Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
74/16.2SRLSB.L1-5
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DE PROVAS
CONVERSAS INFORMAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - Conforme dispõe o art.º 249º, n.ºs 1 e 2 b) do CPP cabe ainda aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição.
- O art.º 356º n.º 7 do CPP proíbe a inquirição como testemunha e consequentemente a inutilidade do depoimento dos órgãos de polícia criminal que recebam declarações, cuja leitura seja proibida, não estando deste modo vedado o seu depoimento fora desse âmbito - Maia Gonçalves, in CPP Anot., 10ª ed., pág. 187.
- É permitida a inquirição e consequente valoração do depoimento prestado pelo agente de autoridade quando aquele recai sobre declarações prestadas por individuo ainda não constituído arguido pois não se enquadram legalmente proibidos pelo art.º 357º n.º 2, 128º, n.º 1 e 129º, todos do CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.
No processo comum n.º 74/16.2SRLSB do Juízo Local Criminal de Lisboa, Comarca de Lisboa, o arguido A. foi submetido a julgamento, após ter sido acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.ºs 292º n.º 1e 69°, n.º 1, al. a), todos do Código Penal.
Realizada a audiência, foi o arguido condenado pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros) o que perfaz o montante global de €375.00 (trezentos e setenta e cinco euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses, nos termos do disposto na al. a), do n.º 1, do artigo 69°, do Código Penal.

Inconformado com a decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:
“1º Do texto da sentença recorrida resultam os vícios que motivam o presente recurso.

Embora o arguido, nas declarações prestadas em audiência de julgamento, tenha negado que fosse o condutor do motociclo e inexista prova testemunhal ou documental que demonstre a alegação da acusação, o Tribunal "a quo" veio a condená-lo pela prática do crime que lhe era imputado.

Com a ausência de prova que se verifica, o Tribunal " a quo" deveria ter absolvido o arguido e ter considerado não provado que o arguido era o condutor do motociclo.

Acresce que o Tribunal "a quo" entrou em contradição quando caracterizou as declarações do arguido, em audiência, desta forma: "Perante este discurso ilógico, pouco plausível e confuso, apenas pudemos retirar a conclusão que o estado de embriaguez do arguido era tal forma elevado e que o deixou de tal forma alterado, que o arguido não se lembrava de nada, nem de levar a sua mota."

Para logo de seguida considerar provado que era o arguido o condutor do motociclo porque o Tribunal "a quo" conferiu credibilidade à conversa rápida gue a testemunha de acusação, JR, teve com o arguido, cerca de 20 minutos após o acidente, e onde este terá dito, enquanto se encontrava a ser assistido pelo INEM por estar lesionado, que se desequilibrou ao ter passado com o motociclo na linha do eléctrico.

Por fim, são uma prova proibida, e por isso nula, por violação do art.° 357° e do art.° 125°, ambos do C. P. Penal, os excertos do depoimento prestado em audiência pela testemunha da acusação, JR, que serviram de fundamentação à sentença condenatória, na parte em que reproduz uma conversa informal, tida entre este agente da PSP que participou o acidente e o ainda suspeito, quando esteve estava a ser assistido pelo INEM.

A este respeito veja-se a posição de Paulo Pinto de Albuquerque, em "Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem", 4a Edição, UCL, página 923 e seguintes, onde este professor afirma claramente que é inadmissível este tipo de prova.

Vejam-se também a este propósito e com este sentido os seguintes Acórdãos:
Tribunal Constitucional, proc. n° 213/94;
STJ, de 29-01-1992, CJ, XVII, 1, 22;
STJ, de 29-3-1995, BMJ, 445, 279;
STJ, de 30-10-1996, BMJ, 460, 425;
STJ, de 11-7-2001, CJ, Acs do STJ, IX, 3, 166;
TRL, de 29-4-2010, proc. n° 1670/09.0YRLSB - 9.

Em suma, ao valorar como prova a conversa informal tida entre o agente da PSP e o suspeito, e tendo esta prova servido para condenar o arguido, o Tribunal "a quo" violou o estatuído no art.° 357° do C. P. Penal.”

