Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
60/16.2T8AGH-A.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: HIPOTECA
EXTENSÃO
BENFEITORIAS
CONSTRUÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.– As adições ou acrescentos ocorridos num prédio hipotecado, resultantes de aquisições, não são abrangidas pela hipoteca, desde logo porque esta, em consequência da sua especialidade, não pede estender-se ipso iure aos imóveis adquiridos, uma vez que estes não se encontram especificados no título constitutivo da hipoteca, nem, consequentemente, no registo predial.

2.– Além disso, sendo benfeitoria toda a despesa feita para conservar ou melhorar a coisa, não são benfeitorias as coisas adquiridas e que se vêm juntar à hipotecada, pelo que a hipoteca não se lhes estende­­.

3.– Diferente é o caso das adições ou acrescentos resultantes de novas construções feitas no imóvel hipotecado, as quais só não são abrangidas pela hipoteca quando possam ser juridicamente autonomizadas sem diminuição do valor que o prédio hipotecado tinha antes delas.

4.– Sendo a hipoteca indivisível, ela estende-se a todos os melhoramentos que sejam feitos no prédio hipotecado, ficando a benfeitoria a constituir com ele um todo económico, implicando a correlativa unidade jurídica correlativa.

5.– A solução de a hipoteca se estender às construções resulta de uma interpretação lata da palavra “benfeitorias” inserta no art. 691.º, n.º 1, al. c), do C.C., aí se considerando como benfeitorias as obras destinadas a conservar ou melhorar a coisa, ainda que a transformem, ou seja, que lhe alterem a natureza ou o destino.

6.– Mantém-se, pois, o princípio da persistência do vínculo sobre todo o prédio, independentemente do aumento do seu valor, apenas se admitindo, a possibilidade de o devedor requerer a redução judicial da hipoteca, em consequência da valorização da coisa­.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I–Relatório:


