Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4318/15.0T8LRS.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: RESPONSABILIDADE DO GERENTE
ACTIVIDADE COMERCIAL DO GERENTE
DANOS À SOCIEDADE
DELIBERAÇÃO PRÉVIA DOS SÓCIOS
PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS DA SOCIEDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– A acção de responsabilidade proposta por uma sociedade comercial contra um seu gerente, para obter o ressarcimento dos danos causados à sociedade emergentes do exercício, por contra própria ou alheia, de actividade concorrente com a da sociedade, depende de deliberação prévia dos sócios tomada por simples maioria em assembleia geral (artigos 72º e 75º, n.º 1, do CSC);

II– A falta dessa deliberação social configura uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que dá lugar à absolvição da instância – artigos 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, n.º 1, alínea d) e 578º do CPC).

III– Os direitos de crédito da sociedade comercial prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade (artigos 75º, n.º 1 e 254º, n.ºs 1, 5 e 6, do CSC).

IV– Na acção de responsabilidade ut singuli são os sócios que representem, pelo menos, 5% do capital social, ou 2% no caso de sociedade emitente de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, que vão a juízo pedir a condenação dos gerentes ou administradores na indemnização pelos prejuízos causados à sociedade e não directamente a eles próprios (art.º 77.º do CSC).

IV– Esta acção proposta por sócios é subsidiária da acção de responsabilidade proposta pela sociedade, uma vez que só pode ser proposta nos termos do art.º 77.º n.º 1, parte final, do CSC, quando a acção não tenha sido proposta pela sociedade ou por a respectiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado correr o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a acção (artigo 75º, n.º 1, do CSC).

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:


1.–MD, Lda, em Liquidação, pessoa colectiva n.º 502038535, intentou, em 31/03/2015, processo comum de declaração contra AD contribuinte fiscal n.º 110956427 e M- Sociedade Unipessoal, lda pessoa colectiva n.º 509337430, peticionando a condenação solidária dos Réus a pagar à Autora:
a)- a quantia €16.560,00, a título de indemnização por quebra de contrato da DHL;
b)- quantia nunca inferior a €54.000,00, correspondente a lucros cessantes e danos emergentes;
c)- a quantia de € 25.000,00, a título indemnizatório pelo aliciamento de pessoal especializado desta.

Alegou, em substância, como fundamento da sua pretensão, que o 1º Réu, enquanto gerente da Autora, violou, de forma culposa e ilícita, os deveres de gerente da sociedade, pois constituiu a sociedade Ré com o mesmo objecto social, aliciou e desviou clientela da Autora e passou a exercer, através dessa nova sociedade, actividade concorrente com a sua, aproveitando-se das informações e relações estabelecidas pela Autora e levando consigo alguns funcionários desta sociedade que assim deixou de ter qualquer actividade, tendo sido aprovada a sua dissolução e a designação dos sócios como liquidatários AD JÁ e VD.

Os Réus, regularmente citados para a acção, apresentaram contestação conjunta, defendendo-se por excepção e por impugnação. Por excepção, invocaram a irregularidade do mandato, a incompetência material do Tribunal onde foi apresentada a acção, a falta de deliberação da assembleia dos sócios para demanda do gerente por concorrência desleal, bem como a prescrição do direito de demandar o gerente ao abrigo do disposto no artigo 254.º, do Código das Sociedades Comerciais, e a prescrição do direito de indemnização, caso se entenda haver responsabilidade por factos ilícitos, nos termos dos artigos 483.º, 487.º, n.º 2 e 497.º, do Código Civil. Quanto à 2ª Ré, invocaram a ineptidão da petição inicial, por falta de indicação de causa de pedir. Em sede de defesa por impugnação, os Réus impugnaram a matéria de facto alegada pela Autora.

Concluíram pela procedência das excepções invocadas, com as consequências legais ou, casa assim não se entenda, pela improcedência da acção e consequente absolvição os Réus do pedido.

Notificada a Autora para se pronunciar quanto às alegadas excepções, nomeadamente de incompetência material do tribunal, apresentou requerimento de resposta, no qual defende quanto à irregularidade do mandato que sendo uma acção para apurar responsabilidade de gerentes qualquer sócio pode demandar o gerente. Argumenta, ainda, que à data da entrada da presente acção não tinha decorrido o prazo de prescrição do direito.

2.–Por despacho proferido a 24/10/2016, a Instância Central Secção Cível – J2, da Comarca de Lisboa Norte, julgou-se incompetente, em razão da matéria, para a presente acção.
3.–Posteriormente, foram os presentes autos distribuídos pela Instância Central Secção Comércio, da Comarca de Lisboa Norte,
4.–Na sequência de convite que lhe foi feito pelo Tribunal a quo, a Autora juntou o respectivo pacto social, certidão de matrícula actualizada da Autora e a acta da deliberação da sociedade, datada de 14/05/2010, nos termos da qual foi aprovada, por unanimidade, a dissolução da sociedade.
5.–Foram, então, as partes notificadas para se pronunciarem, nos termos do despacho de 31/03/2017 (ref.ª Citius 132955406), quanto à verificação de excepção dilatória, atenta a falta de deliberação de sócios a autorizar a interposição da acção.
6.–A Autora veio pugnar pela sua legitimidade, porquanto a sociedade se encontra representada em juízo por um dos seus sócios, a demandar um sócio e gerente pelo exercício de concorrência desleal, ao abrigo do artigo 254.º, do Código das Sociedades Comerciais.
7.–Os Réus defendem que é manifesta a excepção dilatória e que a Autora não se mostra representada em juízo.
8.–Com data de 05/06/2017, foi proferida decisão (ref.ª Citius 1336637819) que conheceu do mérito da acção e absolveu os Réus do pedido.

