível face à inexistência de garantias., e que Caso o plano de revitalização seja aprovado e homologado, o mandatário da Segurança Social deve interpor recurso da sentença de homologação, requerendo a declaração da ineficácia do plano face à Segurança Social uma vez que este credor não deu o seu consentimento expresso à modificação dos seus créditos, situação que viola a legislação específica da Segurança Social, bem como a legislação tributária, designadamente o artigo 30º da Lei Geral Tributária, que refere que os créditos da Segurança Social são indisponíveis.
6. Da declaração de voto favorável apresentada pelo credor Autoridade Tributária consta que ... a redução dos créditos só se dará por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de março, aceitando-se as taxas que vierem a ser acordadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas.
B) De Direito
1. Fazendo uma breve e sintética contextualização histórico-sistemática e teleológica do procedimento especial de revitalização (PER),  foi instituído entre nós pela Lei nº 16/2012 de 20.04, integrado num conjunto de procedimentos formais legais previstos no âmbito do Programa Revitalizar (aprovado por Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011), tendo como destinatários devedores em situação de crise financeira – com dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações por falta de liquidez ou de crédito, ou em situação de insolvência iminente - que visem e sejam suscetíveis de viabilização/recuperação, [p]rivilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação (…). (…) naturalmente que sem pôr em causa as respetivas obrigações legais, designadamente para regularização de dívidas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social.[1]
Com evidente atualidade no contexto sócio-económico-financeiro produzido pela atual situação endémica e pandémica vivida em Portugal e no mundo e que, previsivelmente, será nacional e mundialmente replicado e exponenciado durante um futuro próximo, mais consta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 39/XII que A presente situação económica obriga, com efeito, a gizar soluções que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao “desaparecimento” de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas.
Finalidade que, apostando na credibilização do PER, foi reforçada pelas alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto Lei n- 79/2017 de 30.06, agora no âmbito do Programa Capitalizar (aprovado por Resolução do Conselho de Ministros nº 42/2016 de 18.08), enquanto programa estratégico de apoio à capitalização das empresas, à retoma do investimento e ao relançamento da economia, com o objetivo de promover estruturas financeiras mais equilibradas, reduzindo os passivos das empresas economicamente viáveis, ainda que com níveis excessivos de endividamento, bem como de melhorar as condições de acesso ao financiamento das micro, pequenas e médias empresas.[2] No conjunto das demais medidas legislativas de 2018 (Estatuto do Mediador de Recuperação de empresas, aprovado pela Lei nº 6/2018 de 22.02, Regime Jurídico da Conversão de Créditos em Capital, aprovado pela Lei nº 7/2018 de 02.03, e Regime Jurídico de Recuperação de Empresas, aprovado pela Lei nº 8/2018 de 02.03), [t]em, no mínimo, o indiscutível mérito de, através de políticas legislativas, o Estado-legislador continuar a afirmar a priorização da recuperação de empresas como vetor absolutamente estruturante no quadro da legislação insolvencial portuguesa (…).[3]
Finalidade que, pelas vicissitudes do tempo incomum que vivemos,  nunca se revelará tão vital como agora, sob pena de acabarmos com boa parte do ‘sistema produtivo’ do país à venda, com as vicissitudes do mercado (tantas vezes movido por interesses puramente especulativos, por vezes mesmo anti-económicos) da venda liquidatária…
Agora, e com mais premência do que antes, através do PER pretende-se facilitar e promover a recuperação efetiva de empresas economicamente viáveis[4], proporcionando ao devedor a possibilidade de negociar com os seus credores um plano de recuperação sem passar pelo estigma da declaração da insolvência, num contexto híbrido de atos de natureza judicial e extrajudicial, caraterizado essencialmente pelos princípios da consensualidade e do compromisso - estas por inerência, características de qualquer processo negocial -, da universalidade e, como fator essencial da eficácia dos procedimentos de recuperação, da celeridade.[5]
2. Aprovado o plano por qualquer uma das maiorias legais previstas pelo art. 17º-F, nº 3 do CIRE, dispõe o seu nº 7 que O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º.
De entre as normas para que remete o citado art. 17º-F, nº 7, por referência às convocadas pelo objeto do presente recurso, transcrevem-se as seguintes:
Artigo 194º
Princípio da Igualdade
1 - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.
2 - O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.
Artigo 195º
Conteúdo do Plano
1 - O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência.
2 - O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente:
(…);
e) A indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação.
