Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13169/18.9T8LSB-A.L1-1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
RENOVAÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE
INEXISTENCIA
DANO APRECIÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:  1.A renovação da deliberação social com efeito retroativo, durante a pendência do procedimento de suspensão da deliberação social inicialmente tomada, não determina a inutilidade superveniente daquele procedimento cautelar quando a deliberação renovada também foi impugnada em processo autónomo, no qual se discute a validade da renovação da deliberação. 2.Também não se justifica, atenta a natureza cautelar e urgente do procedimento cautelar de deliberações sociais, a suspensão da instância até ser decidida a impugnação da deliberação renovada.3.O Código das Sociedades Comerciais não prevê a inexistência jurídica das deliberações sociais.4.Os vícios que afetam as deliberações sociais reconduzem-se à nulidade, anulabilidade ou ineficácia.5.Existe dano apreciável na execução de uma deliberação social que elege os corpos sociais de uma sociedade anónima tomada à revelia da realização da assembleia geral convocada para esse efeito, por alguns sócios, que saíram daquela assembleia geral e, no patamar da sede social, decidiram fazer uma assembleia geral à margem daquela outra, elegendo eles os corpos sociais da sociedade.
Decisão Texto Parcial:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
Ação
Procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais
Requerentes
V…., S.A.
M….. 
HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE L…, representada pelo cabeça-de-casal …..
Requerida
C…..MOBILIÁRIOS E IMOBILIÁRIOS, S.A.
Pedido
Suspensão da deliberação tomada na assembleia geral da requerida de 02-05-2018, quanto ao ponto um da ordem de trabalhos: eleição dos membros dos órgãos sociais.
Causa de pedir
No dia 02-05-2018 foi realizada na sede da requerida uma assembleia geral tendo, entre outros, como ordem de trabalhos, o ponto 1, referente à eleição dos membros dos órgãos sociais da sociedade para o quadriénio 2018-2021, na sequência da morte de L…., até então Presidente do Conselho de Administração.
Antes do início da assembleia ocorreu um processo de conversão dos títulos ao portador em títulos nominativos, sendo o mesmo nulo por o anúncio referente ao mesmo não cumprir os requisitos legalmente previstos no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 123/2017, de 25 de setembro, e, ainda, por os títulos nominativos emitidos pela requerida serem falsos por uso abusivo de chancela.
O livro de registo de ações não pode valer como tal por não conter a assinatura nem do conselho de administração, nem do fiscal único.
O Vice-Presidente da Mesa, F….., solicitou a A….., T…., por si e em representação da sócia, sua mulher, S…., que demonstrassem a qualidade de acionistas e verificando que o documento apresentado não se encontrava validamente emitido, pelo que solicitou que os acionistas apresentassem os títulos representativos das ações, o que não fizeram, ausentando-se da assembleia.
Os referidos acionistas realizaram, então, uma «reunião clandestina» no patamar do prédio na qual destituíram o Vice-Presidente da Mesa e elegeram os corpos sociais, registando posteriormente a referida deliberação, da qual lavraram a «Acta n.º 57» (a qual foi junta com a oposição e se encontra nos autos a fls. 158-160, manuscrita, e a fls. 186-187v, datilografada).
A referida deliberação é inexistente, nula ou anulável considerando o supra referido, alegando, ainda, que é impossível verificar a qualidade acionista de A…., crendo nunca ter ocorrido qualquer transmissão para este das ações de L… e que T…se apropriou ilegitimamente do livro de atas, sendo a deliberação em causa enquadrável num esquema conspirativo de apropriação ilícita de ações e tomada de assalto da sociedade requerida e claramente ofensiva do princípio da boa fé e dos limites impostos ao exercício do direito de voto dos acionistas, tendo sido aprovada em prejuízo da sociedade e dos demais acionistas visando prosseguir interesses pessoais ilegítimos.
Oposição
No que ora revela, a ré defendeu a improcedência do procedimento cautelar e pediu, consequentemente, a sua absolvição ou, caso assim não se entenda, que o tribunal decida, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 381.º do CPC, não suspender a deliberação tomada na reunião realizada no dia 02-05-2018, em face do prejuízo que entende estar associado a tal suspensão.
Articulado superveniente
Estando em curso as sessões de julgamento, por requerimento junto aos autos a 11-04-2019, a requerida C…-  MOBILIÁRIOS E IMOBILIÁRIOS, S.A., veio alegar que nessa mesma data teve lugar uma assembleia geral tendo, entre outros, como ordem dos trabalhos: «Ponto Um - Deliberar sobre a renovação das deliberações tomadas na reunião da assembleia geral realizada no dia 02-05-2018 com eficácia retroativa», votada pelos acionistas presentes que representavam 70,022% do seu capital social.
Requereu, com base na invocada factualidade, que seja extinto o presente procedimento cautelar por inutilidade superveniente da lide.
Juntou a correspondente ata («Acta n.º 58» - cfr. 347v-350).
Em sede de  contraditório, as requerentes defenderam não ter a alegada deliberação qualquer virtualidade de renovar a deliberação social posta em causa nestes autos, não afastar os vícios que a esta foram assacados e, consequentemente, dever ser indeferido o pedido de declaração de inutilidade superveniente da lide.
Sentença
Previamente, em relação à inutilidade superveniente da lide, julgou a mesma improcedente.
Em relação ao procedimento cautelar, julgou-o procedente por provado e, consequentemente, suspendeu a execução da deliberação tomada na assembleia geral da requerida C… MOBILIÁRIOS E IMOBILIÁRIOS, S.A., de 02-05-2008, no âmbito do ponto um da ordem de trabalhos, de eleição dos membros dos órgãos sociais.
