Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
99/13.0TBVFX-B.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. No contrato de abertura de crédito um estabelecimento bancário obriga-se a ter à disposição do cliente uma soma de dinheiro que este tem possibilidade de utilizar, mediante uma ou mais operações bancárias.
II. No âmbito do CPC/95, face ao disposto no n.º 1 do artigo 46º, à execução podiam servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constante, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;
III. Não constitui título executivo, para efeito do disposto no preceito referido, um documento particular denominado “proposta/contrato de crédito em conta corrente” desacompanhado do extracto de conta corrente, que demonstre a concretização das operações subsequentes de disponibilização do capital ao mutuário e eventuais pagamentos parcelares efectuados.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
A…Limited intentou ação executiva para pagamento de quantia certa contra B…, apresentando como título executivo um documento particular intitulado “proposta/contrato de crédito em conta corrente”
Citado o Mº Pº, nos termos do artº 21º do CPC e em representação do ausente veio o mesmo deduzir  embargos, pedindo a procedência e a extinção da execução. Em abono da sua pretensão alega, em síntese, que a execução assenta num contrato de adesão e em documento intitulado “Proposta/Contrato de Crédito em Conta Corrente”, celebrado entre a credora originária “G…, I.F.I.C.” e o executado, nos termos da qual aquela concedeu a este um crédito no montante de € 6.000,00, a ser pago em prestações mensais e sucessivas. Alega que a credora originária lhe transmitiu o crédito por via de um “Contrato de Cessão de Créditos, possuindo, por isso, legitimidade para demandar nesta acção, e que o executado não liquidou parte das prestações vencidas, pelo que vem peticionar o pagamento das prestações vencidas acrescidas de juros moratórios e das prestações vincendas, na sequência da resolução do contrato. Refere que em termos de título executivo o documento que consubstanciar um contrato de concessão de crédito pessoal será título executivo, em execução fundamentada no incumprimento do mesmo contrato e na respectiva resolução pelo credor, quando a quantia exequenda coincidir com o valor das prestações não pagas, correspondentes ao capital mutuado em singelo, o que não ocorre nos autos. Alega ainda que os documentos juntos como título executivo não podem configurar um contrato de crédito, porque este pressuporia a entrega da quantia mutuada, mas uma mera proposta de um contrato de abertura de crédito em conta corrente, por outro lado, o clausulado geral não se mostra legível, nem resulta dos documentos juntos pela exequente que esta tenha entregue ao executado qualquer quantia. Concluindo que dos documentos juntos como título executivo não se pode aferir que o contrato se tenha concluído e que do mesmo resulta a constituição de qualquer obrigação, inexistindo título executivo. Caso assim se não entenda e se verifique que estamos de facto perante um efectivo contrato de crédito, neste apenas se contêm prestações futuras ou a previsão da constituição de obrigações futuras, pelo que para valer como título exequível, necessário seria que a exequente juntasse complementarmente documento comprovativo da entrega da efectiva realização de alguma prestação ou da constituição da obrigação, nem o mesmo foi exarado ou autenticado por notário.
A exequente contestou dizendo, em suma, que efectivamente, foi celebrado contrato de crédito em conta-corrente e o Executado comprometeu-se ao pagamento do mesmo em prestações mensais e sucessivas, apondo validamente a sua assinatura e tomando conhecimento das suas condições gerais e particulares, nunca denunciando o contrato. Conclui que o documento importa a constituição/reconhecimento de uma obrigação pecuniária, ou seja, o pagamento em prestações mensais, assim como a constituição da obrigação de pagar juros de mora e demais penalidades em caso de incumprimento, juntando um extracto de conta corrente. Conclui pela procedência da contestação e o prosseguimento da execução até final para pagamento da quantia exequenda.
O Ministério Público veio em articulado próprio impugnar os documentos juntos.
No saneador foram julgados improcedentes os embargos e ordenado o prosseguimento da execução.
