Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
715/01.6PTFUN.L3-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: PRESCRIÇÃO DAS PENAS
CONTUMÁCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECLARADA EXTINTA A PENA
Sumário: – Partindo da compreensão da suspensão da execução como verdadeira pena de substituição, só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.

– As penas de substituição, como verdadeiras penas que são, encontram-se sujeitas a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo tal prazo também o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal.

– A declaração de contumácia referida no artigo 125.º, n.º1, alínea b) e no artigo 126.º, n.º1, alínea b), do Código Penal, refere-se à contumácia antes prevista no artigo 476.º do C.P.P. e, presentemente, prevista no artigo 138.º, n.º4, alínea x), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro.

– Quer isto dizer que a contumácia, como causa de suspensão e de interrupção da prescrição da pena, reporta-se apenas à pena de prisão e à medida de internamento, não sendo aplicável, como é evidente, à prescrição de pena de substituição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


1.– No processo sumário n.º 715/01.6PTFUN, R. , melhor identificado nos autos, foi condenado, por sentença de 21 de Setembro de 2001, transitada em julgado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de sessenta dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos (cfr. fls. 15 a 17).

Em 30/03/2005, foi proferido despacho de revogação da suspensão da execução da pena (cfr. fls. 134).

Após diversas vicissitudes processuais que mais adiante examinaremos, o condenado, em 28 de Setembro de 2017, requereu ao tribunal a revogação do despacho de fls. 134 e que se declarasse nulo “todo o processado posterior à falta de audiência do condenado”.

Sobre esse requerimento recaiu despacho com o seguinte teor:
«1- Quanto à arguida nulidade de falta de audiência do arguido:
O condenado tem de ser presencialmente ouvido em todos os casos em que possa estar em causa a revogação da suspensão da execução da pena. A falta de audição do arguido integra a nulidade a que alude a al. c) do n.º 1 do art. 119.º do CPP, de conhecimento oficioso.

Aliás nos termos do disposto no art. 495.º do CPP,
"O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente".

Face à alteração introduzida ao n.º2 do art° 495.º do CPP, pela Lei n.º48/2007, de 28/8, passou, no tocante à revogação da suspensão da execução da pena, a impor-se a audição presencial do arguido, quanto á falta de cumprimento das condições de suspensão.
Assim, optou-se por, tendencialmente, se defender que, com a mencionada alteração legislativa, para além do direito ao contraditório já anteriormente garantido pelo art° 495.º, n.º2 do CPP, passou a consagrar-se o direito à audiência pessoal e presencial do arguido, podendo integrar a preterição de audição pessoal e presencial do arguido, a nulidade insanável prevista na al.c) do art° 119° do CPP.
Nesse mesmo sentido se pronunciaram, designadamente: - Ac. TRC de 1/7/2009, in CJ/2009, Tomo III, pág. 47 - I. Com a revisão do CPP, passou a ser presencial a audição do arguido quanto á falta de cumprimento das condições de suspensão de execução da pena. II. Ainda que o arguido tenha sido notificado para se pronunciar quanto ao incumprimento das condições da suspensão em causa, foi preterido o seu direito á audiência presencial, o que constitui nulidade insanável que deve ser oficiosamente declarada.- Ac. do TRG de 8/6/2009, in CJ/2009, Tomo III, pág. 311 - A audição do arguido é obrigatória e tem de ser presencial, sob pena de nulidade, para se proferir o despacho a revogar a suspensão da execução da pena. Igualmente, em idêntico sentido: Ac. TRC de 5-11-2008 e Ac. TRC de 3-12-2008.
Antes de decidir da revogação da suspensão da execução da pena, o tribunal deve proceder a diligências com vista a averiguar das razões ou motivos que conduziram o condenado a delinquir novamente, o que o mesmo é dizer se se mostra definitivamente infirmado o juízo de prognose que esteve na base da suspensão da pena.
Aliás, com excepção do disposto no seu n.º 2, o art. 495.º não impõe a lei ao julgador a observância de quaisquer procedimentos prévios ao processo de decisão sobre a eventual revogação da suspensão da pena, o que dá liberdade ao tribunal para proceder à recolha dos elementos que repute necessários e indispensáveis para a decisão do caso concreto.
Por isso, cabe ao tribunal, caso a caso, proceder às diligências que se lhe afigurarem indispensáveis para apurar se se justifica a revogação.
Por isso, impõe-se um esforço de indagação a efectuar através do cotejo entre a sentença que aplicou a pena de suspensão e a que proferiu a condenação pelo crime, mormente tendo em atenção o quadro factual nelas fixado, a natureza dos crimes em presença, a imagem global do facto, as circunstâncias envolventes do novo crime e o impacto do mesmo nas finalidades que estavam na base da suspensão.
Bem como se impõe a realização de outras diligências, se de tal cotejo não decorrerem elementos suficientemente eloquentes para fundamentar a decisão.
Nos casos de impossibilidade de localização do arguido, e uma vez esgotadas as diligências adequadas e possíveis a obter a comparência perante o juiz, pode o contraditório ser assegurado na expressão mínima de audição através do defensor. (Ac. TRE de 12-07-2012.)
Ou seja, ressalvam-se os casos em que o condenado se esquiva ao contacto ou não comparece após notificação.
Foi este o caso dos autos, na impossibilidade de fazer comparecer o arguido este foi representado por defensor a quem foi dada oportunidade de o defender e proferido o competente despacho. Improcede assim a arguida nulidade.
2.- Este despacho de revogação, não foi ainda notificado ao arguido pessoalmente conforme determinado no acórdão de fls. 545 e segs. pelo que se aguarda tal notificação.
Notifique.»