Recurso
Inconformada, a fls. 434-477, apelou a requerida C…, juntando com as alegações documentos (cfr. fls. 478-504), apresentando as seguintes conclusões:
1. Tendo a Recorrente junto aos autos, por articulado superveniente de fls., ata de reunião da Assembleia Geral realizada no dia 11.04.2019, da qual resulta a deliberação de renovação, com efeitos retroativos, das deliberações sociais tomadas no dia 02.05.2018, impugnadas nestes autos, verifica-se que, ainda que se pudesse admitir a existência dos vícios de forma invocados pelas Recorridas, os mesmos foram sanados, nos termos expressamente admitidos pelo artigo 62° do C.S.C., de que decorre a inutilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância nos termos previstos no artigo 277°, e), do C.P.C, devendo a Decisão Final/Sentença recorrida ser revogada e julgada extinta a instância nos termos do citado preceito;
2. Não é correto o entendimento do Tribunal a quo expresso na Decisão Final/Sentença recorrida, no que respeita aos contornos da deliberação renovatória tomada na referida reunião da Assembleia Geral de 11.04.2019, quer por não assentar em factualidade assente nos autos, quer por não ter tido em devida conta que a ação pendente para apreciação do pedido de declaração de nulidade do processo de conversão de ações não tem qualquer efeito suspensivo, nem pode ser oposta contra terceiros, nomeadamente contra os demais acionistas da Recorrente, que nela não são parte, nos termos previstos no artigo 619° do C.P.C;
3. Ainda que assim não se entenda, no que não se concede, deveria o Tribunal a quo ter decidido, tal como propugnado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.03.2009 (citado na Decisão Final Sentença), suspender a instância, nos termos e ao abrigo do artigo 272° do C.P.C., que prevê a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, pelo que, também com este fundamento, mal andou o Tribunal a quo, devendo ser revogada a Decisão Final/Sentença recorrida e decidida a suspensão da instância nos termos do citado artigo;
4. Caso assim não se entenda, no que não se consente, verifica-se que o Tribunal a quo procedeu a uma errada apreciação da prova produzida sobre a matéria de facto impondo-se a alteração da decisão proferida sobre pontos concretos (que se afiguram mais relevantes) que foram incorretamente julgados;
5. Desde logo, deverá ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto constante do ponto 4 da Fundamentação de Facto da Decisão Final/Sentença - A. Factos Provados, que foi expressamente impugnada pela Recorrente e sobre a qual não foi produzida qualquer prova, pelo que deverá ser julgada como não provada, nos termos melhor expostos em II.1 da motivação destas alegações de recurso, que aqui se dão por reproduzidos;
6. Deverá ser igualmente julgada como não provada a matéria de facto constante dos pontos 58, 61 e 62 da Fundamentação de Facto da Decisão Final/Sentença ­A. Factos Provados, atenta a globalidade da prova testemunhal produzida, bem como a confissão expressa que resulta do documento cuja junção se requer ao abrigo do disposto no artigo 425° do C.P.C., nos termos melhor expostos em 11.2 da motivação destas alegações de recurso, que aqui se dão por reproduzidos;
7. Do mesmo modo, e atenta a globalidade da prova produzida, bem como a confissão expressa que resulta do documento cuja junção é requerida ao abrigo do disposto no artigo 425° do C.P.C., deverá ser julgada provada a matéria de facto constante dos pontos 13, 14, 15 e 17 da Fundamentação de Facto da Decisão Final/Sentença - 13. Factos Não Provados, nos termos melhor expostos em 11.2 da motivação destas alegações de recurso, que aqui se dão por reproduzidos;
8. O Tribunal a quo fez uma incorreta apreciação da prova produzida sobre a matéria de facto constante do ponto 71 da Fundamentação de Facto da Decisão Final/Sentença - A. Factos Provados, a qual deve ser julgada como não provada, nos termos melhor expostos em 11.3 da motivação destas alegações de recurso, que aqui se dão por reproduzidos;
9. Por fim, transparece dos autos, sendo aceite por ambas as partes, em especial pelas Recorridas, e foi alegado pela Recorrente no artigo 155° da oposição e confirmado pelas testemunhas Tomás Mancelos e Pedro Monjardino, que António Félix e Tomás Mancelos, por si e em representação de Sofia Mancelos, reuniram no patamar da entrada da sede social da Recorrente, pelas 17,00 horas do dia 02.05.2018, tendo aí tomado as deliberações que constam da ata número 57, cujo teor se encontra reproduzido no ponto 69 dos Factos Provados, que foi submetida a registo, e registada a designação de membros dos órgãos sociais, conforme ponto 67 e 68 dos Factos Provados, pelo que deverá ser aditada esta matéria de facto aos Factos Provados, nos termos melhor expostos em 11.4 da motivação destas alegações de recurso, que aqui se dão por reproduzidos;
10. Na decisão do mérito da causa, o Tribunal a quo procedeu a uma errada aplicação do direito, tendo a Decisão Final/Sentença ignorado por completo a factualidade que resulta dos autos e não é sequer controvertida no que respeita à realidade da reunião efetivamente havida e às deliberações nela tomadas pelos acionistas António Félix e Tomás Mancelos, este por si e em representação da acionista Sofia Mancelos, no dia 02.05.2018, subsequentemente submetidas a registo;
11. Não está em causa nos autos, nem foi invocada uma mera aparência ou simulação, sendo, bem pelo contrário, aceite pelas partes a realidade factual no que respeita à efetiva realização pelos acionistas António Félix e Tomás Mancelos, por si e em representação da acionista Sofia Mancelos, da reunião de que lavraram a ata indicada no ponto 69 dos Pactos Provados, nos precisos termos que dela constam;
12. As deliberações tomadas incidiram sobre matéria da competência dos sócios, sobre a qual, por consequência, os mesmos se podiam pronunciar e deliberar, foram aprovadas por um certo número de votos e imputadas à sociedade ora Recorrente, tendo sido lavrada a correspondente ata e efetuado o correspondente registo, sendo, assim, manifesto e evidente que se verificam, no caso concreto, os elementos essenciais de uma deliberação social;
13. Acresce que foi precisamente por terem considerado que estamos perante verdadeiras "deliberações sociais" que as Recorridas vieram requerer a sua suspensão, propondo o presente procedimento cautelar especificado;
14. Deste modo, mal andou o Tribunal a quo ao julgar inexistentes as deliberações tomadas por aqueles acionistas, reunidos em Assembleia Geral de 02.05.2018, e submetidas a registo, constantes da ata 57, com a redação constante do ponto 69 dos Factos Provados;
15. Houve efetivamente uma reunião da Assembleia Geral devidamente convocada para as 11,00 horas da manhã do dia 02.05.2018, que apenas se iniciou muito depois, tendo os acionistas detentores de um número francamente maioritário de ações sido impedidos de nela participar, o que levou a que os mesmos decidissem continuar os trabalhos noutro local, deliberando destituir o vice-Presidente atenta a conduta assumida pelo mesmo, como única forma de reagir contra as condutas ofensivas dos seus direitos, e seguidamente deliberar sobre os assuntos constantes da ordem de trabalhos para os quais haviam sido convocados, conforme lavraram em ata, submetendo posteriormente tais deliberações a registo, pelo que não se verificam, no caso concreto, nenhum dos vícios apontados pela Recorridas, tendo a Decisão Final/Sentença recorrida violado o disposto nos artigos 56° e 58°, ambos a contrario, do C.S.C., bem como o disposto no artigo 380° do C.P.C;
16. Ainda que assim não se entenda, no que não se concede, quanto muito, na pior das hipóteses, apenas se poderia considerar que tais deliberações foram tomadas em assembleia geral não convocada, por não estarem presentes ou representados todos os acionistas ou por ter reunido fora da sede social (embora nas circunstâncias indicadas), com a consequente nulidade das deliberações tomadas, nos termos previstos no artigo 56°, n.° 1, alínea a), e n.° 2, do C.S.C;
17. Sendo assim, até mesmo nesta hipótese em que não se consente, mal andou o Tribunal a quo ao considerar que as deliberações tomadas pelos acionistas António Feliz e Tomás Mancelos, constantes da ata n.° 57 com o teor descrito no ponto 69 dos Factos Provados, e submetidas a registo, são inexistentes, tendo a Decisão Final/Sentença violado o disposto nos artigos 56°, n.° 1, alínea a), e n.° 2, a contrario, do C.S.C.