Artigo 196º
Providências com incidência no passivo
1 - O plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências com incidência no passivo do devedor:
a) O perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, com ou sem cláusula ‘salvo regresso de melhor fortuna’;
b) O condicionamento do reembolso de todos os créditos ou de parte deles às disponibilidades do devedor;
c) A modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos;
d) A constituição de garantias;
e) A cessão de bens aos credores.
2 – (…).
Artigo 215.º
Não homologação oficiosa
O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.
Nos termos do citado art. 215º, deve oficiosamente ser recusada a homologação de um plano de recuperação quando se verifique a existência de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo,  sendo que, na aferição do grau da violação importa indagar, em síntese, se o vício é suscetível de interferir com a boa decisão da causa, ou seja, se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses abrangidos e afetados pelo plano, nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição relativa dos credores[6]; e se as medidas por ele previstas desrespeitam princípios imperativos de Direito, à cabeça, os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da adequação e, no sentido estrito do princípio da legalidade, normas imperativas ou normas reguladoras de relações jurídicas que, só com o consentimento dos afetados, podem ser derrogadas. Nesta tarefa, e no contexto das garantias e dos efeitos do princípio da universalidade do procedimento, poderá então o tribunal ser chamado a apreciar do eventual incumprimento, por exemplo, do dever legal de o devedor comunicar aos seus credores a instauração do procedimento e as concretas consequências de tal omissão; ou, assumindo o princípio da condittio par creditorum previsto pelo art. 194º como o farol do dever de oficiosidade do julgador, chamado a apreciar de eventual tratamento favorável injustificado a credor (impondo-se, pela própria natureza do princípio, que este seja aferido não por referência à singular posição de cada credor, mas por referência à natureza e classe de credores em que cada um se integra); ou da proporcionalidade e da adequação das medidas previstas pelo plano no confronto entre o interesse do devedor na sua recuperação, e a prossecução do interesse público ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do coletivo de credores.[7] Apreciação que deverá ser casuística, no confronto com as características do passivo, da posição e natureza de cada crédito, entre si e no confronto com o ativo do devedor, sempre sob o esteio da priorização da recuperação e dos princípios estruturantes informadores do Estado de Direito, designadamente, o da boa fé, dos bons costumes e do fim social e económico das prorrogativas legais concedidas e reconhecidas aos interessados (art. 334º do Código Civil).
Em suma, violações de procedimento ou de conteúdo das medidas inscritas no plano, que têm como efeito a produção de um resultado ilegal ou proibido por lei e que, a verificarem-se, são/devem ser alvo do poder-dever oficioso de controlo e sindicância jurisdicional do procedimento e do plano, se e depois de aprovado pelos credores.
3. Conforme parágrafo § das conclusões, o recorrente pugna pela recusa da homologação do Plano com fundamento na violação do princípio da igualdade e da legalidade.
a. Pela sua natureza, e nos termos em que surge concretizado pelo citado art. 194º do CIRE, a violação do princípio da igualdade – par creditorum - decanta-se em dois pressupostos: que o plano preveja o tratamento desfavorável de um ou mais credores em relação aos restantes, e que essa diferenciação não conste ou não resulte justificada por razões objetivas.  Particularmente para os créditos do Estado, prevê o art. 30º, nº 2 da Lei Geral Tributária, aplicável aos créditos contributivos da Segurança Social ex vi art. 3º, al. a) do CRCSPSS, que O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se em condições para a sua redução ou extinção com o respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
Aferindo-se dos termos do próprio plano a verificação dos referidos pressupostos, nas medidas de reestruturação do passivo previstas pelo plano objeto da sentença recorrida vislumbra-se tratamento diferenciado desfavorável do crédito do Recorrente em relação ao crédito de igual natureza (publica) da Autoridade Tributária, na medida em que, para este, prevê a redução dos juros de mora vencidos e vincendos nos termos e para os efeitos do disposto no Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de março e, para o crédito do Recorrente, desde logo prevê perdão de 80% dos juros vencidos e taxa de juros vincendos de 3,5%. O que traduz tratamento diferenciado desfavorável do crédito do Recorrente em relação ao da Autoridade Tributária, na medida em que a este é conferida ‘liberdade’ para subsequente negociação da proporção daquela redução.
