Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
92/07.1TELSB-E.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
PRAZO
PRAZO PEREMPTÓRIO
JUSTO IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I-O prazo para requerer instrução tem natureza peremptória, na medida em que o seu decurso extingue o direito de praticar o acto, nos termos do n.º 3 do art. 139.º, do novo CPC.
II-O justo impedimento constitui uma verdadeira derrogação da regra da extinção do direito de praticar um acto pelo decurso de um prazo peremptório.
III-A relevância do evento que constitui justo impedimento decorre do facto de o mesmo obstar à prática do acto no respectivo prazo, não suspendendo nem interrompendo esse prazo.
IV-O tribunal decidiu no momento próprio, não incorrendo em omissão de pronúncia sobre o requerimento da defesa a solicitar nova prorrogação de prazo para requerer instrução - invocando “justo impedimento” com base em dificuldades na consulta do processo -, apesar de aquele requerimento ter sido apresentado muito antes de terminado o prazo fixado para a prática do acto e o tribunal só se ter pronunciado sobre o mesmo após esgotado o aludido prazo e o arguido ter praticado o acto, dentro dos três dias úteis seguintes, se o RAI foi considerado tempestivo e o arguido dispensado do pagamento da multa, reconhecendo o tribunal o alegado “justo impedimento”.
V-As limitações, ocorridas durante alguns dias, à disposição integral e simultânea de todos os elementos do processo, para consulta, decorrentes de problemas relacionados com o elevado número de volumes e apensos, com a iminente mudança de instalações do tribunal, estando o processo já embalado para a respectiva transferência e com o facto de haver vários arguidos com direito a consultar em simultâneo o processo, não atentam contra a natureza pública deste, não integrando a nulidade prevista no art. 86.º, n.º 1, do CPP.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1.Não se conformando com o despacho proferido em 8 de Janeiro de 2016  na Secção Única do Tribunal Central de Instrução Criminal, constante de fls. 1145 destes autos (fls. 14770, dos autos principais), pelo qual foram indeferidas as irregularidades e a nulidade anteriormente arguidas e se tomou posição quanto ao requerido justo impedimento para a prática de acto processual - pedido de abertura de instrução -, o arguido J..., interpôs o presente recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões:

I.O presente recurso tem a sua origem no despacho proferido a fls. 14.770 dos presentes autos, mediante o qual o Tribunal a quo decidiu indeferir (i) o pedido de reconhecimento do justo impedimento para a prática do acto processual enquanto não fosse assegurada aos Arguidos a consulta de todos os elementos do processo (incluindo os apensos e anexos que não se encontravam digitalizados), sob pena de nulidade, e (ii) a irregularidade invocada por omissão de pronúncia sobre o requerido a fls. 14.140 e seguintes antes do termo do prazo fixado - e já anteriormente prorrogado - para abertura da instrução.

II.No despacho recorrido, o Tribunal a quo entendeu que:
i.A limitação à consulta dos autos e à obtenção de cópias e certidões verificada nos presentes autos na pendência do prazo para requerer a abertura da instrução não colidia com a regra publicidade do processo, não se tendo por violado o disposto nos artigos 86.°, n.°s 1 e 6, alínea c), e 89.°, n.° 1, ambos do CPP nem se verificando a nulidade arguida; e que
ii.Não se verificava a irregularidade fundada na omissão de pronúncia sobre o requerimento atinente à falta de acesso aos autos e a (consequente) verificação do justo impedimento para a apresentação do pedido de abertura da instrução por parte dos arguidos até que o processo voltasse a estar disponível para consulta na íntegra, dado que no momento da sua apresentação pelo ora Recorrente não se encontrava esgotado o prazo fixado para a prática do acto processual.

III.No decurso do prazo para requerer a abertura da instrução - prorrogado com fundamento na excepcional complexidade
dos presentes autos -, o ora recorrente, através dos seus
Mandatários, foi informado de que o acesso aos autos estaria
vedado durante o período em que decorresse a mudança de
instalações do departamento central de investigação e Acção
Penal (DCIAP), estimando-se que esse impedimento durasse
aproximadamente uma semana, o que levou a apresentar o requerimento de fls. 14.140 cuja transcrição se encontra vertida na motivação de recurso.