A CEMAH intentou ação executiva contra ZC e AF, fazendo constar do requerimento executivo, o seguinte:
«Por escritura outorgada no dia 1 de fevereiro de 2001 (...) de que se junta cópia com o valor de certidão (doc. n.º 1), o executado AF, então solteiro, constituiu hipoteca a favor da exequente - já registada (doc. n.º 2) - sobre o prédio urbano _____.
A referida hipoteca foi constituída para garantia de todas e quaisquer letras e livranças pela ora exequente descontadas ou a descontar, bem como descobertos em depósitos à ordem e, ou contas com o limite de crédito, até ao limite de, então, 4.500.000$00, ou seja, 22.445,90 €, e nas quais o referido executado AF fosse interveniente individual ou conjuntamente, quer como aceitante, subscritor, sacador, endossante, avalista ou por qualquer forma responsável, bem como os respetivos juros à taxa anual efetiva de 12,68% ao ano, acrescido, em caso de mora, de 4%, a título de cláusula penal, sendo o montante máximo garantido pela referida hipoteca de, então, 7.201.800$00, ou seja, 35.922,42 €.
Por outro lado, por escritura outorgada no dia 16 de agosto de 2002 (...) de que se junta cópia com o valor de certidão (doc. n° 3), o executado AF, então solteiro, constituiu nova hipoteca a favor da exequente - já registada (doc. n.º 2) - sobre o mesmo prédio acima identificado.
A referida hipoteca foi constituída para garantia de todas e quaisquer letras e livranças pela ora exequente descontadas ou a descontar, bem como descobertos em depósitos à ordem e, ou contas com o limite de crédito, até ao limite de 17.500,00 €, e nas quais o referido executado AF fosse interveniente individual ou conjuntamente, quer como aceitante, subscritor, sacador, endossante, avalista ou por qualquer forma responsável, bem como os respetivos juros à taxa anual efetiva de 7,76% ao ano, acrescido, em caso de mora, de 4%, a titulo de cláusula penal, sendo o montante máximo garantido pela referida hipoteca de 25.424,00 €.
Finalmente, por escritura outorgada no dia 23 de maio de 2008 (...) de que se junta cópia com o valor de certidão (doc. n.º 4), o executado AF e a sua mulher ZC, constituíram nova hipoteca a favor da exequente - já registada (doc. n.º 2) - sobre o mesmo prédio supra identificado.
A referida hipoteca foi constituída para garantia de todas e quaisquer letras e livranças pela ora exequente descontadas ou a descontar, bem como descobertos em depósitos à ordem e, ou contas com o limite de crédito, até ao limite de 15.000,00 €, e nas quais os referidos executados fossem intervenientes individual ou conjuntamente, quer como aceitantes, subscritores, sacadores, endossantes, avalistas ou por qualquer forma responsáveis, bem como os respetivos juros á taxa anual efetiva de 7,64% ao ano, acrescido, em caso de mora, de 4%, a título de cláusula penal, sendo o montante máximo garantido pela referida hipoteca de 21.738,00 €.
Tendo como base as três referidas garantias reais foi pela ora exequente concedido aos executados dois financiamentos, um na importância de 39.382,58 €, titulado por uma livrança do referido valor, emitida em 26/05/2008 e com vencimento em 21 de outubro de 2015, subscrita por ambos os executados, que se junta e se dá por reproduzida para todos os efeitos legais (doc. n° 5), e outro na importância de 4.846,32 €, titulado por uma livrança do referido valor, emitida em 31/12/2012 e com vencimento em 31 de Julho de 2015, subscrita por ambos os executados, que se junta e se dá por reproduzida para todos os efeitos legais (doc. n° 6).
 Vencidas as livranças, nenhum dos subscritores das mesmas as pagaram, nem tão pouco amortizaram o capital ou pagaram os juros, pelo que a exequente pretende, e tem o direito de exigir de ambos o pagamento do capital em dívida, que ascende a 44.228,90 €, bem como os juros vencidos e vincendos, desde a data do vencimento de cada uma das livranças até integral pagamento, juros esses à taxa de 12,68% sobre o capital de 22.445,90 €, à taxa de 7,7% sobre o capital de 17.500,00 € e o diferencial de 4.283,00 € à taxa de 7,640%, todas acrescidas de 4% decorrente da mora, juros esses que ascendem até à presente data (21/01/2016) a 1.588,05 €.
O valor total em dívida, nesta data, de capital e juros, ascende a 45.816,95 €, que a exequente pretende e tem o direito de exigir, bem como os juros vincendos às referidas taxas, desde a presente data até integral pagamento.»
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A exequente nomeou à penhora o prédio urbano destinado a estabelecimento comercial _____, ou seja, o prédio urbano acima identificado.
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No dia 11 de março de 2016 foi efetivada a penhora sobre aquele prédio.
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O prédio foi adjudicado à exequente no âmbito do leilão eletrónico realizado no dia 14 de março de 2018.
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No dia 21 de setembro de 2018, o agente de execução notificou o executado AF do seguinte:
«Fica V.ª Ex.ª notificado, na qualidade de Executado, de que o imóvel penhorado, abaixo descrito, foi adjudicado ao ora Exequente, conforme certidão de e-leilão notificada.
Imóvel: Prédio _____.
Pelo que, no prazo de 15 dias, deverá V. Ex.ª proceder à entrega voluntária das chaves.
