Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21405/16.0T8LSB.L1-1
Relator: ANA ISABEL MASCARENHAS PESSOA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
INTERPRETAÇÃO
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. No contrato de mediação imobiliária, sem prejuízo de as partes poderem manifestar claramente o seu acordo noutro sentido, a melhor interpretação de uma cláusula de teor idêntico ao do art. 19, n.º 4, do revogado DL 211/2004 de 20/08, em conjugação com a norma do art. 18º, nº 2, al. a), do mesmo diploma legal, é a de que a estipulação não afasta a possibilidade de o comitente aceitar negócio que diretamente lhe for proposto por interessado não angariado por mediadora.
II. Não se pode reconhecer que o mediador tem direito à retribuição nesta situação quando tenha obtido apenas um potencial destinatário no negócio, ou seja, alguém que se mostre interessado em celebrá-lo mas que não tenha manifestado acordo com a integralidade dos propósitos delineados pelo cliente do mediador.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO.
Nos presentes autos de ação declarativa de condenação que JB… – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA UNIPESSOAL, LDA. moveu contra DS…, tendo o Réu interposto recurso de apelação da sentença que julgando procedente, por provada, a ação condenou o Réu a pagar à Autora a quantia correspondente a 4% do valor transaccionado por cada imóvel (305.000,00€), quantificado em 24.400,00€ - acrescido de IVA à taxa legal em vigor, acrescido de juros, à taxa legal, vencidos e vincendos desde 7 de Junho de 2016 até efetivo e integral pagamento, foi proferida em 20.07.2018 decisão singular que concedeu provimento à apelação.
Notificada de tal decisão, veio a Recorrida JB… – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. requerer que sobre a referida decisão recaia Acórdão, invocando para o efeito o disposto no artigo 652º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Alegou, em suma, que;
a) As questões suscitadas na alegação e na contra-alegação do recurso não são simples nem foram objeto de apreciação uniforme e reiterada, devendo ser decididas por acórdão;
b) Trata-se, em resumo, de saber se, “in casu”, vendas contratadas no período de vigência de contratos de mediação imobiliária em regime de exclusividade justificaram o pagamento das respetivas comissões, sabendo-se que a denúncia dos contratos ocorreu depois de firmados os contratos-promessa de compra e venda e mediante a invocação de motivos que não são verdadeiros;
c) É que, no caso sob apreciação, o Recorrente invocou perante a Recorrida a perda do interesse em vender (por já não carecer de realizar meios), quando, na verdade, havia já celebrado os contratos promessa de compra e venda dos imóveis em causa;
d) E fê-lo mediante o recurso à falsidade por ter plena consciência de que a subsistência dos contratos de mediação em regime de exclusividade o obrigava ao pagamento à Recorrida das comissões nele previstas;
e) Isto porque a Recorrida desenvolveu todos os esforços com vista a angariações de compradores, apresentou-os ao Recorrente e este, não obstante, tomou a decisão de vender a outros interessados por razões não imputáveis à Recorrida.

Notificados os Recorrentes, vieram os mesmos pronunciar-se, pugnando pela improcedência da reclamação.
Colhidos os vistos legais, cumpre reapreciar de novo, agora em conferência, o mérito da apelação.
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A supra indicada Autora formulou o pedido de condenação do Réu no pagamento à Autora da quantia de €24.632,64 e, bem assim, os juros que, calculados à taxa legal sobre €24.400,00, se vencerem a partir de 1 de Setembro de 2016 até integral pagamento.
Alegou, em suma, que celebrou com o Réu dois contratos de mediação imobiliária, a 20.11.2015, para diligenciar no sentido de conseguir interessado(s) na compra de dois imoveis, que o Réu comunicou à Autora a sua vontade de não renovar os referidos contratos, mas nessa data já tinha celebrado contratos de promessa de compra e venda relativamente a tais frações.
Acrescentou que de acordo com o contratualizado, tendo havido transações de frações autónomas e estando em vigor um contrato de exclusividade, face à venda, entende que lhe é devida a remuneração estipulada.
O Réu foi citado e veio contestar, alegando que as vendas foram realizadas sem a intervenção da Autora, e que dos cinco contratos que celebrou com aquela, esta apenas logrou concretizar um negócio, relativamente ao qual foi paga a comissão.
Concluiu pela improcedência do pedido.
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Dispensada a realização da audiência prévia, procedeu-se à elaboração despacho saneador, à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, que não foi objeto de reclamação.
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Realizou-se a audiência de julgamento, no final da qual foi proferida sentença que, como supra se referiu, julgando procedente, por provada, a ação condenou o Réu a pagar à Autora a quantia correspondente a 4% do valor transacionado por cada imóvel (305.000,00€), quantificado em 24.400,00€ - acrescido de IVA à taxa legal em vigor, acrescido de juros, à taxa legal, vencidos e vincendos desde 7 de Junho de 2016 até efetivo e integral pagamento.
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Inconformado com esta decisão, dela apelou o Réu, formulando as seguintes conclusões:
1. O depoimento de parte só pode ter por objecto factos pessoais de que o depoente deva ter conhecimento.
2. A douta sentença recorrida não pode, com base em considerações do legal representante da Recorrida prestadas em sede de depoimento de parte, retirar conclusões que não configuram factos pessoais da Recorrida e não lhe são desfavoráveis.