IV.O ora recorrente foi posteriormente informado de que o acesso aos elementos que constam dos autos se faria a elementos que
constam dos autos se faria a pedido, uma vez que o processo não
se encontrava disponível para consulta na íntegra nem existia uma
cópia digital completa que pudesse ser-lhe facultada em sua substituição - os presentes autos não voltaram a estar disponíveis
na íntegra até ao termo do prazo fixado para a apresentação do
requerimento para abertura da instrução (21 de Dezembro de
2015), nem depois dessa data - seja no decurso das férias judiciais
de Natal, seja já depois do seu termo -, mantendo-se o sistema de
consulta a pedido e diferido até à presente data, não obstante o
requerimento do ora Recorrente para que lhe fosse entregue
cópia digitalizada integral dos apensos referidos na acusação
datado de dia 12 de Janeiro de 2016.


V.A regra da publicidade do processo, tal como decorre do artigo 86.°, n.°s 1 e 6, alínea c), do CPP, não se pode considerar observada quando o acesso aos autos depende, como nos presentes autos, da prévia formulação do "pedido específico" de consulta de elementos dos autos, pelo que a tese sustentada no despacho recorrido, com base na promoção do Ministério Público, traz implícita uma limitação processualmente inadmissível à compreensão e ao conhecimento dos arguidos relativamente aos elementos que constam dos autos (que não conhecem, nem têm como conhecer a sua extensão).

VI.O conhecimento dos autos e o exercício cabal e efectivo do direito de defesa dos arguidos só se logram obter com o acesso ilimitado e irrestrito a todo o processo, ou, melhor dito, à integralidade dos autos - cfr., nesse sentido, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.° 395/95, de 5.12.1995, 117/96, de 6.2.1996, ambos disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt e ainda o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 363/2000, de 5 de Julho, proc. n.° 838/98, DR, II série, de 13.11.2000, que julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.°, n.° 1, da Constituição, «os artigos 107. n.° 2, do CPP e 146.°, n° 1, áo CPC  [artigo 140.°, n.° l, do NCPC] (...), quando interpretados no sentido de que a impossibilidade de consulta das actas de julgamento (...) por as mesmas não estarem ainda disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição de recurso da decisão final condenatória em processo penal».

VII.Ao não reconhecer a existência do justo impedimento para a prática do acto processual por um período idêntico ao da falta de acesso à integralidade do processo pelos arguidos, e com isso a nulidade resultante da inobservância do disposto no artigo 86.°, n.° 1, do CPP, o Tribunal a quo aplicou uma norma inconstitucional, extraída por interpretação conjugada dos artigos 86.°, n.°s 1 e 6, alínea c), 89.°, n.° 1,107.°, n.°s 2 a 4, e 287.°, n.° 1, do CPP, e do artigo 140.° do Código de Processo CIVIL (CPC), de acordo com a qual a impossibilidade de consulta da integralidade do processo, depois de proferida a acusação contra o arguido, não constitui justo impedimento para a apresentação do requerimento para abertura da instrução, norma que é inconstitucional por violação do artigo 32.°, n.° 1, da Constituição.

VIII.O entendimento vertido no despacho recorrido apenas se poderia admitir caso os factos que relevam para o reconhecimento do justo impedimento fossem desconhecidos do Tribunal no termo do prazo para a prática do acto processual em causa - sucede, porém, que assim não sucedeu no presente caso.

IX.In casu, apesar de o Arguido ter requerido que fosse reconhecido o justo impedimento resultante da falta de acesso aos autos ainda na pendência do prazo para requerer a abertura de instrução e de o Tribunal a quo ter reconhecido reconhecer a sua verificação limitado no período de 5 a 11 de Dezembro de 2015 -, o despacho sobre esta questão só veio a ser proferido depois de decorrido aquele prazo acrescido dos três úteis em que o acto podia ser praticado mediante o pagamento da respectiva multa.

X.O Tribunal a quo, ao omitir a pronúncia sobre o justo impedimento para a prática do acto num momento em que o mesmo já se verificara, violou o direito à tutela jurisdicional do Arguido e do correlativo dever geral de decisão, aplicando ainda uma norma inconstitucional, por violação dos artigos 20.° e 32.°, n.° 1, da Constituição, extraída por interpretação conjugada dos artigos 107.°, n.°s 2 e 5, do CPP e 140.°, n.° 1, do CPC, de acordo com a qual o Tribunal, perante um justo impedimento existente ou previsível à apresentação do requerimento de instrução no prazo legal, não tem o dever de decidir sobre ele antes do termo desse prazo.