Estando atualmente consolidado na jurisprudência que, no atual quadro legislativo, e desde 2011, a diferenciação de tratamento (mais favorável) dos créditos do Estado não constitui fundamento de recusa de homologação com fundamento em violação (não negligenciável) do princípio da igualdade, tal solução perspetiva-se/impõe-se legalmente no confronto daqueles com os demais credores, mas já não entre os créditos do Estado que, por serem da mesma natureza, nos termos dos citados arts. 194º do CIRE e 30º, nº 3 da LGT, só com indicação de motivo que o justifique ou com a aceitação do ‘menos favorecido’  admitirá sejam objeto de tratamento diferenciado entre si.
Considerando o que consta para Credores garantidos: Banco Credibom e Banco Cetelem - Manutenção dos contratos em vigor -, e porque, sem mais, nos termos em que consta expressa, tal cláusula seria apta a consubstanciar tratamento mais favorável dos créditos daqueles em relação aos créditos do Estado, consigna-se que, tomando como realidade a situação de cumprimento dos contratos fundamento dos créditos das instituições financeiras alegada no requerimento inicial, dela decorre que os créditos ora em referência corresponderão a prestações não vencidas à data da instauração dos autos e, assim, a créditos futuros e a passivo não consolidado à data da apresentação a PER e que, por isso, não integram o respetivo objeto, de reestruturação/modificação pelo plano; sendo que, ainda que constem relacionados nos autos e considerados no plano, como é o caso, só com o consentimento dos seus titulares poderiam ser afetados pelas alterações por ele introduzidas.
1ª Conclusão:
Procede a invocada violação do princípio da igualdade das medidas de redução da dívida de juros vencidos e de redução da taxa de juros vincendos fixada no plano para o crédito do Recorrente, no confronto com as medidas a esse título previstas para o crédito da Autoridade Tributária, que não concretizam/fixam qualquer redução.
Relega-se para momento infra a apreciação dos efeitos do reconhecimento de tal vício de conteúdo.
b. O Recorrente mais fundamenta a violação não negligenciável de conteúdo na violação dos art. 30º, nº 2 da Lei Geral Tributária e 125º da Lei nº 55-A/2010 de 31.12, ou seja, na violação do princípio da indisponibilidade dos créditos do Estado por aquelas normas consagrado que, só nos termos excecionalmente previstos pela Lei – e não por vontade da maioria de credores -, admite a redução e modificação dos créditos e moratórias no seu pagamento, no pressuposto, no que concerne ao crédito do Recorrente, de que as medidas por aquele previstas não estão de acordo com as normas/disposições legais que regem as dívidas à Segurança Social e fiscais, normas que o Recorrente não identifica, concretizando a sua violação na ausência do acordo/autorização da Segurança Social às alterações e condições de pagamento propostas pelo plano[8].
Conforme supra transcrito, dispõe o art. 30º, nº 2 da Lei Geral Tributária que O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se em condições para a sua redução ou extinção com o respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. De acordo com a redação que pelo art. 123º da Lei nº 55-A/2010 (Lei do Orçamento de Estado para 2011) foi conferida ao nº 3 daquela norma, O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial. Consigna-se que ao caso não releva o art.125º da referida Lei (que a Recorrente alega ter sido violado pela sentença recorrida), porquanto corresponde a disposição transitória dirigida aos processos pendentes à data da entrada em vigor das alterações por ela introduzidas que, manifestamente, não urge ser o caso.
Citando acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011, O legislador, retirando do enquadramento legal do CIRE a conceção de que a declaração de insolvência faz extinguir os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado e as instituições de segurança social (art.º 97.º), retomam validade os princípios que informam o nosso sistema tributário no sentido de que a extinção ou redução dos seus créditos fiscais não podem ser perturbados contra a vontade do Estado. (…). Interpretar a lei é tarefa que tem por objetivo a descoberta do seu exato e preciso sentido, partindo-se do elemento literal para se ajuizar da "mens legislatoris" e tendo-se sempre em conta que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9.º n.º 3 do C.Civil); e a lei - artigos 123.º e 125.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12 - impõe que, mesmo no contexto do processo de insolvência, se deve salvar o princípio geral de que o crédito tributário é indisponível, só podendo ser reduzido ou extinto com respeito pela igualdade e legalidade tributária impõe-se no processo de insolvência[9]. Tal posição - da natureza indisponível dos créditos do Estado -, que pouco tempo depois foi reiterada pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 10.05.2012, e a partir daí sucessivamente replicada pela maioria da jurisprudência, pode atualmente dizer-se, unânime[10].