Mais informo que, caso não seja voluntariamente feito, proceder-se-á à entrega do mesmo de forma coerciva, com o recurso ao auxílio de força pública, arrombando-se a porta caso seja necessário com mudança de fechadura, caso se aplique.»
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Uma vez que o prédio não foi voluntariamente entregue à exequente, esta endereçou ao juiz do processo um requerimento com o seguinte teor:
«CEMAH, exequente no processo à margem referenciado, vem, ao abrigo e nos termos dos artºs. 828º e 861º n.º 3 do C.P.C., expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte:
1– Na sequência da execução acima identificada instaurada contra os executados AF e mulher ZC, foi adquirido pela CEMAH o prédio _____, conforme consta da certidão de encerramento de leilão, cópia se junta (doc. n.º 1), que apresentou a melhor proposta, encontrando-se o imóvel já registado em nome da adquirente, conforme prova a respetiva certidão registral que se junta (doc. n.º 2).
2– Sucede que os executados se recusam a entregar as chaves do imóvel, deduzindo que ainda no mesmo residam,
3– Face ao exposto, nos termos dos art.ºs 828.º e 861.º do CP,C., requer-se que o Agente de Execução, Dr. CM, proceda à entrega do imóvel à adquirente, a, então, exequente CEMAH, investindo-a na posse do imóvel e a esta entregando as chaves do mesmo.»
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Na sequência desse requerimento, foi proferido o seguinte despacho, datado de 30 de novembro de 2018, com a Ref.ª 47375873:
«(...) Antes de mais notifique o Executado AF para esclarecer sob que número se encontra descrito no registo e qual o artigo matricial do “andar superior”, com vista a aferir se o mesmo tem autonomia face ao prédio vendido nos autos e, em caso afirmativo, juntar os respectivos elementos probatórios (certidão de ónus e encargos e cópia da caderneta predial.»
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Notificado desse despacho, o executado AF, mediante requerimento dirigido ao juiz do processo, datado de 22 de novembro de 2019, expôs o seguinte:
«(...) informo que o prédio foi construído para fazer propriedade horizontal conforme projeto levei 8 anos a construir fiz oficina no rés do chão e moradia no 1.º e 2.º andar devido a problema de saúde visto que sou deficiente e à crise não consegui fazer escritura de propriedade horizontal e deixei de puder pagar fui executado até aí tudo certo só que a CEMAH tem uma avaliação do prédio na altura 126.000,00 e foi a leilão como não mostraram o prédio completo só o rés do chão foi mostrado na fotos não hou propostas e a CEMAH ficou por 57.000,00 estou a tentar entrar em contacto com a (OSAE) Ordem Solicitadores Agentes Execução para ver se me mandam as fotos. Só contesto o fato que devia ser mostrado o Prédio completo além do mais o solicitador que foi tirar as fotos disse que era só o rés do chão.»
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Notificada deste requerimento, a exequente apresentou, dirigido ao juiz do processo, o seguinte requerimento:
«(...)
O executado age com manifesta má-fé, pois tem perfeita consciência que se trata dum único prédio, não se tratando dum prédio constituído em regime de propriedade horizontal. Se assim o é, que faça o executado prova dessa situação.
O que efetivamente se trata é que o prédio, aquando do seu financiamento compunha-se duma casa destinada a estabelecimento comercial com 3 divisões (tal como consta na certidão registral) destinando-se esse financiamento concedido pela exequente, cujo incumprimento originou o presente processo, precisamente para a ampliação do prédio do executado, que passou a ter um primeiro andar, não tendo o executado nunca averbado no registo comercia! a alteração efetuada no prédio.
O executado, age com manifesta má-fé, pelo que deve ser ordenada a entrega das chaves do prédio e não, apenas, as do rés-do-chão.»
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Em seguida, a juíza a quo proferiu o seguinte despacho:
«Requerimento de fls. 86 a 88 e 89: Da documentação constante dos autos, designadamente, da cópia da certidão da CRP (cfr. fls. 25 a 27), e da cópia da caderneta predial urbana (cfr. fls. 8 verso), resulta que o prédio vendido nos presentes autos, descrito na CRP sob o n.º _____ (vide edital de venda - cfr. fls. 65) tem as seguintes características: casa, com a área de 46 m2, destinada a estabelecimento comercial com 3 divisões.
E, como tal, será o prédio com essas características que, tendo sido objecto de venda, deverá ser entregue de imediato pelos Executados.
Atenta a posição manifestada pelo Executado a fls. 94, por ora, não se vislumbra necessidade da intervenção da força pública de segurança com arrombamento.
De referir ainda que, não se vislumbrando existir qualquer má-fé por parte do Executado, nada há a determinar neste particular.»
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É deste despacho, com o qual a exequente não se conformou, que vem interposto o presente recurso, cujas alegações, a apelante conclui assim:
«A)- Por escrituras outorgadas nos dias 1 de fevereiro de ___, 16 de agosto de ____ e 23 de maio de ___ os ora, recorridos constituíram hipoteca a favor da, ora, recorrente, sobre o prédio _____;