XI.O despacho recorrido violou assim o disposto nos artigos 86.°, n.°s 1 e 6, alínea c), 89.°, n.° 1, 107.°, n.°s 2 a 4, e 287.°, n.° 1, do CPP.
Nestes termos e nos mais de Direito que v. Exas. doutamente suprirão, vem o Recorrente solicitar que o Despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que, reconhecendo a nulidade resultante da violação do artigo 86.°, n.° 1, do CPP, declare o justo impedimento para a prática do acto processual - de apresentação do requerimento para abertura da instrução - enquanto não estiver garantido o acesso à integralidade dos autos por parte dos arguidos.

2.-Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, concluindo do seguinte modo (transcrição):
1.Não se mostra violado o princípio da publicidade, nem os direito de defesa do arguido, na medida em que, pese embora, por força da mudança de instalações do DCIAP, o acesso aos autos tenha estado impossibilitado, entre os dias 5 e 11/12/2015, este não deixou de ter oportunidade para ter acesso aos elementos necessários para preparar a sua defesa.
2.Desde o dia 20/10/2015, o processo esteve na secretaria acessível à consulta da totalidade dos arguidos, tendo a Defesa do ora Recorrente conhecimento da acusação desde 23/10/2015.
3.O prazo para a prática do ato em causa, pedido de abertura da instrução, foi prorrogado, com fundamento na excepcional complexidade dos autos, até ao dia 21 de Dezembro de 2015.
4.Apenas se verificou a efectiva inacessibilidade do processo, para todos os intervenientes, entre os dias 5/12 e 11/12/2015, abrangendo mais concretamente os dias úteis 7, 9, 10 e 11 de Dezembro.
5.Em 02/11/2015, o arguido recebeu a cópia digital do processado principal, bem como do Apenso A, pelo que, pelo menos desde essa data, o processado esteve à sua disposição, para preparação da sua defesa.
6.Não corresponde à verdade que os elementos dos autos se mantiveram indisponíveis após o dia 11/12/2015, uma vez que a secção de processos apenas solicitou que lhe fossem previamente indicados os apensos pretendidos consultar, de forma a permitir a sua disponibilização no dia seguinte, sem necessidade de prévio requerimento ou despacho.

2.-A Defesa do recorrente apenas procedeu a essa indicação no dia 21/12/2015, ficando os apensos pretendidos disponíveis para consulta a partir do dia 22/12/2015, sendo alheio ao Tribunal o facto de apenas o terem feito no dia 05/01/2016.

3.-O Recorrente alega que viola o princípio da publicidade o entendimento de acordo com o qual se tem de fazer uma indicação prévia das peças pretendidas consultar para ser possível obter o acesso às mesmas, depois da dedução da acusação, mas o que não refere é que tal ocorreu na sequência do embalamento do processado, havendo por isso a necessidade de indicar os elementos a consultar, para que os mesmos fossem desembalados e disponibilizados.

4.-Não se verificou qualquer restrição material em sede de acesso a peças processuais, mas tão só uma dilação nesse acesso, a qual, a partir de 11/12/2015, era apenas de 24 horas.

5.-Deste modo, não se pode falar de um entendimento que viola o art.° 89.° do CPP, na medida em que não está em causa uma interpretação desta norma, mas sim um procedimento que foi resultado da circunstância, externa à vontade dos intervenientes processuais, da necessidade da mudança de um grande acervo de processos.

6.-Entre a data em que foi proferido despacho de acusação e o dia 5/12/2015, data em que se concluiu o embalamento destes autos, e após 11/12/2015, a totalidade dos mesmos esteve disponível, após pedido na secretaria, sem qualquer limitação material de acesso ou necessidade de despacho, para ser acedida pelo Recorrente.

7.-Não se mostra assim, violada a regra da publicidade, vigente após a prolação do despacho de acusação, já que o acesso aos elementos dos autos nunca foi negado ou impossibilitado, mas apenas diferido para o dia seguinte ao do pedido especifico dos elementos que se pretendiam consultar.

13.-Deste modo, teve o Recorrente abundante tempo para, tendo acesso a todos os elementos que julgou pertinente analisar, preparar a sua defesa, inexistindo qualquer violação do seu direito de defesa.