Porém, da citada solução legal, jurisprudencialmente realizada, não resulta como inevitável a ilegalidade do Plano (ou das medidas por ele previstas para os créditos do Estado) sempre que este seja votado desfavoravelmente pela Segurança Social ou pela Autoridade Tributária; apenas e tão só quando não respeite os requisitos ou limites da extinção ou redução das dívidas fiscais ou contributivas nos termos em que estas são legalmente autorizadas, independentemente do sentido de voto - favorável ou desfavorável - daqueles credores.
Com efeito, conforme desde o início o defendemos[11], o nº 3 do art. 30º da LGT não veio (e num Estado de Direito seria no mínimo de estranhar que o fizesse) conferir caráter indisponível ou imperativo ao sentido de voto do credor Segurança Social ou Autoridade Tributária, no sentido de dele depender a aprovação e a validade do Plano de Insolvência e/ou das medidas por ele previstas, transformando-o num voto de qualidade que, no sentido preconizado pelo Recorrente, corresponderia a um verdadeiro direito de veto. A indisponibilidade ou imperatividade da lei vai reportada apenas aos créditos, no que aqui interessa, às condições legais previstas para a respetiva extinção ou modificação, que são juridicamente sindicáveis, e já não ao sentido de voto que pelo credor Estado seja manifestado em sede de votação de Plano (seja no âmbito de PER, seja em processo de insolvência), que o emite como qualquer outro credor, nas condições previstas pelo art. 73º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Assim, a indisponibilidade prevista pelo art. 30º, nº 3 da LGT vai reportada apenas aos créditos do Estado; e o âmbito da inderrogabilidade ou imperatividade do regime de regularização de dívidas ao Estado reporta às condições em que a lei ‘autoriza’ a Autoridade Tributária ou a Segurança Social a autorizar o pagamento em prestações, mas não inclui a autorização destas entidades. Autorização (administrativa) que constitui condição de eficácia da proposta de pagamento em prestações no âmbito do procedimento (administrativo) legalmente previsto para o seu processamento e deferimento, no âmbito das competências (administrativas) da Autoridade Tributária e da Segurança Social (cfr. art. 190º, nº 6 do CRCSPSS e 197º do CPPT), mas que não tem nem pode ter assento e constituir requisito de eficácia do plano prestacional para pagamento de dívidas ao Estado inserido no âmbito mais alargado de um plano de reestruturação do passivo do devedor ‘universalmente’ aprovado em sede procedimento judicial legalmente erigido a motor de promoção da recuperação do agente económico endividado.
2ª Conclusão
O âmbito da inderrogabilidade ou imperatividade do regime de regularização de dívidas ao Estado reporta às condições em que a lei ‘autoriza’ a Autoridade Tributária ou a Segurança Social a autorizar a sua regularização, mas não inclui a autorização destas entidades[12].
Relevante é aferir se as medidas previstas pelo Plano de Recuperação – que, no caso, com exceção do Recorrente, foi aprovado por todos os credores, nos quais se inclui a Autoridade Tributária, titular de crédito de montante superior ao da Segurança Social – violam os limites dos requisitos atinentes com a regularização de dívidas ao Estado, conforme normas que se transcrevem:
Do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social:
Artigo 190.º
Situações excecionais para a regularização da dívida
1 - A autorização do pagamento prestacional de dívida à Segurança Social, a isenção ou redução dos respetivos juros vencidos e vincendos, só é permitida nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte e das regras aplicáveis ao processo de execução fiscal.
2 - As condições excecionais previstas no número anterior só podem ser autorizadas quando, cumulativamente, sejam requeridas pelo contribuinte, sejam indispensáveis para a viabilidade económica deste e desde que o contribuinte se encontre numa das seguintes situações:
a) Processo de insolvência, de recuperação ou de revitalização;
(…).
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, o incumprimento do pagamento das contribuições mensais desde a data de entrada do requerimento constitui indício da inviabilidade económica do contribuinte.
(…).
Artigo 191.º
Condição especial da autorização
As condições de regularização da dívida à segurança social não podem ser menos favoráveis do que o acordado para os restantes credores. 
Da Regulamentação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 1-A/2011 de 03.01, com as sucessivas alterações)
Artigo 81.º
Pagamento em prestações
1 - O diferimento do pagamento da dívida à segurança social, incluindo os créditos por juros de mora vencidos e vincendos, assume a forma de pagamento em prestações mensais, iguais e sucessivas, com o limite máximo de 150.
2 - O número de prestações autorizado para o pagamento depende:
a) Da capacidade financeira do contribuinte;
b) Do risco financeiro envolvido;
c) Das circunstâncias determinantes da origem das dívidas;
d) Do grau de liquidez da garantia.