3. Está vedado ao Tribunal a quo, que indeferiu a prestação de declaração de partes, tendo apenas admitido os depoimentos de parte da Recorrente e Recorrida, fixar, com base no depoimento do legal representante da Recorrida, a parte final do ponto 19 da matéria de facto provada, pois tal matéria não configura um facto pessoal da Recorrida, nem é um facto desfavorável à mesma.
4. A parte final do ponto 19 da matéria de facto provada configura um juízo conclusivo da parte do legal representante da Recorrida.
5. A matéria de facto constante do ponto 19 dos Factos Provados deve ser alterada, passando a ter a seguinte redacção:
Relativamente ao ….º andar direito do prédio sito na Calçada …, n.º …, em Lisboa, o Recorrente, não obstante ter comunicado à Recorrida em 31 de Março de 2016 que se podia avançar, nunca chegou a receber o contrato de promessa.
6. Mesmo que não seja dado provimento ao recurso da matéria de facto, o que só por mera hipótese se admite, da matéria de facto dada como Provada na douta sentença recorrida não é possível concluir que os negócios visados pela mediação imobiliária não foram concluídos por culpa imputável ao Recorrente.
7. Não consta da matéria de facto provada qualquer facto que suporte a conclusão da douta sentença recorrida, segundo a qual os negócios visados pela mediação imobiliária não foram celebrados por facto imputável ao Recorrente.
8. Da matéria de facto dada como Provada na douta sentença recorrida resulta, inclusivamente, que os negócios visados pela mediação imobiliária não foram celebrados por facto alheio ao Recorrente.
9. Os termos do negócio apresentados pela Recorrida nunca chegaram a ser concretizados ou acordados e muito menos formalizados, ainda que sob a forma de uma mera promessa de compra e venda.
10. A Recorrida não praticou todos os actos necessários à concretização do negócio visado, desde logo, porquanto não enviou ao Recorrente sequer os respectivos contratos promessas dos negócios visados pela mediação imobiliária.
11. Face à matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, não é possível concluir que os negócios visados pela mediação imobiliária não se concretizaram por conduta imputável ao Recorrente.
12. Tendo o Recorrente decidido vender por si as referidas fracções autónomas e tendo realizado tais vendas sem a mediação da Recorrida, mas resultado de contacto directos do Réu junto dos respectivos compradores (cf. ponto 17 e 18 da Matéria de Facto Provada), não é devido à Recorrida, o pagamento de qualquer comissão.
13. Deve, pois, o Recorrente ser absolvido do pedido com as demais consequência legais.
14. Ao assim não entender, violou a douta sentença recorrida, por erro de interpretação, o n.º 1 do art.º 454.º do Código de Processo Civil e o os n.sº 1 e 2 do art.º 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.
Concluiu que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, absolvendo o Recorrente do pedido com as demais consequências legais.
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A Autora contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
a) – A decisão sobre o ponto 19 da matéria de facto não enferma de qualquer erro ou vício;
b) – Os contratos de mediação em causa foram celebrados sobre o regime de exclusividade;
c) – A não concretização dos negócios visados deveu-se a causa exclusivamente imputável ao Rec.te;
d) – O Rec.te recorreu à mentira para dissimular o facto referido na alínea anterior, como se vê da comunicação junta sob o nº 9 com a pet. inicial e do cotejo da data da mesma com as datas das escrituras cujas certidões foram juntas sob os nºs 10 e 11 com esse articulado;
e) – A douta sentença recorrida não infringiu qualquer disposição legal;
Pugnou pela improcedência do recurso, com todas as legais consequências.
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II. Questões a decidir.
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do Apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, impõe-se conhecer das questões colocadas pela Apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo o julgador livre na apreciação e aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Assim, no caso concreto, tendo o Apelante cumprido o ónus a que se reporta o artigo 640º, n.º 1, als. a) a c) e 2, al. a) do Código de Processo Civil relativamente à impugnação da matéria de facto,  importa apreciar e decidir:
- se procede a impugnação da matéria de facto, isto é, se a parte final da matéria de facto vertida no artigo 19º dos factos provados, deve ser considerada não provada; e, consequentemente
- se deve ser o Réu ser absolvido do pedido formulado pela Autora, por não se mostrarem verificados os pressupostos de atribuição à Autora – mediadora imobiliária – da comissão ajustada com o Réu.
                                                   ***
III. FUNDAMENTAÇÃO.
III.1. O Tribunal Recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto o exercício da actividade de mediação imobiliária e gestão de condomínios, sendo titular da licença nº …-AMI, emitida pelo Instituto da Construção e do Imobiliário – conforme documentos juntos a fls. 15/18 e 20, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
2. No âmbito da sua actividade, a 20 de Novembro de 2015, a Autora celebrou com o Reu, dois acordos que denominaram de “contrato de mediação imobiliária”, com os números …/… e …/… - conforme documentos juntos a fls. 22/23 e 25/26, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
3. No âmbito do contrato nº …/…, ficou estipulada a obrigação de a Autora diligenciar no sentido de conseguir interessados para a compra, pelo preço de €330.000,00 (trezentos e trinta mil euros) da fracção autónoma designada pela letra “…”, constituída pelo …º andar direito do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Calçada …, nº … – …-A, em Lisboa descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …/… – …e inscrita na matriz respectiva da freguesia de Santo António sob o artº … - conforme documentos juntos a fls. 22/23, 28/30 e 32/33, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
4. No âmbito do contrato nº …/…, ficou estipulada a obrigação de a Autora diligenciar no sentido de conseguir interessados para a compra pelo preço de €260.000,00 (duzentos e sessenta mil euros, da fracção autónoma designada pela letra “…”, constituída pelo …º andar do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Av. …, nº … a …-…, tornejando para a Rua … nº … a …-…, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …/… – …, e inscrito na matriz respectiva da freguesia de Arroios sob o artº …º - conforme documentos juntos a fls. 25/26, 35/37 e 39/40, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
5. Dos dois acordos supra enunciados, constam as seguintes clausulas:
CLAUSULA 2ª
(Identificação do negócio)
1.A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, pelo preço de [330.000 / 260.000] euros, desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imoveis.