14.-Por outro lado, resulta evidente, em face dos factos relatados, que, tendo estado os autos apenas indisponíveis entre os dias 5 e 11/12/2015, não por força de qualquer interpretação das normas legais aplicáveis, mas por força das circunstâncias descritas, não teve lugar a exclusão da publicidade do processo.

15.-Não está aqui em causa uma questão de limitação de acesso aos autos e subsequentemente da publicidade vigente nesta fase processual, mas sim de poderem relevar, para o efeito do art.° 107.° n.º 2 do CPP, os dias em que não estiveram acessíveis os autos (entre 5 e 11 de Dezembro).

16.-O Sr. Juiz de Instrução entendeu, na douta decisão recorrida, aceitar que, por força de, entre os dias 05 e 11/12/2015, ter havido dificuldade de acesso aos autos, reconhecer o justo impedimento e aceitar que a apresentação do RAI no dia 06/01/2016 foi atempada, mandando devolver a multa aplicada pela prática do acto nos 3 dias subsequentes ao fim do prazo peremptório.

17.-O art.° 107.° n.° 2 a 4 do CPP respeita ao justo impedimento, que funciona como limitação ao efeito peremptório do prazo, traduzindo-se num evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática, dependendo de um juízo de ponderação dos motivos indicados.

18.-Não procede a alegação do arguido, de acordo com a qual o Sr. Juiz de Instrução omitiu a pronúncia sobre o justo impedimento para a prática do acto, aquando da apresentação do requerimento de 07/12/2015, no momento em que este já se verificara, interpretando de forma inconstitucional os artigos 107.° do CPC e 140° do CPC.

19.-Na realidade, o Sr. Juiz de Instrução tomou conhecimento dos requerimentos de 07/12/2015 e 12/01/2016 ao mesmo tempo e na ocasião certa, que aconteceu quando o acto foi praticado para além do prazo normal fixado, pelo que não ocorreu a omissão de pronúncia em momento anterior.

20.-Com efeito, o justo impedimento não implica o interromper da contagem do prazo que se encontra em curso quando o mesmo ocorre, mas tão só que seja admitida a prática do acto depois do
decurso do prazo, cabendo parte realizar a prática do acto, ao mesmo tempo que invoca o justo impedimento.


21.-Tendo o Sr. Juiz de Instrução se pronunciado na ocasião certa a favor do justo impedimento, após o decurso do prazo normal de abertura de instrução, não se pode concluir que teve lugar uma omissão de pronúncia.

22.-Deste modo, não assiste razão ao Recorrente quanto à alegada inconstitucionalidade da interpretação dada ao art. 107.° do CPP e 140° do CPC, uma vez que não ocorreu qualquer violação do direito à tutela jurisdicional do arguido e do correlativo dever geral de decisão.

23.-Não se mostram por isso violados os artigos 86.º n.º 1 e 6 al. c), 89.° n.º 1, 107.°  n.º 2 a 4 e 287.° do CPP.

24.-O efeito do acto que o Recorrente pretendia ver praticado fora do prazo, que era a abertura da fase de instrução, foi alcançado na medida em que o Sr. Juiz de Instrução admitiu, por despacho de 14/03/52016, o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo Recorrente.

Entendemos assim, que a decisão recorrida não merece reparo, porquanto aplicou correctamente a Lei e realizou o Direito.

3.-Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto, aderindo à posição assumida pelo Ministério Público na resposta apresentada, pugna pela improcedência do recurso.

4.-Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do CPP, nada mais foi acrescentado pelo recorrente.

5.-Proferido despacho preliminar e obtidos os vistos legais, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.
***

II–FUNDAMENTAÇÃO:

1.Confiramos, em primeiro lugar, o teor do despacho recorrido:
«Fls. 14765 a 14767 – Nos termos e com os fundamentos de facto e de direito constantes da douta promoção que antecede, que aqui dou por integralmente reproduzida indefiro as irregularidades por omissão de pronúncia e nulidade por violação da regra da publicidade.
Notifique com cópia.
A mudança de instalações do DCIAP pode ter causado dificuldades na atempada consulta dos autos.
Reconhece-se o justo impedimento para a apresentação atempada dos RAI’s por parte de J e R e, consequentemente, ordena-se a devolução das quantias pagas em sede de multa pela prática do acto nos três dias posteriores ao seu termo.
Notifique.
Cumprido, devolva à PGR/DCIAP»

Porque aquele despacho remete, na sua primeira parte, para a antecedente promoção do MP, procedemos também à transcrição desta, para melhor compreensão do problema em causa:

«Verificação de justo impedimento e alegada irregularidade e nulidade por violação do princípio da publicidade.