9.–Inconformada com tal decisão, a Autora recorreu para este Tribunal da Relação, e, alegando, formulou, em síntese, as seguintes conclusões:
«A- O Recorrido AD ainda como sócio gerente da Recorrente constitui nova sociedade com o mesmo objecto social para prossecução do mesmo fim.
B- Em 15 de Fevereiro de 2010, o Recorrido AD remeteu carta de renúncia de gerência à ora Recorrente, sendo que a referida renúncia produziria efeitos unicamente a 15 de Abril de 2010, conforme documento 5 que se encontra junto aos autos.
C- A 23 de Março de 2010, o Recorrido procede ao registo da renúncia antes do prazo que ele próprio determinara.
D- Na mesma data, a 23 de Março de 2010, o Recorrido AD procede à constituição da sociedade ora Recorrida.
E- A 29 de Abril de 2010, o Recorrido AD remeteu e-mail aos clientes da Recorrente, informando-os de que a empresa iria mudar de instalações, com o intuito de os convencer de que se tratava da mesma entidade.
F- A 10 de Maio de 2010 os funcionários da Recorrente foram impedidos de entrar nas instalações da DHL por indicação do Recorrido AD que entretanto assumira o cliente com a sua nova sociedade.
G-O contrato de sociedade da Recorrente impedia expressamente no seu artigo sétimo, os seus sócios de exercerem a actividade de Despachante Oficial em sociedade concorrente.
H- Em 30 de Março de 2015, data de entrada da presente acção, a Recorrente ainda se encontrava em Liquidação, exercendo todos os sócios a gerência da mesma por força da lei.
I- Pelo menos no período compreendido entre 15 de Fevereiro de 2010 e 10 de Maio de 2010, o Recorrido AD praticou actos de concorrência desleal para com a Recorrente, contactando os clientes da mesma no intuito de os desviar para a nova sociedade por si constituída e Recorrida nos presentes autos.
J- Nos termos do disposto no art.174º do C.S.C o prazo de prescrição para que a sociedade possa agir contra o gerente é de cinco anos e conta-se a partir do termo da conduta dolosa.
K- Salvo melhor opinião, a conduta dolosa do gerente AD prolongou-se no tempo, uma vez que à data de entrada da presente acção a Recorrente ainda se encontrava em liquidação.
L- Mas ainda que assim se não entenda, pelo menos até 10 de Maio de 2010 o Recorrido praticou actos que consubstanciaram claramente a violação do dever de não concorrência, contactando para o efeito os clientes da Recorrente e desviando-as para a nova sociedade por si constituída.
M- JM sócio minoritária da ora Recorrente mandatou advogado para intentar a presente acção.
N- Salvo melhor opinião, não está impedido de o fazer, desde logo porque é lícito que pretenda salvaguardar os interesse da sociedade que consubstancia, em última instância os seus próprios interesse.
O- Fez assim uso da denominada acção “ut singuli”, no intuito de obter a reparação dos danos causados à sociedade.
Nestes termos e nos melhores de Direito deve a douta sentença em crise ser revogada e ser declarada procedente o peticionado na Petição Inicial, condenando-se as Recorridas nos seus preciso termos assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».

8.–Não foram apresentadas contra-alegações.

9.–Foram colhidos os vistos legais.

II.–DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
Nos termos do disposto nos artigos 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1, ambos do CPC, o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608, n.º 2., “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso, na medida em que o juiz não está sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, n.º 3, do CPC)[1].

Destarte, as questões a decidir são as seguintes:
- Se era necessária uma deliberação dos sócios da Autora para que esta pudesse demandar o 1º Réu, na qualidade de gerente e, nesse caso, qual a consequência da falta dessa deliberação;
- Se está ou não prescrito o direito da sociedade Autora/Recorrente demandar o se sócio e gerente (1º Réu) e a sociedade Ré (2ª Ré) e de exigir-lhe uma indemnização, com fundamento em exercício, por conta própria ou alheia, de actividade concorrente com a daquela sociedade.