2.Qualquer alteração de preço fixado no número anterior deverá ser comunicado de imediato e por escrito à Mediadora.
CLAUSULA 4ª
(Regime de Contratação)
1.O Segundo Contraente contrata a Mediadora em regime de exclusividade.
2.Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência, ficando a segunda Contraente obrigada a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.
CLAUSULA 5ª
(Remuneração)
1.A remuneração será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e também, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.
2. O segundo contraente obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: a quantia de 4% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
(…)4.O direito à remuneração não é afastado pelo exercício legal ou contratual de preferência sobre o imóvel”
CLAUSULA 8ª
O presente contrato tem uma validade de 180 dias contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de dez dias em relação ao seu termo” - conforme documentos juntos a fls. 22/23 e 25/26 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
6. Por carta registada, datada de 29 de Abril de 2016, que o Réu enviou à Autora, que a recebeu, aquele fez constar:
“….venho por este meio comunicar que não vou renovar todos os contratos de mediação dos Apartamentos, que acabam em breve.
Desejo agradecer a parceria que tivemos e o esforço da vossa parte em ajudar-me em vender os apartamentos.
A razão da não renovação deve-se exclusivamente ao facto de ter conseguido que o Banco me emprestasse o valor que estava a precisar para os novos investimentos.
Quero agradecer especialmente a MM…, que tem trabalhado incansavelmente na tentativa de venda dos mesmos...” - conforme documento junto a fls. 42/43 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
7. No dia 22 de Abril de 2016, o Réu celebrou com EC… e CR…, dois contratos-promessa de compra e venda com eficácia real das duas fracções autónomas, objectos dos contratos de mediação, identificadas em 3 e 4, registados na Conservatória do Registo Predial, na mesma data - conforme documentos juntos a fls. 45/53 e 55/64 e documentos de fls. 28/30 e 35/37 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
8. As escrituras de compra e venda das fracções autónomas identificadas em 4 e 3 foram realizadas nos dias 30 de Maio e 7 de Junho de 2016, respectivamente - conforme documentos juntos a fls. 65/69 e 71/75 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
9. O preço de cada uma das ditas compras e vendas foi de 305.000,00€ (trezentos e cinco mil euros) - conforme documentos juntos a fls. 45/53, 55/64, 65/69 e 71/75 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
10. A Autora publicitou a venda das referidas fracções, em “site” próprio.
11. Foram apresentadas propostas por parte dos interessados na compra do …º andar direito do prédio nº … da Calçada ….
12. Foi apresentada uma proposta por PB…, que ofereceu €285.000,00, tendo o Reu contraposto €300.000,00, o que não foi aceite pelo interessado na compra.
13. Foi apresentada uma proposta por O-P… pelo preço de €310.000,00, comunicada a 28 de Março de 2016, a qual foi aceite pelo Réu a 31 de Março – conforme documento junto a fls. 77/78 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
14. Foi apresentada uma proposta por SM…, pelo valor de €275.000,00, a qual não foi aceite pelo Reu a 9 de Abril de 2016.
15. Quanto ao …º andar da R. … foi apresentada uma única proposta de compra, por VT… pelo preço de €230.000,00.
16. O Reu contrapôs €270.000,00, valor que VT… aceitou em 9 de Abril de 2016 - conforme documento junto a fls. 80 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
17. O Réu depois de manifestar a vontade de aceitar as propostas de compra, decidiu vender por si as referidas fracções autónomas, sem dar conhecimento de tal decisão à Autora.
18. As vendas dos imoveis supra identificados foram realizadas sem a mediação da Autora, conforme foi feito constar nas respectivas escrituras públicas, mas resultado de contactos directos do Réu junto dos respectivos compradores.
19. Relativamente ao ….º andar direito do prédio sito na Calçada …, n.º …, em Lisboa, o Réu, não obstante ter comunicado à Autora em 31 de Março de 2016 que se podia avançar, nunca chegou a receber o contrato de promessa, em virtude de não ter respondido às tentativas de contacto por parte daquela.
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Na mesma decisão considerou-se que, com interesse para a boa decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que:
A. No que concerne ao …º andar direito do prédio nº … da Calçada …, ocorreram 2713 visualizações que geraram 61 potenciais compradores, dos quais 19 com interesse em visitar o mesmo.
B. O …º andar da R. … teve 1803 visualizações, tendo gerado 48 potenciais compradores, 15 dos quais com interesse em visitar.
C. A proposta de 28 de Março de 2016 relativamente ao ….º andar direito do prédio sito na Calçada …, n.º …, em Lisboa, não teve qualquer desenvolvimento por parte da Autora.
D. A Autora não enviou ao Réu qualquer contrato de promessa de compra e venda dos apartamentos, a definir os termos do negócio.
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III.2. Da impugnação do julgamento da matéria de facto.