18. Refira-se que, nessa hipótese em que não se concede, as deliberações tomadas são suscetíveis de ser renovadas, nos termos previstos no artigo 62° do C.S.C., como foram na reunião da Assembleia Geral convocada para o dia 11.04.2019 (e realizada nessa data) para, entre outros, deliberar sobre a renovações das deliberações de 02.05.2018, o que foi aprovado por unanimidade dos votos presentes, conforme Ata 58 junta aos autos por articulado superveniente de fls., pelo que, também assim, deveria o Tribunal a quo ter verificado a inutilidade superveniente da lide e decidido extinguir a instância, nos termos já acima indicados;
19. Por outro lado, mal andou o Tribunal a quo ao considerar que por se tratar de "deliberações inexistentes" não se mostra necessário preencher o requisito do "dano apreciável" previsto no artigo 380° do C.P.C., desde logo porque, como se demonstrou, as deliberações tomadas não são "inexistentes";
20. Ainda que assim não fosse, no que não se consente, tendo as Recorridas, lançado mão do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais — como fizeram — impunha-se, para que a providência requerida pudesse ser decretada, a alegação e prova de todos os seus pressupostos, incluindo do "dano apreciável", uma vez que nada na lei processual ou substantiva aplicável permite afastar a necessidade de preenchimento deste requisito, que se encontra expressamente previsto no artigo 380° do C.P.C;
21. 21.0 legislador substantivo não reconhece a figura das "deliberações inexistentes", não havendo, assim, qualquer regime processual que lhes seja especificamente aplicável, pelo que ou estamos perante deliberações sociais — que, por esse facto podem ser objeto da providência cautelar especificada de suspensão das deliberações sociais, desde que verificados todos os respetivos requisitos, incluindo o do "dano apreciável" - ou não estamos perante deliberações sociais (por nem sequer na aparência poderem ser imputadas à sociedade, o que não é o caso concreto) e, nesse caso, não poderão ser objeto da providência requerida, mas apenas de procedimento cautelar comum, desde que verificados todos os respetivos pressupostos;
22. Tendo as Recorridas proposto o procedimento cautelar de suspensão das deliberações sociais impunha-se que alegassem e demonstrassem (ao abrigo das regras sobre repartição do ónus da prova) factualidade concreta que permitisse ao Tribunal concluir pela existência de "danos apreciáveis" imputáveis à demora do processo de anulação, visando-se prevenir e impedir os prejuízos que para as Recorridas ou para a sociedade eventualmente pudessem advir da execução das deliberações impugnadas durante a pendência da ação principal, o chamado "periculum in mora";
23. Contudo, no caso concreto dos autos nada se provou, não resultando dos Factos Provados constantes da Fundamentação de Facto um único facto concreto que permita ao Tribunal, fazendo a necessária avaliação e juízo valorativo, preencher conceito indeterminado de "dano apreciável" exigido pelo artigo 380°, n.° 1, do C.P.C., decorrente das deliberações sociais impugnadas, não compatível com a demora na tramitação da ação principal;
24. Para obviar à total inexistência (isso sim) de matéria de facto provada, entendeu Tribunal a quo basear-se em considerações genéricas, sustentando que a eleição de pessoas para exercício dos cargos de membros do conselho de administração acarreta, só por si, "um dano significativo e grave na esfera jurídica desta", o que, no entanto, não tem qualquer suporte factual concreto, pois nada foi dito, nem nada resulta em concreto dos autos a propósito de qualquer eventual atuação concreta de quaisquer dos membros designados e do prejuízo decorrente da demora na decisão da ação principal;
25. A mera "possibilidade" de prejuízo (em que o Tribunal a quo assentou a decisão recorrida) é manifestamente insuficiente para que possa ser decretada a providência requerida nos autos, sendo necessária a alegação e prova de um prejuízo concreto que decorra da demora na tramitação da ação principal, mas que nem sequer resulta da esforçada fundamentação da Decisão Final/Sentença;
26. Em consequência, não pode deixar de se concluir que o Tribunal a quo procedeu a uma errada aplicação do direito, já que, no caso concreto, ainda que se pudesse assacar qualquer vício às deliberações tomadas, não se encontra preenchido requisito essencial do "dano apreciável" exigido pelo artigo 380° do C.P.C., devendo o presente procedimento cautelar ser julgado totalmente improcedente e revogando-se a Decisão Final/Sentença recorrida;
27. Mesmo admitindo, por mero absurdo de raciocínio, e em que não se concede, que as deliberações sociais objeto do presente procedimento configuram "deliberações inexistentes", como entendeu, mas mal, o Tribunal a quo, não é demais repetir que não seria possível lançar mão do procedimento cautelar de suspensão das deliberações sociais — o qual pressupõe efetivamente a existência de uma deliberação social - apenas sendo admissível o recurso à providência cautelar não especificada, prevista nos artigos 362° e seguintes do C.P.C., desde que verificados os respetivos pressupostos, designadamente o fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito do requerente;
28. Em consequência, no caso dos autos, ainda que se pudesse considerar que as deliberações tomadas pelos acionistas António Félix e Tomás Mancelos, por si e em representação da acionista Sofia Mancelos, são "deliberações inexistentes", no que não se concede de modo nenhum, não poderiam as Recorridas ter lançado mão do procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais, uma vez que este pressupõe a existência de "deliberações sociais", tomadas "por alguma associação ou sociedade" (conforme expressamente previsto no artigo 380°, n.° 1, do C.P.C.) e, portanto, imputáveis a uma sociedade;
29. Contudo, mesmo admitindo a convolação para o procedimento cautelar comum, nos termos previstos no artigo 376.º e 193.º, ambos do C.P.C., caberia uma vez mais às Recorridas a alegação e prova de factualidade concreta que permitisse ao Tribunal preencher o requisito essencial deste tipo de providência, exigido pelo artigo 362° do C.P.C, de dano grave e de difícil reparação do direito das próprias Recorridas (não sendo já de admitir qualquer direito da sociedade) decorrente da demora na decisão da ação principal, mas o que também não resulta minimamente dos autos;
30.  Deste modo, também assim, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 362°, n.° 1, do C.P.C., devendo a Decisão Final/Sentença recorrida ser revogada, julgando-se improcedente o presente procedimento cautelar.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente provado e procedente, julgando-se, desde logo, verificada a inutilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância, em virtude da renovação, com eficácia retroativa, das deliberações impugnadas ou, caso assim não se entenda, determinada a sua suspensão, revogando-se a Decisão Final/Sentença recorrida, ou ainda, caso também assim não se entenda, ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto e revogada a Decisão Final/Sentença, julgando-se improcedente a providência requerida, assim se fazendo Justiça.
Resposta ao recurso
As recorridas responderam ao recurso, defendendo a improcedência da apelação e a confirmação da sentença (fls. 505-536), pedindo a condenação da recorrente como litigante de má-fé por os documentos juntos com a alegação de recurso já se encontrarem juntos aos autos e a recorrida já ter emitido pronúncia sobre os mesmos.
A recorrente pronunciou-se sobre o pedido de condenação como litigante de má-fé como consta do requerimento junto a fls. 541-542v, invocando que a junção dos documentos se tratou de mero lapso, pedindo que o mesmo seja relevado e julgado improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé.
Admissão do recurso
Por despacho de  12/07/2019 (fls. 537).
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do recurso
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir no recurso são as seguintes:
I. Junção de documentos com as alegações de recurso e litigância de má fé da recorrente.
II. Inutilidade superveniente da lide por renovação da deliberação impugnada.
III. Suspensão da instância até ser decidida a impugnação da deliberação renovada.
IV. Caso improcedam as questões identificadas em supra pontos II e III, importa apreciar:
a) Impugnação da decisão de facto;
b) Improcedência da providência cautelar requerida por erro de julgamento quanto ao mérito da sentença: inexistência, nulidade, anulabilidade e renovação da deliberação; falta de alegação e prova de danos apreciáveis.
