Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1243/08.4TBCSC.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) O direito de preferência do proprietário de prédio rústico confinante com outro de idêntica natureza, constitui uma excepção à liberdade contratual que o legislador consagra em ordem a promover o emparcelamento rural e a produtividade da agricultura.
II) Se os Autores não destinam à agricultura o prédio em cuja venda pretendem preferir, verifica-se abuso de direito impeditivo da procedência da sua pretensão.
III) O instituto do abuso de direito previne as situações de «exercício inadmissível de posições jurídicas» apreciado numa perspectiva de sistema e independe do desvalor subjectivo da conduta.(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO

FS… e MF…, vieram instaurar acção declarativa de condenação com processo comum ordinário contra MJ…, JA…, AC…, CM…, VE…, EG…, MC…, MO…, GS… e P…, LDA, alegando, em síntese, serem donos de dois prédios rústicos confinantes com um, também rústico, que os Réus pessoas singulares venderam à Ré sociedade sem lhes terem dado a possibilidade de exercerem o direito de preferência que detinham e pela presente acção exercem, pedindo assim seja declarado e os Réus condenados a reconhecerem-no pelo preço porque transaccionaram, ordenando-se o cancelamento do registo da aquisição.
A Ré P… contestou alegando, em síntese, terem os Autores renunciado ao direito que invocam exercendo-o aliás, após ter caducado o direito de acção, impugnando ainda factos em que a petição funda o direito.
Os Réus pessoas singulares igualmente contestaram deduzindo idênticas excepções e impugnando os factos, pedindo ademais a condenação dos Autores como litigantes de má-fé.
Replicaram os Autores e treplicaram os Réus, findo o que teve lugar audiência preliminar em que foram selecionados os factos assentes e organizada base instrutória, sem reclamações.
Os Autores fizeram depósito de preço e acréscimos e desistiram do pedido de cancelamento do registo de aquisição.
Houve audiência de julgamento no termo da qual o tribunal respondeu à matéria de facto, com reclamações que foram indeferidas.
Apresentadas alegações quanto aos aspectos jurídicos da causa, foi proferida sentença que julgou existente o direito de preferência mas improcedente a pretensão por ser ele exercido em abuso de direito.
É desta decisão que recorrem os Autores concluindo como segue as suas alegações:
«I- Os Recorrentes, não se conformam com a resposta à matéria de facto vertida no ponto 21º da base instrutória e que se considerou demonstrado na decisão em crise, como facto 37, isto é, que os autores não pretendem utilizar o prédio rústico sob o artº ...º, para agricultura, bem como com a resposta vertida no ponto 76º da base instrutória, nomeadamente, ao dar como não provado que os AA. obtiveram conhecimento apenas das condições de venda realizada, em 12 de Novembro de 2007, através da emissão de certidão de escritura.
II- o Tribunal “a quo” fundamentou a resposta dada aos factos acima indicados, quer na evidência de os ora Recorrentes não se dedicarem ao exercício da agricultura, mas sim ao ramo imobiliário, quer por considerar que as testemunhas P… e M…, sobre o conhecimento que tiveram em primeira mão, das condições de venda, a partir da certidão da escritura pública, não terem garantias de isenção.
III- Como resultou provado e correspondente ao ponto 30 da decisão recorrida, resultou provado que o prédio rústico sob o artº ...º, encontra-se agricultado em três parcelas com cultivo de produtos hortícolas e conforme resultou da resposta ao artº 20º da base instrutória.
Acresce que, em sede de continuação de Audiência de Julgamento, realizada em 30 de Março de 2012, os Autores requereram a junção de contrato de arrendamento de terreno de sua propriedade, com fim rural, constante de fls.., celebrado com empresa do mesmo ramo de actividade da Ré P..., Lda, ou seja, que se dedica à produção e comércio de plantas ornamentais e serviços relacionados com a silvicultura e exploração florestal.
IV- Conforme resulta do depoimento das testemunhas, P…, M… e E…, bem como do contrato junto a fls., e de fotografias juntas com a Réplica, facilmente se conclui, que os AA., não se dedicam em exclusivo ao ramo da construção civil, sendo que cedem a exploração ou arrendam algum dos imóveis de que são proprietários, a empresas que se dedicam à produção de plantas.
Por outro lado, resulta igualmente dos depoimentos de P... e M..., bem como da inspecção judicial realizada a um dos prédios objecto da presente demanda (artº ...), que existem parcelas que se encontram cultivadas, conforme resulta, aliás, do ponto 30 dos factos provados da decisão ora em crise, como resposta ao artº 20º da base instrutória.
Constam assim do processo, meios probatórios, quer através de prova documental (contrato de arrendamento para fim não habitacional de fls. e fotografias juntas com a réplica, quer através de prova testemunhal, transcrita, que impunham, com o devido respeito, decisão diversa sobre o ponto da matéria de facto que se impugna, a saber:
Ponto 21º da base instrutória e que se considerou demonstrado na decisão em crise, como facto 37, isto é, que os autores não pretendem utilizar o prédio rústico sob o artº ...º, para agricultura.
Pelo que não poderia ser dado como provado que os autores não pretendem utilizar o prédio rústico sob o artº ...º para agricultura.
A própria testemunha arrolada pela R.- P..., Lda, Sr.E..., sócio da mesma, admite ter conhecimento que os AA., através de uma das suas empresas (PC…, Lda), não se dedica apenas ao ramo da construção civil, pois arrenda imóveis a sociedades que se dedicam ao cultivo.
Pelo que, para além da prova documental indicada, constante dos autos, a prova testemunhal arrolada pelos AA., nomeadamente o Sr. P… e M..., deverão ser consideradas credíveis e isentas.
V- No que respeita à resposta vertida no ponto 76º da base instrutória, que dá como não provado que os AA. obtiveram conhecimento apenas das condições de venda realizada, em 12 de Novembro de 2007, através da emissão de certidão de escritura.
Mal andou igualmente o Tribunal recorrido, pois deveria dar como provado o facto constante do ponto 76º da base instrutória, impugnando-se a resposta dada ao mesmo.
Através do depoimento prestado pelas testemunhas P... e M..., quanto a esta matéria e que parcialmente se transcreveu.
VI- Constata-se, quer pelo Sr. P…, ter intervenção directa nos negócios celebradas pelo seu pai, quer pela Dª M..., ser a responsável por efectuar trabalho administrativo, junto de Conservatórias e demais entidades públicas, e in casu, ter-se deslocado no dia 12 de Novembro de 2007, à Conservatória e Cartório Notarial respectivo, onde obteve certidão de escritura junta aos autos, tendo nesse mesmo dia entregue ao A. marido, que ficou muito surpreendido, facilmente se conclui, que os AA. apenas tiveram conhecimento das condições da venda realizada na aludida data, através da emissão daquela certidão.
O depoimento destas testemunhas, foi igualmente credível e isento no tocante a esta matéria, revelando as mesmas, pela sua área de intervenção, um conhecimento directo deste facto.
Por essa via, o artº 76º da base instrutória, deverá, salvo melhor opinião, ser considerado incorrectamente julgado, pelo que se impugna, pois mediante os depoimentos destas testemunhas, que supra se transcreve, impunha-se decisão diversa.
A prova supra transcrita e relativamente a este ponto foi, sem razão que justifique, desconsiderada pelo Tribunal “a quo” o que levou a que o facto 76º da base instrutória, fosse considerado não provado, quando deveria o Tribunal “a quo”, salvo melhor opinião, ter considerado este facto como provado.
VII- Na verdade, Venerandos Desembargadores a livre apreciação da prova permite ao Tribunal decidir com base na sua livre convicção a qual sempre deverá respeitar critérios de objectividade que possam ser apreendidos pelo homem médio.
Não entendem os recorrentes, com o devido respeito, como pode o Tribunal ter desconsiderado estes depoimentos.
As testemunhas presenciaram directamente a reacção do A. marido, que desconhecia em absoluto, até àquela data, quer que o prédio em causa tivesse sido alienado, quer as condições do negócio.
Conforme resulta do artigo 655º do Código de Processo Civil a apreciação   da prova, embora livre, haverá de resultar de um processo de raciocínio lógico alcançável pelo homem médio.
Trata-se de uma convicção probatória racional que haverá de assentar em elementos concretos e objectivos.
Por este facto, entendem os recorrentes que o Tribunal “a quo” deveria ter considerado como provado o facto vertido no ponto 76º da base instrutória.
As testemunhas depuseram de forma isenta e com conhecimento directo dos factos, atestando aquilo que presenciaram.
Acresce que,
VIII- Não obstante a douta sentença recorrida, quantos aos pressupostos e fundamentos do direito legal de preferência, da renúncia ao direito de preferência, da caducidade do mesmo e da caducidade do direito de acção, dar razão aos recorrentes, por concluir que os mesmos detinham efectivamente o direito de preferência legal na alienação em causa e que pretendem exercer judicialmente.
IX- O Tribunal a quo entende que os AA. detém o direito de preferência invocado na acção, não tendo ocorrido qualquer causa extintiva do mesmo.
X- Pelo que, entendeu o Tribunal recorrido, que os AA. não se dedicando à agricultura ou actividade conexa e se o terreno em causa que se mantém inculto, que não irá dar-se cumprimento à finalidade da preferência. Decidindo pela improcedência da acção pois o exercício do direito de preferência, constituiria um flagrante abuso de direito, nos termos do artº 334º do CC.
Conforme resulta dos autos, o prédio alienado encontra-se integrado em áreas de reserva agrícola nacional e de reserva ecológica.
Resulta daí que os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as acções que destruam ou diminuam as suas potencialidades agrícolas.
Por outro lado, nas incluídas na REN são proibidas as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal, pelo que, não é possível afectar o terreno em causa a que não seja à agricultura.
A própria decisão recorrida admite esta evidência, fundamentando a existência do direito de preferência dos AA. igualmente neste argumento.
Ora, não obstante o ramo de actividade a que se dedicam os Recorrentes, estão impossibilitados, de conferirem outra finalidade, que não seja a agricultura no prédio em causa.
Por outro lado, conforme já alegado, os recorrentes, não se dedicam em exclusivo, àquele ramo de actividade, pois exploram outros terrenos de sua propriedade, directamente e por terceiros, destinando-os à exploração agrícola.
Os recorrentes não poderão dar outro destino aos prédios em causa que  não seja a cultura, pelo que não se poderão afastar da finalidade económica ou social da preferência.
XI- A decisão sindicada violou assim o regime previsto no artº 1381, a) do  CC, sendo que pelos motivos atrás invocados deveria o Tribunal ter concluído que não resta outra opção aos recorrentes que não seja proceder à cultura dos prédios em crise.
Razão pela qual andou mal o Tribunal a quo ao interpretar que a finalidade que os Recorrentes pretendem conferir aos prédios não é a cultura em virtude do seu ramo de actividade e por supostamente nunca os terem cultivados.
Quer pela classificação dos mesmos, quer pela actividade abrangente a que os Recorrentes se dedicam, tudo aponta para que a finalidade seja exclusivamente a cultura.
XII-Pelo que, não existe qualquer abuso de direito, violando a decisão em crise o disposto no artº 334º do CC.
Ao conceito de abuso de direito, previsto naquele normativo legal, não poderão ser alheios factores subjectivos, como por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido.
Este factor é importante, para determinar se houve ofensa ao fim social ou económico do direito.
Pelos factos dados como provados e pelos ora impugnados, deverá  concluir-se, que o excesso cometido não foi manifesto.
Não é intenção dos Recorrentes ao exercer o direito de preferência em crise, ofender quer pela sua actividade profissional, quer pelo facto de não terem cultivado os prédios, que não possam, pelo motivo já sobejamente referido de se dedicarem a outras áreas de actividade, destinar os prédios à cultura.
Sublinhe-se que o Tribunal a quo, considera a existência do direito de preferência, no entanto, retira-o, com o fundamento na figura do abuso de direito, no pressuposto de que a finalidade económica ou social da preferência não se encontra presente.
Esta norma (artº 334 do CC), deveria ter sido assim interpretada no sentido da não existência de excesso manifesto, decidindo-se pela proximidade da finalidade económica e legal da preferência e, consequentemente, pela inexistência de qualquer abuso de direito por banda dos Recorrentes, e reconhecendo-se a existência do direito de preferência, deverá a presente demanda ser julgada procedente.
Termos em que deverá o recurso de apelação interposto ser julgado provado e, por via dele, ser a decisão recorrida revogada por douto aresto que declare procedente a presente acção, desta forma fazendo Vªs. Ex.ªs, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, a costumada J U S T I Ç A».