O objeto do conhecimento do Tribunal da Relação em matéria de facto é conformado pelas alegações e conclusões do recorrente – este tem, não só a faculdade, mas também o ónus de no requerimento de interposição de recurso e respetivas conclusões, delimitar o objeto inicial da apelação – cf. artigos 635º, 639º e 640º do Código de Processo Civil.
Assim, sendo a decisão do tribunal «a quo» o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, desde que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo artigo 640º, a que supra se fez referência, a Relação, como tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia, de acordo com os princípios da livre apreciação (artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), reponderar as questões de facto em discussão e expressar o resultado que obtiver: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo (cf. artigo 662º do Código de Processo Civil).
                                                      *
No caso dos autos, o Apelante entende que o Tribunal errou ao considerar provado no ponto 19 dos factos provados, que a circunstância de o ora Réu nunca ter chegado a receber o contrato promessa ocorreu, em virtude de não ter respondido às tentativas de contacto por parte daquela.
Insurge-se o Apelante contra a circunstância de tal facto ter sido dado como provado com base no depoimento de parte do legal representante da Autora, não configurando, porém, facto pessoal do mesmo, nem consubstanciando um facto desfavorável à Autora.
Procedeu-se à audição integral dos depoimentos de parte e da prova testemunhal produzida em audiência, e, bem assim, à conjugação dos mesmos com a prova documental junta aos autos.
E da concatenação de todos os meios de prova referidos, não pode este Tribunal deixar de concluir que assiste razão ao Apelante neste ponto.
Vejamos.
O Tribunal «a quo» fundamentou a sua convicção no que respeita ao ponto em causa, nos seguintes termos:
“Relativamente ao depoimento de parte, do mesmo resultou a fixação dos factos 12, 14, 15 e 16. Sendo que, de acordo com a sua versão, foram sendo efectivamente feitas propostas, mas o negócio não tinha seguimento porque o "cliente desaparecia".
Quanto ao demais, não tendo resultado qualquer confissão e considerando que do decorrer do mesmo foi evidente que o reu não se enquadra no âmbito do homem médio que vende pela primeira vez um imóvel, mas sim, de alguém habituado às transacções imobiliárias.
Repare-se para o efeito a sua resposta relativamente ao documento de fls. 42, quando refere que não só tinha estes apartamentos para venda, como outros, sendo que dois os pretendeu vender por sua conta. Por conseguinte, a sua resposta ao que entendia do contrato, onde só em dois casos teria de pagar a angariação, tendo em conta a data da carta de fls. 42 e as datas das escrituras, desde logo é pacífico aferir que a sua real pretensão seria a de se esquivar a qualquer pagamento à Autora. Por conseguinte, relativamente ao "desaparecimento dos clientes "entendeu o Tribunal, por manifestamente se demonstrar mais coerente a versão do legal representante da Autora que referiu que, apesar das propostas serem aceites pelo réu e de darem início ao processo de documentação, procederam a várias tentativas junto deste que, simplesmente, saíram goradas. Razão pela qual foi fixado o facto 19 como provado.
Aliás, indirectamente decorreu do depoimento da testemunha RN… quando referiu que, apesar de ter levado interessados seus a ver os imóveis, estes acabaram por não fazer qualquer proposta, pois já havia propostas em cima da mesa e em andamento. Esta testemunha, de forma sumária, descreveu a forma como os contactos são realizados e a concretização dos negócios. Foi ainda pertinente para fixação do facto 10.”
Constata-se ainda na fundamentação da matéria de facto, a referência a que “os factos dados como provados foram demonstrados pelos documentos juntos e bem ainda pelo depoimento das testemunhas inquiridas e por acordo das partes.”
                                                      *
Compulsada a prova documental, verifica-se que dela não resulta qualquer elemento que sequer indicie que o Réu não respondeu a qualquer tentativa de contacto por parte da Autora, no sentido da concretização dos negócios em causa. Na verdade, pese embora tenha junto documentos que comprovam o envio de indicações de interessados na aquisição das frações em causa[1], a Autora não juntou um só documento comprovativo v.g. de uma insistência numa resposta previamente solicitada, no fornecimento de documentos em falta.
Por outro lado, nenhuma das testemunhas ouvidas revelou qualquer conhecimento direto dos contatos eventualmente havidos entre a Autora, ou os respetivos colaboradores, e o Réu. Designadamente a testemunha RJ… foi absolutamente clara em referir que não conhece o Réu, nunca tendo mantido qualquer contacto direto com o mesmo, tendo referido que fez duas visitas à fração sita na Calçada …, momentos em que lhe foi referido pela colega MM… que existiam já negociações relativamente ao imóvel, negociações que não revelou conhecer, muito menos tendo feito alusão a qualquer tentativa de contacto do Réu, que se tivesse gorado.
Atentemos então nos depoimentos prestados pelo Réu e pelo legal representante da Autora.
Importa desde logo referir que tendo sido requeridas declarações de parte e depoimento de parte, apenas este meio de prova foi admitido, tendo o Tribunal recorrido indeferido o primeiro por despacho transitado em julgado[2].
O depoimento de parte” encontra-se previsto no artigo 452.º do Código de Processo Civil, norma que se integra na secção epigrafada “prova por confissão das partes” e no capítulo “prova por confissão e por declarações das partes”.