B)- Nas referidas hipotecas refere-se expressamente "Que esta hipoteca é feita com a máxima amplitude legal e subsistirá enquanto a CEMAH não estiver paga, abrangendo todas as construções, benfeitorias e acessões, presentes e futuras;
C)- Tendo como base as três referidas garantias reais foi, pela ora recorrente, concedido aos executados/recorridos dois financiamentos, um na importância de 39.382,58 €, titulado por urna livrança do referido valor, emitida em 26/05/2008 e com vencimento em 21 de outubro de 2015, subscrita por ambos os executados e outro na importância de 4.846,32 €, titulado por uma livrança do referido valor, emitida em 31/12/2012 e com vencimento em 31 de julho de 2015, subscrita por ambos os executados, empréstimos, esses que se destinaram à ampliação do prédio dado de hipoteca à exequente/recorrente;
D)- Uma vez que os executados não pagaram o valor dos financiamentos concedidos, foi instaurada a presente execução pela, ora recorrente, contra os, ora, recorridos e penhorado o prédio dado de hipoteca, que à CEMAH foi adjudicado por licitação eletrónica, tendo esta procedido ao registo do mesmo a seu favor;
E)- Atendendo que os executados se recusavam a entregar as chaves do imóvel, a exequente/recorrente, por requerimento de 15 de outubro de 2018, ao abrigo e nos termos dos art.ºs 828.º e 861.º do CP.C, solicitou que o Agente de Execução diligenciasse para proceder à entrega do imóvel à adquirente, ora recorrente;
F)- Os executados/recorridos vieram alegar que só entregariam a chave do rés-do-chão e não a do piso superior, conforme ofício de 27 de novembro de 2018, tendo, no entanto, o executado admitido expressamente ter ampliado o prédio com o intuito de o transformar num prédio no regime de propriedade horizontal, mas, por motivos de saúde não o fez, tendo as fotos constantes do leilão mostrado, apenas, a parte do prédio que corresponde ao rés-do-chão;
G)- A exequente/recorrente, por requerimento com a referência 31338601, datado de 23 de janeiro de 2019, referiu que o prédio, aquando do financiamento compunha-se, apenas, de estabelecimento comercial com três divisões, destinando-se o financiamento por si concedido, precisamente, para a ampliação do referido prédio, que passou a ter um primeiro andar, nunca tendo o executado/recorrido averbado no registo predial a alteração efetuada no prédio;
H)- Por despacho de 6 de março de 2019, com a referência 47754955, do qual a exequente/recorrente foi notificada no dia 20 de março, a M.ª Juiz determinou que o prédio vendido tem as seguintes características: casa, com a área de 46 m2, destinada a estabelecimento comercial com três divisões, sendo esse prédio com essas características que deveria ser entregue pelos executados;
I)- A decisão da M.ª Juiz de determinar a entrega das chaves, apenas, do estabelecimento comercial, atendendo à descrição do prédio no seu cadastro predial, não tem qualquer suporte legal, tanto mais que a realidade predial não está retratada no registo;
J)- A este propósito, refere a Dr.ª Madalena Teixeira, Conservadora do Registo Predial e membro do Conselho consultivo do IRN, num texto publicado na sequência duma comunicação oral proferida em 11 de dezembro de 2014 no Seminário "Cadastro Predial e Gestão Municipal do Território" "Até agora, o narrativo do prédio oferecido pelo registo é essencialmente alicerçada no que o interessado declaro corresponder à realidade material... Por isso, na jurisprudência o entendimento é pacífico: a presunção derivada do registo não se estende a área, às confrontações e aos limites do prédio, porque assentes na mera declaração das partes" (...);
K)- Sendo inquestionável que todo o prédio - rés-do-chão e piso superior se trata dum único prédio (até pela confissão do executado/recorrido) - o despacho do qual se recorre manda entregar algo que não existe com qualquer autonomia, pois o prédio que tinha a área de 42 m2 e três divisões, foi ampliado;
L)- A decisão a determinar a entrega do rés-do-chão, onde está instalado o estabelecimento comercial, com a área de 42 m2, quando não tem qualquer autonomia relativamente ao prédio no seu todo} é nula, nos termos do art.º 280.º do CC, porque tal obrigação é juridicamente impossível;
M)- Há, por outro lado, urna manifesta desconformidade entre a matéria de facto, ou seja, que o prédio é atualrnente composto por rés-do-chão e um piso superior destinado a habitação (como reconhece o executado/ recorrido) e a decisão de mandar entregar apenas a parte que é composto pelo estabelecimento comercial, o que gera, salvo melhor opinião, a nulidade do despacho, nos termos do art.º 616.º, n.º 1 al c) do C.P.C.;
N)- Finalmente, o despacho, ao não especificar os fundamentos de direito que o justifica, gera também a sua nulidade, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b) do C.P.C., que expressamente se invoca;
O)- Deve, por isso, o despacho proferido ser revogado, devendo, ao invés, ser determinado a entrega à exequente, ora Recorrente, as chaves do prédio _____, independentemente da sua área e composição atuais,
P)- Caso assim não se entenda - o que por mera hipótese se refere - deve declarar-se sem efeito a venda efetuada, ordenando-se a sua repetição, com novas fotos a serem inseridas na plataforma de licitação eletrónica, anulando-se, desde, então, todo o processado, assim se fazendo
JUSTIÇA.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II–ÂMBITO DO RECURSO:

Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação do apelante, neste recurso importa decidir:
a)- da nulidade do despacho recorrido;
b)- da revogação do despacho recorrido e da sua substituição pro outro que determine a entrega do prédio à exequente independentemente da sua área e composições atuais.
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III – FUNDAMENTOS:

3.1–Fundamentação de facto:
A factualidade relevante para a decisão do presente recurso é a vertida no relatório que antecede, a que acresce o seguinte:
1 No dia 1 de fevereiro de ____, entre o executado AF, como primeiro outorgante, e a exequente, como segunda outorgante, foi realizada escritura pública de hipoteca, da qual consta, além do mais, o seguinte:
«(...) - Que por esta escritura, ele primeiro outorgante constitui, a favor da CEMAH (...) hipoteca sobre o prédio _____, composto de casa destinada a estabelecimento comercial, com a superfície coberta com quarenta e seis metros quadrados, inscrito na respetiva matriz sob o artigo _____, descrito na CRP sob o número _____, ao qual atribui o valor de cinco milhões e quinhentos mil escudos.
(...)
- Que esta hipoteca é feita com a máxima amplitude legal e subsistirá enquanto a CEMAH não estiver paga, abrangendo todas as construções, benfeitorias e acessões, presentes e futuras (...)»;
1-APela AP. _____, foi inscrita na CRP, a favor da exequente, a hipoteca voluntária referida em 1.;
2 – No dia 16 de agosto de ____, entre o executado AF, como primeiro outorgante, e a exequente, como segunda outorgante, foi realizada escritura pública de hipoteca, da qual consta, além do mais, o seguinte:
«(...) - Que por esta escritura, ele primeiro outorgante constitui, a favor da CEMAH (...) hipoteca sobre o prédio _____, composto de casa destinada a estabelecimento comercial, com a superfície coberta com quarenta e seis metros quadrados, inscrito na respetiva matriz sob o artigo _____, descrito na CRP, sob o número _____.
- A este prédio foi atribuído o valor de cinquenta mil euros.
(...)
- Que esta hipoteca é feita com a máxima amplitude legal e subsistirá enquanto a CEMAH não estiver paga, por prazo que poderá ser superior a cinco anos, abrangendo todas as construções, benfeitorias e acessões, presentes e futuras (...)»;
2-APela AP. _____ foi inscrita na CRP, a favor da exequente, a hipoteca voluntária referida em 2.;
3 – No dia 23 de maio de ___, entre os executados AF e mulher, ZC, como primeiros outorgantes, e a exequente, como segunda outorgante, foi realizada escritura pública de «Hipoteca e Procuração», da qual consta, além do mais, o seguinte:
«(...) - Que por esta escritura, o primeiro outorgante, com o consentimento da primeira outorgante, constitui, a favor da CEMAH (...) hipoteca sobre o seguinte prédio: prédio ____, que se compõe de casa destinada a estabelecimento comercial, com a superfície coberta de quarenta e seis metros quadrados, inscrito na respetiva matriz sob o artigo _____, descrito na CRP, sob o número _____, tendo a CEMAH atribuído ao prédio o valor de cento e vinte e cinco mil trezentos e oito euros e trinta e um cêntimos.»
(...)
- Que esta hipoteca é feita com a máxima amplitude legal e subsistirá enquanto a CEMAH não estiver integralmente paga, abrangendo todas as construções, benfeitorias e acessões, presentes e futuras (...)»;
3-A Pela AP. ____ foi inscrita na CRP, a favor da exequente, a hipoteca voluntária referida em 3.;
4 – Pela Ap. ____, foi registada na CRP, a aquisição a favor da exequente, por compra em processo de execução, do prédio, do prédio identificado em 1. a 3. supra.