Nas suas contra-alegações a Ré sociedade pugnou pelo bem fundado da decisão de considerar verificado abuso de direito e requereu a ampliação do objecto do recurso a questões de facto e de direito que enunciou. Concluiu como segue as suas alegações:
«1º. Resulta sobejamente da factualidade da ação que os, ora apelantes, se dedicam, há décadas, à compra e venda de terrenos, à mediação imobiliária e à construção civil., sendo conhecidos na região como os maiores industriais da construção civil, logo a seguir ao A. S… SA, conforme referem algumas testemunhas nos seus depoimentos a seguir indicadas: M…, (…. Identificação da gravação….CD… 12-03-2012…15.31.34- 15.52.06), em que afirma: “A única coisa que eu sei é o que consta aqui quem domina a imobiliária é o A. S… SA e a seguir é ele, isto é do domínio público, é o que se diz”, e também a testemunha E..., que testemunhou ( CD… 30-03-2012…16.07.30- 16.11.33), “….Eu não andei a fazer de detetive, mas fiz alguma pesquisa para ver o que realmente ele tinha e fiquei parvo por ver o espólio que este senhor tem, tudo que é terrenos deixam de ser agrícolas, pois há relativamente pouco tempo só o senhor C… e o A…. SA, desde 2007, já passei por lá e em alguns sítios já têm condomínios e urbanizações em tudo que era zonas agrícolas, pois isto deve ser muito rentável, ao comprar terrenos agrícolas para passar a vender terrenos urbanos para a construção.”
2º. Na sequência do depoimento, acima indicado, parte final, tem interesse indicar como exemplo o terreno da QUINTA DA …, sita em …, concelho de …, em que fazemos notar o seguinte:
a) Está em causa trazer a este sábio tribunal um caso concreto dos milhares de lotes de terrenos que os AA são titulares, uma vez que eles alegam de que também se dedicam à agricultura, conforme consta do artigo 85 da réplica, abaixo transcrito.
b) Também está em causa, entre outros, os factos alegados no artº 21 da Base instrutória;
c) De acordo com as respostas à matéria de facto, o tribunal recorrido deu como provado, em resposta ao artº 21, o seguinte:
«Provado apenas que os autores não pretendem utilizar o prédio rústico sob o artº ... para a agricultura, que uma parte do prédio rústico sob o art ...º se encontra abrangida pela malha urbana de baixa densidade no Plano Diretor Municipal de … e que próximo do prédio rústico sob o artº ... existem construções para habitação».
d) Acontece que à data da propositura da ação de preferência, os AA´s replicavam no seu artigo 85 (da Réplica fls 566 dos autos), cujo texto se transcreve na íntegra:
“É falso que os AA. não tem qualquer interesse em cultivar a terra, não obstante a sua área de atividade, pois conforme se poderá analisar pelos docs, 2, 3, 4 e 5, dedicam-se igualmente à atividade agrícola, noutros prédios de sua propriedade”
e) Decorridos que estão, aproximadamente 5 anos, os autores já conseguiram o licenciamento integral para a Quinta da …, onde os AA´s têm, atualmente, para venda 12 moradias de luxo, com dois pisos e 1 cave, podendo ser consultados no site www…..
f) Em conclusão, num espaço de tempo compreendido entre os 4/5 anos os AA´s transformam um terreno agrícola, como eles afirmam no seu artigo 85 a fls 566 dos autos, num condomínio de luxo de 12 vivendas.
g) No fundo é como diz a testemunha E..., referido na anterior conclusão que deve ser um negócio muito rendável comprar terrenos agrícolas e vender terrenos urbanos para a construção.
3º. Resulta, também, de toda a prova carreada para o processo, (prova documental, prova testemunhal e inspeção judicial), que os AA´s não são, nem nunca foram agricultores.
4º. Os autores são possuidores de três lotes de terreno, um dos quais confinante, que nunca agricultaram, encontrando-se os mesmos ocupados com silvas, arbustos, canaviais e outras gestas selvagens incultas, isto é: mato.
5º. Apenas um dos lotes de terreno, o lote com 44.640 m2 tem três pequenas hortas, entre os 80/100m2 cada, que são agricultadas por pessoas estranhas aos autores, em economia de subsistência, em virtude dos autores, nos últimos 15/20 anos, nunca se terem deslocado ao local, encontrando-se o restante terreno repleto de canaviais, silvas, ervas daninhas e outros arbustos selvagens.
6º. Todas as testemunhas confirmam que os terrenos nunca foram agricultados, permanecendo atualmente em adil (incultos) como o afirma o depoimento da testemunha F…, que se transcreve: …(.CD… 30-03-2012…15.43.41 16.06.54), “… qualquer pessoa que chegue lá, vê que aquele terreno não é cultivado, nunca vi lá qualquer pessoa a tratar, nem qualquer pessoa lá a cultivar durante o tempo desde que a P... LDA adquiriu o tal terreno . Nós até à data de hoje continuamos lá a trabalhar e nunca vi lá uma alma a cavar aquele terreno ou a tratar, fazer uma limpeza sequer ao menos, com uma catana chegar lá cortar umas coisas no terreno da parte Norte, está lá muitas canas tudo… “.
7º. Significa que os lotes, em crise, nunca foram cultivados.
8º. Os AA´s sempre alegaram que as primeiras 5 RR´s não lhes deram conhecimento da venda nem das condições da venda a que estavam obrigadas, o que é totalmente falso.
9º. Porém, a ré P...-Construtora de Jardins de … Lda., ora Recorrida, regularmente citada contestou, suscitando 3 exceções perentórias: (a fls 67 e seguintes dos autos), as quais pretende manter vivas apelando, ao sábio tribunal da Relação, a reanálise das mesmas que se sumariam:
10º. 1ª Exceção - Caducidade do direito: A Recorrida P... Lda., alegou que os AA´s e as primeiro 5 RR´s negociaram nos meses de Março a Maio de 2005 a venda do prédio no valor de 12.000 contos, equivalente a €60,000,00. Os AA´s nomeadamente o autor marido, disse em junho de 2005, que só pagava 10.000 contos, equivalente a €50.000,00, tendo mesmo comunicado às 5 primeiras RR´s que não estava interessado no aludido prédio. De igual forma, no inico do ano de 2006, quando da deslocação à casa do autor marido, alguns dos RR´s disseram ao filho do autor marido que o terreno, em crise, tinha sido vendido por €60.000,00 e que precisavam da caderneta predial rústica para fazer a escritura. Isto é: as primeiras 5 RR´s não só comunicaram ao autor marido da venda, do preço e das condições do negócio jurídico, como também comunicaram ao filho do autor marido tais condições, preços e datas. Acontece que no dia 05/05/2006 o autor marido deslocou-se à loja da D. E…, em T…, concelho de …, onde foi novamente informado que o terreno já tinha sido vendido, pelo que o autor não podia intentar a ação de preferência depois do dia 06/11/2006, em contante violação aos artigos 616 e 1410 do CC, dado que a ação de preferência foi intentada no dia 18/02/2008, portanto: 1 ano 9 meses e 18 dias depois do seu direito ter precludido.
2ª Exceção – Renúncia ao direito de preferência. A Recorrida P... Lda., invocou que nos primeiros dias do mês de Maio de 2006, o autor marido teve conhecimento integral da venda do imóvel, tendo o mesmo declarado que ““…não quero esse terreno para nada, porque não preciso dele.” renunciando por esta via ao exercício do direito de preferência. (Nota: Os depoimentos das testemunhas A…, ex-funcionária da …, M…, bancário, A…, filha da ré EG…, confirmam que estavam presentes na loja em …, quando o autor marido entrou e se dirigiu à Ré EG…, e lhe perguntou se queria fazer negócio. Respondeu a RÉ EG… ao autor marido se andava a brincar com a cara dela. O autor marido antes de abandonar a loja sita em …, Freguesia de …, concelho de …, disse em voz alta na presença das testemunhas acima indicadas, que “…não quero esse terreno para nada, porque não preciso dele.” .
3ª Exceção – Fim diferente. A Recorrida P... Lda., em sede de contestação alegou que os AA´s não exercem, nunca exerceram, nem irão exercer qualquer actividade agrícola, sendo certo que o exercício do direito de preferência, no mediato, não é o uso agrícola do prédio alienado, mas sim esperar pela alteração do Plano Diretor Municipal (PDM) de …, para aí erguerem empreendimentos, nomeadamente, a construção de edifícios e condóminos privados.
11º. A Apelada P... LDA., entende que a 1ª exceção perentória configura a extinção do direito pela via da caducidade, na medida em que os AA´s não podiam intentar a ação a partir do dia 06/11/2006.
12º. A expressão“…não quero esse terreno para nada, porque não preciso dele.” , constante na 2ª exceção perentória, proferida pelo autor marido, na presença de diversas pessoas, configura uma declaração abdicativa do exercício do direito de preferir e consequentemente uma “RENÚNCIA” expressa ao direito de preferir.
13º. Quanto à 3ª e última exceção perentória invocada, a Apelada P... LDA., entende que os AA´s não pretendem utilizar o terreno alienado para a agricultura, pois ficou provado (artº 21 das respostas à matéria de facto) que o fim dar ao uso do terreno não é para a cultura, pastoreio, flora ou afins, mas sim dar como contrapartidas à Câmara Municipal de …, quando esta edilidade autorizar a construção de empreendimentos das zonas não abrangidas pela RAN e pela REN., dado que uma parte dos terrenos já estão abrangidos pela malha urbana de baixa densidade (a fls 232 dos autos).
14º. Ora, o tribunal «a quo», não atendeu à 2ª exceção perentória suscitada pela Ré P... LDA, a qual pretende agora impugnar a matéria de facto relacionada com esta exceção, dado que todas as testemunhas presenciais, num total de 4, que se encontravam na loja, ouviram e assistiram ao autor marido afirmar em voz alta e bom som, que “…não quero esse terreno para nada, porque não preciso dele.
15º. E, também todas as testemunhas afirmaram que a deslocação do autor marido ocorreu nos primeiros dias do mês de Maio de 2006, indicando como dia provável o dia 05 de Maio., o que significa que a ação do direito de preferência nunca poderia ser intentada depois do dia 06/11/2006.
16º. Assim, a decisão sobre a matéria de facto, aos artigos 58 a 61 da base instrutória (e só apenas em relação a estes), enferma de erro grave na apreciação, análise e valoração da prova e, bem assim, de erro de julgamento, o que impõe a sua modificação no sentido de julgar como provados os factos vertidos nestes artigos, confirmando tudo o que as testemunhas A…, S… e M… presenciaram, conforme depoimentos, supra transcritos.
17º. Nessa parte o tribunal recorrido não esteve bem, porquanto a força probatória testemunhal foi tida como credível, séria e isenta de interesse para o desfecho da causa, pois o próprio tribunal recorrido considerou e passamos a transcrever: “..pese embora se reconheça que os depoentes não têm interesse pessoal na causa…” (negrito nosso), o tribunal «a quo» acabou por não valorar essa mesma prova que considerou séria e isenta, o que deixa transparecer alguma contradição entre a credenciação e a valoração.
18º. No caso concreto, a douta sentença recorrida, tendo em conta o conjunto da matéria probatória carreada para os autos, quer a nível documental, quer a nível testemunhal, dir-se-á que o Tribunal «a quo» não esteve bem pois fez uma incorreta apreciação da prova e não levou em linha de conta factos determinantes e relevantes para a boa e completa decisão final, caindo, parcialmente, em erro de Julgamento.
19º. Com o devido respeito, que é muito, entendemos, como acima já foi dito, configura erro (parcial) na apreciação da prova.
20º. Impõe-se, por isso, a esse venerando Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos prescritos no artigo 712, nº 2 do CPC, a reapreciação das provas na parte da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, através da audição do suporte das mesmas, mitigando com todos os elementos probatórios existentes nos autos.
21º. No nosso modesto entendimento, verifica-se que há erro de julgamento, quando é dado como provado um facto sobre o qual não tenha sido feita qualquer prova, e por isso, deveria ser dado como não provado, ou em sentido contrário, quando é dado como não provado um facto, que perante a prova produzida deveria ser dado como provado.
22º. Ou seja; há erro de julgamento quando o juiz decide mal, porque decide contrariamente aos factos apurados, foi o que aconteceu com a prova produzida em relação aos factos passados na loja da D. EG…, prova que é abundante, é credível, é espontânea e fiel aos acontecimentos ali passados.
23º. O Tribunal «a quo» acabou por não dar como provado a factualidade controvertida nos quesitos 58º a 61º da base instrutória, (de fls 796 a 797 dos autos), quando o recorrente marido, no dia 05 de Maio de 2006, foi devidamente informado não só das condições do negócio, como também foi informado que o prédio rústico com o artigo matricial nº ..., já tinha sido vendido à P... LDA., em que o recorrente marido respondeu, “ ah já… …não quero esse terreno para nada, porque não preciso dele. “, expressão proferida na presença de 4 pessoas que se encontravam no interior da loja da D. EG…, sita em …, freguesia de …, concelho de …, cujos depoimentos se encontram acima transcritos.