O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu concluindo “não assistir razão ao arguido” pelo que defende a improcedência do recurso.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto elaborou parecer no sentido da improcedência do recurso depois de aderir à resposta ao recurso já apresentada.

II.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
Da sentença recorrida consta:
“(…)resultam assentes os seguintes factos:
1- No dia 06 de Agosto de 2016 pelas 06h15, na Rua do Alecrim em Lisboa, o arguido conduzia o motociclo com a matrícula xx..., com uma taxa de álcool no sangue de 2,06 g/l, ao que corresponde, após redução legal, a pelo menos 1,80 g/l.
2- Foi interveniente num acidente de viação.
3- Ao actuar da forma descrita o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que não lhe era permitida a condução de veículos automóveis na via pública com uma taxa de álcool no sangue como a que lhe foi detectada.

4- Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou que:
5 - O arguido frequentou o 3° ano do Curso Superior de Gestão. Não tem ocupação laboral. Reside com os seus pais e irmã (maior de idade) e são os seus progenitores que o sustentam.
6 - À data dos factos o veículo xx... pertencia ao arguido e não possuía seguro válido.
7- O arguido não tem antecedentes criminais.
*
B. Factos não provados:
Não ficaram factos por provar.
*
C. Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, como preceitua o art.°127.° do Código de Processo Penal.
Tivemos em consideração o teor do auto de notícia, da participação do acidente e respectivo croquis, juntos a fls.31 a 35, elaborados pela testemunha JR, agente da PSP, que se deslocou ao local depois de ter sido solicitada a sua presença, por força das suas funções, na sequência de um acidente de viação.
A testemunha descreveu o que constatou no local, tendo recolhido os elementos necessários para elaborar os documentos referidos anteriormente e efectuado um teste de despiste de álcool no sangue ao arguido, que deu positivo. Mais mencionou que manteve uma conversa rápida com o arguido, que se encontrava a ser assistido pelo INEM por estar lesionado, e que o arguido colaborou, tendo referido que de desequilibrou ao ter passado com o motociclo na linha do eléctrico.
Mais referiu que o arguido necessitou de ser assistido no Hospital, pelo que foi transportado para o Hospital de S. José, enquanto a testemunha ficou a fazer as medições necessárias. Após deslocou-se ao Hospital. Uma vez que o arguido necessitou de ser suturado, foi subtido ao teste de álcool no sangue através de exame toxicológico, tendo-lhe sido recolhido uma amostra de sangue para análise (conforme se extrai do documento junto a fls.38 e 39). O resultado do exame toxicológico encontra-se a fls.37, de onde se extrai que o arguido tinha uma taxa de álcool no sangue de 2,06 (+-0,26 g/l).
Relativamente à taxa de álcool no sangue, importa ainda frisar que o arguido foi beneficiado com a realização do exame toxicológico, uma vez que teve ser efectuado cerca de duas horas após o acidente (dado que a testemunha JR referiu que chegou ao local cerca de 20 minutos após o acidente e a participação do acidente foi elaborada às 6h15), o que corresponderá a um valor mais atenuado ao que efectivamente teria quando conduzia. Aliás, do próprio auto de notícia e da requisição do exame consta que cerca de uma hora após o acidente o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 2,15 g/l.
Do teor de fls.45 e 46 (informação prestada pela Associação Portuguesa de Seguradoras, resulta que o motociclo referido nos autos não possuía seguro válido em 06/08/2016.
Quanto à propriedade do veículo extraiu-se do teor do registo do veículo junto a fs.47
Importa ainda referir que a testemunha mencionou que não se encontrava mais ninguém no local para além do arguido, não tendo sido abordado por ninguém e o arguido também não referiu estar com mais ninguém.