3 - A taxa de juros vincendos a aplicar no âmbito de pagamentos prestacionais autorizados pode ser reduzida em função da idoneidade da garantia.
(…).
Do Código de Procedimento e de Processo Tributário
Art. 196º do CPPT
Pagamento em prestações e outras medidas
1 - As dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável às dívidas de recursos próprios comunitários e às dívidas resultantes da falta de entrega, dentro dos respectivos prazos legais, de imposto retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiros, salvo em caso de falecimento do executado.
3 - É excepcionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas referidas no número anterior, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou criminal que ao caso couber, quando:
a) O pagamento em prestações se inclua em plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação, e decorra do plano ou do acordo, consoante o caso, a imprescindibilidade da medida, podendo neste caso haver lugar a dispensa da obrigação de substituição dos administradores ou gerentes, se tal for tido como adequado pela entidade competente para autorizar o plano; ou
b) Se demonstre a dificuldade financeira excecional e previsíveis consequências económicas gravosas, não podendo o número das prestações mensais exceder 24 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.
4 - O pagamento em prestações pode ser autorizado desde que se verifique que o executado, pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número das prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.
5 - Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta.
6 - Quando, para efeitos de plano de recuperação a aprovar no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou de acordo a sujeitar ao regime extrajudicial de recuperação de empresas do qual a administração tributária seja parte, se demonstre a indispensabilidade da medida, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior.
(…).
Artigo 198.º
Requisitos do pedido
1 - (…).
2 - (…).
3 - Caso o pedido de pagamento em prestações obedeça a todos os pressupostos legais, deve o mesmo ser objecto de imediata autorização pelo órgão considerado competente nos termos do artigo anterior, notificando-se o requerente desse facto e de que, caso pretenda a suspensão da execução e a regularização da sua situação tributária, deve ser constituída ou prestada garantia idónea nos termos do artigo seguinte ou, em alternativa, obter a autorização para a sua dispensa.
4 - Caso se apure que o pedido de pagamento em prestações não obedece aos pressupostos legais de que depende a sua autorização, o mesmo será indeferido de imediato, com notificação ao requerente dos fundamentos do mesmo indeferimento.
5 - É dispensada a prestação de garantia para dívidas em execução fiscal de valor inferior a (euro) 5000 para pessoas singulares, ou (euro) 10 000 para pessoas coletivas.
Art. 199º
Garantias
(…)
13 - Os pagamentos em prestações ao abrigo de plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação que decorra do plano ou do acordo não dependem da prestação de quaisquer garantias adicionais.
(…).
Conforme já supra exposto, por referência aos termos da reestruturação do crédito da Autoridade Tributária, os previstos para o crédito do Recorrente violam o princípio da igualdade e, assim, o disposto no art. 191º do CRCSPSS, na parte em que prevê redução de 80% dos juros vencidos e a redução da taxa de juros vincendos para 3,5%, e o que por si só concretiza violação não negligenciável de normas imperativas inderrogáveis[13] aplicáveis ao conteúdo do plano (art 215º do CIRE).
Desconsiderando as referidas cláusulas, ‘redutoras’ do crédito do Recorrente, por violadoras de normas imperativas, para além delas resta a medida de pagamento da dívida vencida em 60 prestações.
Nesta parte – pagamento em prestações - duvidas não subsistem, nem tanto é suscitado pelo Recorrente, quanto à imprescindibilidade da medida de pagamento faseado da dívida da Recorrida à Segurança Social para a recuperação financeira desta como ente económico no e para o comércio jurídico. Tampouco o Recorrente se insurge contra o número de prestações propostas para pagamento do seu crédito (60), inferior a metade do máximo legalmente admissível (150), nem contra o montante de cada prestação, superior ao limite mínimo legalmente admissível, sendo certo que, conforme alegado na petição inicial e consta exposto no Plano, à dada da instauração do PER a Recorrida mantinha em cumprimento planos de pagamento com a Segurança Social, sendo que a alegada causa imediata do atual estrangulamento de tesouraria da Recorrida terá sido a rescisão dos acordos de pagamento pela Autoridade Tributária e a subsequente penhora dos bens móveis e créditos da Recorrida pela execução fiscal. Acresce que o pagamento faseado não corresponde a extinção ou a redução dos créditos dele objeto[14].