24º. Assim, do elenco dos factos provados, impõe-se a modificação das respostas dadas aos quesitos da base instrutória n´s 58 a 61, (de fls 796 a 797 dos autos), dado que o tribunal «a quo» tem prova testemunhal clara, espontânea, segura e acima de tudo credível e consonante com todos os depoimentos que foram prestados pelas testemunhas que, à data, se encontravam no interior da loja da D. EG…, julgando a matéria de facto neles vertidos como provada.
25º. Destarte, a matéria de facto controvertida, nos artigos indicados no ponto anterior, deveria ter sido dada com provada, atendendo à força probatória do conjunto de testemunhas que assistiram e ouviram do recorrente marido afirmar que “…não quero esse terreno para nada, porque não preciso dele. “, expressão que se traduz num ato de “renúncia “ ao seu direito potestativo de preferir.
26º. Igual entendimento tem o Tribunal da Relação de Évora, que refere no seu acórdão de 18/11/2004 o seguinte; “I… A expressão do A. “terra de mais já eu tenho” em resposta ao anúncio de venda das terras por parte dos RR, sem sequer saber qual o preço por estes pretendido, não pode deixar de ser entedia como uma declaração de desinteresse em qualquer compra desses terrenos. “II ….Tal expressão interpretada por um destinatário normal (art 236 nº 1 do CC), configura uma declaração de vontade abdicativa do exercício do direito de preferir (renúncia), na compra dos ditos prédios…”
27º. E também do Supremo Tribunal de Justiça de 22/04/1997, o qual determinou; “… Há renúncia ao exercício do direito potestativo de preferência na compra e venda de imóveis, se o obrigado à preferência dá conhecimento ao preferente de que pretende fazer a venda a certo individuo por preço superior a certa quantia e o preferente comunica ao obrigado que não está interessado na compra por tal preço…”
28º. Ora, o recorrente FS… sempre ofereceu 10.000 contos, ou seja equivalente a 50.000,00 (cinquenta mil euro), tendo ficado provado que o autor FS… pretendia pagar quantia inferior a €60.000,00 (Artº 8 da Base instrutória).
29º. Assim, prescreve o nº 1 do artigo 1380º do CC que “…. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios q que não seja proprietário confinante…. “
30º. Em sentido contrário, prescreve a alínea a) do artigo 1.381º do mesmo código que, “… Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes: a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;…”.
31º. No confronto destas duas normas, os RR´s provaram que o terreno alienado não se destina à cultura agrícola, pelo que não assiste qualquer direito de preferência dos autores.
32º. Ora, o espirito do legislador consagrado na norma (CASOS EM QUE NÃO EXISTE DIREITO DE PREFERENCIA), ou melhor: o rácio légis do artigo 1.381º do CC, só admite que o prédio alienado, em ação de preferência, só pode ter como finalidade a cultura e não outra, pois o que releva para a preferência tão-somente a finalidade agrícola, afastando qualquer outra que o adquirente pretenda dar ao terreno alienado.
33º. Acontece que os RR´s por diversos instrumentos e formas, conseguiram fazer prova de que os autores não pretendem utilizar o prédio rústico sob o artigo ... para a agricultura (resposta ao artigo 21 da base instrutória).
34º. Conforme o tribunal recorrido faz notar (a fls 1.029 dos autos) resulta da factualidade da ação, ficando desde logo assente por acordo das partes que os autores se dedicam, há décadas, à construção civil, á mediação imobiliária, nomeadamente compra e venda de lotes de terreno, constando da matéria de facto assente, letra “O”, o seguinte: O)- A empresa FS… (empresário em nome individual), é titular dos artigos matriciais urbanos n´s 13055, 13056 e 13057, sitos na Freguesia de … e milhares de lotes de terreno para a construção, dispersos por diversos concelhos, entre os quais destacamos apenas, como amostra as freguesias de …, …, …  e …., (Doc´s 22 a 120).
35º. Mas os RR´s também provaram que houve renúncia ao direito de preferência por parte dos autores, na medida em que lhe foi comunicado, por diversas vezes para o Recorrente optar pelo direito de preferência, tendo esta última ocorrido a 05/05/2006, informando que o terreno já tinha sido vendido à 6ª Ré (P... LDA) e o recorrente FS… disse na presença de 4 pessoas que não queria o terreno para nada, que não estava interessado no terreno, o que nosso entendimento, estas expressões conduzem a uma pura “RENUNCIA” ao direito de preferência.
36º. Nos termos do artigo 1.410º do CC, a “RENUNCIA” traduz-se numa declaração feita pelo potencial titular ao direito de que não quer exercê-lo, a partir do momento em que teve conhecimento escrito ou verbal.
37º. Acontece que o preferente teve conhecimento da venda à P... na primeira semana do mês de Maio de 2006, concretamente no dia 5 e nada fez durante o prazo indicado no artigo 1.410º do CC, vindo a intentar a ação de preferência 1 ano, 9 meses e 18 dias depois do prazo ter prescrito.
38º. A Recorrida P... LDA não partilha do entendimento do tribunal «a quo» quando afirma na sua douta sentença que “… incumbia aos RR´s a demonstração da data em que os autores tiveram conhecimento da alienação nos seus elementos essenciais… “ sendo certo que as primeiras 5 RR´s comunicaram por 4 vezes ao filho do autor e ao autor marido, sendo esta última comunicação presenciada por 4 pessoas, que se encontravam na loja da D. EG….
39º. Aqui o julgador não esteve bem, na medida em que o Tribunal considerou duas dessas testemunhas (A… e M…) como não tendo interesse pessoal na causa, pelo que se impunha decisão diversa sobre a matéria de facto versada nos pontos, 58 a 61 da base instrutória.
40º. O depoimento dessas testemunhas, que é sério, que é isento, que foi considerado credível, deve ser aceite como demonstrativo da verdade ocorrida no dia 05 de Maio de 2006 em que o autor marido foi devidamente informado da venda e consequentemente das condições essenciais do negócio e por essa via os artigos 58 a 61 da base instrutória, salvo melhor opinião, ser considerado incorretamente julgado, pelo que se impunha decisão diversa, face à força probatória carreada para o processo, acima transcrita.
41º. É, pois, esta decisão que nos leva a concluir que há erro de julgamento quando o juiz decide mal, porque decidiu contra os factos demonstrativos da verdade, os quais foram presenciados por diversas pessoas.
42º. Por se ter provado que o terreno não se destina à cultura, o tribunal recorrido também não esteve bem ao não lançar mão do comando previsto na alínea a) do artigo 1.381º do CC, uma vez que os autores não pretendem utilizar o prédio alienado para a agricultura, pelo que esta norma no entendimento da P... LDA, foi violada.
43º. Pretendem os autores a coberto da capa (camuflada) do direito potestativo de preferência emparcelar o terreno alienado aos três lotes de terreno pertencente aos autores e às suas empresas de construção civil, alegando que o mesmo se destina à atividade agrícola.
44º. Pura falsidade e profundo abuso do direito, baseado num chico espertismo para denegrir e entorpecer a justiça.
45º. Alegam para o efeito que os lotes de terreno que foram postos em crise, nomeadamente o terreno alienado, obedece aos princípios legais da RAN e da REN, cujos solos devem ser afetos exclusivamente à agricultura, mas esqueceram-se de dizer que os outros dois lotes, pertencentes aos autores, não obedecem, na totalidade, ao regime da RAN e da REN, encontrando-se já uma parte significativa abrangida pela malha urbana de baixa densidade prevista no PDM do concelho de ….
46º. Por esta via (da RAN e da REN) pretende os Recorrentes ludibriar o tribunal, fazendo crer que o fim do terreno alienado se destina à actividade agrícola,  quando ficou sobejamente provado que o fim daqueles terrenos se destina à construção de empreendimentos urbanísticos.
47º. Significa que, além de ter sido violada a norma prevista o artigo 1.381º do CC, existe abuso de direito, com violação expressa ao artigo 334 do mesmo código.
48º. Andou bem e seguro o tribunal recorrido, ao concluir de forma astuta e ao longo de todo o processo e mormente aquando da inspeção judicial, que a finalidade económica e social estava ferida de morte, pelo que o direito de preferência nunca pode proceder.
49º. Esteve bem o tribunal «a quo», pois ao verificar as circunstâncias do uso abusivo do direito por parte dos autores, que aponta para uma manifesta e clamorosa ofensa da boa-fé e do sentimento geral de toda a população local, com conhecimentos de que aqueles terrenos se destinam à construção civil, incluindo o terreno alienado.
50º. Não sendo os terrenos destinados à actividade agrícola, nos termos do artigo 1381 a), do CC, os AA´s não gozam do direito de preferência, em que a nossa Jurisprudência é unanime, a começar pelo STJ - Acórdão de 28/02”008,(www.dgsi.pt) em que afirma «… Não gozam de preferência os proprietários confinantes, quando o terreno vendido se destina a um fim diferente a cultura agrícola….(…)»
Pelo exposto e concluído que estão estas humildes alegações, Deve a douta sentença recorrida manter-se inalterada em tudo, exceto no tangente aos factos dados como não provados, constantes dos artigos 58 a 61 da base instrutória, julgando-se improcedente o presente recurso, por não existir o direito de preferência reclamado pelos AA´s.
É o que, com o douto suprimento de Vossas Excelências que se pede, se espera, por ser de lei e de, Justiça».
Nas suas contra-alegações os Réus pessoas singulares pugnaram pelo bem fundado da decisão de considerar verificado abuso de direito e requereram a ampliação do objecto do recurso a questões de facto e de direito que enunciaram. Concluíram como segue as suas alegações:
«1º - Entendem pois os Recorrentes que a sentença do Tribunal “a quo” decidiu mal quando conclui que não pretendem utilizar o prédio rústico sob o artº ...º para agricultura, o que na ótica dos Recorridos foi bem decidido, na verdade, toda a prova carreada para os presentes autos concluem nesse sentido, na qual se inclui os testemunhos que se transcreveram e também através da visita efetuada aos artigos matriciais nºs ...º, ...º e ...º.
2º - O direito a que se arrogam os recorrentes encontra-se previsto no artº 1380º do Código Civil (CC), com as exceções elencadas no artº 1381º do mesmo código, e, não gozam de direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes quando (…) algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou destine a algum fim que não seja a cultura”.
3º - Ficou sobejamente provado conforme melhor consta dos artºs 28º a 30º da matéria dada como assente na douta sentença que os prédios rústicos nºs ...º e ...º não são e não estavam agricultados nos anos de 1999, 2002, 2004, 2005 e 2007 e, bem assim, da inspeção realizada no terreno, verificou-se “in loco” que os mesmos continuam sem serem cultivados.
4º - Como se demonstra na douta sentença, o artº ...º (aquele que tem três pequenas hortas de subsistência, com uma área de 44.640m2 e faz parte da malha urbana do PDM do Concelho de … -factualidade consubstanciada a fls 232 do autos) não confina com o artº ...º e o artº ...º pertença dos Recorrentes é um terreno de saibreira e, portanto, impossível de qualquer prática agrícola, conforme referem algumas testemunhas: AP… constante do CD da Sessão de Julgamento de 15/03/2012 (AP…: Nunca, nunca aqueles terrenos nunca foram agricultados ... Nunca lá teve ninguém a agricultar só os antigos donos, muito antes muito antes de eu ser nascida, é que aquilo era uma saibreira...).
5º - Consta igualmente da matéria assente a artºs 31.º a 37.º da douta sentença, com primazia sobre o artigo 37º que “Os autores não pretendem utilizar o prédio rústico sob o artº ...º para a agricultura [resposta ao artº 21º da base instrutória]”.
6º - A testemunha P..., filho dos Recorrentes, e quem efetivamente, na prática gere toda a mole administrativa e burocrática da atividade dos mesmos, é bastante elucidativo de qual a génese do interesse no terreno em causa (artº matricial ...º) e do intuito com o que queriam adquirir, designadamente, se era viável para construção e principalmente porque ficava ali com uma “ilha” no meio dos outros terrenos. Conforme refere no seu depoimento constante do CD da Sessão de Julgamento de 15/03/2012 (P... – (…) Nunca, aliás, nós sempre demonstrámos inclusive que tínhamos interesse em adquirir o terreno, era uma ilha que estava ali no meio, pouco tempo antes tínhamos comprado o artigo … (…) Pois exatamente, exatamente, e depois solicitou a certidão, as certidões e depois fui eu que fui ver as câmaras (…)a viabilidade construtiva do terreno (…)).