Inconformado com tal decisão veio o Ministério Público recorrer, em representação do executado, pedindo a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que julgue procedentes os embargos e a extinção da execução por falta de título executivo ou, em alternativa, que determine o prosseguimento dos embargos para julgamento, apresentado as seguintes conclusões:
«1 - O MP, em representação do Réu ausente, deduziu embargos, sustentando que os documentos juntos pela exequente eram manifestamente insuficientes para serem considerados título executivo, uma vez que não comprovavam a exacta quantia em dívida e a data do vencimento da alegada dívida.
2 - Em suma, o MP colocou em causa o título executivo e o extracto de conta junto;
3 - Não obstante, a douta sentença sob recurso, dá como provado que o executado deixou de cumprir as obrigações emergentes do contrato acima referido, não pagando o capital, nem os juros contratados desde 1/02/2010, alicerçando a sua decisão no contrato (impugnado) e no extracto de conta (igualmente impugnado).
4 – Como se alegou nos embargos, o título não pode servir de base à execução, assim como o extracto posteriormente junto não prova nem a prestação nem o incumprimento, uma vez que não é possível determinar qual o montante eventualmente devido pelo executado ausente, nem com o recurso ao simples cálculo aritmético.
5 – Tendo sido impugnado o título invocado pela exequente, nunca poderiam aqueles factos serem dados como provados, sendo certo que os documentos juntos não têm a virtualidade de fazer prova nem da entrega da quantia nem da falta de pagamento.
6 - E dada a posição sustentada nos embargos, ainda que se considerasse haver título executivo, sempre teriam os autos de seguir para julgamento já que, conforme se anotou os documentos juntos, em si mesmo, nada provam.
7 – Nos embargos, o Ministério Público agiu em representação de executado ausente, litigando, com isenção subjectiva de custas, a coberto disposto no art.º 4.º, n.º 1.º, alínea l), do Regulamento das Custas Processuais.
8 – Ao julgar improcedentes os embargos com fundamento na existência de título executivo válido alicerçando a decisão em factos devidamente impugnados, o tribunal violou o disposto nos art.ºs nos art.ºs 46, al c), 591.º, n.º 1.º, alínea f), 596.º, n.º 1.º, e 595.º, n.º 1.º, alínea b), este último “a contrario”, todos do CPC.».
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se:
 1ª Face à oposição à execução apresentada pelo Ministério Público na qual se impugna o documento particular apresentado como título executivo, é de considerar procedentes os embargos, por falta de título, dado que o mesmo é apenas consubstanciado na proposta/contrato e um extrato de conta junto pela exequente nos embargos.
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II. Fundamentação:
Os elementos fácticos que foram considerados provados na sentença são os seguintes:
A. A execução de que os presentes embargos constituem apenso foi instaurada em 08/01/2013, contra B…, para pagamento da quantia de € 8.085,90.
B. Por documento particular, foi celebrado pela G…, I.F.I.C., Instituição Financeira de Crédito, S.A. com o Executado, uma proposta/contrato de crédito em conta corrente, no montante inicial de € 6 000,00.
C. O Executado comprometeu-se ao pagamento em prestações, mensais e sucessivas.
D. O Executado nunca denunciou o contrato.
E. Desde 2010-02-01, o Executado nada pagou, data em que o referido contrato de crédito foi resolvido.
F. Tendo ficado em dívida o montante de € 6 543,18.
G. Nos termos das cláusulas do contrato, em caso de resolução devido ao incumprimento do Executado, existirá um acréscimo de 4% sobre o capital em dívida, a título de cláusula penal.
H. Por contrato de Cessão de Créditos outorgado em 29 de Novembro de 2011, a G…, I.F.I.C., Instituição Financeira de Crédito, S.A. cedeu o crédito em causa nestes autos à G… – Seviços de Tratamento e Aquisição de Dívidas, S.A..
I. Em 17 de Julho de 2012, a G…, S.A. cedeu o crédito referido no artigo anterior à ora Exequente, que o aceitou.
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Na sentença foi considerado inexistirem factos não provados.