III.–FUNDAMENTAÇÃO:

A)–Motivação de  Facto:
Factos dados como provados, com relevância para a decisão da causa:
«1.- A sociedade aqui Autora MD, Lda, em Liquidação, pessoa colectiva n.º 502038535, com sede na Praceta ST.2685-370 Prior Velho, tem o capital social de € 24 939,90.
2.- São sócios AD JÁ e VD, com quotas de € 12 095,85 o primeiro e terceiro e € 748,20 o segundo.
3.- A sociedade tem como objecto social actividade permitida aos despachantes oficiais.
4.- A sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente. Aquando da constituição foram nomeados gerentes os sócios ADe VD.
5.- O gerente VD renunciou à gerência a 21.12.2007 – ap. 121/20080131.
6.- O gerente AD renunciou à gerência a 15.02.2010 – ap. 118/20100323.
7.- A deliberação de 2010-05-14 de dissolução e designação de liquidatário foi registada pela ap. 151/20100518, constando como liquidatários todos os sócios.
8.- A procuração junta a fls. 19 dos autos, datada de 05.11.2014, mostra-se subscrita por JM com o teor seguinte «MD, Lda […] representada no presente acto pelo sócio liquidatário JA[…]».
9.- Da Assembleia geral da Autora, do dia 14.05.2010, foi lavrada a acta junta a fls. 248, foi deliberada por unanimidade a dissolução da sociedade, a nomeação dos sócios como liquidatários da sociedade e fixar o prazo de seis meses para a liquidação da sociedade.

10.-Da Acta da Assembleia geral de 31.05.2011, junta a fls. 250/251, consta a seguinte:
«O sócio JM que representa três por cento do capital social, pediu a palavra […]

Mais declarou um voto de desconfiança ao ex-gerente António Duarte, afirmando:
Não exigiu à DHL o cumprimento do contrato de serviços até ao final do prazo, antes pelo contrário, submeteu-se aos desígnios daquela, com a qual continuou a trabalhar, com prejuízo total para a firma; […]
Entrou em concorrência desleal com esta firma, violando o pacto social e o CSC, enquanto ainda gerente desta firma. […]».
11.- A sociedade  M. Sociedade Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n.º 509337430, com sede na Rua do Centro Cultural, n.º 5, 1.º, sala 3, 1700-106 Lisboa, foi constituída a 23.03.2010 – ap. 136/20100323.
An. 1–20100325 – publicado em http://www.mj.gov.pt/publicações.
12.- Tem por objecto social actividade permitida aos despachantes oficiais.
13.- O sócio ADé titular da única quota no valor de € 25 000,00.
14.- A presente acção deu entrada em juízo no dia 31.03.2015.

B)–Motivação de Direito:

1.-Da necessidade de deliberação dos sócios da Autora para que esta pudesse demandar o 1º Réu, na qualidade gerente, e qual a consequência da falta dessa deliberação:
1.1.-Insurge-se a Recorrente contra a decisão do Tribunal a quo que julgou procedentes a excepção dilatória de falta de deliberação social e a excepção peremptória da prescrição invocadas e absolveu os Réus do pedido, por considerar que, ao contrário do decidido: (i) que JM enquanto sócio minoritário da Autora, podia mandatar Advogado para intentar a presente acção, por lhe ser lícito salvaguardar dos interesses desta sociedade, fazendo, assim, uso da denominada acção “ut singuli”, no intuito de obter a reparação dos danos causados à mesma (conclusões M, N e O); e (ii) que o prazo de prescrição para que a sociedade possa agir contra o gerente é de cinco anos e conta-se a partir do termo da conduta dolosa, nos termos do artigo 174º do Código da Sociedades Comerciais (doravante CSC).
1.2.- Na decisão recorrida, considerou-se – e bem - que a sociedade Autora mantém a personalidade jurídica, apesar de se encontrar em liquidação, e que os seus sócios, agora nas vestes de liquidatários, “têm, em geral, os deveres, poderes e a responsabilidade dos membros do órgão de administração da sociedade, com as limitações resultantes da natureza das suas funções”. Considerou-se, ainda, que no âmbito dos poderes conferidos aos liquidatários pelos artigos 151º e 152º do CSC se inclui o poder de decidir a proposição, pela sociedade, de acções contra sócios, gerentes ou membros do órgão de fiscalização, mas que essa proposição dependia de deliberação dos sócios/liquidatários, reunidos em assembleia geral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 246º, n.º 1, alínea g) e 152º, n.º 1 do CSC. Coerentemente, concluiu-se, na decisão recorrida, pela verificação de uma excepção dilatória (falta de deliberação social), nos termos dos artigos 576º, n.º 2 e 577º, alínea d), do CPC, a implicar a absolvição da instância.
1.3.- Será apenas e tão-somente pelo exame da petição inicial (sujeitos, pedido e causa de pedir) que se há-de decidir da excepção dilatória em causa, posto que a indagação da existência de uma condição da acção[2], como pressuposto processual, não se prende com o mérito do pedido formulado na acção com base em determinada causa de pedir, sendo certo que, quando se decide desta questão, não tem o julgador de fazer - nem deve fazer - um julgamento antecipado da questão substancial que lhe é submetida.
1.4.- Como bem se refere na sentença recorrida e decorre dos fundamentos de facto invocados na petição inicial e da sua correlação com os pedidos formulados, a Autora/Recorrente funda a sua pretensão indemnizatória no exercício pelo gerente AD por conta da 2ª Ré, de actividade concorrente com a da Autora/Recorrente. Está, assim, em causa uma acção de responsabilidade proposta pela sociedade Autora contra um seu sócio e gerente.
1.5.- Resulta do Código das Sociedades Comerciais que sobre os respectivos gerentes e administradores recaem deveres legais e contratuais, tendo como fonte o contrato social ou as deliberações da assembleia-geral e de outros órgãos sociais - deveres que existem para com a sociedade, sócios e terceiros (credores, trabalhadores, administração fiscal, etc.).
Alguns desses deveres para com a pessoa colectiva, como os deveres de diligência (BRITO CORREIA, inOs Administradores das Sociedades Anónimas”) situam-se no âmbito das relações internas. Por outro lado, como órgãos da pessoa colectiva, os gerentes praticam actos jurídicos com terceiros e em sua representação. Os artigos 408.º e 409.º do CSC estabelecem um regime no qual os terceiros sabem que, ao contratar com os administradores, estão a contratar com a sociedade. E os poderes de representação não se confinam aqui aos actos de administração ordinária, gozando duma maior autonomia (BRITO CORREIA, ob. cit., págs. 546 e 551).
É discutível a natureza da relação do administrador com a sociedade, havendo a tese contratualista (TERESA VAZ, R.O.A. n.º 128, p. 333 e LOBO XAVIER, Anulação da Deliberação Social e Deliberações Conexas, p. 102, nota 7 e Ac. STJ de 19.11.1987, BMJ n.º 371, pág. 473) e quem considere o conselho de administração como um membro dum órgão da sociedade ligados a ela por um contrato de emprego de direito comum e não de mandato (SOVERAL MARTINS, Os Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anónimas, pág. 59).
Tem sido entendido por boa parte da doutrina e jurisprudência que a teoria que melhor traduz a relação dos gerentes/administradores com a sociedade é a contratualista, agindo os gerentes/administradores nas relações externas como mandatários da representada, sem prejuízo de a administração funcionar como órgão da sociedade na deliberação e gestão dos actos a praticar.
O dever de administrar configura-se como o primeiro dos deveres, que decorre naturalmente do cargo para que se foi eleito ou nomeado – dever que se coloca num plano lógico antecedente, distinto dos outros deveres do administrador (SOARES MACHADO, “Recusa de Assinatura do Relatório Anual das Sociedades Anónimas”, ROA n.º 54, pág. 948), ou, então, ao nível de outros deveres específicos (ILÍDIO DUARTE RODRIGUES, A Administração das Sociedades Por Quotas e Anónimas, Lisboa, Petrony, 1990, pág. 173).
Entre os outros deveres dos gerentes ou administradores se contam os deveres de cuidado, lealdade e diligência previstos no art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais.
Tal normativo foi alterado pelo Dec.-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, que lhe deu um conteúdo mais preciso, quanto ao conteúdo dos deveres dos gerentes e administradores.
Os «deveres de cuidado» têm implicado que o gerente ou administrador revele a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade e empregue nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado (alínea da citada disposição legal).
Os «deveres de lealdade» pressupõem uma actuação no interesse da sociedade e que atenda aos interesses de longo prazo dos sócios, bem como a ponderação dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores (alínea b) da mesma norma legal).
Os gerentes e administradores de uma sociedade têm, ainda, o «dever de relatar a gestão e apresentar contas» aos sócios (artigo 65º do CSC).
De qualquer forma, o sentido a extrair do citado normativo, em qualquer das versões, é o de que, na sua actuação, o gerente ou o administrador tem de agir com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores. Trata-se, em suma, «do interesse colectivo ou comum dos sócios, quer no interesse dos sócios como sócios, quer o resultado da solidariedade de quaisquer interesses individuais dos sócios» – RAUL VENTURA e BRITO CORREIA, “Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e dos Gerentes de Sociedades por Quotas, Suplemento aos BMJ n.ºs 192.º a 195.º, p. 101.     
Do artigo 64.º do CSC resulta que o mandato concedido aos gerentes ou administradores tem como fim primeiro a representação da sociedade (“no interesse da sociedade”) e como referência o interesse dos sócios e dos trabalhadores. Ou seja: o fim social e comum da sociedade. Não se trata dum dever para com os sócios ou trabalhadores, autonomizado, mas para com a sociedade como mandante.
Este dever de diligência deve ser apreciado em cada caso concreto e situa-se acima da exigência prevista para o bonus pater familiae, critério que tem a sua importância para averiguação da responsabilidade civil.
Desta forma o que está em causa neste artigo é o cumprimento do dever de actuar perante a sociedade e no seu interesse, com os reflexos (“tendo em conta”) que daí resultam para os sócios e os trabalhadores.
Entendemos, pois, que esta norma visa salvaguardar o bom funcionamento da sociedade e não defender os sócios contra actos ilegais que especificamente e de forma individualizada os atinjam. A relação nela contemplada não visa salvaguardar o interesse individual do sócio perante a sociedade, mas o dever do administrador para com a sociedade e a defesa do interesse social que a sua função determina.