7º - De acordo com alguns testemunhos o terreno em questão visava um objetivo não condizente com aquele que confere o direito de preferência, ou seja, ali iria ser construído um empreendimento de luxo e aquela “ilha” seria, como é praxis nos loteamentos e urbanizações, para entregar à câmara para efeitos de infra estruturas de suporte ao referido empreendimento, com toda a certeza alicerçado numa futura revisão do PDM que sendo expectável originaria a viabilidade construtiva daquela zona, que em parte já é urbana.
8º - Veja-se, a esse propósito, os testemunhos de AS… e que consta do CD do dia 12-03-2012 (AS…: (…) Porque ele tinha um projeto para lá, para fazer um condomínio de luxo e aquela parte não pode ser construída e então tava para zona verde para a câmara (…) porque ele disse-nos mesmo que ele não queria o terreno para ele, era para dar a câmara (…) e, ainda o testemunho de MP…, e que consta do CD do dia 15-03-2012 (MP…: (…) Oh Senhor Doutor ele é um senhor que tem terrenos em todo o lado e faz casas em todas as urbanizações praticamente clandestinas e não só… (…) Não tem nada de agricultura, estou a dizer. Ele tem a Torre da A… que é perto de nós eu vejo aquilo tudo de monte, uma quinta que era muito bonita, eu conheço isto desde 82, pelo menos né?! Eu moro ali desde 85, fiz a minha casa e vim para ali em 85 (…)).
9º - Resulta pois, claro, dos depoimentos das várias testemunhas que os Recorrentes não são agricultores, não pretendem exercer a atividade agrícola, situando-se a sua área de atividade no ramo da construção civil e da mediação imobiliária, donde, em momento algum, fizeram prova de que por si, por intermédio das suas empresas e/ou através de terceiros se dedicam a atividade agrícola.
10º - Mas, mesmo assim, não contentes os Recorrentes assentam, por outro lado, a sua “suposta atividade agrícola” no contrato de arrendamento ora junto a fls. 910 a 914 dos autos, o qual, conforme consta da fundamentação da Base Instrutória, quanto aos artigos 21.º e 62.º que, como resulta da sua letra, não se quis como um arrendamento rural, mas como um arrendamento para “fim não habitacional”, tendo-se expressamente convencionado no mesmo que a inquilina “não pode plantar diretamente no solo qualquer espécie de arvore ou planta” (cláusula 4.ª n.º 1). Assim, o interesse dos autores na aquisição que visam com a ação, podendo estar entre a expectativa, mais próxima ou mais remota, de alteração dos instrumentos de ordenamento para a viabilização de construção no local, a possibilidade de os terrenos servirem de contrapartida para a viabilização de construção noutros locais ou o simples aumento da área das propriedade por eles já detidas (o filho dos autores, P..., referiu-se ao interesse dos seus pais na aquisição do prédio alienado como fundado no facto de o mesmo ser “uma ilha que estava ali”), não está seguramente na utilização agrícola do terreno.
11º - Conforme bem se demonstra, nada há a alterar na decisão tomada pelo douto Tribunal a quo no que respeita ao quesito 21.º da base instrutória.
12º - No que respeita ao quesito 76º da base instrutória, andou bem o Tribunal “a quo” quando dá como não provado que os Recorrentes obtiveram conhecimento apenas das condições de venda realizada em 12/11/2007, através da emissão de certidão da escritura.
13º - Os Recorridos em diversos momentos deram conhecimento do negócio e dos elementos principais desse, porém os Recorrentes, primeiro não o quiseram exercer nos moldes oferecidos e, posteriormente até renunciaram ao mesmo.
14º - A este propósito foram bem elucidativos os vários testemunhos (3) – número de pessoas que se encontravam presentes na loja da Recorrida EG…, quando o Recorrente marido se deslocou lá a questionar se queriam ou não vender-lhe o referido terreno, que depuseram com todo o rigor e espontaneidade, sendo que duas delas A… e M… a douta sentença do Tribunal “a quo” entende serem depoimentos sem interesse direto na causa, logo, na ótica dos Recorridos perfeitamente idóneos e coerentes.
15º - Quanto a esta questão o depoimento da testemunha AS… é muito elucidativo e consta do CD do dia 12-03-2012 (AS...: (…) passado algum tempo de termos feito a escritura o Senhor FS... apareceu la na loja (…) foi no dia cinco de maio (…)E atao o Senhor FS... entrou dentro loja, por acaso fui eu que disse boa tarde, porque a minha mãe estava a atender, estava a atender uma senhora e eu cumprimentei-o e ele virou-se para mim e disse, não é consigo, fiquei assim a olhar, está bem, é com aquela senhora, então ta bem, e fiquei assim a espera, entretanto ele virou-se para a minha mãe e disse: então dona EG… quer vender o terreno ou não? e a minha mãe disse: oh senhor FS… você anda a brincar connosco não?! a gente já vendeu o terreno. Vocês já venderam o que? sim já vendemos o terreno, e atão ele ficou danado não e? e a minha mãe disse, mas então a gente deu-lhe preferência, você andou tanto tempo atras do terreno e andou a brincar sempre connosco agora e que veio querer o terreno que já foi vendido, ele disse, então se já vendeu o terreno eu não quero saber disso para nada e saiu porta fora a falar palavrões né, e foi todo irritado (…)”.
16º - Também quanto a esta questão o depoimento da testemunha A… é muito elucidativo e consta do CD do dia 30-03-2012 (A…: (…) Chega-se um bocadinho ao balcão e diz: Então quer-me vender o terreno ou não quer? (…) A Senhora EG… que é uma pessoa muito calma, muito devagar e disse: Oh! Senhor FS…, por amor de Deus, o senhor está a brincar comigo, o senhor estava (tosse) desculpem, o senhor não me comprou o terreno quando a gente lhe queria vender por € 60 000,00 e agora o senhor está-me a perguntar se eu lhe quero vender?! O terreno já foi vendido e até a escritura já foi feita há dois meses e ele furioso pega na pasta, sai pela porta fora e diz duas asneiras muito grandes e depois eu virei-me para a D. EG… que grande ordinário, desculpem-me, que grande ordinário onde há aqui senhoras diz duas asneiras tão fortes (…) 2006 (…) O período, o período foi a 5 ou a 6 mas tenho impressão que foi a 5 porque eu na minha família, na minha família há pessoas... (…).”
17º - Quanto ao depoimento da testemunha M… também importa referilo, e consta do CD do dia 12-03-2012 (M… – (…) E eu pedi para ir a casa de banho, e fui a casa de banho, mas ouvi dizer à D. EG…, óh Senhor FS… o terreno já esta vendido já fizemos as escrituras há mais de um mês quando estava a sair vejo o Senhor FS… a dizer que, “ já não quero o terreno para nada já não me interessa do terreno para nada”.. e eu fiquei assim a olhar para ele (…)”
18º - Em suma importa, mais uma vez, dizer que o Tribunal “a quo” decidiu bem ao não dar como provado que só após a emissão de certidão de escritura, em 12 de Novembro de 2007, pois, foi possível verificar o conhecimento muito anterior, pelos Requerentes, àquela data da venda do imóvel pelos Recorridos à Ré-P…, mediante o depoimento das testemunhas que parcialmente se transcreveram, as quais como se viu, tiveram conhecimento direto dos factos e o Tribunal “a quo” em duas delas reconhece-lhes o desinteresse pessoal na causa.
19º - Ou seja, quando o Recorrente marido teve conhecimento da venda do terreno, naquela deslocação à loja da Ré EG…, poderia, caso assim o tivesse querido, deslocar-se imediatamente à Conservatória do Registo Predial para aferir da veracidade ou não daquela afirmação e não o fez! Ao invés, afirmou nada pretender do referido terreno e não precisar dele para nada!
20º - Na verdade, por tudo isto, Venerandos Desembargadores, o Tribunal “a quo” na sua livre apreciação, a qual sustentou a sua livre convicção, respeitou critérios de objetividade, os quais, sem sombra de dúvida, obedeceram aqueles que fundamentam a perceção do homem médio.
21º - Por conseguinte, consideram os Recorridos que não deve ser alterado o quesito 76.º da Base Instrutória, o qual foi dado como não provado,
22º - No que toca à questão do abuso de direito, entendeu o Tribunal “a quo”, e quanto aos Recorridos bem, que o direito que se arrogam os Recorrentes, exercidos nos moldes em que estes o pretendem fazer, mais não é, do que a consubstanciação de um abuso de direito.
23º - Estatui o artº 334º do Código Civil que há abuso de direito quando “é ilegítimo um exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
24º - De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 31/01/2012, Procº 5991/08.0TBOER.L1-7 “(…) Há abuso de direito quando, embora exercendo um direito, o titular do mesmo exorbita o exercício do mesmo, quando o excesso cometido seja manifesto, quando haja uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico-socialmente dominante. E não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, bastando que os limites tenham sido excedidos de forma nítida e intolerável, não obstantes serem relevantes os fatores subjetivos (…) –.
25º - De acordo com o Profº Pires de Lima e Antunes Varela “(…) a nota típica do abuso de direito reside … na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um direito que exorbita o fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido (…)”.
26º - Quanto ao abuso de direito refere o Drº Jorge Coutinho de Abreu, in Abuso de Direito, pág. 43, “Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem”.
27º - No presente caso, os Recorrentes, deixam-se cair numa inércia, sem exercitar o seu direito de preferência, nos vários momentos em que tiveram oportunidade de o fazer, suscitando nos Recorridos a convicção de que esse direito não será mais exercido, e que a sua posição jurídico-substantiva se encontra já consolidada, vindo, posteriormente, e só porque o artigo matricial em causa foi efetivamente vendido, quererem exercer o respetivo direito. Estamos aqui perante um abuso de direito na modalidade venire contra factum proprium, o qual traduz-se no exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelos Recorrentes.
28º - Pelo que entendem os Recorridos, Venerandos Desembargadores, que bem andou o Tribunal “a quo” quando decidiu pelo abuso de direito, porquanto não sendo o fim a que se destina o artº matricial ...º para a agricultura, querer usufruir desse direito excede manifestamente o interesse social e económico.
29º - Pese embora a douta sentença do Tribunal “a quo” tenha concluído, e bem, pela improcedência do pedido dos Requerentes, entendem os Requeridos que a mesma deveria e não poderia ter deixado de decidir em alguns aspetos, de facto e de direito, de modo diverso daquele que fundamentou a mesma, fazendo uma melhor subsunção do direito aos factos, motivo pelo qual cumpre discordar da douta sentença.
30º - O douto tribunal a quo decidiu bem quanto à matéria de facto dada como provada, em particular no que diz respeito ao quesito 21º da base instrutória.
31º - Todavia, dispõe o art.º 1381.º, alínea a) do CC: “Não gozam do direito de preferência os proprietários dos prédios confinantes quando algum dos terrenos […] se destine a algum fim que não seja a cultura”.
32º - Na verdade, tendo ficado provado que o fim do terreno não se destina à agricultura, não há que dar qualquer direito de preferência aos recorrentes.
33º - Com efeito, o art.º 1380º nº1 do Código Civil confere um direito de preferência com eficácia “erga omnes”, aos donos de prédios confinantes, desde que um deles tenha área inferior à unidade de cultura – art.º 18.º do DL 348/88, de 25.10. Trata-se de um direito legal de aquisição que depende da verificação dos requisitos enunciados no citado artigo, cujo ónus da prova incumbe aos que se arrogam titulares do direito de preferência, por se tratar de factos constitutivos desse direito – art.º 342.º n.º 1 do Código Civil” (Conforme Acórdão STJ n.º 08A75, de 28/02/2008).
34º - Assim, a preferência é concedida a quem tenha terrenos contíguos inferiores á unidade de cultura nos termos do artigo 1380º do Código Civil, ou superior nos termos do Decreto-Lei nº 384/88 de 22/10, e tem como objetivo “promover o emparcelamento, eliminando o minifúndio, de forma a racionalizar a exploração da terra”. Em suma, tem como objetivo promover o cultivo da terra e com isso o desenvolvimento rural. E para que isso aconteça torna-se forçoso que o comprador preferente cultive a terra e seja agricultor. Ora, no âmbito do desenvolvimento rural, entende-se ser agricultor aquele cujos rendimentos provêm, em pelo menos, 25% da atividade agrícola, o que não é de todo o caso em apreço, uma vez que tal não foi demonstrado (Portaria nº 199/94, de 6 de Abril e respetivas alterações), conforme consta da matéria dada como provada no quesito 21º da base instrutória.
35º - Não basta, como pretendem os Recorrentes, que o terreno alienado seja rústico bem assim como os confinantes ou, sequer que os mesmos possam vir a ser agricultados por outros que não os supostos preferentes, como insistem os primeiros quando tentam demonstrar que têm outros terrenos agrícolas explorados por outras pessoas, há efetivamente que respeitar as prerrogativas da regulamentação comunitária e nacional que obriga ao cumprimento de rigorosos requisitos enquanto agricultor.