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No requerimento executivo a exequente juntou como título executivo cópia de um documento particular denominado “Proposta/contrato de crédito em conta corrente”, reiterando tal junção nestes embargos a fls. 10 a 11 vº cujo teor se reproduz, e no requerimento executivo alega o seguinte:
«1. Por contrato de Cessão de Créditos outorgado em 29 de Novembro de 2011, a G…, I.F.I.C., Instituição Financeira de Crédito, S.A. cedeu o crédito em causa nestes autos à G… – Serviços de Tratamento e Aquisição de Dívidas, S.A..
2. E em 17 de Julho de 2012, a G…, S.A. cedeu o crédito referido no artigo anterior à ora Exequente, que o aceitou, conforme Contrato de Cessão de Créditos que ora se junta como Documento 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3. A Exequente é, assim, parte legítima na presente execução, com interesse em demandar porque é a legítima titular do crédito resultante do incumprimento do contrato.
4. A presente execução constitui meio idóneo para dar conhecimento ao devedor da cessão de créditos em termos idênticos à notificação prevista no art. 583º do Código Civil .cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Setembro de 2009 e 3 de Fevereiro de 2000 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 2009, disponíveis em http://www.dgsi.pt.
5. Nos termos e segundo o disposto da alínea c) do nº 1 do art. 46º do CPC, constitui título executivo “os documentos particulares, assinados pelo devedor que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas neles constantes”.
6. O documento aqui dado a execução é título executivo, conforme Documento 2, que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
7. No qual reconhece a existência de uma obrigação pecuniária.
8. Sendo o montante determinável através de simples cálculo aritmético como mais à frente se explanará.
9. Montante esse calculado de acordo com as cláusulas constantes no próprio documento.
10. É a obrigação sub júdice certa, exigível e líquida, como disposto no art. 802º do CPC.
11. Por documento particular foi celebrado pela G… Finance, I.F.I.C., Instituição Financeira de Crédito, S.A. com o Executado, um contrato de crédito em conta corrente, no montante inicial de € 6 000,00, nas condições que constam do título executivo.
12. O Executado comprometeu-se ao pagamento em prestações, mensais e sucessivas.
13. O Executado nunca denunciou o contrato nos termos das respectivas cláusulas.
14. No entanto, desde 2010-02-01, o Executado nada pagou, data em que o referido contrato de crédito foi resolvido.
15. Tendo ficado em dívida o montante de € 6 543,18.
16. Nos termos das cláusulas do contrato, em caso de resolução devido ao incumprimento do Executado, existirá um acréscimo de 4% sobre o capital em dívida, a título de cláusula penal.
17. Aquela quantia venceu juros legais desde a data atrás referida até à data da propositura da presente execução os quais são, neste momento, no valor de € 1 542,72.
18. Pelo que, é pois a quantia exequenda de € 8 085,90, à qual acrescem juros vincendos até integral e efectivo pagamento, bem como todas as custas de parte, a apurar a final.».
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III. O Direito:
Na abordagem da questão objeto do presente recurso importará ainda referir que o documento particular que serve de base à execução, cujo teor se deu por reproduzido, não refere a data da celebração da “proposta/contrato”. Acresce que do mesmo documento resulta que no item “montante pretendido” e no rectângulo correspondente encontra-se aposto o valor de “13.500€”, inexistindo menção aos 6.000€ referidos pela exequente como pertencendo a tal documento.
Por outro lado, do extrato de conta, junto apenas a estes embargos a fls. 15 a 17 vº, resulta que o mesmo é um documento emanado da entidade “G…”, sem que se identifique a que contrato se reporta, ou nele conste a assinatura do executado, e no mesmo conclui-se num valor em débito de “11.691,16€”, crédito no valor de “10.751,20€” e final de “939.96€”, em 5/01/2011. Sem que do mesmo resulte existir uma “conta” qua tale, nomeadamente a forma de movimentação que possa determinar a existência de levantamento ou transferências.
Ora, como bem refere o recorrente, o Tribunal recorrido deu como provado quer a celebração do contrato, bem como o incumprimento do executado do mesmo e fundamentou a sua convicção no seguinte: «Os factos provados mostram-se documentados na execução (vide documentos juntos com o requerimento executivo) e nestes autos, designadamente documentos que a exequente juntou com a contestação aos embargos».