O depoimento da testemunha demonstrou-se credível por ter sido objectivo e escorreito, relatando e enquadrando os factos de forma lógica e conjugada com os restantes meios de prova, sendo certo que o seu depoimento foi descomprometido e isento, uma vez que não tem qualquer interesse no desfecho dos autos.
Realce-se ainda que a conversa (rápida) que a testemunha manteve com o arguido no dia da ocorrência, quando este se encontrava a ser assistido e a testemunha o abordou para perceber o que se tinha passada e estava a fazer as diligências necessárias para elaborar a participação do acidente, não configura uma conversa informal proibida nos termos previstos no art.°357.° do CPP. Veja-se a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/12/2013 onde se pode ler, entre o mais, que "constitui um meio de prova válido, por se mostrar alheio ao âmbito de tutela dos arts. 129° e 357° do CPP, o depoimento prestado pela testemunha pertencente a órgão de polícia criminal relativo às indicações do arguido nas diligências externas a que se procedeu". Também sobre esta temática se debruçou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/06/2015, onde se pode ler "(...)quando se está no plano da recolha de indícios de uma infração de que a autoridade policial acaba de ter notícia. ... Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. ... O que o art. 129° do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação(...)".
Por outro lado, o arguido desejou prestar declarações, confirmando que é o proprietário daquele veículo e que naquele dia, hora e local foi interveniente num acidente de viação e que apresentava aquela taxa de álcool no sangue. Contudo, relatou que estava muito embriagado após ter saído de uma discoteca, que sabe que caiu da mota e que foi transportado até ao hospital, mas alegou que não era o arguido quem ia a conduzir, mas sim um terceiro (que nem era seu amigo) cuja identidade não podia revelar.
As declarações do arguido não se mostraram credíveis nem verosímeis, e ficámos convencidos que o único propósito do arguido era o de tentar não ser responsabilizado pela prática do crime que lhe era imputado, criando a figura de um terceiro para esse efeito.
Na realidade o arguido referiu (por diversas vezes) que não se lembrava de nada e que até foi esse terceiro que lhe contou que tinha sido ele a levar o motociclo e não o arguido. O arguido tinha uma vaga ideia de ter sido transportado para o hospital, e quando lhe foi perguntado qual o hospital que o assistiu, referiu que achava que tinha sido o de São Francisco Xavier (quando foi o de S. José).
Contou também que a mota teria caído por ter passado com a roda na linha do eléctrico (tal como tinha mencionado a testemunha JR), acrescentando que sabia desse facto porque o terceiro lhe contou.
A história do arguido é tão inverosímil que quando lhe foi perguntado, não sabia dizer se o terceiro também se tinha lesionado. Também referiu que o terceiro não fugiu do local (desconhecendo-se como é que se lembrava desse facto mas não de todos os outros), mas depois concluiu que essa pessoa não devia ser muita amiga dele porque o deixou lá sozinho.
Perante este discurso ilógico, pouco plausível e confuso, apenas pudemos retirar a conclusão que o estado de embriaguez do arguido era tal forma elevado e que o deixou de tal forma alterado, que o arguido não se lembrava de nada, nem de levar a sua mota.
Quanto aos factos 3 e 4 extraíram-se das regras da experiência comum, dado que o homem médio tem consciência que depois de ingerir várias bebidas alcoólicas (que livremente optou por ingerir) não pode circular com um veículo na via pública, sendo certo que o arguido também mencionou que tinha consciência que estava muito embriagado e que não podia conduzir.
A situação pessoal e económica do arguido extraiu-se das suas declarações, que se mostraram credíveis quanto a esta parte e não foram contrariadas por outro meio de prova.
A inexistência de antecedentes criminais extraiu-se do certificado do registo criminal junto a fls. 95.”

 O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P. (cfr. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95).
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões são:
a) Se existe contradição insanável na fundamentação;
b) Se houve valoração de prova proibida.