36º - A nível de legislação comunitária, a atividade agrícola sempre foi definida como a produção, criação ou cultivo de produtos agrícolas, incluindo colheita, ordenha, criação de animais ou detenção de animais para fins de produção, conceito esse ampliado na nova PAC (Política Agrícola Comum) à manutenção de terras em boas condições agrícolas e ambientais, tendo consagração expressa na alínea c), do Artº 2º, do Reg. (CE) n.º 1782/2003, do Conselho de 29/9, passando as atividades agrícolas a serem definidas como «produção, criação ou cultivo de produtos agrícolas, incluindo colheita, ordenha, criação de animais ou detenção de animais para fins de produção, ou a manutenção de terras em boas condições agrícolas e ambientais».
37º - E sendo a Regulamentação Comunitária de aplicação direta no ordenamento jurídico português, por força das prerrogativas constitucionais (artigo 8º nº 4 da CRP) e forçoso concluir que o direito de preferência a conferir aos proprietários dos terrenos confinantes terá obrigatoriamente de ser enquadrado à luz, também, destes pressupostos.
38º - Tendo ficado provado que ambas as parcelas, de que se arrogam os autores de serem confinantes, não estão a ser agricultadas e/ou que nunca o foram, sendo que uma delas não ficou provada a sua confinância (a parcela artigo ...º), logo sem relevância para o ato de preferir, salvo melhor opinião, entendem os Requeridos, que o direito de preferência não existe, não gozando os Recorrentes dessa faculdade.
39º - Com efeito, a exploração de terrenos pertença dos Recorrentes por terceiros, mais não é que uma forma de obtenção de lucro, com o arrendamento daqueles, pois que se encontram impossibilitados de os transformar, pelo menos por ora, em prédios urbanos, em proveito da atividade que vêm desenvolvendo há décadas e que, igualmente consta da matéria dada como provada na sentença, nos art.º 31.º a 37.º.
40º - Ora, este entendimento perfilhado pelos recorridos encontra inúmera sustentação, em jurisprudência, conforme podemos aferir pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 2008, publicado in Coletânea de Jurisprudência/STJ, Ano XVI, tomo I, pags. 129 a 133 (relator Fonseca Ramos): "A razão de ser do regime legal consagrado no artº 1380º, nº 1, do Cod. Civil, ancora num propósito propiciador do emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente."
41º - A esse propósito veja-se o que diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-05-2010 refª 537/02.G1.S1 “O fim que releva, para efeitos da aplicação do disposto na alínea a) do artigo 1381º do Código Civil não é aquele a que o terreno esteja afetado à data da alienação, mas antes o que o adquirente pretenda dar-lhe.”
42º - Não deixa também de ser relevante, porque invocado pelos Autores, o que diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-2008 refª 07B1994: “O simples facto de um terreno estar incluído em solos classificados como RAN ou REN não é, só por si, de todo impeditivo da sua desafetação para um fim diferente do da cultura. Basta que a ação a prosseguir nesse terreno se revista de reconhecido interesse público para que essa desafetação seja possível”.
43º - De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-04-2008 refª 1584/2008-6 “Não existe o direito de preferência quando o prédio alienado se destine a algum fim que não seja a cultura, constituindo tal facto uma exceção peremptória inominada”.
44º - Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-03-2010 refª 676/05.2TBLNH.L1-7 refere “Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 1381.º do CC, não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura”.
45º - Em suma, o direito de preferência consubstanciado no artigo 1380º do Código Civil deixa de existir, quando o seu requisito essencial, o cultivo da terra, não se verifica.
46º - De acordo com o que foi considerado provado, o fim que os Autores pretendem dar ao terreno alvo da preferência é outro que não a agricultura, logo, o seu direito inexiste. Não há direito de preferência no caso em apreço.
47º - Por conseguinte, deve ser feita a correta subsunção do direito aos factos no sentido preconizado nestas alegações, isto é, que inexiste o direito de preferência pelas razões acima aduzidas.
48º - No que toca à questão da caducidade e renúncia do direito de preferência, os Recorridos não se conformam com a resposta dada aos quesitos 58º a 61º da base instrutória aos quais foi dado como apenas “provado o que resulta da resposta ao artº 14º” sendo que a resposta a este último é “provado apenas que em data indeterminada, posterior a reunião referida na resposta ao artº 6º o autor FS... se deslocou a loja da Ré EG…, sita em …, … para falar com a mesma sobre a compra do prédio sob o artº ...º”.
49º - A este propósito foram bem elucidativos os vários testemunhos (3) – números de pessoas que se encontravam presentes na loja naquele dia de Maio, para além da Recorrida EG… – que depuseram com todo o rigor e espontaneidade, sendo que duas delas A… e M… a douta sentença do Tribunal “a quo” entende serem depoimentos sem interesse direto na causa, logo, na ótica dos Recorridos perfeitamente idóneos, e que retrataram, designadamente, a renúncia expressa do Recorrente FS... à aquisição do artigo ...º, ou seja, ao direito de preferir.
50º - Veja-se, a este propósito, o depoimento das testemunhas AS…, A… e M…, já acima referidos a propósito dos artºs 15º, 16º e 17º destas Conclusões e que ora não se transcreve por mera economia processual.
51º - Ou seja, quando o Recorrente marido teve conhecimento da venda do terreno, naquela deslocação à loja da Ré EG… , poderia, caso assim o tivesse querido, deslocar-se imediatamente à Conservatória do Registo Predial para aferir da veracidade ou não daquela afirmação e não o fez! Ao invés, afirmou nada pretender do referido terreno e não precisar dele para nada!
52º - Com efeito, concordando os Recorridos que o Tribunal andou e decidiu bem ao não considerar que os Recorrentes só tomaram conhecimento do negócio e seus elementos em 12/11/2007, através da emissão de certidão da escritura, já não terão o mesmo entendimento quanto ao facto de não ter sido dado como provado, e deveria ter sido, que por alturas de Maio de 2006, mais concretamente, entre os dias 5 e 6, os Recorrentes não só, mais uma vez, tomaram conhecimento dos elementos do negócio e da realização do mesmo, como expressamente renunciaram ao seu exercício.
53º - Registe-se só para esse efeito a expressão do Recorrente FS... que ao abandonar o estabelecimento comercial situado em … pertença da Recorrida EG… declarou expressamente, alto e bom som, para quem o quis ouvir “(…) não quero esse terreno para nada, porque não preciso dele (…)” O que é isto senão a renúncia ao seu direito de preferir ???
54º - Além de que, e nos termos do que ficou provado, mutatis mutandis, para os efeitos do artigo 1410º nº 1 do Código Civil, o comproprietário a quem não se dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contando que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e deposite o preço devido nos quinze dias seguintes à propositura da ação.
55º - Com efeito, e nos termos supra, qualquer exercício do direito ora em crise caducava no termo do prazo de 6 meses após o conhecimento e desde que depositado o preço nos 15 dias seguintes à propositura da ação, o que não aconteceu, porquanto, tendo ficado provado que não foi através de emissão de certidão da escritura, em 12/11/2007, que os autores obtiveram conhecimento das condições da venda realizada, e que esses pressupostos terão ocorrido em momentos muito anteriores, forçosamente, aquando da propositura da ação o direito há muito que tinha caducado pois a ação só foi intentada em 18 de Fevereiro de 2008.
56º - Também importa dilucidar que para além da renúncia expressa do Recorrido FS..., também este, foi, devidamente informado da intenção da realização do negócio por parte dos Recorridos em diversos momentos e de diferentes modos, pelo que, o Tribunal “a quo” deveria ele também ter entendido esses momentos para efeitos da caducidade do direito de preferência.
57º - E não vale como sério o que os Recorrentes pretendem transmitir de que o negócio jurídico não foi precedido das formalidades legalmente consubstanciadas para o efeito, pois o Recorrente FS..., foi ele próprio quem prescindiu da  formalização por escrito de tais formalidades. Como bem se verá pelo depoimento da testemunha AS….
58º - O depoimento desta testemunha é muito elucidativo, e consta do CD do dia 12-03-2012 (AS…: (…) Então resultou que foi o seguinte, que a minha prima na altura disse-lhe que não não baixavam o preço, ele disse que sim senhor que marcavam então uma reunião que ele tava de acordo a dar os 60.000 euros, pronto, marcaram a reunião (…) Foi mais ou menos finais de junho (…) foi 2005. Pronto marcaram a reunião, foi feita a reunião, o Senhor FS…ate teve lá na loja para avisar a minha mãe da reunião (…) na altura elas perguntaram se se era preciso ser feito por escrito e ele disse que não tamos a lidar com pessoas honestas não e preciso fazer (…)não é preciso fazer por escrito (…)”
59º - Importa quanto a este ponto referir o depoimento da testemunha P..., cujo depoimento se transcreve e consta de CD-Audiência de dia 22-02-2012 (P... (…) Penso que foi, que ligou para casa, acho que foi assim que tivemos conhecimento, ligou para casa a dizer, para nossa casa, para dizer que sabiam que éramos proprietários dos terrenos confinantes e que andavam a procura de um comprador (…) Sei que deslocou e teve com elas uma ou duas, uma ou mais vezes (…) O meu pai teve conhecimento antes disso por uma chamada feita para casa por uma das senhoras (…) e tanto mostrou interesse que disse que tinha interesse (…)
60º - Pelas declarações prestadas pelas testemunhas supra referidas verifica-se que foi dado o direito de preferência aos Recorrentes, atempadamente, pois comunicaram os pressupostos, em mais que um momento, ainda que não de forma escrita, pelo facto dos Recorrentes assim o terem entendido.
61º - Pois bem, o Recorrente FS... renunciou ao seu direito de preferir em diversos momentos, nomeadamente, no episódio que aconteceu na loja da Recorrida EG…, na presença das testemunhas já acima mencionadas e transcritas.
62º - Nesta medida ao terem procedido desse modo (os Recorrentes) o Tribunal “a quo” mesmo decidindo pela improcedência da ação podia tê-lo feito pela renúncia ao direito porque essa efetivamente existiu.
63º - Ou seja, independentemente dos pressupostos que a lei exige, existe renúncia sempre que o titular do direito não quer exercê-la, podendo a mesma, nos termos gerais, ser expressa ou tácita, isto é, manifestar-se por palavras, escrita ou outro meio de expressão direta da vontade ou, em alternativa, através da prática de fatos que com toda probabilidade revelam a intenção do agente (artº 217º nº 1 do Código Civil).
64º - A este propósito da caducidade e renúncia ao direito de preferir, importa para o efeito ver e ter presente o que a jurisprudência nos reserva sobre essa questão. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18/11/2004, Procº 315/04.2 “I- A expressão do A., “terra de mais já eu tenho “ em resposta ao anúncio de venda das terras por parte dos RR., sem sequer saber qual o preço por estes pretendido, não pode deixar de ser entendida como uma declaração de desinteresse em qualquer compra desses terrenos. II- Tal expressão interpretada por um destinatário normal (art.º 236º n.º 1 do CC) configura uma declaração de vontade abdicativa do exercício do direito de preferir (renúncia) na compra dos ditos prédios e consequentemente (até porque não foi posta em causa por qualquer outra atitude ou declaração do seu autor) é geradora na contra-parte, da convicção fundada de que assim sucederia. III- A renúncia é uma forma de extinção do direito e embora, em regra, não seja admitida, no domínio das obrigações, como forma de extinção dos créditos, mas antes como forma de extinção das garantias reais – art.º s 664º, 677 º e 730º al. d), 752º e 761º todos do CC- é perfeitamente legal no tocante ao direito de preferência já que por um lado se trata de um direito potestativo e por outro de um direito real de aquisição”.
65º - Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/05/2004, entende que “1. Tem sido entendido que a renúncia ao direito de preferência é válida independentemente de qualquer forma especial, mas para haver renúncia relevante é necessário que se declare categoricamente que não se pretende exercer o direito quaisquer que sejam as condições que se venham a verificar na transação do imóvel (…)”.
66º - De acordo com o que foi considerado como não provado, que só tomaram conhecimento do negócio e seus elementos em 12/11/2007, através da emissão de certidão da escritura, e pelo que ficou dito pelas testemunhas, cujos depoimentos se transcreveram em parte, é forçoso concluir que foi dado o direito de preferência, que não foi posto por escrito porque os Requerentes assim não quiseram, que os mesmos renunciaram ao seu direito de preferir, e que por isso quando intentaram a ação o direito de que se arrogam também já tinha caducado. Assim operou-se a caducidade e a renúncia ao direito de preferir.