Conjugando tal enquadramento com o disposto no artigo 352º do Código Civil, temos que a teleologia do instituto consiste obter a confissão, caracterizando-se esta como o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Seguidamente, a lei processual indica no artigo 453 (n.º 3) de quem pode ser exigido o depoimento de parte, estabelecendo nomeadamente no que aos autos respeita, que «cada uma das partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas também o dos seus compartes» e o artigo 454.º, n.º 1 rege sobre os factos que podem ser objeto de depoimento de parte, estatuindo que “o depoimento só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.”
Importa ainda sublinhar a possibilidade de o depoimento de parte ser livremente apreciado quando não tenha carácter confessório, como decorre até do artigo 361.º do Código Civil. Há, pois, que concluir que nada obsta, a que o tribunal na sequência dos poderes que tem de ouvir qualquer pessoa, incluindo as partes, por sua iniciativa, na busca da verdade material, tome em consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais serão livremente apreciadas, nos termos do artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil.
A confissão e o depoimento de parte são, pois, realidades jurídicas distintas, sendo este mais abrangente do que aquela, por ser um meio de prova admissível mesmo relativamente a factos que não sejam desfavoráveis aos depoentes, caso em que ficará sujeito à livre apreciação do tribunal[3].
Ora, o facto em causa – falta de resposta por parte do Réu às tentativas de contacto da Autora – não foi alegado na petição inicial nem na contestação, ou seja, por qualquer das partes.
Admitindo que possa considerar-se que se trata de uma concretizar da alegação de que a falta de celebração dos contratos é imputável ao Réu, em que a Autora sustenta a sua versão, trata-se claramente de um facto que favorece a Autora, na justa medida em que pretende traduzir a imputabilidade ao Réu da falta de conclusão do contrato promessa.
E portanto, trata-se de facto que o legal representante da Autora não pode confessar. E o Réu, por seu turno, afastou tal facto, veementemente, no depoimento que prestou.
Resta agora apurar se tal circunstância se pode ancorar nos esclarecimentos prestados pelo legal representante da Autora. A resposta a esta questão, não pode, em nosso entender, deixar de ser negativa.
Na verdade, o já mencionado JI... prestou um depoimento vago, pleno de hesitações e generalidades, com recurso reiterado a expressões como “imagine que…”, “é frequentíssimo os clientes…”, “em geral…”, “não me recordo”, não tendo, designadamente sabido esclarecer de forma cabal a razão pela qual, segundo alegou, apenas na data da audiência teria tido acesso ao documento junto a folhas 189.
Mas mais. Relativamente às concretas diligências respeitantes aos contratos em causa, nenhum conhecimento direto revelou, esclarecendo desde logo que não teve qualquer intervenção direta nas mesmas e que tudo o que declarou se funda no relato que a sua colaboradora lhe terá feito. E nenhum documento, como se referiu, juntou a Autora, para provar tais alegadas tentativas de contacto infrutíferas, sendo que os e-mails, contactos telefónicos e “sms” seriam facilmente comprováveis documentalmente.
Aludiu vagamente a falta de documentos para realização dos contratos, sem os quais a concretização não podia avançar, sem contudo esclarecer quais os documentos em falta, pois os elementos prediais podem ser solicitados às instituições públicas, e os elementos de identificação do Réu estavam na posse da Autora, como, de resto, resulta dos documentos de folhas 135 a 137, que se referem ao negócio que foi concretizado entre as partes, e relativamente ao qual o Réu pagou a comissão acordada, que a Autora faturou, de tudo decorrendo que não se compreende facilmente a que contactos alegadamente se teria furtado o Réu que inviabilizassem a concretização, por exemplo, de uma reserva do imóvel, se diligências no sentido de solicitar serviços jurídicos para a realização de contrato promessa.
Adiantando um pouco mais, cabe referir que a versão que apresenta e os próprios documentos juntos pela Autora afastam a versão da dificuldade no estabelecimento de contactos com o Réu, que em 9 de Abril, não só recebeu contacto da Autora como lhe respondeu, como demonstra o documento de folhas 80, e, segundo a Autora, e o que o seu legal representante declarou, terá viabilizado a avaliação do imóvel sito na Rua …, e até as visitas efetuadas pela testemunha RN…, necessariamente posteriores à obtenção pela já mencionada MM…, de propostas para o mesmo imóvel.
A falta de resposta do Réu a tentativas de contacto da Autora, que, reitera-se, a Autora não alegou, apenas lhe tendo sido feita referência em sede de audiência pelo respetivo legal representante, não pode assim, em nosso entender, considerar-se demonstrada.
Procede, pois, nesta parte, o recurso.
A matéria de facto é, pois, a considerada na decisão recorrida, com exceção do artigo 19º dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
“19. Relativamente ao ….º andar direito do prédio sito na Calçada …, n.º …, em Lisboa, o Recorrente, não obstante ter comunicado à Recorrida em 31 de Março de 2016 que se podia avançar, nunca chegou a receber o contrato de promessa.”
Quanto ao mais, porque permanecem os mesmos os factos, já supra enunciados, aqui nos dispensamos de os voltar a reproduzir.
                                                     *
III.3. Os factos e o direito.
Vejamos agora se é de manter o enquadramento jurídico feito pelo Tribunal Recorrido.
Em vista dos factos provados, dúvidas não restam acerca da qualificação jurídica dos contratos em causa nos autos, titulados pelos documentos de que folhas 22 a 26 constituem cópia, como de contratos de mediação imobiliária.