Motivação:

O Tribunal considerou:
- quanto aos enunciados de facto descritos em 1. a 3., o teor das escrituras públicas cujas cópias constam de fls. 7 a 12, 28 a 34 e 35 a 41.
- quanto ao enunciado de facto descrito em 4., o teor de certidão predial de fls. 64.
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3.2 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
3.2.1 – Da nulidade do despacho recorrido:
Nos termos das als. b) e c) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C., é nula a sentença quando:
(...)
b)- Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)- Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O art. 615.º do C.P.C. é aplicável aos despachos, conforme flui do art. 613.º, n.º 3, do C.P.C.
Sem necessidade de grandes considerandos, por desnecessários, entendemos que o despacho recorrido não padece:
i) de qualquer um dos vícios referidos na al. c);
ii) do vício a que se reporta a 1.ª parte da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C.. É que não pode confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que, tal como salientam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC/13, ao escreverem, obviamente com referência ao CPC/61[1], que «para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.»[2]. Por outras palavras, só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão, pode conduzir à nulidade suscitada; já a simples insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afetar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Pode entender-se que que o despacho recorrido se encontra deficiente, insuficiente ou até mediocremente fundamentado, e assim será, mas isso não acarreta a sua nulidade por falta de fundamentação nos termos da 1.ª parte da al. al. b) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C.