B- De Facto
I. FACTOS INDICIARIAMENTE PROVADOS
1) A Requerida é uma sociedade anónima que tem por objecto investimentos imobiliários, designadamente a promoção imobiliária; urbanização de terrenos próprios e alheios; aquisição, beneficiação e venda de imóveis próprios e alheios; elaboração de estudos e projectos; fiscalização de obras; empreitadas de obras de construção civil; compra de imóveis para revenda.
2) A Requerida tem o capital social de € 2.250.000,00 integralmente subscrito e realizado e é representado por 450.000 acções com o valor nominal de € 5,00 (cinco euros) cada.
3) O capital social da Requerida foi representado desde a sua constituição por acções ao portador, tendo a Requerida, em 16.10.2017, publicado anúncio para conversão das acções ao portador em nominativas.
4) Em 25 de Outubro de 2017, as Requerentes V… e M….. entregaram ao Presidente do Conselho de Administração, Exmo. Senhor Eng. L…., uma comunicação na qual solicitam o registo em seu nome, respectivamente, das 54.775 e 1.405 acções de que são titulares, representadas pelos títulos ao portador que referem identificar em anexo e informam que apresentarão os referidos títulos para substituição ou alteração das respectivas menções na primeira assembleia geral que venha a ocorrer.
5) A V…é titular de 54.775 acções, no valor nominal de € 5,00 cada uma, correspondentes a 12,17% do capital social da sociedade Requerida e a 12,59% dos direitos de voto.
6) A R..M é titular de 1.405 acções, no valor nominal de € 5,00 cada uma, correspondentes a 0,31% do capital social da sociedade Requerida e a 0,32% dos direitos de voto.
7) Até 2 de maio de 2018, a sociedade Requerida tinha um Conselho de Administração composto por:
a. Presidente do Conselho de Administração: L…a (entretanto falecido);
b. Vogal: S…. (filha do Presidente do Conselho de Administração supra identificado);
c. Vogal Suplente: M.. os quais foram nomeados, para o exercício de funções no quadriénio 2014/2017.
8) Desde, pelo menos, 2005, Luís Filipe Martins Galvão Videira assumiu as funções de Presidente do Conselho de Administração, vinculando sozinho a sociedade desde março de 2007.
9) A sociedade Requerida, pelo menos desde 2005 e até ao falecimento de L… foi gerida, dirigida e desenvolvia a sua atividade (descrita em 1. supra) exclusivamente sob a égide de L...
10) L…… da sociedade Requerida.
12) L….. comportou-se até ao seu falecimento, perante clientes, parceiros, amigos e familiares como o principal dono e gestor da sociedade Requerida.
13) …. que se apresentava perante a sua família e terceiros como dono da sociedade e o detentor de uma maioria de controle da sociedade.
14) … que contactava com os clientes e com os fornecedores.
15)  que assinava os meios de pagamento da sociedade Requerida.
16) … que dava informações e reunia com a contabilidade da sociedade Requerida.
17) Era Luís Filipe Martins Galvão Videira que contactava o Presidente da Mesa da Assembleia Geral para a convocação das assembleias gerais, que elaborava e organizava a lista de presenças, que decidia as participações nas assembleias gerais, que elaborava as atas.
18) Em 3 de janeiro de 2018, faleceu o referido Sócio e Presidente do Conselho de Administração da Requerida,
 19) A herança do falecido sócio permanece indivisa, encontrando-se a decorrer o processo de inventário sob o nº 1787/2018, ...
21) Tendo sido relacionadas como ativo da herança 343.312 ações da sociedade Requerida: «320.355 ações ordinárias tituladas com o valor nominal de €5,00 cada, em processo de conversão, representativas do capital social da C…. Mobiliários e Imobiliários, SA, ….., a que foi atribuído o valor de € 114.785,00.
23) M… não foi chamado para assumir as funções de administrador após o falecimento de L..
24) Em 27 de Março de 2018, foi publicada no Portal da Justiça uma convocatória subscrita pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, … para uma assembleia geral de sócios a ter lugar no dia 2 de Maio de 2018, às 11h, na sede social.
(…..)
65) Entrou-se, então, na ordem de trabalhos, tendo-se procedido à discussão e votação dos pontos constantes da mesma.
66) Nessa sequência, foi sido elaborado o documento n.º 21 junto com a petição inicial denominado “Ata Avulsa (Ata n.º 57)”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:
67) As deliberações tomadas em tal ata foram submetidas a registo, o qual foi recusado porquanto fora já submetida a registo a designação de membros(s) de órgão(s) social(ais) (online) pela Ap. 86/20180502 19:13:21 UTC do seguinte teor: (….)
68) A inscrição aludida no facto provado 67) teve por base uma ata manuscrita de uma denominada assembleia geral realizada “no patamar de entrada da sede social” – cfr. documento n.º 22 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
69) A ata aludida no facto provado 68) é do seguinte teor:  (……)
70) T…, após ter saído da sede social da requerida, conforme descrito nos factos provados 61) e 62), voltou duas vezes à sede social, entre as 17h00m e as 17h30m, uma para procurar o telemóvel e outra para levar consigo os títulos ao portador que haviam sido entregues pelas Requerentes V…SA e M… no âmbito do processo de conversão para serem posteriormente destruídos, bem como dos títulos que ainda se encontravam com o pertence em branco.
71) A… afirmou a M… que não era o dono das ações e que as mesmas lhe tinham sido confiadas por L… para que gerisse a sua distribuição pelos dois filhos e para acertar contas antigas entre os dois.
72) As requerentes intentaram, em 16-07-2018, contra a aqui requerida, a Ação de Processo Comum que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – J17 – com o n.º 16.939/18.4 T8LSB, peticionando que seja declarado nulo o processo de conversão das ações representativas do capital social da Ré em nominativas, bem como declarados nulos e sem nenhum efeito os documentos emitidos no âmbito do processo de conversão, em especial os títulos, e declaradas nulas e sem nenhum efeito as inscrições constantes do livro de registo de acções e, subsidiariamente, que seja anulado o processo de conversão das ações representativas do capital social da Ré em nominativas, bem como serem anulados os documentos emitidos no âmbito do processo de conversão, em especial os títulos e anuladas as inscrições constantes do livro de registo de acções, encontrando-se os autos em referência na fase de saneamento, após contestação por parte da ré e resposta às excepções pela autora.
(…..)
II. FACTOS NÃO INDICIARIAMENTE PROVADOS
1) O número de acções de que seja titular a requerente herança.
2) A Vogal do Conselho de Administração S….nunca exerceu efetivamente quaisquer funções de administração; raramente se deslocava à sede social; e não tem conhecimentos sobre a atividade desenvolvida pela sociedade Requerida.
4) F…. actuou na reunião da Assembleia Geral realizada no dia 02.05.2018, servindo-se da sua posição de Vice-Presidente da Mesa e em conluio com o representante da V.., SGPS, SA e com a accionista M… Madeira, com o intuito de impedir os restantes acionistas ali presentes de participar na reunião e votar as deliberações a tomar nos termos da ordem de trabalhos.
5) O Vice-Presidente da Mesa ra entrou na sede social de forma violenta, aos berros, empurrando e mandando sair todos quantos se encontravam ali presentes e trazia consigo uma mochila, onde era visível um bastão de grande dimensão, de cor castanha e material indefinido, suspeitando-se também de que o mesmo se encontrava armado, dado ter sido avistado, escondido por baixo do casaco, um volume que parecia o coldre de uma arma de fogo.