E atenta a data de celebração de tais contratos – 20 de Novembro de 2015 – é efetivamente o regime aprovado pela Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro (a que de ora em diante nos referiremos pela expressão RJAMI), o aplicável, atento o disposto no artigo 45º do referido diploma, em consequência do que a lei entrou em vigor no dia 1 de março de 2013.
Não fornecendo o regime vigente uma definição do contrato em causa, de acordo com as normas que compõem o seu regime, pode concluir-se que “o contrato a que se destina a disciplina do diploma é aquele pelo qual uma empresa de mediação imobiliária procura, para os seus clientes, destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta ou o arrendamento dos mesmos, ou o trespasse ou a cessão de posição em contratos que tenham por objeto bens imóveis, mediante remuneração, devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”[4] .
Se é certo que o RJAMI abandonou a referência a uma obrigação da mediadora de efetuar diligências, de tal forma que a situação passiva do mediador passou a poder ser definido, em geral, como um ónus ou uma incumbência, certo é que nos contratos entre as partes celebrados, a ora Autora obrigou-se a diligenciar da forma ali melhor descrita, no sentido de conseguir interessado na compra dos imóveis, conforme resulta expressamente das cláusulas 2ª de cada um deles.
De resto, tendo as partes convencionado o benefício da exclusividade para a ora Autora, nos termos que melhor constam das cláusulas 4ª de cada um dos contratos, sempre esta estaria obrigada a “desenvolver atividade no sentido de obter interessado no contrato e/ou levar as negociações a bom porto”[5] .
                                                     *
A al. g) do n.º 2 do artigo 16º do RJAMI determina que, quando acordado o regime de exclusividade, a referência a tal acordo tem de constar obrigatoriamente do contrato, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa, quer para o cliente.
O RJAMI não estabeleceu, pois, os efeitos da cláusula de exclusividade – antes fez recair sobre as partes o ónus de explicitarem os efeitos de tal cláusula, sob pena de nulidade (não invocável pela empresa de mediação) do contrato.
Como é sabido, o regime anterior ao atual, resultante do Dec. Lei n.º 211/2004, de 20.08, estabelecia no artigo 19º, n.º 4 que convencionando-se a exclusividade, só a mediadora tinha o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação, durante o respetivo período de vigência, cuja interpretação suscitou larga controvérsia na doutrina e na jurisprudência portuguesas, acerca da questão de saber se tal norma permitia apenas afastar a concorrência de outros mediadores, ou inibia também o próprio cliente de celebrar o contrato visado com interessado por si diretamente encontrado[6], isto é, se consubstanciava uma exclusividade simples/relativa, ou absoluta/reforçada.
Afigura-se-nos que, conforme se decidiu no Acórdão da Relação de Évora de 05.11.2015[7], tal norma, em conjugação com a norma do artigo 18º, n.º 2, al. a) do mesmo diploma legal, não afastava a possibilidade de o comitente aceitar negócio que diretamente lhe fosse  proposto por interessado não angariado pela mediadora – um regime de exclusividade absoluta (impeditivo da aceitação de propostas não procuradas por parte do comitente) não decorria da letra da lei.
A exclusividade ali consagrada visava, pois, antes de mais, afastar a intermediação de qualquer outra mediadora, reportando-se, pois, apenas ao direito de promover o negócio intencionado, e devendo ser interpretada restritivamente no sentido de «mediação exclusiva» ou «intermediação exclusiva» [8].
Assim, “e sem prejuízo de as partes poderem manifestar claramente o seu acordo noutro sentido, a melhor interpretação de uma cláusula de teor idêntico ao do art. 19, n.º 4, do revogado DL 211/2004 (só a empresa de mediação tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação) restringe a operacionalidade da cláusula ao afastamento da concorrência, não podendo ver-se como tal a iniciativa do próprio cliente. Por um lado, o campo de regulação do RJAMI é o da atividade empresarial de mediação imobiliária, devendo a cláusula em causa ser lida a esta luz. Por outro lado, a interpretação mais lata contende com as normas dimanadas do princípio da autonomia privada, na sua modalidade de liberdade contratual, que tanto peso têm no âmbito do direito privado, pelo que carece de uma indicação clara das partes nesse sentido.”[9]
No caso dos autos, as partes estabeleceram em ambos os contratos que:
“CLAUSULA 4ª
(Regime de Contratação)
1. O Segundo Contraente contrata a Mediadora em regime de exclusividade.
2. Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência, ficando a segunda Contraente obrigada a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.”
A cláusula em apreço tem, pois, no que à definição da exclusividade contratada respeita, um teor idêntico ao do anterior 19º, n.º 4, devendo entender-se que se trata de uma exclusividade simples, pois do seu teor não resulta expressamente que o comitente se abstém de procurar ele próprio o melhor negócio, dispondo-se a remunerar o mediador no caso em que o consiga diretamente (e não em resultado da atividade de mediação).
Ao ora Réu apenas estava, dessa forma, vedado, contratar outras mediadoras para promover o negócio, mas não celebrá-lo ele próprio com interessado obtido pelos seus meios[10].
                                                     *
Na decisão recorrida entendeu-se que, não obstante as vendas dos imóveis em causa terem sido realizadas sem a mediação da Autora, mas em resultado de contactos diretos do Réu junto dos respetivos compradores[11], à Autora assiste o direito à remuneração acordada.
O artigo 19º, n.º 1 do RJAMI estabelece o princípio geral segundo o qual não basta a celebração do contrato visado para que a mediadora alcance a sua remuneração. É, ainda, necessário que esse contrato seja perfeito, ou eficaz [12].