Nos mesmos moldes se impõe conceder nos riscos, por manifestamente reais, inerentes à recuperação dos créditos do Estado caso a medida de pagamento faseado não seja acolhida, e que decorre do facto de, no confronto com o património conhecido suscetível de integrar a massa insolvente e a preferência de pagamento de que gozam os créditos dos trabalhadores, num cenário de liquidação com muita probabilidade ficaria por satisfazer a totalidade dos créditos do Estado (entenda-se, pelos recursos da devedora, portanto, sem prejuízo da reversão daqueles créditos sobre o gerente ‘fiscalmente’ responsável).
O Recorrente também não invoca a questão da substituição da gerência, sendo que, na ausência de factos que concretamente o justificassem (por referência à concreta atuação/gestão da atual gerente), sequer se vislumbraria pertinente considerando a natureza unipessoal da Recorrida.
Nos termos do citado art. 199º, nº 13 do CPPT, ex vi art. 190º nº 1 do CRCSPSS, a admissibilidade do pagamento em prestações ao abrigo de plano de recuperação no âmbito de PER não depende da prestação de quaisquer garantias, sendo que, ainda que o exigisse, [a]s regras relativas à suficiência de garantias e outras exigências que a administração pública possa postergar (como a substituição de administradores) não são normas imperativas no mesmo e exato sentido da indisponibilidade do crédito tributário, e já não motivarão a recusa oficiosa da homologação.[15]
Finalmente, pelo Recorrente também não vem invocado o incumprimento das prestações vencidas na pendência do PER, enquanto indicio de inviabilidade económica da Recorrida, nos termos previstos pelo art. 190º, nº 3 do CRCSPSS.
No descrito contexto acresce:
- a sobrevivência de um ente económico cuja recuperação foi considerada financeira e economicamente sustentável pela maioria legal representativa do passivo consolidado da Recorrida, correspondente a seis dos respetivos sete credores, incluindo o credor Estado-Autoridade Tributária, que votou a favor;
- a manutenção de postos de trabalho (6+1, conforme listagem de remunerações da Segurança Social junta pela Recorrida) ou, inversamente, o agravamento da obrigação social do Estado através do pagamento dos subsídios de desemprego que sejam devidos e, eventualmente, de créditos laborais sobre a insolvência;
- a natureza dos bens que integram a massa insolvente, de imediata desvalorização no mercado logo que são adquiridos para uso (mobiliário de escritório, equipamento informático e veículos de baixa gama) e que, com toda a probabilidade, num cenário de liquidação, depois do pagamento dos encargos do processo (não inferiores a € 3.000,00), não geraria produto suficiente sequer para pagamento dos créditos dos trabalhadores;
- o cenário da liquidação da massa insolvente impõe-se em absoluto como o mais gravoso para o Estado no confronto com a continuidade da empresa (o que, pragmaticamente, permite até alvitrar que, naquele contexto, a não aprovação do Plano, com consequente irrecuperabilidade e insolvência da devedora, relativamente ao património/rendimentos desta teria como efeito prático a efetiva disposição de um crédito publico indisponível…).
3ª Conclusão
Do exposto se conclui pela admissibilidade legal da medida de pagamento do crédito do Recorrente em 60 prestações mensais e sucessivas proposta pelo plano, por nesta não se surpreender a violação de qualquer norma do regime legal de regularização das dívidas à Segurança Social e, assim, do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários[16].
4. Cumpre agora apreciar do efeito do vício em que se consubstancia a referida ilegalidade das medidas - que fixam a concreta redução do crédito do Instituto da Segurança Social - na validade ou viabilidade jurídico-processual do Plano.
Quer se enverede pela tese da mera ineficácia em relação aos credores tributários[17], quer se enverede pela tese da nulidade das cláusulas ilegais (cfr. art. 280º do CC) com subsequente exclusão das mesmas do plano nos termos da redução de negócios jurídicos previstos pelo art. 292º do CC[18], é pacifico na atual jurisprudência a admissibilidade da homologação do plano de recuperação aprovado com o voto desfavorável dos credores públicos, Autoridade Tributária e Segurança Social, excluindo do âmbito da aplicação/execução do Plano os referidos créditos, com relação aos quais aquele não vai produzir efeitos[19]. De resto, de contrário seria conferir legitimidade/poder ao credor Estado para, independentemente do montante do seu crédito no contexto do passivo da devedora, e a contra-ciclo do objetivo de recuperação empresarial priorizado pela legislação produzida na matéria, gorar todo e qualquer Plano de Recuperação e, assim, impedir a recuperação de agentes económicos que a maioria legal dos credores avaliaram como económica e financeiramente sustentáveis[20].