Alega o recorrente no tocante à primeira das questões que a sentença enferma do vicio a que alude o art.º 410º n.º 2 al. b) CPP – contradição insanável na fundamentação - porquanto a decisão, no segmento relativo à fundamentação da decisão fáctica, menciona, caracterizando as declarações do arguido, em audiência, que: "Perante este discurso ilógico, pouco plausível e confuso, apenas pudemos retirar a conclusão que o estado de embriaguez do arguido era tal forma elevado e que o deixou de tal forma alterado, que o arguido não se lembrava de nada, nem de levar a sua mota." e, mais à frente, para considerar provado que era o arguido o condutor do motociclo que “o Tribunal "a quo" conferiu credibilidade à conversa rápida que a testemunha de acusação, JR, teve com o arguido, cerca de 20 minutos após o acidente, e onde este terá dito, enquanto se encontrava a ser assistido pelo INEM por estar lesionado, que se desequilibrou ao ter passado com o motociclo na linha do eléctrico.”
Se bem entendemos o cerne da argumentação do recorrente a contradição residirá no facto de o estado de embriaguez ter determinado que o arguido nada se lembrava do acidente e, apesar desse estado, ter-se valorado que o arguido terá mencionado ao agente autuante aspectos do acidente, mormente o modo como o acidente aconteceu.
Com o devido respeito pela leitura que o recorrente fez da sentença, no segmento a que é aposto o vício de contradição insanável da fundamentação – a que alude o art.º 410º n.º 2 al. b) CPP – os segmentos citados não encerram qualquer contradição entre si. De um lado, temos a versão do arguido que assenta no seu desconhecimento com base no estado de alcoolizado em que se encontrava e, do outro lado, a versão trazida à audiência pela testemunha agente autuante acerca da identidade do condutor do veículo e do modo com o lhe foi transmitida a ocorrência do acidente.
De resto essa contradição, apenas aparente, mostra-se dilucidada pelo próprio tribunal na mesma fundamentação quando argumenta: “Na realidade o arguido referiu (por diversas vezes) que não se lembrava de nada e que até foi esse terceiro que lhe contou que tinha sido ele a levar o motociclo e não o arguido. O arguido tinha uma vaga ideia de ter sido transportado para o hospital, e quando lhe foi perguntado qual o hospital que o assistiu, referiu que achava que tinha sido o de São Francisco Xavier (quando foi o de S. José).
Contou também que a mota teria caído por ter passado com a roda na linha do eléctrico (tal como tinha mencionado a testemunha JR), acrescentando que sabia desse facto porque o terceiro lhe contou.
A história do arguido é tão inverosímil que quando lhe foi perguntado, não sabia dizer se o terceiro também se tinha lesionado. Também referiu que o terceiro não fugiu do local (desconhecendo-se como é que se lembrava desse facto mas não de todos os outros), mas depois concluiu que essa pessoa não devia ser muita amiga dele porque o deixou lá sozinho.” (sublinhado nosso) – ou seja, apenas se lembrava de pormenores que poderiam trazer alguma lógica à sua versão que o excluía da condução no momento do acidente. 