1.6.- Para efectivar essa responsabilidade, existem vários tipos de acções sociais (ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, Sociedades Comerciais, 3.ª ed., pp. 169 e segs.):
- Acção sub-rogatória dos credores sociais: acção em que os credores se substituem à sociedade para exigirem dos administradores a indemnização que compete à sociedade (art.º 78.º n.º 2, do CSC);
- Acção social ut universi: proposta pela própria sociedade, sendo o procedimento natural para obter o ressarcimento dos danos causados à sociedade, verificados os pressupostos da responsabilidade civil dos administradores (art.º 75.º do CSC), depende de deliberação prévia dos sócios tomada por simples maioria em assembleia geral e tem de ser proposta no prazo de seis meses a contar da deliberação ou, no caso de acção de responsabilidade proposta por sociedade contra sócio, gerente, etc., por exercício ilícito, por conta própria ou alheia, de actividade concorrente com a da sociedade, no prazo de 90 dias contados do conhecimento pelos sócios da actividade exercida pelo sócio, gerente, etc., prevaricador (art.º 254º, n.ºs 5 e 6, do CSC[3]);
- Acção social ut singuli: acção subsidiária em que os sócios que representem, pelo menos, 5% do capital social, ou 2% no caso de sociedade emitente de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, pedem a condenação dos administradores na indemnização pelos prejuízos causados à sociedade e não directamente a eles próprios (art.º 77.º do CSC).
A acção social uti singuli é subsidiária da anterior, uma vez que só pode ser proposta nos termos do art.º 77.º n.º 1, parte final, do CSC, quando a acção não tenha sido proposta pela sociedade ou por a respectiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado correr o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a acção (artigo 75º, n.º 1, do CSC).
Como diz PEREIRA DE ALMEIDA, (ob. cit., p. 133), trata-se de uma acção social e não de uma acção pessoal, porque os sócios vão pedir a condenação dos gerentes ou administradores na indemnização dos prejuízos causados à sociedade e não directamente a eles próprios. É uma acção social, da iniciativa de algum ou alguns dos sócios, que aproveita directamente à sociedade e por via disso, indirectamente a todos os sócios e não apenas àqueles que a propuseram. Nesta acção e uma vez que é proposta no interesse da sociedade, a lei exige a intervenção desta na acção (art. 77.º, n.º 4 do CSC). Pois o sócio ou sócios que propõem a acção, fazem-no como meros substitutos processuais. Mas trata-se de uma substituição imprópria, em que se exige a presença simultânea do substituto processual e da parte substituída – Ac. do STJ, de 03.05.2000, na CJ-STJ, Tomo II, pág. 41.
É uma acção social da iniciativa de algum ou alguns dos sócios que aproveita directamente à sociedade e por via disso, indirectamente a todos os sócios e não apenas àqueles que a propuseram.
A lei concede aos sócios que reúnam as condições referidas no n.º 1 do art.º 77.º legitimidade para instaurarem a acção uti singuli, não só no interesse da sociedade, como no seu próprio interesse, na medida em que este ficaria indirectamente lesado por a sociedade não intentar a acção social ut universi.
A indemnização que por este meio seja obtida ingressará no património da sociedade, pois, como expressamente refere o art.º 77.º, n.º 1, a acção tem em vista a “reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido” (COUTINHO DE ABREU e ELIZABETE RAMOS, Responsabilidade Civil de Administradores e de Sócios Controladores, pág. 17).

O facto de a indemnização dever ser entregue à sociedade justifica-se apenas como modo de garantir por igual o interesse de todos os accionistas e de evitar uma multiplicação de acções ut singuli e a utilização destas como meio de antecipar a entrega de valores patrimoniais a que os accionistas só têm direito como quota de liquidação (RAUL VENTURA e BRITO CORREIA, estudo e suplemento citados, p. 429).
Na acção uti singuli, os sócios não actuam como representantes legais da sociedade: os sócios exercem em nome próprio um direito de outrem (da sociedade) para garantir o conteúdo do seu direito de participação social. Por isso, a lei exige a presença da sociedade na acção, através dos seus representantes legais, para que esta possa ser ouvida.

1.7.– Revertendo ao caso sub judice, logo se concluiu, pelo exame da petição inicial (sujeitos, pedido e causa de pedir) não estarmos confrontados com uma acção social uti singuli, proposta por um sócio contra um sócio e gerente da sociedade, como sustenta a Recorrente, mas com uma acção social uti universi proposta pela própria sociedade[4] contra um seu sócio e gerente.

1.8.– Assim, as disposições chave para a apreciação da primeira questão (necessidade de deliberação social e consequências da sua falta) objecto do presente recurso são os artigos 72º, 75º, 151º, 152º, n.º 1, 246º, n.º 1, alínea g), todos do CSC, e os artigos 576º, n.ºs 1 e 2, e 577º, n.º 1, alínea d), todos do CPC.

Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 75º, n.º 1 e 246º, n.º 1, alínea g), do CSC, a acção (uti universi) de responsabilidade proposta pela sociedade contra um seu sócio e gerente depende de deliberação, tomada por maioria simples, e deve ser proposta no prazo de seis meses a contar da referida deliberação.

Proposta acção de responsabilidade pela sociedade Autora/Recorrente contra um seu gerente (o 1º Réu), sem que a proposição da acção tivesse sido deliberada pelos sócios e não sendo a falta de deliberação dos sócios suprida, como o não foi na sequência do convite que lhe foi feito pela Senhora Juíza a quo, no âmbito dos seus poderes de gestão processual, verifica-se uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da instância, nos termos dos artigo 576º n.ºs 1 e 2 e 577º, n.º 1, alínea d) [falta de deliberação social], do CPC.
1.9 Acrescente-se, por fim, que consideramos que a petição inicial é inepta, por falta de indicação de causa de pedir contra a sociedade 2ª Ré, ineptidão que configura uma excepção dilatória, insuprível e de conhecimento oficioso, a implicar a nulidade de todo o processo relativamente a esta parte (Mendes Duarte – Despachante Oficial Sociedade Unipessoal, Lda.) e a respectiva absolvição da instância, nos termos dos artigos 186º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 576º, n.º 1 e 2 e 577º, n.º 1, alínea b), todos do CPC.

Improcedente, portanto, nesta parte a apelação (conclusões M, N e O).
2.–Da prescrição dos direitos da Autora/Recorrente (2ª questão):
2.1.- A prescrição tem como pressupostos essenciais a existência de uma obrigação e a sua exigibilidade. A prescrição é essencialmente motivada pela ideia de certeza ou segurança jurídica e de sanção da presumida negligência no exercício do direito, na linha do que outrora era designado por “dormientibus non sucurrit jus”.
Estão sujeitos a prescrição, além do mais, os direitos de crédito, inclusivamente os derivados de responsabilidade civil, que não sejam exercidos durante o período de tempo a que a lei se refere. Uma vez completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, de qualquer modo, ao seu cumprimento (artigo 304º do Código Civil). 
2.2.- Considera a Recorrente que, no caso em apreço, o prazo de prescrição é de 20 anos, nos termos previstos no artigo 309º do Código Civil para a responsabilidade contratual, ou, se assim não se entender, que é aplicável o prazo de cinco anos que decorre do art.º 174, n.º 2, do CSC, contando-se tal prazo a partir do termo da conduta dolosa, que se prolongou no tempo, sendo que pelo menos até 10 de Maio de 2010 “o Recorrido praticou actos que consubstanciaram claramente a violação do dever de não concorrência, contactando para o efeito os clientes da Recorrente e desviando-os para a nova sociedade por si constituída” (conclusões J, K e L)

2.3.- A este respeito refere a sentença recorrida:
De acordo com o disposto no artigo 254.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais, os direitos da sociedade à indemnização pelos prejuízos prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade.
À data da entrada da presente acção em juízo - 01.04.2015 - tinham já decorrido cinco anos da constituição da nova sociedade pelo, da renúncia à gerência da sociedade pelo aqui Réu AD e, quase se tinham completado cinco anos desde a deliberação da dissolução da sociedade. Contudo, para a verificação do prazo de cinco o que releva é o início dessa actividade, independentemente do conhecimento pelos sócios.
O conhecimento dos sócios releva apenas para o prazo de 90 dias. A aplicação do prazo de prescrição de cinco anos tem em conta o início da actividade concorrente, independentemente do conhecimento pelos sócios.
À data da entrada da presente acção – 31.03.2015, tinham já decorrido cinco anos da constituição da sociedade  M. Sociedade Unipessoal, Lda., de que o Réu AD é o único sócio e gerente, uma vez que a sociedade foi constituída 23.03.2010, terá que esta a data do início da actividade concorrente.
Assim à data da interposição da acção já se tinha completado o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 254.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais.
Termos em que concluímos pela extinção do direito invocado, o que constitui uma excepção peremptória, importando a absolvição total do pedido quanto ao Réu AD nos termos do disposto nos artigos 571.º n.º 2 in fine e 576.º n.º 3 do Código de Processo Civil.
Da demanda da sociedade Mendes Duarte, Despachantes Oficial – Sociedade Unipessoal, Lda.
A Autora além do sócio/gerente AD demanda de forma solidária a sociedade comercial Mendes Duarte, Despachantes Oficial – Sociedade Unipessoal, Lda..
Pese embora os factos concretos alegados respeitem ao Réu, o pedido de condenação em indemnização só poderá ter natureza delitual, atenta a inexistência de alegação de qualquer contrato celebrado com a Ré e de esta ser terceira, relativamente à Autora.
Assim sendo a apreciação do pedido quanto àquela Ré exige a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, que são o facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano – cfr. artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil.

Apreciando-se a responsabilidade da segunda Ré, como responsabilidade de natureza extracontratual, o direito à indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete – artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.

Independentemente da questão da legitimidade para a acção, vejamos em que data os sócios/liquidatários da Autora tiveram conhecimento da lesão, ou seja, quando tomaram conhecimento da prática pela sociedade Ré da actividade permitida aos despachantes oficiais.