3.2.2 – Do enquadramento jurídico:
Dispõe o art. 712.º, do Código Civil[3], que «hipoteca voluntária é a que nasce de contrato ou declaração unilateral.»
No caso concreto, nasceram de contratos, as hipotecas constituídas a favor da CEMAH[4], tendo por objeto um prédio urbano (art. 668.º, n.º 1).
Nos contratos dos quais nasceram as hipotecas em causa nestes autos, as partes fizeram constar, ao abrigo do princípio da autonomia privada e da liberdade contratual (art. 405.º, n.º 1), que as mesmas eram feitas com a máxima amplitude legal e subsistirá enquanto a CEMAH não estiver integralmente paga, abrangendo todas as construções, benfeitorias e acessões, presentes e futuras.
Esta cláusula, para o que aqui e agora interessa, está, aliás, em sintonia com o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 691.º, segundo a qual, a hipoteca abrange as benfeitorias[5].
Benfeitorias são, tal como resulta do art. 216.º, n.º 1, «todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.»
Acerca da al. c) do n.º 1 do art. 691.º, esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela que «diferentes das benfeitorias são as chamadas adições ou acrescentos. Pode haver adições resultantes de aquisições (ex.: o proprietário de um prédio rústico hipotecado junta-lhe um terreno contíguo que adquiriu) e adições resultantes de novas construções (ex.: o proprietário de um prédio urbano hipotecado acrescenta-lhe um novo andar).
Pelo que respeita às adições resultantes de aquisições, deve entender- se que não são abrangidas pela hipoteca, além do mais porque esta, em consequência da sua especialidade, não pede estender-se ipso iure aos imóveis adquiridos, uma vez que estes não se encontram especificados no título constitutivo da hipoteca, nem, consequentemente, no registo predial (...).
Pelo que respeita, porém, às adições resultantes de novas construções feitas no imóvel hipotecado, deve entender-se que a hipoteca só as não abrange quando possam ser juridicamente autonomizadas sem diminuição do valor que o prédio tinha antes delas. Assim, se o proprietário de um prédio urbano hipotecado lhe acrescenta um novo andar, que constitua uma unidade independente para efeito de propriedade horizontal, a hipoteca não deverá abrangê-lo - o que permitirá ao proprietário constituir sobre ele uma hipoteca de primeiro grau porventara necessária para obter o financiamento destinado à construção). Mas se o proprietário de um terreno aí levantar um edifício, já a hipoteca deverá abrangê-lo, pois a autonomização da nova construção faria diminuir o valor que o terreno tinha anteriormente e prejudicaria, por conseguinte, o credor hipotecário (...); no sentido de que a hipoteca abrange tanto os novos edifícios, como os novos andares assentes nos que já existiam à data da constituição da hipoteca, vide o Parecer da Procuradoria-Geral da República, de 23 de Novembro de 1967, no B. M. J., n.º 177, págs. 97 e segs.).»[6].
No mesmo sentido já se pronunciava Vaz Serra: «(...) o novo Código Civil, dispondo (art. 691.º, al. c)), que a hipoteca abrange as benfeitorias, deixa omisso se estas compreendem as construções.
Entende-se, não obstante, que, sendo benfeitoria toda a despesa feita para conservar ou melhorar a coisa (art. 216.º, n.º 1), não são benfeitorias as coisas adquiridas e que se vêm juntar à hipotecada (pelo que a hipoteca não se lhes estende: assim se o autor da hipoteca de um andar comprar outro andar, a hipoteca não abrange este), mas são-no as obras feitas para beneficiar a coisa hipotecada (estendendo-se-lhe, portanto, a hipoteca: assim, se o autor da hipoteca de uma casa lhe acrescentar dependências ou mesmo um andar, com a fim de a beneficiar, a hipoteca compreende as novas construções).»[7].
Foi exatamente o que sucedeu na situação a que se reportam os presentes autos.
Como salienta Maria Isabel Helbling Menéres Campos, «sendo a hipoteca indivisível, estende-se a todos os melhoramentos que hajam sido feitos, ficando a benfeitoria a constituir um todo económico com o prédio hipotecado, que implicará a unidade jurídica correlativa. Mantém-se o princípio da persistência do vínculo sobre todo o prédio, independentemente do aumento do valor do bem. Admite-se apenas a possibilidade de o devedor requerer a redução judicial da hipoteca, nos termos do art. 720.º, n.º 2, alínea b), em consequência da valorização da coisa.»[8].
Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, afirmam que «(...) atendendo a uma visão dinâmica deste direito, a hipoteca mantém-se não obstante as alterações materiais verificadas na coisa, seja por via de redução ou aumento, derivadas nomeadamente de acessão natural (arts 1327º e ss do CC) ou benfeitoria, como dispõe o art 691º do CC. Atendendo a esta visão dinâmica, o direito do credor hipotecário continuará, de modo inalterado, a incidir sobre a coisa, apesar da sua valorização ou desvalorização, mesmo que derivada de causas externas, podendo, no caso da desvalorização, exigir a substituição ou o reforço da hipoteca (art 701º CC).»[9].
Importa notar, face à acima transcrita informação prestada pelo executado no dia 22 de janeiro de 2019, constante de fls. 67, e considerando as datas das escrituras de constituição das hipotecas, que a construção, pelos executados, dos dois pisos ou andares superiores («moradias no 1º e 2º andar», como diz o executado AF), só poderá ter ocorrido depois da constituição das hipotecas (recorde-se que a primeira foi constituída em 1 de fevereiro de 2001) e antes da penhora do imóvel na ação executiva que a CEMAH lhes moveu e na qual veio a adquirir o prédio _____, composto de casa destinada a estabelecimento comercial, com a superfície coberta de 46 m2, inscrito na respetiva matriz sob o art. ____, descrito na CRP, sob o n.º ____.