2.– O condenado interpôs recurso em que formulou as seguintes conclusões (transcrição):
a)- Conforme foi atrás referido, a sentença que condenou o arguido pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. nos termos do disposto no artigo 3.°, n.º 2, do Decreto-Lei n° 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 60 dias de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 2 anos, transitou em julgado em 08/10/2001.
b)- Mostram-se decorridos mais de 17 anos sobre o trânsito em julgado da dita sentença.
c)- Acontece que, durante o período de suspensão da execução da pena, o arguido cometeu 2 crimes.
d)- Por essa razão, por despacho de fls. foi revogada a suspensão da pena, tendo sido determinado o cumprimento da pena de prisão que lhe foi imposta, sendo que o referido despacho de revogação foi proferido sem audiência pessoal e presencial do Arguido, que ao não ter sido notificado pessoalmente para o efeito, não teve a possibilidade de poder exercer livremente o seu direito ao contraditório.
e)- O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 495.°, n.º 2 do Código do Processo Penal, ex vi artigo 498.°, n.º 3, do mesmo diploma legal, por incorreta e imprecisa aplicação.
f)- A falta de audição do arguido implica a impossibilidade do mesmo poder exercer o seu elementar direito de defesa, com consagração constitucional (artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa), sendo certo que se nos afigura que não foram apuradas em concreto as suas condições sociais, familiares e económicas.
g)- No processo em apreço, com o devido respeito que muito é, verifica-se que não foi efetivamente assegurado o princípio do contraditório e ao arguido não foi dada qualquer possibilidade de produzir prova em sentido contrário ao alegado no despacho que revogou a suspensão da pena, sendo certo que nem sequer foi elaborado e tido em conta na decisão sub judice o relatório social do arguido.
h)- Ora, em face do descrito nos pontos 1 e 2 destas alegações de recurso, estamos perante factos ocorridos há cerca de 17 anos atrás, sendo certo que nos autos não existe um esclarecimento preciso sobre as circunstâncias concretas da prática dos crimes, nomeadamente, no que ser refere especialmente ao consumo pelo arguido de estupefacientes e à sua dependência, pelo que será difícil dosear e determinar uma pena concreta.
i)- Há que não descurar que assiste ao Arguido o direito de exigir que o despacho que determina a sua condenação - em especial a privação da sua liberdade - seja criteriosamente fundamentado e se sustente em factos que permitam, só por si, valorar as reais circunstâncias sociais e pessoais da sua vida que o levaram a ter um comportamento desviante, bem como o grau de ilicitude e a intensidade do dolo.
j)- Ora, com o devido respeito que muito é, o despacho em apreço ao descurar o direito de audiência pessoal e presencial do arguido, quanto à falta de cumprimento das condições da suspensão, acarreta a nulidade insanável prevista na alínea c), do artigo 119.º do Código do Processo Penal.
k)- Por outro lado, ainda sem condescender com o que atrás ficou dito, acresce que conforme jurisprudência unânime nesta matéria, o cometimento de crimes no período da suspensão da pena de prisão não implica desde logo a revogação automática da referida suspensão, sendo essencial, para a revogação da suspensão da execução da pena, que se verifique que o juízo de prognose favorável que esteve na origem da suspensão, se venha a revelar, afinal, sem fundamento.