As Defesas dos arguidos J..., a folhas 14140, e R..., a folhas 14238, vieram suscitar a verificação de justo impedimento, no que se reporta ao cumprimento do prazo para requerer a abertura da instrução, porquanto não lhes teria sido conferida a consulta dos autos, necessária para a preparação dos requerimentos de abertura de instrução, durante um período de tempo, que não especificam, devido à mudança de instalações do DCIAP.

Conforme requerimento que antecede, a Defesa dos arguidos J... e F... veio ainda requerer a verificação de irregularidade por omissão de pronúncia, no decurso do prazo vigente para requerer a instrução, sobre o alegado justo impedimento, e a verificação de nulidade, por violação do princípio da publicidade - requerimento de folhas 14685 e seguintes, em original.

Na sequência dos referidos requerimentos foi solicitada à Secção, conforme despachos vertidos nos mesmos, a informação sobre o período de tempo em que se teria verificado essa dificuldade de acesso aos autos, por parte da Defesa, decorrente das operações de mudança de instalações.

Segundo a informação agora prestada a folhas 14334 e seguinte, verificou-se efectiva dificuldade de disponibilizar a consulta do acervo processual que constitui os presentes autos entre a data de 5 de Dezembro, em que se iniciou a mudança, e a data de 11 de Dezembro 2015, mas sempre sem prejuízo da apresentação pela secretaria dos elementos que fossem, em concreto, solicitados para consultar pelos mandatários.

O prazo para requerer a abertura da instrução terá efectivamente terminado no dia 21 de Dezembro passado, terminando na data de hoje o prazo para a apresentação, com multa, relativo à prática do acto nos três dias subsequentes.

Entendemos, em primeiro lugar, que não se verifica a alegada nulidade de preterição da regra da publicidade, vigente após o proferir de despacho final dos autos, porquanto, conforme se evidencia da informação agora prestada, folhas 14335, o acesso aos elementos dos autos nunca foi negado nem impossibilitado, mas apenas diferido para os dias seguintes ao do pedido especifico dos elementos que se pretendiam consultar.

Também se não verifica a irregularidade da pretensa omissão de pronúncia quanto ao alegado justo impedimento, porquanto a possibilidade da prática do acto não se encontra esgotada e a disponibilidade dos elementos processuais para consulta continuou a ser possibilitada - informação de folhas 14335 e face ao disposto no art. 107°-3 do CPP.

Aliás, o prazo para a abertura da instrução chegou mesmo a ser prorrogado, dada a excepcional complexidade dos autos, tendo o prazo normal terminado no dia 20 de Novembro de 2015 e a prorrogação conduzido a que o prazo fosse alargado até à data de 21 de Dezembro passado, conforme decisão de folhas 14000.

Sobre o invocado justo impedimento, previsto no art. 107°-2 do CPP, entendemos que o mesmo se deve traduzir num evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários e que obste à prática atempada do acto .

Face ao informado pela secção, admitimos que tal evento se possa ter traduzido nas dificuldades reconhecidas pela Secção, no período entre 5 e 11 de Dezembro passado, para possibilitar o acesso atempado aos elementos processuais solicitados, admitindo-se que, apenas nesse período, a demora nessa disponibilização de acesso não seja imputável à esfera dos arguidos ora requerentes, atento que a consulta dos autos se encontrava disponibilizada desde o dia subsequente à decisão final proferida em Inquérito, isto é desde 20 de Outubro passado.

Os arguidos requerentes do alegado justo impedimento, J... e R... vieram entretanto a deduzir pedidos de abertura de instrução, já no decurso do prazo de três dias, com sujeição a multa, conforme requerimentos de folhas 14688 e seguintes e 14435 e seguintes, respectivamente .

Pelo exposto, entendemos que devem ser indeferidas as alegadas irregularidade por omissão de pronúncia e nulidade por violação da regra da publicidade, mas reconhecida a verificação de justo impedimento para a apresentação atempada do requerimento de abertura de instrução por parte dos arguidos J... e R..., com a consequente devolução das quantias pagas em sede de multa pela prática do acto nos três dias posteriores ao seu termo.