A sociedade Mendes Duarte, Despachantes Oficial – Sociedade Unipessoal, Lda. foi constituída a 23.03.2010.

A Autora na petição inicial alega o seguinte nos artigos 26.º, a 29.º «os restantes sócios e os trabalhadores […] conhecimento efectivo da situação correu a 4 de maio de 2010, quando são impedidos de entrar nas instalações da DHL […]. Logo após o 1.º Réu ter abandonado a sociedade e iniciado funções para a 2.ª Ré, sem dar conhecimento aos restantes sócios nem à sociedade, ou seja, no início de Maio de 2010.

Após a saída do 1.º Réu das instalações da A. esta toma conhecimento de toda a deslealdade cometida contra a sociedade, nomeadamente:
a)- renúncia à gerência em Fevereiro de 2010 mas com efeitos em Abril de 2010;
b)- constituição de uma sociedade concorrente directa da A.;
c)- Manutenção ao serviço da A. até ao final do mês de Abril de 2010, com recebimento de vencimento e restantes regalias:
d)- contacto com todos os clientes da A. no final do mês de Abril de 2010 com envio de e-mail e correspondência para todos os clientes, dando a entender que a empresa se transferira para outro local, mas que o serviço e equipa se manteria.»
Atendendo ao alegado pela própria Autora o conhecimento dos factos que a mesma considera lesivos ocorreu, pelo menos, em Maio de 2010, pelo que à data da entrada da acção em juízo tinham já decorrido mais de três anos desde o conhecimento dos factos elencados pela Autora no artigo 29.º da petição inicial, ou seja, a constituição da sociedade e o desvio dos clientes, pelo que será a partir desta data que se deverá contar o prazo de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.
A acção entrou em juízo a 31.03.2015 quando já se encontrava esgotado o prazo de prescrição previsto no artigo 498.º, do Código Civil, quanto à demanda da sociedade comercial - Mendes Duarte, Despachantes Oficial – Sociedade Unipessoal, Lda.
Termos em que concluímos pela extinção do direito invocado, o que constitui uma excepção peremptória, importando a absolvição total do pedido quanto à sociedade M-Sociedade Unipessoal, lda nos termos do disposto nos artigos 571.º n.º 2 in fine e 576.º n.º 3 do Código de Processo Civil.” (fim de citação).

2.4.- No caso posto à nossa apreciação, está em causa decidir qual o prazo prescricional aplicável ao caso, se o do artigo 309º do CC se o do art.º 174º do CSC.
2.5.- Para a Recorrente a responsabilidade dos Réus decorre do disposto no artigo 483º do CC, que trata da responsabilidade civil extracontratual, e por isso é-lhe aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309º do mencionado diploma legal, ou, caso assim não se entenda, o disposto no artigo 174º do CSC, que estabelece um prazo de prescrição de cinco anos, contados a partir do termo da conduta dolosa do sócio e gerente (n.º 1-b).
2.6.- No que concerne ao 1º Réu, por existir norma especial prevista no CSC, que obviamente afasta a regra geral do artigo 309º do CC - ou mesmo a norma do artigo 498º do CC, aplicável à responsabilidade civil extracontratual - é apodíctico que é nesta norma especial que o caso sub judice tem de ser enquadrado.

Vejamos.
De acordo com o art.º 174º, n.º 1, alínea b), do CSC “os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, administradores e directores, os membros do conselho fiscal, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos:
a)- O início da mora, quanto à obrigação de entrada de capital ou de prestações suplementares;
b)- O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade;
c)- A data em que a transmissão de quotas ou acções se torne eficaz para com a sociedade quanto à responsabilidade dos transmitentes;
d)- O vencimento de qualquer outra obrigação;
e)- A prática do acto em relação aos actos praticados em nome de sociedade irregular por falta de forma ou de registo”.

E o n.º 2 do citado preceito refere que prescrevem “no prazo de cinco anos, a partir do momento referido na alínea b) do número anterior, os direitos dos sócios e de terceiros, por responsabilidade para com eles de fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82º e 83º”.

Por sua vez, o artigo 254º do CSC, sob a epígrafe «Proibição de Concorrência», dispõe, no que aqui releva:
“1.– Os gerentes não podem, sem consentimento dos sócios, exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade.
2.– Entende-se como concorrente com a da sociedade qualquer actividade abrangida no objecto social desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios.
(…)
5.– A infracção do disposto no n.º 1, além de constituir justa causa de destituição, obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra.
6.– Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contado do início dessa actividade.”.

Ora, estando em causa, como se viu, uma acção de responsabilidade proposta pela sociedade Autora/Recorrente contra um seu gerente, com fundamento no exercício, por conta alheira, de actividade concorrente com a da sociedade Autora/Recorrente, a disposição chave a atender para a decisão desta questão da prescrição é precisamente a do artigo 254º do CSC citado.[5]

→Bem andou, pois, o Tribunal a quo em subsumir a situação em apreço à referida disposição legal e assim considerar que o prazo de prescrição do direito da Autora propor a acção contra o 1º Réu/Recorrido AD(gerente) era de cinco anos e que esse prazo já se esgotara aquando da interposição da presente acção, em 31/03/2015.