É que, a penhora, estando em causa credor hipotecário que já tem garantia real anterior, tem como efeito imediato a perda dos poderes jurídicos do proprietário sobre o bem apreendido, os quais se transferem para o tribunal, deixando o executado de poder dispor juridicamente da coisa, pois que todos e quaisquer atos de alienação ou oneração serão ineficazes quer em relação ao exequente, quer em relação a eventuais credores reclamantes.
Não faria, assim, qualquer sentido que a realização pelos executados das benfeitorias, ou seja, a edificação dos dois pisos superiores, o primeiro e o segundo andares, tivesse ocorrido depois da penhora.
Como se refere no Ac. da R.L. de 20.12.2017, Proc. n.º 773/16.9T8PRT.L1-2, in www.dgsi.pt, constitui, precisamente, uma das vantagens da hipoteca, enquanto garantia real, que apesar da afectação do valor de um imóvel à garantia das obrigações, não ocorra desapossamento do proprietário – os bens não saem, pois, da posse do autor da garantia.
Por isso, tal como se afirma no Ac. STJ de 17/5/2007, in www.dgsi.pt, «seria contrário ao seu destino económico que (aqueles bens) não pudessem ser valorizados». Mas, tal como logo se acrescenta nesse acórdão, «podem-no ser a risco do possuidor. Caso contrário (…) a distinção do que é objecto da hipoteca e o que é objecto da sua valorização poria em causa a eficácia económica da garantia.»
O Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 23 de Novembro de 1967[10], aborda exaustivamente a questão de saber «se as novas edificações ou construções urbanas, implantadas num prédio ou terreno posteriormente ao registo de hipoteca, serão ou não abrangidas por esta ipso jure, ou somente quando uma cláusula nesse sentido tenha sido introduzida na respetiva escritura», mencionando-se que tal Parecer respondeu a essa questão, após aprofundada investigação, no sentido de que, «quer em face do artigo 891º do Código Civil de 1867, quer perante o artigo 691º do Código vigente, a hipoteca, constituída sobre um terreno, estende-se ipso jure aos edifícios nele posteriormente incorporados».
O referido Parecer analisa o conceito de benfeitoria para os efeitos do art. 691.º, n.º 1, al. c), considerando que a solução de a hipoteca se estender às construções resulta de uma interpretação lata da palavra “benfeitorias” inserta naquele preceito, considerando-se aí como benfeitorias as obras destinadas a conservar ou melhorar a coisa, ainda que a transformem, ou seja, que lhe alterem a natureza ou o destino.
Assiste, assim, razão à exequente CEMAH, pois que lhe foi adjudicado em venda através de leilão eletrónico, o prédio penhorado na ação executiva, relativamente ao qual era titular de um direito real de garantia consubstanciado nas hipotecas acima referidas, as quais abrangem as construções, as obras, andares, ou «moradia no 1.º e 2º andar», como lhe chama o executado AF, pois que não têm autonomia económica ou jurídica relativamente ao prédio hipotecado a favor da exequente, penhorado e por ela adquirido naquela ação.
Por isso, carece de fundamento o, diga-se em abono da verdade, e salvo o devido respeito, deficientemente fundamentado despacho recorrido, que singelamente se limitou a referir elementos descritivos constantes da matriz e do registo prediais, para concluir que «será o prédio com essas características que, tendo sido objecto de venda, deverá ser entregue de imediato pelos Executados», olvidando por completo:
a)- a natureza das construções erigidas ao nível do 1.º e do 2.º andares, destituídas de autonomia económica e jurídica relativamente ao prédio hipotecado a favor da exequente, penhorado e por ela adquirido na ação executiva;
b)- que essas construções, devido àquela falta de autonomia, ficaram a constituir um todo económico com o prédio hipotecado, implicando, correlativamente, uma só unidade jurídica;
c)- o aludido princípio da indivisibilidade das hipotecas constituídas a favor da exequente, que as tornam extensíveis às construções referidas em a).
Em conclusão: o prédio hipotecado, penhorado e adquirido pela exequente é o mesmo e único, antes e depois da construção dos 1.º e 2.º andares.
Assistindo inteira razão à exequente, não pode subsistir o despacho recorrido, impondo-se a sua revogação.
*

IV–DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar a apelação procedente, em consequência do que, revogam o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que determine a entrega à exequente/adquirente CEMAH, do prédio _____, nele se compreendendo as construções efetuadas pelos executados ao nível do primeiro e segundo andares.
Custas pelos apelados (art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).


Lisboa, 8 de outubro de 2019


(Acórdão assinado eletronicamente)

Relator
José Capacete

Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara


[1]A norma contida na 1ª parte da al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC/61 é idêntica à contida na 1ª parte da al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC/2013.
[2]Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 670-672.
[3]Pertencem ao Código Civil as disposições legais que doravante vierem a ser citadas sem indicação da respetiva fonte.
[4]Doravante identificada por CEMAH.
[5]«Salvo o direito de terceiros»,   questão que não se coloca nestes autos.
[6]Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1987.
[7]R.L.J., Ano 101.º, n.º 3376, pp. 295-296.
[8]Da Hipoteca, Caracterização, Constituição e Efeitos, Almedina, 2003, pp. 64-65.
[9]Garantias de Cumprimento, 3.ª Edição, Almedina, 2002, pp. 178-179.
[10]B.M.J., 177º, pp. 97 ss.