Remeta os autos ao TCIC, com urgência, para apreciação e decisão quanto à questões acima elencadas, tomando-se após posição sobre os requerimentos de abertura de instrução.»

2. Findo o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra vários arguidos, entre os quais o ora recorrente J....

Na sequência de requerimento apresentado pela defesa, o prazo para requerer instrução, que deveria terminar em 20/11/2015, foi prorrogado até 21/12/2015, beneficiando os arguidos de 50 dias para requererem instrução, em vez dos 20 consagrados na lei.

O arguido J... requereu instrução no dia 6/01/2016, tendo o seu requerimento sido considerado tempestivo, pelo que foi aceite sem pagamento de qualquer multa - apesar de o acto ter sido praticado após o termo do prazo judicialmente fixado -, tendo em consideração as invocadas dificuldades em a secretaria ter colocado à disposição da defesa todos os volumes do processo e respectivos apensos, em simultâneo, tendo em conta o seu elevado número e já estarem empacotados, dadas as contingências decorrentes da mudança de instalações do tribunal, que se processava na altura, condicionamento que se verificou sobretudo no período de 5 a 11 de Dezembro.

 O certo é que, apesar dessas dificuldades relativas à disponibilidade do processo, no seu todo, naquele período de tempo limitado, o recorrente praticou o acto processual que, com tal consulta, visava preparar - apresentação do requerimento de abertura de instrução -, tendo o tribunal concluído pela tempestividade da sua prática, ou seja, sem multa, reconhecendo a existência de «justo impedimento», baseado na aludida dificuldade de consulta dos autos naquele período.

Não corresponde, pois, à verdade, a afirmação do recorrente ao alegar, como fundamento do recurso, que o tribunal “decidiu indeferir o pedido de reconhecimento de justo impedimento para a prática de acto processual”, porquanto, o tribunal reconheceu o justo impedimento que fora invocado.

A prática do acto por parte do recorrente e a subsequente decisão do tribunal que o admitiu, sem multa - apesar de praticado após o termo do prazo fixado -, torna praticamente inútil o presente recurso, por carência de objecto, só não sendo rejeitado com tal fundamento porque, para além da problemática do «justo impedimento», o arguido J impugnou também a parte do despacho que indeferiu a nulidade e irregularidades que antes havia invocado, à volta daquela mesma questão.

Pode, por isso, dizer-se que a divergência do recorrente se resume, na prática, ao momento em que o tribunal se pronunciou, defendendo que se devia ter pronunciado sobre a sua pretensão de imediato e ter reconhecido o impedimento logo que apresentado o respectivo requerimento.

Sem razão alguma.

Nos termos do disposto no art. 107.º, n.º 2, do CPP, «os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade judiciária, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento».

O requerimento em que este é invocado deve ser apresentado no prazo de três dias contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento (n.º 3, do mesmo artigo).

O justo impedimento constitui uma verdadeira derrogação da regra da extinção do direito de praticar um acto pelo decurso de um prazo peremptório. O prazo para requerer instrução tem natureza peremptória na medida em que o decurso do respectivo prazo extingue o direito de praticar o acto, nos termos do n.º 3 do art. 139.º, do novo CPC. “O acto pode, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte” (n.º 4, da mesma norma).

Segundo o disposto no n.º 1 do art.º 140.º, do mesmo Código, “Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato”.

Gozando de uma prorrogação do prazo para requerer instrução, pelo período de 30 dias, ao abrigo do n.º 6 do art. 107.º, do CPP, o recorrente veio em 7/12/2015 requerer que fosse reconhecida a existência de justo impedimento e fosse admitido a requerer instrução para além do prazo, por um período de idêntica duração da referida impossibilidade de acesso aos autos.

A relevância do evento que constitui justo impedimento decorre do facto de o mesmo obstar à prática do acto no respectivo prazo, não suspendendo nem interrompendo esse prazo.

Tendo em conta que as dificuldades invocadas na consulta do processo eram de natureza transitória, por poucos dias e não traduziam uma total impossibilidade, antes sendo possível a consulta dos autos, embora condicionada à prévia identificação dos volumes e/ou apensos que se pretendia consultar, dado estarem já acondicionados em caixas para serem transportados para as novas instalações do tribunal, quando o arguido apresentou aquele requerimento o prazo para requerer instrução ainda não havia expirado e estava ainda longe do seu termo, pelo que, o tribunal, não podia autorizar, nessa altura, a prática do acto fora de prazo porque o acto ainda não tinha sido praticado, nem se sabia quando e se iria ser praticado, podendo sê-lo dentro do prazo. Só depois de findas as aludidas condicionantes e praticado o acto, ou depois de decorrido o prazo fixado para a sua prática sem ter sido praticado, é que o tribunal se podia pronunciar sobre a sua tempestividade e aferir se deveria ou não prorrogar o prazo em função das invocadas dificuldades na consulta do processo, se tal se justificasse.