No âmbito da execução, face à ausência do executado e o chamamento aos autos ter sido feito através de editais, foi citado o Ministério Público nos termos do disposto no actual artº 21º do CPC, anterior artº 15º do CPC/95. Donde, a revelia do réu é inoperante – artº 568º alínea b) do CPC ( aplicável ao processo executivo por força do disposto no artº 551º do CPC) – pelo que a falta de oposição pelo mesmo não determina a confissão de quaisquer dos factos alegados pela exequente. Porém, considerando que estamos perante uma execução, esta tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva – artº 10º do actual CPC ( artº 45º do CPC/95). Dir-se-á em suma, que a execução, neste caso, terá de ter na sua base um documento que incorpore a obrigação creditícia.
Como bem se salienta na decisão a quo a ação executiva remonta a Janeiro de 2013, pelo que, na apreciação da questão, há que ter em consideração as disposições processuais anteriores à Lei 41/2013. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 46º do CPC/95l à execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
No entanto, já não sufragamos o entendimento da sentença quanto ao mais.
Com efeito, o tribunal a quo depois de concluir que estamos perante um contrato de crédito de consumo, e que se encontra assinado pelo executado, conclui que este pode constituir título executivo, «(…)desde que do mesmo se consiga retirar coincidência entre a quantia exequenda e as prestações não pagas (competindo o respetivo ónus ao exequente)». Prosseguindo ainda com a seguinte fundamentação «Procedeu a exequente à junção aos autos de extrato de conta corrente, resultando do mesmo a demonstração da disponibilização pelo exequente da quantia indicada no contrato, o que ocorreu em 06/03/2009, e o número de prestações que pelo executado ainda foram liquidadas. Com efeito, deve resultar do título executivo a constituição e/ou reconhecimento de obrigações pecuniárias. Do contrato dado à execução conjugado com o extrato (o qual não carece de ser autenticado ou notarialmente reconhecido) resulta que o crédito foi efetivamente disponibilizado, advindo para o mutuário a obrigação de pagar, em prestações tal quantia, o que o executado ainda fez durante alguns meses. Conclui-se, assim, pela suficiência do contrato para valer como título executivo.».
Importa desde logo ter presente que quer o “contrato/proposta”, quer o extrato ora junto em sede de embargos, foram impugnados pelo Ministério Público, em representação do executado.
A propósito de um título executivo idêntico ao junto aos autos, refere Lopes do Rego, in «Comentários ao Código de Processo Civil» Vol. I. 2.ª Edição, Almedina, 2004, a pág. 83, no caso de exigibilidade da obrigação prevista no artigo 804.º do CPC - por exemplo, por a obrigação estar dependente de uma prestação por parte do credor -, se pode fazer a sua prova complementar, defendendo este autor que, em tais condições, possa valer como título executivo o contrato de concessão de crédito, determinando-se, por essa prova, a real concessão do crédito ainda não pago (Nesta conformidade, “constitui titulo executivo um contrato de crédito em conta corrente, assinado pelo devedor, com indicação do montante mutuado e da forma de pagamento, complementado por extracto de conta corrente, que demonstre a concretização das operações subsequentes de disponibilização do capital ao mutuário e pagamentos parcelares efectuados” ( cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/04/2012 in www.dgsi.pt).
Ora, ainda que o contrato de abertura de crédito seja um contrato consensual, por via do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma de dinheiro que este tem possibilidade de utilizar, mediante uma ou mais operações bancárias. Este contrato, só por si, não é título executivo; pois que os actos subsequentes à abertura de crédito e complementares desta é que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efectuado (Cf. Ac. RP, de 8.10.2001 in endereço da net aludido, também AC STJ DE 1993/06/08 IN CJSTJ, T3, ANO I).
Logo, tal como se refere em tal decisão «a obrigação de reembolso só nasce se e na medida da disponibilização/utilização efectiva do crédito, pelo que, como é evidente, para a instituição de crédito dar à execução tal obrigação, tem de provar, não só o contrato de abertura de crédito, mas também as concretas disponibilizações/utilizações efectivas do crédito».