Entroncada com esta questão, invoca ainda o recorrente que existiu, por parte do tribunal, valoração de prova proibida, consistindo esta no depoimento, apelidando-o de “conversa informal”, da testemunha JR, agente autuante, na parte em que relatou a conversa que no local manteve com o arguido quando este se encontrava a ser assistido e a testemunha o abordou para perceber o que se tinha passada e estava a fazer as diligências necessárias para elaborar a participação do acidente.
Esta problemática, da caracterização do depoimento da testemunha neste segmento declarativo e razão e ciência, mostra-se apreciada na sentença recorrida com base na invocação de decisões jurisprudenciais - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/12/2013 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/06/2015 – de onde se extrai nenhuma violação do art.º 357° do CPP.
Por contraposição, invoca o recorrente diversa jurisprudência dos nossos tribunais superiores que sustentarão a sua pretensão de ver nessas declarações a reprodução de conversas informais mantidas com o arguido e, como tal, violadoras do disposto no art.º 357º CPP e, consequentemente, serem prova proibida.
Com o devido respeito pela orientação defendida pelo recorrente, conforme dispõe o art.º 249º, n.ºs 1 e 2 b) do CPP cabe ainda aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição.
Assim, o agente autuante, na sequência da constatação do acidente em questão e na tentativa de saber o que se passara manteve a conversa que relatou com o acidentado que perante si se encontrava – note-se que o acidentado ainda não havia sido constituído arguido e nenhum procedimento criminal se havia iniciado, mormente com o levantamento do auto de notícia - e, como não é legalmente proibido tal contacto, nada obstará que possa ser valorado o conteúdo do mesmo, sendo certo que nesse primeiro contacto o acidentado “que se desequilibrou ao ter passado com o motociclo na linha do eléctrico”.
O art.º 356º n.º 7 do CPP proíbe sim a inquirição como testemunha e consequentemente a inutilidade do depoimento dos órgãos de polícia criminal que recebam declarações, cuja leitura seja proibida, não estando deste modo vedado o seu depoimento fora desse âmbito - Maia Gonçalves, in CPP Anot., 10ª ed., pág. 187.
Assim, não está vedado ao tribunal valorar a conversa que a testemunha teve com o arguido antes de haver por parte daquele a imposição legal de o constituir como arguido – note-se que esta só surgiu na sequência do resultado do teste de pesquisa de álcool no sangue no estabelecimento hospitalar e não no teste que foi feito no local na medida em que este era apenas qualitativo.
Estamos, pois, perante uma constatação directa de um facto e não de reprodução do conteúdo de declarações prestadas nos autos pelo arguido.
Podemos assim, concluir que é permitida a inquirição e consequente valoração do depoimento prestado pelo agente de autoridade quando aquele recai sobre declarações prestadas por individuo ainda não constituído arguido pois não se enquadram legalmente proibidos pelo art.º 357º n.º 2, 128º, n.º 1 e 129º, todos do CPP.
E porque impressiva e incisiva, não deixamos de citar a resposta do Exmo. Magistrado do M.º P.º ao recurso quando afirma: “No entanto, o arguido prestou as declarações que quis, como quis em audiência de julgamento e foram apenas essas que o agente policial pôs em causa com o seu testemunho.
Tomamos a liberdade de seguir de perto o que se escreveu no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 6 de Fevereiro de 2017:
"Todavia, crê-se ser actualmente consensual o entendimento da jurisprudência de que constitui depoimento válido e eficaz o relato de agentes de investigação (OPCs) sobre recolha de informações ou outros dados e contribuições de que tomaram conhecimento no campo dos actos de investigação e outros meios de obtenção de prova, portanto, fora do âmbito de diligências processuais formais - como sucede com os interrogatórios ou tomadas de declarações - desde que a recolha não devesse ter sido submetida a tal formalismo.
Assim, os órgãos de polícia criminal não estão impedidos de depor em audiência de julgamento sobre factos por si detectados e constatados durante a fase investigatória, como bem se sintetizou no sumário do Ac. STJ de 15-02-2007 [p. 06P4593 - Maia Costa e, no mesmo sentido, o Ac. da RP de 20-04-2016 (p. 271/03.01DPRT.P1 - Nuno Ribeiro Coelho), recenseando variada jurisprudência e doutrina sobre a matéria]:
«1 - Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de "ouvir dizer", pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de "conversas informais " mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe. 11 -Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas "conversas", que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria "colmatado" ilegitimamente através da "confissão por ouvir dizer" relatada pelas testemunhas. III - Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente. IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar "os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova", entre os quais, "colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime " (art. 249. ° do CPP). V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo. VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas "conversas informais " ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende "suprir" o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a "confissão" informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito. VII - O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249 ° do CPP.».
Ainda quanto ao que deve ser entendido por conversas informais, perfilha-se o entendimento expresso pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto deste Tribunal, Dr. Vinício Ribeiro in "Código de Processo Penal - Notas e Comentários", Coimbra, 2008, p. 730]: «conversas não formais e, por isso não reduzidas a auto. Processualmente não existem. Podem ocorrer no local da infracção (e será até o caso mais vulgar) antes de o arguido ter sido constituído como tal, no posto policial ou até nos corredores do tribunal (já depois da constituição de arguido)»." (itálico e sublinhado nosso)
No caso concreto, e atenta a motivação que incidiu sobre a matéria factual, infere-se que os meios de prova de que o tribunal se socorreu para dar como provada a matéria de facto e que levou à condenação do arguido foram o auto de notícia, a participação de acidente e respectivo croquis, o exame toxicológico, o registo do veículo (a favor do arguido), as declarações do arguido e o depoimento do agente policial que foi chamado ao local da ocorrência.”
Assim, improcede o recurso na totalidade.  
      
III.
Pelo exposto nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido André de Campos Menezes, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC.
                                                                                 
Lisboa, 8 de Maio de 2018.

João Carrola

Luís Gominho