Para além da conclusão e perfeição o direito à remuneração depende da verificação de um nexo entre a atividade da mediadora e o contrato a final celebrado. A contribuição da mediadora não tem, porém, de ter sido única, sendo suficiente ter-se limitado a dar o nome ou a ter posto em contacto, desde que tal atuação tenha influído de algum modo no negócio.
No caso de contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade, a remuneração acordada é igualmente devida nos casos em que o negócio visado não se concretize por causa imputável ao cliente – é o que estabelece o n.º 2 do artigo 19º RJAMI.
Importa neste caso salientar que a aplicação desta norma implica a prova efetiva de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. A remuneração da mediadora depende, pois, aqui, quase exclusivamente do cumprimento da sua obrigação e do sucesso da mesma.
Para além desta situação, uma outra faz incorrer o cliente da mediadora na obrigação do pagamento da remuneração acordada – aquela em que o cliente infringe a cláusula de exclusividade e celebra o contrato visado com interessado que chegou até si por intermédio de outra mediadora (ou no caso de exclusividade absoluta, com interessado por si diretamente contactado).
Neste caso, a mediadora exclusiva tem direito à remuneração, mesmo não demonstrando nexo de causalidade entre a sua atividade e o negócio celebrado. Tal não decorre do artigo 19º, n.º 2 citado, mas das regras gerais. Tratando-se de um contrato bilateral, a violação da exclusividade acordada torna a prestação da mediadora impossível por causa imputável ao cliente, não o desonerando da contraprestação, nos termos do disposto no artigo 795º, n.º 2 do Código Civil.
A exigibilidade da remuneração e a eventual existência de uma cláusula de exclusividade estão intimamente ligadas: pela cláusula de exclusividade, as partes determinam que o mediador terá direito à remuneração se o contrato pretendido for celebrado durante o período de exclusividade acordado. No caso da exclusividade simples, tal acontecerá sempre que esse contrato tenha sido celebrado em consequência da atividade de outro mediador, mas já não quando resulte da atuação do próprio comitente. Na vigência de uma cláusula de exclusividade reforçada, o direito do mediador existe, qualquer que tenha sido a origem da atividade que levou à conclusão do negócio[13].           
No caso dos autos, acerca da remuneração as partes expressamente estipularam em cada um dos contratos:           
“CLAUSULA 5ª
(Remuneração)
1.A remuneração será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e também, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.
2. O segundo contraente obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: a quantia de 4% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
(…)
4.O direito à remuneração não é afastado pelo exercício legal ou contratual de preferência sobre o imóvel”
A cláusula reproduz, pois, o que resulta do disposto no artigo 19º, ns. 1, 2 e 4 do RJAMI.
No contrato relativo ao prédio sito na Rua …, as partes anteciparam o momento de parte da remuneração (50%) para o da celebração do contrato promessa [14].
Provado, pois, que os contratos celebrados nenhum nexo de causalidade têm com a atividade desenvolvida pela Autora, mostra-se excluído o direito à remuneração reclamada por via do disposto no artigo 19º, n.º 1 do RJAMI.
Importa, pois, atento o regime de exclusividade convencionado, aferir se se verificam os pressupostos de que depende o direito da Autora à remuneração, e que, como supra se referiu, se reconduzem à situação prevista no artigo 19º, n.º 2 do RJAMI, ou ao incumprimento «proprio sensu» da exclusividade por parte do Réu.
Como se concluiu, pressuposto da aplicabilidade da norma é que o contrato visado esteja em vias de se concretizar, isto é, à Autora cabia demonstrar que cumpriu a sua obrigação de encontrar um destinatário para cada um dos negócios em causa, uma pessoa disposta a satisfazer (todas) as condições que o ora Réu estabeleceu para a concretização.
Importa aqui salientar, como se referiu no Acórdão da Relação de Évora de 22.03.2018 já citado, que não se trata apenas de encontrar interessado (termo abandonado pelo RJAMI), mas de angariar um destinatário do serviço – a pessoa ou entidade que celebra com o cliente da empresa de mediação imobiliária qualquer negócio por esta mediado (cf. artigo 2º, n.º 5 do RJAMI).
Ora, os factos provados não permitem considerar que a Autora tenha conseguido mais do que interessar algumas pessoas na celebração de negócio de aquisição das frações em causa.
Porém, dos autos não resulta que qualquer dos interessado tivesse evidenciado vontade efetiva e séria de celebrar os contratos visados nas condições acordadas pelo Réu.
Na verdade, no que respeita ao …º andar direito do prédio n.º … da Calçada …, apenas a proposta de valor de €310.000,00, valor inferior ao previsto no contrato de mediação, foi aceite pelo ora Réu, no que respeita apenas ao valor.
Porém, tal proposta, como consta do documento de folhas 77, que foi apresentada apenas em 28.03.2016 estaria condicionada por avaliação do prédio e aprovação do crédito bancário, ou seja, dependeria, para ser efetiva, de factos futuros e incertos que não dependiam, quer da vontade de qualquer uma das partes no contrato de mediação, quer dos referidos interessados. E quanto a tais factos nada se demonstrou, designadamente não se demonstrou que, no prazo do contrato, a Autora tomou conhecimento de que estavam reunidas as condições para a concretização do negócio (a própria Autora refere na comunicação de folhas 77 desconhecer em absoluto os rendimentos pessoais dos interessados), desde logo, a aprovação do crédito bancário, e menos ainda que o tivesse comunicado ao Réu.