No caso dos autos nem o documento titula um contrato de abertura de crédito, nem do extracto junto, frise-se, apenas em sede de embargos, se retira em concreto a correlação da “proposta/contrato” com o montante alegadamente mutuado e em dívida. Pois ,ao contrário do que ocorre com um contrato de abertura de crédito, no contrato junto aos autos e que serve de base à execução apenas figura o montante que se pretende utilizar, mas sem que no extracto conste a forma como o alegado valor foi disponibilizado, qual o valor pago, nem sequer se o valor peticionado em sede de execução se reporta ou não ao valor em dívida aquando da resolução, pois do extrato junto não resulta o valor indicado na execução.
Assim, apenas valeria como título executivo ainda que ao abrigo do disposto no artº 46º do anterior CPC «o instrumento particular constitutivo de um contrato de abertura de crédito bancário, desde que contenha as assinaturas dos devedores e seja apoiado por prova complementar, emitida em conformidade com as cláusulas nele firmadas e ateste as quantias efectivamente disponibilizadas, constitui título executivo de natureza compósita ou complexa; e viabiliza ao creditante, no caso do seu incumprimento, a instauração imediata da acção executiva (artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil – 703º NCPC)» (Cf. Acórdão da Relação do Porto de 10/12/2012 in endereço da net referido).
Aliás sobre esta questão o Tribunal Constitucional proferiu a seguinte decisão, que na parte relevante, dispõe: «(…) não reside na limitação do elenco dos títulos executivos. Ela incide, sim, na aplicação do novo elenco legal dos títulos executivos aos documentos constituídos no passado e que anteriormente eram dotados de força executiva. É, portanto, no confronto entre o interesse público em evitar execuções injustas e o interesse particular em manter a força executiva do documento que titula o crédito que se joga a apreciação da proporcionalidade da solução encontrada. Nesta ponderação importa reter que o risco de instauração de execuções injustas por parte do credor munido de simples documento constitutivo de dívida assinado pelo devedor pode ser - e tem efectivamente sido -, contrabalançado por variadas soluções legislativas. Desde logo, a previsão da possibilidade de deduzir oposição à execução (embargos de executado) a garantir o pleno exercício do contraditório por parte do executado (artigo 816.º do CPC antigo e artigo 731.º do CPC novo). Ou a faculdade concedida ao juiz de, na sequência de dedução de oposição à execução com simples fundamento na falta de autenticidade da assinatura imputada ao executado, ordenar a suspensão da execução caso seja apresentado documento que constitua indício de prova revelador da viabilidade da oposição (artigo 818.º do CPC antigo e artigo 733.º do CPC novo) ou ainda a penalização do exequente que actue sem a prudência exigível (artigo 819.º do CPC antigo). Diferentemente, a imprevista eliminação de exequibilidade a um documento que anteriormente era dotado de força executiva pode deixar o credor em sérias dificuldades (senão mesmo privado de meios) para ver satisfeito o seu direito de crédito.
Ainda que subsistam outras vias de acesso ao direito, como o processo de injunção ou a acção declarativa, o credor deixa de poder contar com a presunção de prova da dívida que lhe oferecia o documento munido de força executiva.
Na verdade, não deve ignorar-se que o direito de acção executiva, materializado no título executivo, pressupõe a presunção da prova da dívida. Por conseguinte, a exclusão de determinado tipo de documento do rol dos títulos executivos acarreta consigo não apenas a privação do acesso imediato à acção executiva como também a privação da presunção de prova do direito de crédito.
Apesar de o título executivo não se confundir com o documento que o materializa, a função probatória do documento constitui pressuposto da sua função executiva. Como sublinhado por José Lebre de Freitas, «o título executivo extrajudicial constitui documento probatório da declaração de vontade constitutiva duma obrigação ou duma declaração directa ou indirectamente probatória do facto constitutivo duma obrigação e é este seu valor probatório que leva a atribuir-lhe exequibilidade» (A Acção Executiva cit., pp. 83-84). É por isso que o documento constitui a base da acção executiva, independentemente da actual existência da obrigação, a qual não é, por via de regra, questionada neste tipo de acção» (Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº847/2014, de 03.12.2014).