67º - Por conseguinte, deve ser feita a correta subsunção do direito aos factos no sentido preconizado nestas alegações, isto é, que se operou a caducidade e a renúncia ao direito de preferir.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se inalterada a douta sentença recorrida em tudo, exceto no que aos factos dados como não provados respeitantes aos quesitos 58º a 61º da base instrutória, por não existir o direito de preferência que se arrogam os Recorrentes».
Os Autores responderam quanto à ampliação pugnando pela improcedência e mantendo o constante das suas alegações.
O recurso foi recebido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) OBJECTO DO RECURSO
A ampliação do objecto do recurso apenas será apreciada na procedência do recurso interposto, pelo que cumpre distinguir as duas situações.
Tendo em atenção as conclusões dos Recorrentes, inexistindo questões de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir quanto ao recurso:
1. Da reapreciação da matéria de facto, em concreto:
1.1 Da resposta dada ao quesito 21.º
1.2 Da resposta dada ao quesito 76.º
1.3 Da fixação dos factos assentes
2. Da apreciação do mérito da decisão de direito:
2.1. Do abuso de direito no exercício da preferência
Caso se conclua pela procedência do recurso, vistas as conclusões dos Recorridos cumpre apreciar e decidir das seguintes questões em sede de ampliação do objecto do recurso:
3. Da reapreciação da matéria de facto, em concreto:
1
2
3
3.1 Da resposta dada aos quesitos 58.º a 61.º
3.2 Da fixação dos factos assentes
4. Da apreciação do mérito da decisão de direito:
4.1. Da caducidade do direito de acção
4.2. Do direito de preferência
4.3. Da renúncia ao direito de preferência
III) FUNDAMENTAÇÃO

1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1.1 Reapreciação da matéria de facto
1.1.1. Dos meios de prova produzidos
Foi produzida nos autos prova documental e testemunhal. Estando esta gravada, foram ouvidos nesta Relação todos os depoimentos prestados nos autos.
1.1.2 Da apreciação das questões em concreto suscitadas
Em sede de reapreciação da matéria de facto foram impugnados os concretos pontos de facto acima referidos, em delimitação do objecto do recurso, que seguidamente se apreciarão.
a) Da resposta dada ao quesito 21.º
É o seguinte o teor do quesito:
«Tanto os Autores como as suas empresas têm em vista uma rápida alteração do Plano Director Municipal de … (PDM) para poderem implementar grandes empreendimentos no local, uma vez que a malha urbana de construção de baixa densidade abrange uma parte do terreno rústico grande inscrito na matriz com o n.º ... (Doc 142), onde é visível, bem perto do terreno rústico pequeno inscrito na matriz com o artigo ..., os blocos de apartamentos e moradias de luxo (Doc 143 e 144)?»
O referido quesito mereceu a resposta:
«Provado apenas que os Autores não pretendem utilizar o prédio rústico sob o artigo ....º para agricultura, que uma parte do prédio rústico sob o artigo ....º se encontra abrangida pela malha urbana de baixa densidade no Plano Director Municipal de … e que próximo do prédio rústico sob o artigo ....º existem construções para habitação».
Discordam os Recorrentes por entenderem que dos depoimentos de P..., C… e E… resulta não poder dar-se como provado que os Autores não pretendem utilizar o prédio rústico sob o artigo ....º para agricultura, o que é coadjuvado pelo constante da inspecção judicial que permitiu verificar que parte do prédio era agricultado, conjugado com o documento que é contrato de arrendamento celebrado pelos Autores para fim não habitacional e fotografias juntas com a réplica.
Apreciando.
A Ex.ma Senhora Juiz fundou a resposta dada ao quesito 21.º na análise da actividade principal dos Autores assente nos autos, no depoimento de MP… que depôs descrevendo como o Autor vendeu em avos diversos prédios para que os compradores neles construíssem habitações, hoje sob o regime de AUGI, nos documentos de fls 223, 224, 226, 232, 235 e 401 dos autos, que dão a panorâmica da malha urbana em redor dos prédios dos autos, aludindo ainda ao depoimento de P... ao referir o interesse de seu pai na aquisição. Referiu também detalhadamente o estado dos prédios dos Autores percepcionado pela inspecção ao local e pelos depoimentos prestados.
Diga-se que a fundamentação que assim se resumiu indica os meios de prova, o que deles entende o julgador resultar, porque o entende, conjugando ademais os diversos meios de prova e explicitando escorreita e claramente o raciocínio que percorreu no caminho da prova produzida para a demonstração considerada realizada.
Ou seja, nenhum vício ou erro de raciocínio na explanação.
Mas a reapreciação a que a Relação está obrigada não é apenas a de apreciar da ocorrência de vícios intrínsecos ou erros patentes. Pelo contrário, cabe à Relação apreciar a matéria impugnada para concluir formando convicção sua quanto à prova efectuada, enquanto tribunal que assegura o duplo grau de jurisdição quanto à decisão da matéria de facto.
Os depoimentos de P... e C..., contrariamente ao que os Autores defendem, não permitem concluir que os Autores se dediquem mesmo secundariamente, à agricultura.
Assim, P..., filho dos Autores e que também se ocupa dos negócios dos pais, referiu a agricultura existente no prédio ... reportando-se ao terceiro que nele explora hortas de subsistência e nada mais.
Disse (minutos 15:05 e ss) que o pai é dono desde 1985 e tem lá umas pequenas casas para materiais agrícolas, que (minutos 20:15 e ss) há um rendeiro que toma conta da quinta e que dá aos Autores alguns produtos, dos quais especificou um cabrito no Natal, mostrou-se claramente evasivo quanto à destinação prevista para os prédios (minutos 01:07:19 e ss), acabando por referir (minutos 01:08:52) que é só uma pequena parte que está dada de renda.
Nada que imponha ou sequer sugira conclusão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido.
A testemunha C..., administrativa que trabalha para o Autor, disse (minutos 06:57 e ss) que são todos (os prédios dos autos) artigos rústicos, «por isso são apenas para cultivo», «acho que estão lá uns senhores a cultivar e tem vários outros assim», dizendo ainda (minutos 07:33 e ss) que o Autor não se dedica só à construção e aproveita para rentabilizar os rústicos. Porém, a testemunha nenhum conhecimento directo tinha dos factos referindo (minutos 11:27 e ss e 12:20 e ss) não conhecer o local, sabendo apenas pelo Autor que ele tem lá pessoas a tratar do terreno.
Nada neste depoimento permite concluir de modo diverso do que o fez a decisão recorrida.
Do mesmo modo quanto à testemunha E....
Esta testemunha referiu sempre (minutos 12:36 e ss, 13:23 e ss, 13:56 e ss, 14:26 e ss, e 32:02 e ss) que os prédios não eram agricultados, que o Autor comprava os prédios rústicos para construir e nunca referiu consistentemente outra actividade conhecida ao Autor.
Por outro lado, o invocado documento de fls 910 a 914 constitui contrato de arrendamento em que é senhoria uma empresa que as testemunhas confirmaram ser do Autor, sendo certo que o mesmo, como bem o salienta a decisão recorrida, é para fim não habitacional e expressamente exclui a plantação directa no solo. O que é estranho num contexto de agricultura.
Da inspecção judicial documentada a fls 928 consta que no prédio ... «existem três hortas que se encontram a ser cultivadas». O que para um prédio com mais de 40 mil metros quadrados de área apenas pode significar o que consta na decisão impugnada: «se os autores visassem uma utilização agrícola dessa área, certamente não deixariam os terrenos de que são proprietários (desde 1987 e 2001) no estado em que os mesmos se encontram – um deles totalmente inculto e outro quase totalmente no mesmo estado (…)».
Quanto às fotografias invocadas pelos Autores e que estão a fls 572 a 582, apenas as de fls 572 a 574 são do terreno dos autos. Quanto a estas só pode concluir-se no sentido expresso no passo da decisão que acabámos de transcrever: aquelas fotos não exprimem aproveitamento agrícola de um prédio com a dimensão do terreno ....
É certo que o mesmo não poderá dizer-se de fls 576, 577 e 579 a 582. Porém, quanto a estes prédios, que as testemunhas P... e C... explicaram referir-se ao contrato acima mencionado, valem as considerações que a respeito dele fizemos.
Por outro lado, os documentos indicados na fundamentação quanto à malha urbana e aos prédios em causa sustentam a correcção da decisão proferida.
Para concluir que dos elementos probatórios nos resulta convicção igual à de primeira instância, mantendo-se a resposta.
b) Da resposta dada ao quesito 76.º
É o seguinte o teor do quesito:
«Os Autores obtiveram conhecimento apenas das condições da venda realizada, em 12 de Novembro de 2007, através da emissão da certidão da escritura?»
O referido quesito mereceu a resposta: «Não provado».
Discordam os Recorrentes por entenderem dever ser julgado provado, vistos os depoimentos de P... e C....
Apreciando.
A decisão recorrida afastou a possibilidade de fundar nesses depoimentos a prova da matéria do quesito considerando que os mesmos não têm garantias de isenção.
E não têm. Quanto a P..., não só pela ligação estreita aos Autores como pelas hesitações manifestas ao referir a destinação do prédio de que se deu nota supra, a sua referência à confinância dos prédios como existente, facto que a inspecção judicial demonstrou inexistir quanto a um deles.
O seu depoimento não pode fundar aquela matéria.
Quanto à testemunha C... disse (minutos 03:50 e ss) recordar-se de, em 12-11-2007, o Autor lhe ter pedido para ir ver se o artigo em causa tinha sido vendido, vindo a testemunha a descobrir que tinha sido lavrada uma escritura de que pediu certidão. Ora, disse ainda, (minutos 04:29 e ss) «quando apresentei a certidão ele ficou muito chateado porque não estava à espera que o terreno tivesse sido alienado», mais dizendo (minutos 04:54 e ss) que o Autor só soube pela certidão, embora tenha admitido (minutos 06:19 e ss) que não sabia se lhe comunicaram antes, mas ficou muito surpreso.
Ora, para além da manifesta proximidade entre a testemunha e os Autores para quem trabalha, o seu depoimento não tem verosimilhança que permita alicerçar nele a prova em causa. Desde logo, pedindo o Autor que seja verificado se o prédio foi vendido, estranho é que a venda de que procurava certificar-se lhe cause tão grande surpresa. Por outro lado, o facto de ficar “chateado” ou surpreso não é unívoco na determinação da novidade do facto. Pode apenas ser a reiteração do desagrado face a facto já conhecido.
Em suma, concluímos como na decisão impugnada.
1.2 Dos factos assentes após reapreciação da matéria suscitada em recurso
Após reapreciação, na improcedência da impugnação dos Recorrentes, estão assentes os seguintes factos constantes da sentença recorrida:
1.  Os autores são proprietários do prédio rústico, sito no sítio das AM… - terra de semeadura denominada "Boa Vista" ou "Bela Vista", com a área de 3.700 m2, inscrito na matriz predial sob o art.° … e descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de … sob o n° … [alínea A) dos factos assentes].
2.  São igualmente proprietários do prédio rústico, denominado "Regais" ou "Arregais"- terra de semeadura, com a área de 44.640 m2, inscrito na matriz predial sob o art.° …, da freguesia do … e descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de … sob o n° …. [alínea B) dos factos assentes].
3.  Teor da certidão de registo predial junta a fls. 16 a 26 cujo teor aqui se dá por reproduzido [alínea G) dos factos assentes].
4.  Por escritura pública de 21 de Março de 2006, lavrada no Cartório Notarial de …, a cargo da Dra. AL…, os 1°s a 5°s réus venderam à ré, o prédio rústico com a área de 2.960m2, situado na …, descrito na 2.º Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito na respectiva matriz sob o art° ..., secção 69 [alínea D) dos factos assentes].
5.  Chegou ao conhecimento do autor marido, que os 1°s a 5°s réus alienaram o prédio rústico com a área de 2.960m2, situado na …. [alínea O) dos factos assentes].
6.  O prédio propriedade dos autores referido em 1. é confinante com o prédio alienado [alínea E) dos factos assentes].
7.  O prédio sob o art° … encontra-se separado do prédio sob o art° … por um caminho [resposta ao art° 23.º da base instrutória].
8.  Na Planta Cadastral junta como doc 3 a fls. 36 os prédios dos autores, estão identificados a amarelo, e o prédio alienado, a rosa [alínea F) dos factos assentes].
9.  A unidade de cultura fixada para a zona, é de 2 hectares [alínea H) dos factos assentes].
10.   O prédio vendido, tem a área de 2.960 m2, inferior à unidade de cultura [alínea I) dos factos assentes].
11.   O prédio rústico inscrito na matriz sob o art° ..., secção 69 foi objecto de um processo de venda com início em 2005, tendo manifestado interesse na sua compra o autor FS..., HG… (actuando no interesse de um seu tio) e a ré P..., Lda [resposta ao art° 3° da base instrutória].