Como vimos, porque o arguido requereu a instrução dentro dos três dias úteis após o termo do prazo, foi o requerimento considerado tempestivo, tendo-lhe sido perdoada a multa. O tribunal decidiu no momento próprio, não tendo ocorrido qualquer omissão de pronúncia.

Mas, ainda que se entendesse que o tribunal devia ter-se pronunciado imediatamente após entrega do requerimento do arguido a invocar justo impedimento, a única forma de suprir a nulidade decorrente da eventual omissão de pronúncia seria proferir decisão acerca da questão omitida. Ora, o tribunal decidiu a questão pelo despacho ora recorrido, pelo que, com tal decisão, a pretensa nulidade ou irregularidade invocada pelo arguido ficou suprida. Pelo que, deixou, também nessa parte, de ter qualquer utilidade o presente recurso, pois, se tivesse ocorrido alguma nulidade ou irregularidade com o aludido fundamento, a mesma já estaria sanada quando aquele foi interposto.

A terceira questão suscitada pelo recorrente respeita a uma pretensa nulidade resultante da inobservância do art. 86.º, n.º 1, do CPP, do qual decorre que «o processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei».

Todavia, o que esteve em causa nunca foi a natureza pública do processo. O tribunal nunca negou ao arguido o direito de consultar o processo com o argumento de que estava em segredo de justiça. Antes pelo contrário, foi reconhecida a natureza pública do mesmo, bem como o direito de o arguido aceder a todos os elementos do processo, tendo o direito de o consultar na íntegra, nomeadamente para efeitos de preparar o requerimento de abertura de instrução, caso pretendesse requerer esta fase processual. As limitações relativas à disposição integral do processo decorreram exclusivamente de razões de ordem prática, tiveram como fundamento problemas de logística relacionados com o elevado número de volumes e apensos, com o facto de haver vários arguidos com direito a consultar em simultâneo o processo e, essencialmente, derivados das contingências inerentes à mudança de instalações do tribunal, estando o processo já embalado para a respectiva transferência.

Vir, nessas condições, invocar que foi violado o art. 86.º, n.º 1, do CPP, é, no mínimo, um absurdo, subvertendo em absoluto os dados do problema. Especialmente, se considerarmos que ao arguido nunca foi negado o acesso ao processo, ou a qualquer dos seus elementos. As dificuldades práticas na disponibilidade global do processo, pelas razões atrás enunciadas, não têm qualquer correspondência com uma eventual negação do direito em o recorrente consultar o processo ou obter cópias de quaisquer partes dele, coisa que nunca aconteceu, nem o arguido ousa alegar que não lhe foi possível preparar a respectiva defesa até ao momento em que deduziu o requerimento de abertura de instrução, mas apenas que houve dificuldade na consulta em determinado período de tempo.

Aliás, a invocação da violação do aludido art. 86.º, n.ºs 1 e 6, do CPP, é meramente instrumental relativamente à questão fundamental deste recurso, que é, segundo o próprio recorrente, o invocado «justo impedimento para a prática de acto processual», como resulta claramente do pedido formulado ao encerrar as conclusões do recurso, em que aquele solicita que «o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que, reconhecendo a nulidade resultante da violação do art. 86.º, n.º 1, do CPP, declare o justo impedimento para a prática do acto processual – de apresentação do requerimento para abertura da instrução – enquanto não estiver garantido o acesso à integralidade dos autos por parte dos arguidos».

Ora, o «justo impedimento» foi reconhecido pelo despacho recorrido e o acto admitido.

Consequentemente, mostra-se inteiramente prejudicado o pedido formulado, porque já foi satisfeita a pretensão do recorrente.
Sendo, por isso, improcedente o recurso.
***

III–DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso do arguido J..., confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, com taxa de justiça que se fixa em quatro (4) UC.
Notifique.


Lisboa, 24-05-2016


José Adriano
Vieira Lamim