Mais se infere do já exposto que somos de entender que a inibição da eficácia do Plano aos créditos do Estado em cumprimento do princípio da indisponibilidade dos créditos do Estado previsto pelo art. 30º, nº 2 e 3 da LGT e, este, por referências às normas legais que regulam os termos e limites da regularização dos créditos tributários, apenas se justifica e impõe relativamente às concretas medidas previstas em derrogação de normas imperativas, e não pelo simples facto de os credores públicos terem emitido voto desfavorável, sob pena de atribuição de voto de qualidade que não encontra suporte em qualquer disposição legal. Daqui decorre que a nulidade ou a ineficácia abrange apenas essas concretas medidas ilegais, permanecendo no demais válido e eficaz relativamente a todos os credores, incluindo os de natureza publica.
Por outro lado, naqueles casos impor-se-á previamente indagar junto do devedor, e para que o compromisso seja por este expressamente assumido, se a modificação do plano que resulta da ilegalidade das medidas previstas para os créditos do Estado é suscetível ou não de comprometer a execução/eficácia/cumprimento do Plano[21]. No caso, nas contra-alegações oferecidas pela Recorrida vem por esta (subsidiariamente) requerida a manutenção do plano de forma a que produza efeitos em relação aos demais credores., pelo que assume que a exclusão da reestruturação do crédito do Recorrente nos termos por aquele propostos não põe em causa a viabilidade e o cumprimento da parte não viciada.
4ª Conclusão:
Com fundamento no exposto, resta julgar a apelação parcialmente procedente, no sentido de manter a homologação o plano de recuperação, ressalvando-se a ineficácia, quanto à Segurança Social, das medidas nele insertas sob o ponto A., ii), b) e c), correspondentes a perdão de juros em 80% dos juros vencidos e a Juros vincendos à taxa de 3,5% ao ano.
5. Considerando que pelo Recorrente vinha requerida a revogação, in totum, da sentença recorrida, contra a pretensão da recorrida, manifestada em contra-alegações, da sua manutenção, mas que em alegações ambas concederam na possibilidade da ineficácia parcial das cláusulas previstas para o crédito do Recorrente, que este viu ser parcialmente colhido, as custas da apelação são a cargo de cada uma das partes, na proporção de metade para cada (art. 527º, nº 1 do CPC).
IV– Decisão
Em face de todo o exposto, os juízes desta secção acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, revogando parcialmente a decisão recorrida, declarar a ineficácia, relativamente ao Recorrente Instituto da Segurança Social, das medidas insertas sob os pontos A., ii), b) e c) do Plano de Recuperação objeto de homologação, correspondentes a perdão de juros em 80% dos juros vencidos e a Juros vincendos à taxa de 3,5% ao ano, mantendo-se no demais a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo de cada uma das partes, na proporção de metade para cada.

Lisboa, 22.09.2020
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
Fernando Barroso Cabanelas
_______________________________________________________
[1] Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 39/XII apresentada pelo Governo na Assembleia da Republica em 30.12.2011, que deu origem à Lei nº 16/2012 de 20.04 pela qual se procedeu à sexta alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março.
[2] Preâmbulo do DL 79/2017 de 30.06.
[3] Nuno Ferreira Lousa, Crónica de Jurisprudência dos Tribunais da Relação (2018), Revista de Direito da Insolvência, nº 3, p. 124.
[4] Premência e priorização que, conforme comunicado emitido pelo Conselho de Ministros no passado dia 16 de julho, justificou a aprovação, pelo dito colégio ministerial, de um novo procedimento (PEVE) “Tendo em vista habilitar a recuperação de empresas viáveis institui-se um mecanismo processual temporário, de natureza extraordinária, destinado exclusivamente a empresas que se encontrem em situação económica difícil ou de insolvência, iminente ou atual, em virtude da covid-19.”
[5] Seguimos de perto teor da intervenção da signatária no I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, sob o tema ‘A aprovação e a homologação do plano de recuperação’, 2014, Almedina, p. 69 e s.
[6]  Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2009, p.713. Nesse sentido, entre muitos outros, acórdãos da Relação de Coimbra de 06.11.2012, e da Relação do Porto de 16.09.2013, disponíveis na página a dgsi.
[7] Nesse sentido, vd. acórdão da Relação de Guimarães de 20.02.2014, proferido no âmbito do processo nº 3617/13.OTBBRG.G1, disponível na página da dgsi.
[8] No art. 11º da motivação das alegações de recurso o Recorrente alegou e sublinhou que [q]ualquer autorização da regularização da dívida à Segurança Social deveria ser feita de acordo com as referidas normas, e implicaria sempre o acordo da Segurança Social.