9) O processo de troca de títulos prolongou-se até cerca das 16,30h e decorreu num ambiente intimidatório e de grande receio por parte dos Advogados ali presentes, que temiam pela sua integridade física, muito embora se limitassem a cumprir as instruções que tinham recebido da administração da Requerida, realizando as diligências necessárias à troca dos títulos.
10) Tal receio era sobretudo provocado pelo Vice-Presidente da Mesa … que, embora não sendo acionista e, portanto, não podendo invocar qualquer interesse ou necessidade em acompanhar o processo de conversão em curso, entrava e saía da sala onde decorria o mesmo, a seu bel prazer, abria e fechava, de forma violenta as gavetas e portas dos armários existentes no local, falava alto, filmava e fotografava os referidos Advogados, sem pedir qualquer autorização, servindo-se para tanto do seu telemóvel, e interpelando-os em tom ameaçador, mantendo no local, bem à vista de todos, a mochila que tinha trazido consigo, contendo o bastão de grandes dimensões já mencionado.
(…….)
III. FACTOS INDICIARIAMENTE PROVADOS QUANTO À INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
1. A requerida realizou em 11-04-2019 uma assembleia geral, reduzida a ata denominada “Acta n.º 58”, da qual consta, designadamente, o seguinte:
“Aos onze dias do mês de Abril de dois mil e dezanove, pelas 10h00, reuniu na Sala de Reuniões do Hotel Upon, sito na Rua Luciana Stegagno Picchio, n.º 12, 1549-023 Lisboa, por impossibilidade de realização da reunião na sede social em condições satisfatórias, a Assembleia Geral da sociedade anónima “C.. Mobiliários e Imobiliários, S.A.”, com sede na Praça Dr. Nuno Pinheiro Torres, n.º 6, 9.º direito, freguesia de Benfica, em Lisboa, com o número único de matrícula na Conservatória de Registo Comercial de Lisboa e de Pessoa Colectiva 500508518, com o capital social de dois milhões duzentos e cinquenta mil euros, com a seguinte Ordem de Trabalhos, conforme Convocatória publicada no site www.publicacoes.mj.pt, em seis de março de dois mil e dezanove e no jornal “PUBLICO” de sete de março de dois mil e dezanove. ….
 (...).”
2. As requerentes instauraram, na mesma data (11-04-2019), procedimento cautelar pendente no Juízo do Comércio de Lisboa, em que peticionam a suspensão de todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da requerida de 11 de abril de 2019.
C- De Direito
I. Junção de documentos com as alegações de recurso e litigância de má fé da recorrente:
No que diz respeito à junção de documentos com as alegações, em face do requerimento da recorrente de fls. 541-542v onde alega que a junção se deveu a mero lapso, a apreciação da junção à luz do artigo 651.º, n.º 1, do CPC encontra-se prejudicada, tal como a apreciação da litigância de má fé, já que a justificação apresentada pela recorrente para a prática de tal ato processual exclui a verificação de atuação dolosa ou com grave negligência, pressuposta no artigo 542.º do CPC.
Nestes termos, ordena-se o desentranhamento e devolução dos documentos de fls. 541-542v à recorrente, não se tributando a mesma nas custas do incidente.
II. Inutilidade superveniente da lide por renovação da deliberação impugnada
Defende a recorrente que deliberação tomada no dia 02-05-2019, impugnada nestes autos, por ter sido renovada na assembleia geral realizada em 11-04-2019, como comprova a ata n.º 58 junta aos autos, determina a inutilidade superveniente da lide ao abrigo do artigo 277.º, alínea e), do CPC, porquanto, mesmo que a primitiva deliberação estivesse eivada de vícios de forma, como defendem as recorridas, os mesmos foram sanados, como permitido pelo artigo 62.º do CSC.
Contrapõem os recorridos, acompanhando a sentença recorrida, que a deliberação de 02-05-2019 é juridicamente inexistente enquanto deliberação social, pelo que não é sanável; que não foram afastados os vícios materiais que afetam a primeira deliberação (impossibilidade/ilegalidade de verificação da qualidade de acionista, apropriação ilegítima de títulos e abuso de direito) e, finalmente que a deliberação de 11-04-2019 também foi impugnada por meio de providência cautelar que corre termos no Juízo de Comércio de Lisboa, sob o n.º 9890/19.2TBLSB-A.
Vejamos, então.
Visto o teor da ata n.º 58 junta aos autos, verifica-se que a deliberação tomada em 02-05-2018, quanto ao ponto um (eleição pra aos órgãos sociais no quadriénio 2018-2021) foi objeto, em 11-04-2019, de uma deliberação renovatória com caráter retroativo, situando-se os respetivos efeitos entre as duas datas, já que na deliberação referida em último lugar, os acionistas eleitos renunciaram, naquela mesma data, aos respetivos cargos para que foram eleitos em 02-05-2018, ainda que, no mesmo ato, tivessem sido novamente eleitos para os mesmos cargos.
Coloca-se, pois, a questão dos efeitos da renovação da deliberação impugnada durante a pendência destes autos. Não olvidando, ainda, que a deliberação renovatória também foi objeto de impugnação em processo autónomo.
Prescreve o artigo 277.º, alínea e) do CPC que a instância extingue-se por inutilidade superveniente da lide.
Esta situação ocorre quando por efeito de um facto ocorrido na pendência da causa, o efeito jurídico pretendido com a pretensão formulada em juízo já foi alcançado por outra via, deixando, assim, de interessar a solução do litígio.
No caso, o facto invocado corresponde à renovação da deliberação de 02-05-2018 pela deliberação de 11-04-2019.
A renovação das deliberações nulas ou anuláveis encontra-se prevista no artigo 62.º do CSC.
Dispõe o n.º 1 do artigo preceito que «Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros».
Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que «A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória».
A renovação da deliberações corresponde, assim, a um «processo de sanação em que é possível repor à deliberação o requisito de validade em falta, eventualmente repetindo o processo formativo da deliberação social.»[1].
A renovação tem como finalidade o aproveitamento do ato deliberativo através de um novo procedimento deliberativo, que mantenha a regulamentação de interesses expressa num ato inválido, mas expurgando o vício de que enferma a primeira ou primitiva deliberação, sem, no entanto, alterar o seu conteúdo.
Pressupõe uma nova deliberação destinada a absorver o conteúdo da anterior e a substituí-la para o futuro, desde que observados os requisitos formais e substanciais que legalmente se exigem para a antiga.
A retroatividade permite que os efeitos da deliberação inválida se tenham por produzidos desde o momento em que esta foi tomada e não, apenas, a partir do momento em que nasce a deliberação de renovação.
No caso das deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º do CSC, que contemplam vícios no processo de formação do processo de deliberação, a lei admite expressamente a eficácia retroativa, desde que seja esta a vontade dos sócios e não sejam assim afetados direitos de terceiros (n.º 1 do artigo 62.º do CSC), regime retroativo que, por maioria de razão, se estende à renovação das deliberações anuláveis, ainda que o n.º 2 do artigo 62.º do CSC omita essa referência.
A renovação das deliberações inexistentes suscita o problema da existência deste tipo de invalidade, questão que é controvertida na doutrina. A relevância desta questão, nesta sede, prende-se com os efeitos da inexistência jurídica, uma vez que a admissão de deliberações juridicamente inexistentes implica que as mesmas não sejam passíveis de renovação.