12.   A primeira vez que os réus pessoas singulares manifestaram junto do autor FS... a intenção de vender o prédio sob o art° ...1 foi através de um telefonema, tendo o número de telefone daquele sido fornecido por MS…, cujo marido havia vendido anos antes um terreno, na mesma zona, ao referido autor [resposta ao art° 24° da base instrutória].
13.    No telefonema referido em 12. a ré MO… deu a conhecer ao autor FS... a intenção dos réus pessoas singulares em vender o prédio sob o art° ...° [resposta conjunta aos art°s 28.º e 29° da base instrutória].
14.    Após esse contacto o autor FS... e a ré MO… encontraram-se a fim de aquele saber as condições de venda do mesmo prédio [resposta ao art° 30° da base instrutória].
15.    Os réus pessoas singulares propuseram ao autor FS... a venda do prédio referido em 13. pelo preço de Euros 60.000 [resposta ao art° 40 da base instrutória].
16.    O autor FS... solicitou a um dos réus pessoas singulares a caderneta predial do prédio sob o art° ....º [resposta ao art° 5° da base instrutória].
17.    Os réus pessoas singulares comunicaram ao autor FS..., antes da escritura pública referida em 4. que o preço da compra e venda do prédio rústico inscrito sob o art° ....º era Euros 60,000 [resposta ao art° 16.º da base instrutória].
18.     Os réus pessoas singulares não comunicaram aos autores, antes da concretização da venda à ré P..., Lda, quaisquer outras condições de venda além do preço [resposta ao art° 20 da base instrutória].
19.     HG… tinha oferecido a quantia de Euros 60.000 pela aquisição do prédio referido em 17. [resposta ao art° 9° da base instrutória].
20.      No final do mês de Junho de 2005 o autor FS... reuniu-se com alguns dos réus pessoas singulares, numa casa em … para discutirem a venda do prédio rústico inscrito na matriz sob o art° ....º [resposta ao art° 6° da base instrutória].
21.     O autor FS... disse aos réus pessoas singulares que queria pagar pelo mesmo prédio quantia inferior a Euros 60.000 [resposta ao art° 8° da base instrutória].
22.     A ré MO… não aceitou vender o prédio rústico sob o art° ...° ao autor FS... por preço inferior a Furos 60.000, por ter pelo menos um interessado disposto a aceitar a compra por esse preço [resposta ao art° 33° da base instrutória].
23.      Após o referido em 21., um dos réus pessoas singulares contactou HG…, identificado em 11., perguntando-lhe se o seu tio ainda estava interessado na compra do prédio e disposto a pagar o preço de Euros 60.000 [resposta ao art° 45° da base instrutória].
24.       As negociações levadas a cabo com HG… acabaram por falhar em virtude de a sua prima (filha do interessado na compra, tio daquele outro) ter intercedido no negócio, alegando que o seu pai já não tinha idade para se dedicar à agricultura [resposta ao art° 18° da base instrutória].
25.       Após a frustração das negociações com HG…, os réus pessoas singulares prosseguiram negociações com outro interessado, a ré P..., Lda, a qual se mostrava disposta a adquirir o prédio pelo valor de Euros 60.000 [resposta ao art° 49° da base instrutória].
26.       O prédio rústico sob o art° ...° acabou por ser vendido à ré P..., Lda [resposta ao art° 11° da base instrutória].
27.       Em data indeterminada posterior à reunião referida em 20. o autor FS... deslocou-se à loja da ré EG…, sita em … para falar com a mesma sobre a compra do prédio sob o art° ....º [resposta ao art° 14.º da base instrutória].
28.        O prédio rústico inscrito na matriz sob o art° ... não foi agricultado nos anos de 1999, 2002, 2004, 2005 e 2007 e o prédio inscrito na matriz sob o art° ...° não foi agricultado, pelo menos, na sua maior parte, nos mesmos anos [resposta ao art° 19.º da base instrutória].
29.        Junto do caminho a Sul e no centro do terreno rústico grande com 44.640 m2, encontram-se erguidas três habitações abarracadas (140) em que os seus residentes cultivam uma pequena parcela do terreno rústico grande, com produtos hortícolas para a sua própria subsistência [alínea P) dos factos assentes].
30.        Actualmente o prédio rústico sob o art° ....º, com excepção de três pequenas parcelas com cultivo de produtos hortícolas (hortas), não está agricultado e o prédio rústico sob o art° ....º não está actualmente agricultado [resposta ao art° 20.º da base instrutória].
31.         Os autores dedicam-se há décadas à mediação imobiliária e construção civil [alínea J) dos factos assentes].
32.                São titulares das seguintes empresas:
- FS...  (empresário em nome individual — NIF …);
- PC… Lda (NIF …)
- B… Lda. (NIF …) [alínea K) dos factos assentes].
33.      O autor FS... declarou início de actividade de mediação imobiliária e arquitectura em 01/01/1980 [alínea L) dos factos assentes].
34.      A PC… Lda., constituída a 06/0611986, com a matrícula 3345, da Conservatória do Registo Comercial de …, tem como objecto social: "(...) Compra e venda de propriedades, revenda dos adquiridos para esse fim. Construção Civil, empreitadas e reparações. Construção de casas para comercialização. Comércio de Materiais de Construção ( ... )', regista no concelho de … diversas propriedades e urbanizações [alínea M) dos factos assentes].
35.       A B…Lda., constituída a 17/12/2003, com a matrícula … na Conservatória do Registo Comercial de …, tem duas classificações de actividade económica (CAE) sendo o seu objecto principal "( ... ) Construção Civil, Obras Públicas, Empreendimentos de Construção Civil. Compra e venda de Imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (...)", possui diversos empreendimentos no Triângulo … [alínea N) dos factos assentes].
36.    A empresa FS... (empresário em nome individual), é titular dos artigos matriciais urbanos n°s …, … e … sitos na Freguesia de … e milhares de lotes de terreno para a construção, dispersos por diversos concelhos, entre as quais, as freguesias de …, …, … e … [alínea O) dos factos assentes].
37.    Os autores não pretendem utilizar o prédio rústico sob o art° … para agricultura [resposta ao art° 21.º da base instrutória].
38.     Uma parte do prédio rústico sob o art° ....º encontra-se abrangida pela malha urbana de baixa densidade no Plano Director Municipal de … e próximo do prédio rústico sob o art° ....º existem construções para habitação [idem].
39.   A ré P..., Lda não é proprietária confinante [art° 10° da p.i admitido por acordo].
40.    A ré P..., Lda utiliza o prédio rústico sob o art° ....º para criação de plantas e árvores em vasos, tendo cultivados, em algumas porções do mesmo terreno, produtos de agricultura biológica [resposta ao art° 26.º da base instrutória].
41.     Com vista à utilização do mesmo prédio para a criação de plantas e árvores referida no número anterior, a ré P…, Lda realizou e custeou os seguintes trabalhos nesse prédio, incluindo a respectiva mão-de-obra, em montante que não foi possível determinar:
- limpeza do terreno com remoção de canaviais;
- terraplanagem e nivelamento do terreno;
- construção de muralhas de suporte de terras;
- construção de muro de delimitação do terreno;
- restauro de um poço, de um tanque de água e de duas construções; - restauro de muros de pedra à vista;
- construção de paliçadas de suporte de terras;
- puxada de ramal e instalação de energia eléctrica;
- construção de plataforma de betão na zona da entrada;
- instalação de portões;
- instalação de sistema de drenagem;
- construção de vedação em todo o perímetro do terreno;
- pré-infraestrutura de caminho para serventia do terreno à SANEST
[resposta ao art° 27.º da base instrutória].
42.  Em 20 de Fevereiro de 2006 foi emitida uma caderneta predial do prédio sob o art° ....º [resposta ao art° 57° da base instrutória].
43.   A ré P..., Lda despendeu na aquisição do prédio sob o art° ....º a quantia de Euros 3.870,44 em despesas notariais, fiscais e com o registo predial [resposta ao art° 77.º da base instrutória].
2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Concluiu a sentença recorrida pela verificação dos requisitos da preferência e por isso do direito invocado na esfera jurídica dos Autores, no respeitante à alienação em causa nos autos e apenas enquanto donos do prédio inscrito na matriz predial sob o artigo ....º (doravante prédio ...)[1]. Porém, negou deferimento à pretensão deduzida por a considerar contrária ao fim visado pelo direito de preferência e, por isso, prejudicada por abuso de direito.
Esta a decisão impugnada ora em análise pois que a pretensão recursória de apreciação do mérito da decisão de julgar verificado o direito de preferência, deduzida pelos Réus em alargamento do objecto do recurso, apenas pode ser apreciada na procedência do recurso dos Autores.
A questão fulcral em análise é, assim, a de saber se se verifica abuso de direito no exercício da preferência pelos Autores, postulando existente o direito a preferir.
Resultou assente nos autos que os Autores são donos do prédio ..., rústico com área de 3.700 m2, confinante com o inscrito sob o artigo ....º (doravante prédio ...), também rústico e com a área de 2.960 m2, que foi o vendido à Ré sociedade pelos Réus pessoas singulares, relativamente ao qual os Autores pretendem exercer preferência.
Resulta ainda que o prédio ... não foi agricultado nos anos de 1999, 2002, 2004, 2005 e 2007, que próximo dele existem construções para habitação e que os Autores não pretendem utilizar o prédio ... para agricultura.
Estes os pontos de facto pertinentes para apreciação da questão, acrescendo-lhes como coadjuvantes os que se referem à actividade imobiliária e de construção civil dos Autores descrita nos pontos 31 a 36.
A preferência que os Autores pretendem exercer decorre da norma do artigo 1380.º, do CC, nos termos (re)definidos pelo artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro, que apenas alarga o âmbito da preferência em relação com a área dos terrenos, o que não releva para o caso na parte ainda em análise.
Tais normas constituem excepção ao regime geral de liberdade contratual consagrado no artigo 405.º, do CC, restringindo o sistema jurídico a liberdade contratual de proprietários de terrenos nas indicadas condições, a fim de prosseguir a finalidade de redução do minifúndio pelo emparcelamento dos prédios, em benefício da produtividade agrícola.
É o que decorre quanto ao artigo 1380.º na sua inserção em secção do Código Civil que se refere ao «fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos», das características da previsão da norma reportada aos casos de confinância e referida à unidade de cultura e das excepções previstas no artigo 1381.º quanto a destinação diversa ou a destinação conjunta. Maxime, resulta do que dispõe programaticamente o artigo 1382.º, n.º 1, do CC: «chama-se emparcelamento o conjunto de operações de remodelação predial destinadas a pôr termo à fragmentação e dispersão dos prédios rústicos pertencentes ao mesmo titular, com o fim de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola»
Considerado o Decreto-Lei 384/88, impõe-se atentar no seu preâmbulo onde se lê: «o progresso da agricultura portuguesa – que se pretende orientar, por um lado, no sentido de aumentar a produção do sector agro-alimentar, em ordem a satisfazer as necessidades do País e a reduzir o volume de bens importados, e, por outro lado, de modo a rendibilizar os meios de produção para que a actividade agrícola aumente a sua competitividade e proporcione à população rural um nível de vida mais aproximado dos padrões verificados noutros sectores de actividade – tem sido retardado por uma estrutura fundiária desordenada, em que predominam as explorações com dimensão insuficiente e conduzidas por agricultores idosos com baixo grau de instrução (sublinhado nosso).
(…)  Esta fragmentação e dispersão da propriedade e das explorações agrícolas têm sido sempre uma condicionante negativa (…)».
Ou seja, tem-se como certo que a excepção à liberdade de contratar que a preferência constitui é consagrada pelo legislador a fim de conseguir a redução do minifúndio agrícola e de promover a constituição de propriedades cuja dimensão possibilite uma exploração moderna e produtiva.
Também é certo que os Autores não pretendem utilizar o prédio vendido para agricultura.
Em sede de recurso não está em causa, neste momento[2], a integração do caso dos autos na previsão do artigo 1381.º, alínea a), do CC, uma vez que os Recorrentes aceitaram a exclusão de tal integração e consequente conclusão pelo seu direito a preferir, questão que apenas se suscitará quando se conclua pela inexistência de abuso de direito.
Em causa está por isso saber se pode considerar-se que o exercício pelos Autores do direito de preferência reconhecido na decisão pode considerar-se abusivo e, por via disso, recusar-se-lhe procedência.
Lê-se a esse respeito na notável exposição da decisão recorrida: «Afirmou-se atrás que a razão legal do direito de preferência do proprietário confinante está no emparcelamento fundiário como via para a rentabilização das explorações agrícolas em condições de eficiência e produtividade.