[9] Todos os acórdãos nesta peça citados, estão disponíveis na página da dgsi.
[10] Para além da quase totalidade da jurisprudência aqui citada, entre outros, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 04.02.2016.
[11] Enquanto no exercício de funções como titular de Juízo de Comércio (desde 2009 até 31.08.2019).
[12] Interpretação que se nos afigura confortada pela [l]eitura restritiva das normas que compõem o regime tributário defendida por Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2019, p. 443). No mesmo sentido se enquadrará a posição adotada por acórdão da RC de 01.10.2013, ao defender que [a]lterações como modificações de prazo ou reduções de juros não estão liminarmente proibidas pelas disposições dos art. 189.º e 190.º do CRCSP, dos art. 80.º e 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03-01, e do próprio art. 196.º do CPPT; os quais “grosso modo” admitem, quando tal for indispensável à viabilidade do contribuinte e este se encontre em processo de insolvência ou recuperação, que seja autorizado o pagamento prestacional da dívida e a isenção ou redução dos respectivos juros vencidos e vincendos, sentido que foi replicado no acórdão da RL de 15.05.2014, concluindo que a indisponibilidade dos créditos tributários indisponibilidade de certos créditos [s]erá avaliada, no caso concreto, pela aferição da inexistência de violação não negligenciável de regras aplicáveis ao plano de revitalização, designadamente, de normas que prescrevem a indisponibilidade do crédito. Interpretação que diverge da conclusão acolhida, entre outros, nos acórdãos da RG de 18.06.2013, da RP de 16.09.13 e 10.10.13, da RC de 13.09.2016, e da RE de 24.05.2018.
[13] Para o ano de 2020 o Aviso n 366/2020 da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (DR nº 6/2020 de 09.01.2020), fixou em 4,786% a taxa dos juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
[14] Nesse sentido, acórdão da RL de 15.05.2014.
[15] Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência recente, Porto Editora, p. 67.
[16] Nesse sentido, acórdãos da RC de 01.01.13, da RG de 11.07.13 …
[17] Nesse sentido, acórdãos do STJ de 18.02.2014  10.05.2018, ambos relatados por Fonseca Ramos, disponíveis na página da dgsi.
[18] Nesse sentido, acórdão do STJ de 13.11.2014, relatado por Salreta Pereira, disponível na página da dgsi; e Luis Menezes Leitão, in A Recuperação Económica dos Devedores, Almedina, 2ª ed., p. 63. Solução à qual aderimos por restringir a propugnada ineficácia relativa (em sentido amplo) apenas às cláusulas ilegais/nulas.
[19] Nesse sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 10.05.2012, 18.02.2014, 24.03.2015, 02.06.2015, e 17.04.2018.
[20] O que, nas palavras de Fátima Reis Silva, [r]esulta numa solução algo “esquizofrénica”: o mesmo Estado que faz aprovar e entrar em vigor todo um novo regime de recuperação de empresas no concreto é o Estado que faz naufragar a aprovação ou homologação dos planos de recuperação conseguidos ao abrigo de tal regime. – in Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência recente, Porto Editora, p. 66). Tecendo semelhantes considerações, acórdãos do STJ de 18.02.2014 e de 10.05.2018, ambos relatados por Fonseca Ramos. Neste âmbito, mais se suscita considerar e ter presente que o Estado Português é uno (art. 6º da Constituição da Republica Portuguesa), e os poderes-deveres de que é investido encontram legitimação em pressupostos comuns centrados num interesse uno – o bem comum dos cidadãos (arts. 1º, 2º e 9º da CRP) –, que constitui (deve constituir) o esteio das suas funcionalidades e o princípio informador das respetivas decisões. Neste pressuposto, que se nos afigura incontestável, a esta altura da evolução europeia e nacional do direito insolvencial e pré-insolvencial, e da evolução da prática judiciária e jurisprudencial em que se realiza, e considerando que é o próprio Estado que, pelas directrizes da sua atividade legislativa, vem desde 2012 sucessivamente a afirmar e a reiterar a priorização da recuperação de empresas como vetor absolutamente estruturante no quadro da legislação insolvencial portuguesa, no mínimo permanece incompreensível a divergência, relativamente à mesma realidade empresarial, de sentidos de voto divergentes no seio do próprio Estado (no caso, Autoridade Tributária e Segurança Social).
[21] No mesmo sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina 2019 (reimpressão), p. 446.