O que no caso dos autos é relevante, na medida em que, podendo estar a deliberação impugnada nos mesmos afetada por esse tipo de invalidade, a questão da validade da deliberação renovatória não determinaria a inutilidade superveniente da presente lide, porque o resultado a alcançar com a pretensão dos requerentes nunca se produziria. A deliberação de 02-05-2018 não seria, pois, sanável, não sendo possível o seu aproveitamento numa ótica de renovação.
A sentença recorrida acolhe essa tese quando menciona: «Acresce que a lei apenas consente a renovação de deliberações sociais que sejam nulas por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais, nos termos do artigo 62.º do mesmo diploma legal. Sucede que no âmbito do presente procedimento, as requerentes não se limitam a invocar as causas de nulidade previstas nas apontadas alíneas do n.º 1 do artigo 56.º, invocando outros vícios, v.g. a inexistência jurídica da deliberação em causa.».
Não subscrevemos este fundamento da decisão, ou seja, ainda que os requerentes tenham invocada a inexistência jurídica da deliberação, a lei não o prevê, pelo que, não obstante as várias teses doutrinárias sobre a questão (controvertida, como já referido) e, não obstante, alguns arestos também enveredarem pela admissão desse tipo de invalidade, não existindo previsão normativa no CSC que contemple esse tipo de invalidade, os vícios das deliberações sociais reconduzem-se à nulidade, anulabilidade ou ineficácia (como infra melhor será fundamentado, remetendo para esse segmento da fundamentação deste acórdão).
Resulta assim que a inutilidade superveniente da lide só poderia decorrer da validade da deliberação renovada, ficando, assim, inútil a apreciação dos vícios apostos à deliberação de 02-05-2018.
Ora, sucede que tendo também sido impugnada a deliberação renovatória não se pode ter como seguro que a renovação seja válida, isto é, que tenham sido supridos os vícios que são apontados à deliberação primitiva, aqui impugnada, seja no que concerne ao vício formal da formação da deliberação (nulidade – artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do CSC), já que a convocação da assembleia geral ocorrida em 11-04-2019 foi convocada pelo Presidente da Mesa da Assembleia, eleito precisamente no âmbito da deliberação aqui impugnada, a qual se encontra suspensa na sua execução por força do disposto no artigo 381.º, n.º 2, do CPC, como bem faz notar a sentença recorrida, seja em relação aos vícios apostos ao conteúdo da mesma (artigo 58.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CSC).
Efetivamente, em relação aos vícios de natureza material apostos à deliberação de 02-05-2018 também se suscita a dúvida se não afetam igualmente a deliberação renovada, porquanto se verifica como se refere na sentença recorrida «…a alegada  deliberação renovatória mantém contornos idênticos às deliberações datadas de 02-05-2018 no que concerne aos seus intervenientes e sua posição relativa ao capital social da requerida, não suprindo, designadamente, as questões atinentes à nulidade do processo de conversão das ações e à qualidade de acionista de António Olímpio Santos Félix.»
Sendo assim, não tendo ainda sida apreciada a validade da deliberação renovada em sede própria, ou seja, no procedimento cautelar onde a mesma foi impugnada (Juízo de Comércio de Lisboa, sob o n.º 9890/19.2TBLSB-A) não se pode concluir que a deliberação renovada determinou a inutilidade superveniente da presente lide.
Quanto à objeção que consta da conclusão 2 da apelação, cumpre referir que não está em causa aferir nestes autos dos invocados vícios apostos à deliberação renovada, cuja apreciação se encontra deferida ao tribunal que irá apreciar a impugnação das deliberações renovadas, o que se afirma é que tendo os referidos vícios sido invocados na resposta ao articulado superveniente apresentado pela requerida e sendo ainda controvertida a validade da renovação deliberativa, não se pode ter como verificado o requisito previsto no n.º 2, 1.ª parte, do artigo 62.º do CSC, ou seja, que a deliberação renovada não enferma do(s) vício(s) que enferma a precedente, para efeitos de emissão de um juízo positivo de inutilidade superveniente da lide.
E nesse pressuposto, ainda que em termos perfunctórios, é de concluir que podendo configurar-se a invalidade da deliberação renovatória, sempre subsistirá a deliberação impugnada nestes autos e, consequentemente, impõe-se que sejam apreciados os fundamentos do presente procedimento cautelar, o que se revelaria impossível se fosse, entretanto, decretada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. [2]
Nestes termos, improcedem as conclusões de recurso 1 e 2, nada havendo a censurar à sentença recorrida quando julgou improcedente o pedido de inutilidade superveniente da lide.
III. Suspensão da instância até ser decidida a impugnação da deliberação renovada
Na conclusão 3 do recurso, a apelante vem argumentar que, caso não se entenda que ocorre fundamento para decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, então, deve ser suspensa a instância nos termos do artigo 272.º do CPC, que prevê a suspensão quando a causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta,  seguindo-se a jurisprudência adotada no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-03-2009, citado na sentença recorrida.
Os apelados contrapõem a tal argumentação a natureza cautelar e urgente do procedimento cautelar.
Vejamos.
A requerida no articulado superveniente que vem sendo referido não requereu a suspensão da instância, formulando ex novo tal pretensão em sede de recurso. Por conseguinte, quanto muito, o que aqui poderia estar em causa era a suspensão da instância de recurso, pretensão que a apelante nem sequer formula.
Por outro lado, as partes não estão de acordo quanto à suspensão da instância (artigo 272.º, n.º 4, do CPC).
A suspensão por determinação do juiz prevista no artigo 272.º, n.º 2, do CPC, mesmo na hipótese de haver causa prejudicial pendente, depende de um juízo sobre as vantagens e desvantagens da suspensão.
Ora, no caso em apreço, atenta a natureza cautelar e urgente do presente procedimento cautelar, bem como a circunstância (que não se verificava no aresto acima referido) de já ter sido proferido julgamento sobre a pretensão cautelar formulada, entende-se que não ocorre fundamento para oficiosamente se proceder à suspensão da instância, afigurando-se que, nesta situação, os prejuízos decorrentes da suspensão em termos de delonga processual e inerente incerteza jurídica sobre o desfecho do presente litígio superam as vantagens que poderiam decorrer da suspensão.
Ademais, como dão nota os presentes autos, o litígio das partes é mais vasto, já que também foi intentada ação para discussão do processo de conversão das ações nominativas ao portador, podendo, pois, a decisão a proferir nesse litígio se afigurar como essencial para aferir da qualidade de acionistas da requerida e do direito de voto dos mesmos, o que também interferirá com a apreciação da validade da deliberação renovatória. Ou seja, a requerida suspensão da instância pode significar pura e simplesmente a paralisação por tempo prolongado e indefinido do presente procedimento cautelar, o que é indesejável e deve ser evitado, sob pena de violação do princípio do acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva na vertente do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (n.º 4 do artigo 20.º da CRP).
Nestes termos, também improcede a conclusão 3 do recurso.
IV. Apreciação do mérito da sentença:
a) Impugnação da decisão de facto
(……)
Em suma, em termos de reapreciação da decisão de facto, a mesma é julgada improcedente, com exceção  do ponto 71 dos factos provados, que é eliminado da decisão de facto.
b) Improcedência da providência cautelar requerida por erro de julgamento quanto ao mérito da sentença: inexistência, nulidade, anulabilidade e renovação da deliberação; falta de alegação e prova de danos apreciáveis
Alega a apelante, discordando da sentença recorrida, que a deliberação impugnada neste procedimento cautelar não é inexistente, quanto muito será nula por aplicação do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do CSC, encontrando-se renovada pela deliberação de 11-04-2019.