Afigura-se, pois, razoável que se questione se numa situação com os contornos atrás enunciados [não pretenderem os Autores agricultar o prédio] os titulares da preferência não estarão a exercer o direito que a lei lhes confere em condições de insustentável violação dos limites dados pelo fim social e económico desse direito.
Convoca-se a figura do abuso de direito que o artº 334º do Código Civil prevê (…).
(…)
As questões da finalidade visada pelos autores com a preferência e do não aproveitamento produtivo dos prédios de que são proprietários, que foram amplamente debatidas nos articulados e na produção de prova da acção (…) vêm assim a revelar-se determinantes.
Na síntese conclusiva de todo o exposto, a solução jurídica que se julga ser a da acção é de que o direito que os autores se arrogam não pode ser reconhecido, não porque o mesmo não exista ou porque, tendo existido, se tenha extinguido por renúncia ou caducidade, mas porquanto o seu exercício, no caso concreto, constituiria um flagrante abuso de direito nos termos do artº 334º do Código civil».
A esta argumentação contrapõem os Autores recorrentes, numa vertente objectiva, que dada a classificação legal apenas podem destinar o prédio à agricultura não podendo afastar-se «da finalidade económica ou social da preferência».
Numa vertente subjectiva alegam:
«Ao conceito de abuso de direito, previsto naquele normativo legal, não poderão ser alheios factores subjectivos, como por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido.
Este factor é importante, para determinar se houve ofensa ao fim social ou económico do direito.
Pelos factos dados como provados e pelos ora impugnados, deverá  concluir-se, que o excesso cometido não foi manifesto.
Não é intenção dos Recorrentes ao exercer o direito de preferência em crise, ofender quer pela sua actividade profissional, quer pelo facto de não terem cultivado os prédios, que não possam, pelo motivo já sobejamente referido de se dedicarem a outras áreas de actividade, destinar os prédios à cultura.
Sublinhe-se que o Tribunal a quo, considera a existência do direito de preferência, no entanto, retira-o, com o fundamento na figura do abuso de direito, no pressuposto de que a finalidade económica ou social da preferência não se encontra presente.
Esta norma (artº 334 do CC), deveria ter sido assim interpretada no sentido da não existência de excesso manifesto, decidindo-se pela proximidade da finalidade económica e legal da preferência e, consequentemente, pela inexistência de qualquer abuso de direito por banda dos Recorrentes, e reconhecendo-se a existência do direito de preferência, deverá a presente demanda ser julgada procedente».
Com o devido respeito, não se vê o que seja a «proximidade da finalidade económica e legal da preferência» ou o que se pretende dizer ao alegar que «o excesso cometido não foi manifesto».
Retira-se, porém, da argumentação, que os Recorrentes entendem que o abuso de direito implica uma intenção de exercício ilegítimo do direito.
Não é assim, como bem resulta da argumentação teórica constante da sentença recorrida.
A norma do artigo 334.º do CC, estatui:
«É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico de um direito».
Consagração legal em 1966 de um instituto com densificação jurisprudencial e doutrinal que precedeu a codificação e prosseguiu após ela.
Ora, se é certo que o abuso de direito foi delineado inicialmente em sede do exercício de direitos subjectivos[3] e na consideração da emulação[4] como motivação desse exercício, não menos certo é que não se limita a esse âmbito a sua consideração doutrinal ou jurisprudencial, como não se limita a tal campo a norma do artigo 334.º.
Como refere Cunha e Sá ao considerar que se trata de «um problema que põe fundamentalmente em jogo a materialidade do comportamento do sujeito na sua confrontação com a axiologia normativa que lhe é própria, encerrada embora em diversos termos estruturais»[5].
A expressão legal consagrada no Código Civil abrange o exercício de um direito subjectivo em sentido estrito, mas também a dedução de uma pretensão ou a invocação de uma posição, posto que as mesmas tenham relevância jurídica. Mais do que isso, o artigo 334.º não alude literalmente a qualquer desígnio subjectivo desvalorizado pelo direito, antes se refere a um excesso no exercício que contrarie as finalidades ou limites do direito, o qual pode decorrer da simples objectividade da situação.
A consagração legal não se situa numa desvalorização de intenções subjacentes ao exercício mas numa consideração das consequências do mesmo. Advirta-se que a consideração legal das consequências não apela a uma sinépica “pura e dura”, num consequencialismo propugnando o activismo judiciário, antes a considera numa perspectiva sistémica, única que pode dar validade à opção pelo abuso de direito como modo de “bloquear” o exercício ilegítimo.
Na perspectiva de Menezes Cordeiro que estamos a seguir, trata-se mais do exercício inadmissível de posições jurídicas revelado no caso concreto em integração sistémica, do que na ultrapassada visão de um direito que o regime jurídico a um tempo consagra e nega, num jogo de espelhos que ou nega o direito ou nega o abuso; na expressão de Planiol “o direito cessa onde começa o abuso[6].
A consideração do abuso de direito apela assim a uma visão do Direito e da Ciência Jurídica sistémicos mas não axiomático-dedutivos, convivente com a existência de espaços intra-sistémicos de integração que permitam a ponderação das disfuncionalidades[7].
Implica também que a revelação do abuso ocorra apenas na decisão do caso concreto, o que não pressupõe, porém, que a concretização tenha uma mera dimensão subjectiva, como parecem defender os Autores, antes pressupõe a consideração global do exercício na relação com as suas consequências. Para o que aponta a norma ao apelar às finalidades do direito.
Ou seja, não é o exercício em si, enquanto actividade intencional do sujeito que deduz a pretensão que está em causa, mas os resultados desse exercício e a sua desconformidade com o sistema, revelada na disfuncionalidade intra-subjectiva a que faz apelo o Professor Menezes Cordeiro[8].
Escreve o Autor no passo citado:
«Um sistema jurídico postula um conjunto de normas e princípios de Direito, ordenado em função de um ou mais pontos de vista. Este conjunto projecta um sistema de acções jurídicas – portanto de comportamentos que, por se colocarem como actuações juridicamente permitidas ou impostas relevam para o sistema. O não acatamento das imposições e o ultrapassar do âmbito posto às permissões contraria o sistema: há disfunção.
(…)
O abuso de direito reside na disfuncionalidade de comportamentos jussubjectivos por, embora consentâneos com normas jurídicas, não confluírem no sistema em que estas se integrem».
Reconhecendo que a disfuncionalidade proposta constitui ainda um quadro “cénico”, o Autor prossegue[9] com a integração material da disfuncionalidade enquanto aspiração cultural a uma harmonia «traduzida na possibilidade de ordenação, em função de pontos de vista unitários, dos seus elementos componentes, isto é, na possibilidade de sistematização» concluindo «pode, pois, falar-se, com propriedade, numa aspiração cultural de integração sistemática. O abuso de direito, em representação central, é o produto dessa aspiração, quando ela actue no espaço não-funcional interno dos direitos subjectivos»[10].
A «determinação dos factores materiais da disfuncionalidade», conclui o Autor citado permite discernir os exercícios inadmissíveis, sendo que «o essencial do exercício inadmissível de posições jurídicas é dado pela boa fé»[11], num sistema jurídico que «não se compõe de axiomas, base da dedução, é aberto e não esgota o espaço jurídico admitindo, ainda, fracturas internas»[12].
O que não autoriza a interpretação dos Recorrentes, contrariamente ao que pudesse pensar-se numa primeira abordagem.  Isto porque a boa fé não é encarada na sua dimensão subjectiva mas apontando para «uma ideia de sistema como ordem teleológica, formada por princípios jurídicos, atentas as particularidades destes: não valem sem excepção, podem entrar em oposição ou em contradição, não têm pretensão de exclusividade, admitindo que um mesmo efeito, com consequências similares, seja alcançado por vectores diferentes, adquirem um sentido próprio apenas num conjunto móvel de complementações e delimitações e requerem, para a sua realização, um concretizar através de subprincípios e valores singulares, dotados de conteúdo material próprio»[13].
Visão que se expressa no plano da decisão enquanto metodologia e não na do direito subjectivo como quadro: «No que toca ao conhecimento da realidade sobre que vai actuar, torna-se essencial para o sistema ponderar as consequências das propostas de solução contidas em cada uma das suas proposições» de modo que «na posse do conhecimento dos efeitos advenientes da decisão primeiro encontrada, há que, face ao próprio sistema, julgar da sua funcionalidade. Sejam eles disfuncionais, portanto contrários a outros vectores que, do sistema, exijam contemplação, há que reformular o modelo de decisão à luz assim conseguida»[14].
Revertendo ao caso concreto, tudo o que vem de dizer-se contém a conclusão: só podemos concordar com a decisão recorrida.
A apreciação feita quanto ao preenchimento pela situação concreta dos requisitos normativos da permissão legal (norma do artigo 1380.º, do CC), não dispensa a consideração do resultado assim obtido à luz da norma do artigo 334.º, a qual implica seja considerada a adequação do resultado ao sistema jurídico em que o artigo 1380.º se insere. Ora, esse sistema próximo convoca as finalidades de emparcelamento em ordem à produtividade da agricultura, como cremos ter indicado.
A consequência da mera consideração da permissão legal do artigo 1380.º como a interpretou a sentença recorrida, sem mais, determinaria não o emparcelamento em ordem à produtividade da agricultura, mas a subtracção do prédio à destinação agrícola, por isso que os Autores não pretendem agricultá-lo. Resultado tanto mais absurdo quanto a Ré nele exerce actividades agrícolas, como resulta do ponto 40 da matéria de facto assente.
Em suma, aplicando uma norma que pretende conseguir a promoção da actividade agrícola pelo redimensionamento da propriedade, a decisão produziria o efeito de subtrair o terreno em causa à actividade agrícola. Não pode ser, como concluiu a sentença recorrida.
E não pode sê-lo pela aplicação das próprias regras estabelecidas pelo sistema, surgindo o abuso de direito integrado no mesmo[15], e não pela conclusão de que fora dele devia ser procurada a solução, numa perspectiva consequencialista extrema. 
Termos em que se entende improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
 Fica prejudicada a apreciação da ampliação do objecto do recurso, nomeadamente quanto à verificação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
IV) DECISÃO

Pelo exposto, ACORDAM em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
*
Lisboa, 21 de Novembro de 2013
 (Ana de Azeredo Coelho)
 (Tomé Ramião)
 (Vítor Amaral)


[1] A decisão está transitada quanto à improcedência da preferência enquanto fundada na titularidade da propriedade sobre o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo ....º.
[2] O que não exclui a devolução da questão à Relação em caso de procedência do recurso por via da ampliação pedida pelos Réus, excluindo apenas a sua apreciação neste momento.
[3] Como recorda o Professor Menezes Cordeiro in “Da Boa Fé no Direito Civil”, II, Almedina, 1984, vol. II, p. 898: «o tratamento típico dos exercícios ditos abusivos mostrou que o fenómeno pode ocorrer em situações irredutíveis a direitos subjectivos num sentido estrito».
[4] Com a célebre decisão sobre a chaminé de Colmar citado pelo Autor mencionado in “Do abuso de Direito: estado das questões e perspectivas”, Setembro de 2005, p. 10 não numerada, texto consultado em 8 de Novembro de 2013 in www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=45582&ida. 
[5] In “Abuso de Direito”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 107, Lisboa, 1973, p. 590-591.
[6] Citado in “Da Boa Fé no Direito Civil”, II, Almedina, 1984, vol. II, p. 865.
[7] Continuando a seguir a lição do mesmo Professor in op. cit., p. 1260.
[8] (Cordeiro, 2005, p. ponto 18) (Menezes Cordeiro, 1984, p. 879 e ss)
[9] (Menezes Cordeiro, 1984, p. 885)
[10] Op. et loc. cit.
[11] (Menezes Cordeiro, 1984, p. 901)
[12] (Menezes Cordeiro, 1984, p. 1260)
[13] (Menezes Cordeiro, 1984, p. 1260)
[14] (Menezes Cordeiro, 1984, p. 1263)
[15] A respeito do abuso de direito, cita Baptista Machado, as palavras do Professor Antunes Varela na apresentação à Assembleia Nacional do projecto de Código Civil, na parte relacionada com o artigo 334.º, consagração legal do instituto: «Daí [da mudança das concepções em que assenta a ordem jurídica] concluía pela necessidade de “fórmulas suficientemente flexíveis nos pontos estratégicos do sistema”, de cláusulas gerais que permitam ao julgador adaptar o direito às naturais evoluções da sociedade civil e que serão como que “janelas por onde poderão circular as lufadas de ar fresco com que a filosofia, a religião e a moral renovam de tempos a tempos o ambiente pesado da vida social”. Entre essas cláusulas gerais são expressamente referidas (…) a do abuso de direito (art. 334.º) (…)» In “João Baptista Machado – Obra dispersa”, vol. I, Scientia Ivridica, Braga, 1991, p. 360.