Só isso explica que em 6 de Abril continuasse a dialogar acerca de novas propostas com o ora Réu.
E o mesmo se diga relativamente à fração sita na Rua …. Os factos demonstram que houve acordo relativamente ao valor de €270.000,00 mas nada mais. Desconhece-se as condições em que tal negócio seria celebrado – o prazo, o sinal, se houve ou não reserva, se era necessário o recurso a crédito bancário, sendo que neste caso, se o interessado se dispunha ou não a celebrar contrato promessa, foi feita expressa referência ao pagamento de 50% da remuneração com a celebração do contrato promessa.
A Autora não demonstrou, pois, a efetiva obtenção de um interessado em cada uma das frações, genuinamente interessado e pronto, com as condições reunidas para celebrar os contratos nos moldes em que foram concebidos no contrato de mediação. Não demonstrou negócios, mais do que perspetivados, acertados [15].
E assim sendo, desconhecendo-se a concreta viabilidade dos negócios perspetivados, não pode também concluir-se que os mesmos não foram celebrados ou concretizados por motivo imputável ao ora Réu.
Excluída se mostra pois, verificação dos pressupostos previstos no artigo 19º, n.º 2 do RJAMI, reproduzida na cláusula 5ª, n.º 1 de cada um dos contratos.
Por outro lado, tendo-se supra concluído que a cláusula de exclusividade acordada entre as partes é simples e não reforçada ou absoluta, afastando a concorrência, mas não a possibilidade de o Réu aceitar propostas que lhe fossem apresentadas diretamente, não pode concluir-se pelo incumprimento da cláusula de exclusividade pelo Réu, ao aceitar as propostas que lhe foram apresentadas e nas quais, como resulta expressamente provado, não houve qualquer intervenção da Autora, antes tendo resultado de contactos diretos com o Réu.
 E não se diga que o Réu não comunicou à Autora o desinteresse na manutenção dos contratos, o que fez por comunicação de 29 de Abril de 2016, a fim de evitar que a Autora continuasse a desenvolver atividade no sentido de promover a venda das frações.
E note-se que impondo o legislador que o contrato seja celebrado por um prazo determinado – pois no silêncio das partes o artigo 16º, n.º 3 do RJAMI estabelece o prazo supletivo de seis meses, sendo que no caso foram efetivamente celebrados por seis meses, renováveis - a oposição à renovação, ou denúncia para o termo do prazo, não necessita de ser motivada, pelo que irrelevam os motivos invocados nessa comunicação, designadamente a alegada falsidade dos motivos invocados na denúncia, a que a Autora faz referência no requerimento em que requereu a presente conferência.
Resta concluir.
Não podendo, no caso dos autos, concluir-se que se mostram demonstrados os pressupostos de que depende o reconhecimento à Autora do direito à remuneração, a sentença não pode manter-se.
                                                   ***
IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam em conferência em conceder provimento à apelação e consequentemente, revogam a sentença recorrida e absolvem o Réu do pedido.
Custas pela Apelada, sendo que esta condenação em custas substitui a proferida na decisão sumária, não sendo com ela cumuável (artigo 527º, nos 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
                                                    *
Lisboa, 30 de Novembro de 2018                  

Ana Isabel Mascarenhas Pessoa
Eurico José Marques dos Reis
Paulo Rijo Ferreira

[1] Cf. folhas 77 a 80.
[2] Cf. folhas 168 e 169.
[3] Cf. o Ac. da Relação do Porto de 19-01-2015, proferido no processo n.º 3201/12.5TBPRD-A.P1, acessível em www.dgsi.pt., e toda a jurisprudência e doutrina ali citadas.
[4] Cf. Higina Castelo, “Contrato de Mediação Imobiliária”, Portal Verbo Jurídico | 03-2016, pág.2.
[5] Autora e obra citada, pág. 5.
[6] Cf. Autora citada, “Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado”, 2015, Almedina, págs. 97 e 98.
[7] Proferido no processo n.º 7120/13.0TBSTB.E1, e acessível em www.dgsi.pt.
[8] Cf. por exemplo, os Acórdãos da Relação de Guimarães de 20.04.2010, proferido no processo n.º 7180/08.5TBBRG.G1 e de 04.06.2013, proferido no processo n.º 1264/12.2TBBCL.G1, e o Acórdão da Relação de Coimbra de 18.02.2014, proferido no processo n.º 704/12.5TZOBR.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[9] Cf. Higina Castelo, “Contrato de Mediação Imobiliária”, cit., pgs. 15 e 16.; cf. ainda neste sentido, Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, Revista de Direito Comercial, acessível em https://www.revistadedireitocomercial.com/, 13-07-2017, pg. 249.
[10] Cf. o recente Acórdão da Relação de Évora de 22.03.2018, proferido no processo n.º 7439/16.8T8STB.E1, acessível em www.dgsi.pt.
[11] Cf. artigo 18º dos factos provados.
[12] Cf. Lacerda Barata, “Contrato de Mediação”, Estudos do Instituto de Direito do Consumo”, I, Coimbra, Almedina, 2002, pág. 205
[13] Cf. Maria de Fátima Ribeiro, obra citada, pág. 250.
[14] Cf. fls. 26.
[15] Cf. o Acórdão da Relação do Porto de 03.07.2017, proferido no processo n.º 563/13.0TBVCD.P1, acessível em www.dgsi.pt