Já acima tivemos o ensejo de afirmar que a lei não prevê que haja deliberações sociais inexistentes, discordando-se, pois, desse segmento da sentença.
Vejamos, então, em termos sinóticos, os vícios que podem afetar as deliberações sociais suscetíveis de demandarem uma tutela cautelar como a requerida nestes autos através do procedimento cautelar especificado de suspensão das deliberações sociais regulado nos artigos 380.º a 383.º do CPC.
Estipula o artigo 380.º, n.º 1, do CPC, que se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações sociais contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato de sociedade, qualquer sócio pode requerer ao tribunal que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.
De acordo com os artigos 56.º e 58.º do CSC as deliberações podem ser nulas ou anuláveis.
O artigo 56.º, n.º 1, do CSC, estabelece nas alíneas a) e b), a nulidade decorrentes de vícios no processo de formação da deliberação, enquanto as alíneas c) e d), prescrevem a nulidade para vícios de conteúdo.
Por sua vez, o artigo 58.º do CSC enuncia as situações de anulabilidade, resultando da alínea a), do n.º 1, que este vício é a regra nesta matéria, já que as situações que não se enquadram no artigo 56.º do CSC (nulidade) geram anulabilidade das deliberações.
Estes preceitos não esgotam as situações de nulidade, já que outras se encontram previstas no CSC, como, por exemplo, decorre dos artigos 69.º, n.º 3, 282.º e 411.º do mesmo diploma.
Para além da nulidade e da anulabilidade também o CSC prevê um outro vício – a ineficácia  stricto sensu das deliberações – estipulando o artigo 55.º do CSC que «as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija consentimento de determinado sócio são ineficazes para todos enquanto o interessado não der o seu acordo, expressa ou tacitamente.»
Em relação à inexistência das deliberações, o CSC não prevê essa modalidade de invalidade.
É sabido que o artigo 75.°, n.º 1, do Projeto de Código das Sociedades previa uma hipótese que poderia reconduzir-se a inexistência, ali constando que para nenhum efeito «se consideram tomadas as deliberações que não tenham sido aprovadas pelo número mínimo de votos ou de sócios exigido por lei ou pelo contrato».
Porém, essa proposta não vingou, realçando-se a crítica aposta por Vasco Lobo Xavier[3], que considerava que, nos casos em que faltasse ostensivamente a maioria referida na proposta normativa, «revelando-se aos olhos de todos os participantes», haveria uma inexistência («e até inexistência material») de uma deliberação positiva, mas «se o procedimento deliberativo atingiu ostensivamente um resultado positivo», então a sanção preferível seria a da anulabilidade.
A doutrina questiona se, apesar da omissão legislativa, há situações em que a figura da inexistência das deliberações poderia/deveria ser aplicada, havendo divergência sobre a questão.
A recorrente traça no corpo da alegação uma resenha sobre as posições que alguns autores vêm defendendo sobre a questão, realçando precisamente essa divergência.
Em síntese, diremos que, em regra, para aqueles que aceitam a figura da inexistência jurídica das deliberações sociais, como Raúl Ventura[4], uma deliberação será inexistente se falta absolutamente algum dos seus elementos essenciais específicos.
Paulo Olavo e Cunha[5], na tentativa de identificar os elementos específicos para que haja uma deliberação social, ainda que inválida, identificou 4 elementos, a saber: (i) existência de uma realidade que seja imputável aos sócios sobre a qual se possam pronunciar; (ii) emissão de votos os sócios de modo a formar um deliberação; (iii) os votos têm de ser expressos numa quantidade mínima; (iv) a deliberação tem de observar um processo estabelecido ou permitido pela lei ou regulado contratualmente.
Coutinho de Abreu[6] também enuncia dois tipos de hipóteses onde pode haver cabimento para as deliberações inexistentes: (a) não correspondência dos factos (invocados como deliberativo-sociais) a qualquer forma de deliberação dos sócios; (b) não correspondência dos factos à forma de deliberação invocada.
Todavia, a grande dificuldade encontra-se na concretização das situações que possam enformar o conceito «inexistência jurídica».
Como nota Vasco Lobo Xavier[7], a maior parte dos exemplos colhidos na doutrina estrangeira como exemplos de deliberações inexistentes, tem hoje diferente tratamento entre nós, face ao regime consagrado no CSC, sendo enquadradas como deliberações nulas (a falta de convocação de assembleia, é sanável se que todos os sócios estiverem presentes ou representados) ou como deliberações anuláveis (a falta de quórum constitutivo conduzirá em princípio à anulabilidade da deliberação que se considere tomada, o mesmo valendo para a falta de quórum deliberativo se for revelado exteriormente algo que possa considerar-se uma deliberação positiva).
Também alguns arestos têm considerado que pode haver deliberações inexistentes juridicamente, secundando a doutrina que acolhe a inexistência como uma invalidade aposta a certas deliberações sociais, ainda que não haja unanimidade nesse entendimento.
Assim, e nomeadamente, pronunciaram-se sobre a inexistência jurídica o Ac. STJ, de 04-12-1996[8] («III. Deliberação inexistente é aquela a que falte o mínimo dos requisitos essenciais ou a que, nem na aparência, é adequada a vincular a sociedade.») e o Ac. RP de 19-05-2010[9] («O direito societário comina a inexistência jurídica e não somente uma invalidade para as deliberações ditas por tomadas em assembleia-geral universal de sócios que não ocorreu afinal com a presença de todos eles, nem contou com o assentimento de todos a que tal conclave se constituísse e deliberasse sobre os assuntos referidos na acta (artigo 54.° do Código das Sociedades Comerciais»), mas, em sentido oposto, o Ac. RP, de 19/05/2010[10] («I. O Código das Sociedades Comerciais não reconhece a inexistência jurídica enquanto categoria autónoma e distinta da nulidade ou da ineficácia stricto sensu das deliberações de sociedades comerciais, não constituindo, assim, vício passível de consubstanciar fundamento típico da impugnação das mesmas.»).
No nosso entendimento, e salvo melhor opinião, atendendo ao elemento histórico supra referido (cfr. artigo 9.º do CC), à falta de regulamentação expressa no CSC da inexistência jurídica das deliberações sociais, à incerteza jurídica que decorre da falta de concretização das situações passíveis de enquadrar esse vício, entende-se que, salvo a situação de ineficácia prevista no artigo 55.º do CSC, as deliberações sociais ou são nulas ou anuláveis, excluindo-se, pois, as situações de inexistência jurídica.
Sublinhe-se que sendo comumente aceite que a inexistência jurídica não é suscetível de sanação, ao contrário de algumas deliberações nulas e das que são anuláveis, a certeza e segurança jurídica exigem a normatização do vício, atentas as graves consequências jurídicas apostas ao mesmo, pelo que não se colhe o entendimento sufragado na sentença recorrida quando emitiu pronúncia no sentido da deliberação social impugnada no presente procedimento cautelar corresponder a uma deliberação juridicamente inexistente.
Nesse segmento não corroboramos a decisão recorrida.
O que não significa que a deliberação impugnada não esteja isenta de vícios, tendo os requerentes aposta à mesma outros vícios: nulidade e anulabilidade.