Logo, a jurisprudência largamente maioritária considera que um contrato de abertura de crédito, exarado em documento particular, não autenticado, mas assinado pelo devedor, na medida em que apoiado por um outro instrumento documental (um extracto de conta, por exemplo), elaborado de acordo com as cláusulas do contrato, e que mostre terem sido disponibilizados os recursos pecuniários naquele previstos, constitui título executivo bastante para poder sustentar uma acção executiva que o creditante proponha contra o devedor (cfr., a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.12.2012,  e ainda Acórdão desta Relação de 03.05.2016, Proc. nº427/13.8TBPTS-B.L-1)
Idêntico entendimento pode ser encontrado na decisão proferida em 15.05.2001, pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao considerar que “O contrato de abertura de crédito titulado por documento particular, assinado pelo devedor, sendo as obrigações pecuniárias determináveis nos termos da liquidação do Exequente, através da junção do extracto de conta corrente, constitui título executivo” (sumário disponível em http://www.dgsi.pt/jstj). Posição esta também perfilhada pelo Acórdão desta Relação, de 24 de Abril de 2012, no qual se estabelece que “Constitui título executivo um contrato de crédito em conta corrente, assinado pelo devedor, com indicação do montante mutuado e da forma de pagamento, complementado por extracto de conta corrente, que demonstre a concretização das operações subsequentes de disponibilização do capital ao mutuário e pagamentos parcelares efectuados”(endereço da net referido) no mesmo sentido Ac. da Relação de Coimbra de 9/01/2018).
Vale o mesmo por dizer que “É título executivo o documento particular que consubstancie o contrato de mútuo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, complementado pelo extracto de conta de depósitos à ordem revelador da utilização do respectivo montante” (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.02.2006,disponível em www.dgsi.pt/jstj; no mesmo sentido Ac. da Relação de Coimbra de 9/01/2018 ).
Como afirma Rui Pinto (“Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, Agosto 2013, pp.189 e 190 ), o contrato de abertura de crédito, enquanto contrato promessa de mútuo, supõe dois momentos contratuais correspondentes a duas eficácias jurídicas distintas: uma eficácia preparatória que se produz com um acordo de concessão de crédito que visa a disponibilidade futura do dinheiro, eventualmente, em conta corrente, ficando perfeito com o acordo das partes, sem necessidade de qualquer entrega monetária, e uma eficácia final – levantada a quantia concreta, máxime, da conta corrente, constitui-se o mútuo, dada a natureza real quoad constitutionem. Daí que se compreenda a necessidade de colmatar essa falta de documento que, titulando o mútuo, possa ser levado à execução, o que é permitido pelo artigo 50º, “desde que o exequente prove que entregou efetivamente o montante a recuperar”.
No caso dos autos, como bem enuncia o recorrente, além de ter sido impugnado o documento que alegadamente incorpora a obrigação assumida pelo executado, o exequente não complementou na execução tal documento com o extrato de conta de depósito que se reporte ao contrato em concreto. E junta que foi um documento que o exequente intitula de ”extracto”, além do mesmo também ter sido impugnado, nada resulta que determine a entrega de tal valor ao executado, nem do mesmo resulta claro o valor em dívida, como aludimos supra.
Mas mais relevante ainda, a exequente não juntou aquando da interposição da execução tal documento, pelo que o título dado à execução é apenas o documento intitulado “proposta/contrato”, o que determina a inexistência de título e consequentemente, a extinção da execução pela procedência dos embargos.
Deste modo, julga-se procedente a apelação e declara-se extinta a execução.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, nessa medida declara-se extinta a execução.
Custas do recurso pela apelada.
Registe e notifique.

Lisboa, 16 de maio de 2019

Gabriela Fátima Marques
Adeodato Brotas
Gilberto Jorge