Com efeito, no caso, para o início da contagem do prazo de prescrição o que releva é a data do início da actividade concorrente, independentemente do conhecimento que dela tenham os sócios (n.º 6 do artigo 254º do CSC). Em caso de conhecimento, pelos sócios, do exercício de actividade concorrente pelo gerente, etc. prevaricador, estabelece-se um prazo prescricional de 90 dias, que só é atendível, ainda assim, se a actividade concorrente não se tiver iniciado há mais de cinco anos, hipótese em que a prescrição tem sempre lugar.

2.7.- No que diz respeito à 2ª Ré – a sociedade “Mendes Duarte, Despachante Oficial – Sociedade Unipessoal, Lda.”, solidariamente demandada com o 1º Réu, embora, como já se referiu, sem suporte factual, sendo manifesta a ausência de causa de pedir, logo a nulidade do processo nesta parte, por ineptidão da petição inicial, sempre seria de considerar, como considerou a 1ª Instância, que o direito da Autora a demandar também estaria prescrito.

Na verdade, assentando a eventual responsabilidade que pudesse ser assacada à 2ª Ré em responsabilidade civil extracontratual, sempre se teria de considerar que o correspectivo direito à indemnização prescrevia no prazo de três anos a contar da data em que o lesado (a Autora/Recorrente) teve conhecimento do direito que lhe compete – artigo 498º, n.º 1, do CC.

Como bem se refere na sentença recorrida, independentemente da legitimidade passiva da 2ª Ré para a acção, tem de se considerar, face ao alegado pela própria Autora na petição inicial, que os sócios/liquidatários tomaram conhecimento em Maio de 2010 da prática, pela demandada, de actividade concorrente com a sua – actividade permitida aos Despachantes Oficiais e que, por isso mesmo, à data da propositura da presente acção (31/03/2015) já havia prescrito o suposto direito de crédito da Autora/Recorrente.

A regra geral vai no sentido de que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (artigo 306º, nº 1, do CC).

No que concerne ao direito de crédito indemnizatório, o respectivo prazo de três anos conta-se, então, desde a data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe competia, ainda que com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso (artigo 498º, n.º 1, do CC). Assim, o início da prescrição reporta-se não ao momento da afectação do direito, mas àquele em que o direito possa ser exercido, o que se harmoniza com o princípio de que a prescrição se funda na inércia do titular do direito.

Logo que o lesado tenha conhecimento do direito à indemnização, começa a contar-se o prazo de três anos, não sendo necessário que o lesado tenha conhecimento da extensão integral do dano[6], pois pode pedir a sua fixação para momento posterior.

O que é necessário, para começo da contagem do prazo, é que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete[7].

Segundo anota Abílio Neto, o início da contagem do prazo especial de prescrição de três anos, não se encontra dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, que saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e dessa prática ou omissão resultaram para si danos. Para este autor, a independência do início da contagem do prazo de prescrição do conhecimento da extensão integral dos danos (art.º 498.º-1) não suscita especiais dificuldades, face ao estabelecido nos artigos 564.º, n.º 2, 565.º e 569.º, todos do Código Civil[8].

2.8.- Em conclusão: não merece censura a decisão recorrida que, em consequência, deverá ser mantida, improcedendo na totalidade a apelação.

IV–DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
*
Custas pela Autora/Recorrente (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Registe e notifique.
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Lisboa, 15 de Fevereiro de 2018



Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho          
Maria Manuela Gomes



[1]Cf., entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/09/2007 (proc. n.º 07B2113) e de 08/11/2007 (proc. n.º 07B3586), consultáveis em www.dgsi.pt.
[2]Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno (BUENO, 2009, p. 366) são “as condições mínimas para que alguém possa provocar a função jurisdicional.”
[3]Sublinhado e aditamento da nossa responsabilidade.
[4]Irregularmente representada, diga-se, pois a procuração forense junta aos autos apenas foi outorgada por um dos sócios liquidatários, quando deveria ter sido por três (o 1º Réu, também sócio/liquidatário, naturalmente está impedido de praticar o acto, por ser parte interessada).
[5]Os prazos de prescrição a que se refere o artigo 174º do CSC respeitam aos direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores (…) etc., emergentes de outros ilícitos que não o exercício de actividade concorrente com a da sociedade, pois para o exercício destes direitos estabeleceu-se um prazo especial de prescrição no n.º 6 do artigo 254º do CSC.
[6]Cf. Vaz Serra, na Rev. de Leg. e de Jur., anos 95.º, pág. 308; 96.º, págs. 183 e 215, e 97.º, pág. 231.
[7]Anotação de Vaz Serra, na Rev. de Leg. e de Jur., ano 107.º, págs. 296 e segs.
[8]Abílio Neto, Código Civil Anotado, 15.ª edição, Abril/2006, pág. 517.