No caso, a deliberação tomada em 02-05-2018, atenta a factualidade dada como provada é nula, nos termos do n.º 1, alínea a), do artigo 56.º do CSC, porque a realização da deliberação, nos moldes em que ocorreu e que se encontram descritos nos pontos 67 a 69 dos factos provados, não corresponde a uma assembleia geral regulamente convocada nos termos previstos no artigo 377.º do CSC, sendo que nela não participaram todos os acionistas pelo que não é aplicável ao caso a parte final da referida alínea, ou seja, não se tratou de uma assembleia universal.
Aliás, a assembleia geral que foi convocada para esse dia era a que decorria na sede da requerida e não aquela que, alguns sócios, decidiram levar a cabo no patamar da entrada da sede social da ré, à revelia da convocatória que tinha sido emitida para a dita assembleia. Independentemente de todas as razões que os referidos acionistas possam invocar e que os levaram a praticar tal ato, nunca as deliberações tomadas nos termos em que o foram, podem ser tidas como tomadas ao abrigo de um «estado de necessidade» como é invocado pela recorrente, pois sempre os acionistas que se viram impedidos de estar presente na assembleia e, consequentemente, de exercer os seus direitos societários, mormente o de votar, sempre tinham ao seu alcance a reação judicial prevista na lei, traduzida no pedido de suspensão das deliberações que ali fossem tomadas (artigos 380.º a 383.º do CPC) e/ou na interposição da ação de nulidade/anulação (artigo 59.º e 60.º do CSC).
Já em relação à deliberação tomada quanto ao ponto 1 da ordem de trabalhos referida na ata n.º 57, a alegada anulabilidade com base no disposto no artigo 58.º, n.º 1, alínea a) e b) do CSC, não se encontra minimamente demonstrada, uma vez que, nem sequer perfunctoriamente, ficou demonstrado a matéria alegada referente à imputação de outros vícios à deliberação tomada e que passam pelas questões da comprovação da qualidade de acionistas de A… e T…apropriação de ações e do livro de atas, vícios de falsificação, votos abusivos, etc.
Quanto à renovação da deliberação impugnada pela tomada em 11-04-2019, já supra se fez menção ao regime da renovação, sublinhando-se que compete ao tribunal que irá apreciar a impugnação da deliberação renovada pronunciar-se sobre a validade da mesma.
O que releva neste procedimento cautelar é que foi tomada uma deliberação nula, enquadrando-se essa nulidade no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do CSC, por violação do disposto no artigo 377.º do CPC.
Sendo que nem sequer se pode equacionar, neste procedimento cautelar, a alegada sanação do vício, porquanto a convocação da assembleia deliberativa em termos de renovação provem de órgão eleito na assembleia que produziu uma deliberação nula e que se encontra impugnada, não podendo a sociedade executar tal deliberação enquanto não for julgado em 1.ª instância o pedido de suspensão (artigo 381.º, n.º 3, do CPC). Sendo que no caso, a deliberação renovatória ocorreu antes desse momento processual.
Resta aferir do requisito «dano apreciável» previsto no artigo 380.º, n.º 1, do CPC, que a sentença recorrida afastou, discordando a apelante desse entendimento, defendendo que impendia sobre as recorridas o ónus de alegação e prova dos concretos factos que permitissem ao tribunal aferir do mesmo, não tendo cumprido esse ónus alegatório e probatório.
Vejamos, então.
A demonstração que a execução da providência pode causar dano apreciável à sociedade constituiu um dos pressupostos do decretamento da providência cautelar, como decorre do n.º 1 do artigo 380.º do CPC.
E consabido que a jurisprudência tem considerado que o dano apreciável a que se reporta o preceito não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da ação de anulação, afastando-se, assim, o «periculum in mora» na obtenção de uma decisão através da ação judicial de oposição a uma determinada deliberação, pois que não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência cautelar, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença a proferir naquela ação. O juízo sobre a existência ou a gravidade do dano, assente nos factos provados, envolve apreciação da matéria de facto.
No caso, afastado do elenco dos factos provados o facto provado 71, que a sentença acolheu como fundamento subsidiário, resta o que, nesta situação, é verdadeiramente relevante, ou seja, se existe dano apreciável decorrente da demora da ação principal e que se traduz na possibilidade da sociedade requerida estar a ser gerida por corpos sociais eleitos à revelia de regras básicas sobre convocação e realização se assembleias gerais, previstas no artigo 377.º do CSC, num ambiente de manifesta hostilidade entre acionistas, obviamente com prejuízo para os interesses societários e na relação da mesma com terceiros.
A situação vertida nos autos nos pontos 49 a 69 dos factos provados e que está na origem da deliberação impugnada é de tal modo insólita e inusitada que dificilmente se pode chancelar outro entendimento que não seja o da verificação do aludido requisito, sob pena de, «ad absurdum», se legitimar situações praticadas à margem da lei e dos estatutos da sociedade por quem se arrogue ter (ou tenha efetivamente) uma maioria de votos que lhe permita eleger de forma ilegal os membros dos cargos sociais e gerir a sociedade.
Repare-se que a questão que os autos colocam não é de mera irregularidade na convocação de uma assembleia geral, vício formal suscetível de ser sanado, ainda que a deliberação seja nula, com aproveitamento da deliberação expurgado que seja a preterição de formalidade essencial.
A situação revelada pelos autos é completamente diversa. Trata-se, como refere a sentença recorrida, de uma «pseudo deliberação» e de uma «pseudo assembleia geral», pois só assim poderá ser qualificada a «deliberação tomada por um conjunto de sócios (independentemente da contestada qualidade accionista de António Félix) que se ausentam da assembleia geral em curso, quando está a decorrer o procedimento de verificação da qualidade accionista dos participantes por parte do Vice-Presidente da Mesa, para, fora das instalações da sede da requerida, se reunirem e tomarem decisões que reduzem a escrito, enquanto decorre na sede da sociedade a assembleia geral que abandonaram, e que conseguem submeter a registo da competente conservatória do registo comercial.»
Corrobora-se, assim, todo a argumentação da sentença no que diz respeito a esta questão quanto apelou ao disposto nos artigos 405.º, 406.º, 408.º e 409.º do CSC .
Em face de todo o exposto, não violou a sentença qualquer disposição legal, e não obstante a parcial procedência da impugnação da decisão de facto, mas sem qualquer influência na apreciação de mérito, improcede a apelação.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.

Lisboa, 26 de novembro de 2019
Maria Adelaide Domingos
Fátima Reis Silva
Vera Antunes
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[1] PAULO OLAVO CUNHA, Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, p. 663.
[2] Veja-se, neste sentido, o teor do acórdão da RL, de 03-03-2009, proc. n.º 1008/07.0TYLSB-7(Rosa Ribeiro Coelho), em www.dgsi.pt
[3] Regime das deliberações sociais no Projecto de Código das Sociedades, in: Temas de direito comercial/Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Almedina, 1986, p. 15 e ss.
[4] Sociedades por quotas, II, Almedina, Coimbra, 1996, p. 247.
[5] Impugnação de Deliberações Sociais, Almedina, 2015, p. 180 e ss.
[6]  Curso de Direito Comercial, Vol. II, 6.ª ed., Almedina,2019, p. 457.
[7] Ob. cit. p. 16.
[8] Processo 96A697 (Martins da Costa), em www.dgsi.pt.
[9] Processo n.º 295/08.1TBOAZ.P1 (Canelas Brás), em www.dgsi.pt
[10] Processo n.º 874/10.7TYVNG.P1 (Miguel Baldaia de Morais), em www.dgsi.pt
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