l)- Assim sendo, uma coisa é certa: uma vez que a revogação da suspensão da pena não decorre automaticamente do conhecimento da prática de crimes no decurso do período de suspensão, é preciso o Digníssimo Tribunal analisar as condenações do arguido e a situação social e atual do arguido, para aferir se estas revelam que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
m)- Contudo, sobre esta matéria torna-se imperioso desde logo verificar que as condenações referidas foram pela prática de crimes diferentes e de outra natureza àquele pelo qual o arguido foi condenado nos presentes autos, razão pela qual entende a defesa que, no caso em apreço, não deveria haver lugar à revogação automática da suspensão da pena aplicada ao arguido nestes autos e determinado o imediato cumprimento da pena de prisão que lhe foi imposta.
n)- Ou seja, afigura-se-nos que nos casos em que se coloque a possibilidade de revogação da pena de substituição a Lei impõe a convocação do arguido a juízo para ser ouvido, bem como que certos elementos centrais de prova respeitantes a essa matéria se adquiram nos autos na sua presença (cfr. artigo 495.º/2 do Código do Processo Penal, ex vi artigo 498.º/3 do Código do Processo Penal).
o)- Contudo, no essencial e tomando precedência sobre as demais questões, entende a defesa que o artigo 495.º, n.º 2 do Código do Processo Penal (ex vi artigo 498.º/3 do mesmo diploma) impõe a presença do arguido na audiência e, se à mesma o condenado não comparece, impõe-se que o tribunal assegure a sua presença, sob pena de incorrer na apontada nulidade.
p)- No sentido de que o arguido deve ser sempre ouvido presencialmente, vejam-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.12.2008, Processo n° 70/97.7IDSTRC1, relatado pelo Senhor Desembargador Brízida Martins, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 30.06.2010, Processo n° 3506/02.3TDLSB.L 1-3, relatado pela Senhora Desembargadora Maria José Costa Pinto, todos in www.dgsi.pt.
q)- Termos em que deve ser levada em consideração a presente motivação e em consequência ser considerado nulo e/ou anulado o despacho proferido e agora posto em crise, determinando-se em consequência que o Tribunal a quo proceda à convocação do arguido para a audiência a que alude o artigo 495.º do Código do Processo Penal, com todas as legais e devidas consequências.
NESTES TERMOS,
Nos melhores de direito e com o sempre Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, deverão ser recebidas e apreciadas as presentes motivações e cumpridos os demais termos do recurso interposto, devendo o mesmo ser considerado procedente e provado, e, em consequência ser declarado nulo ou, em alternativa, ser anulado ou revogado o despacho recorrido, com as demais consequências legais.

3.– O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, sustentando a improcedência do recurso, concluindo (transcrição):
- O recorrente, após ter sido condenado numa pena de prisão de 60 dias, suspensa, na sua execução, pelo período de dois anos, praticou, durante o período da suspensão, dois crimes de furto qualificado.
- Foi, por esse motivo, convocado para comparecer no Tribunal a fim de se proceder à audição e ser ponderada eventual revogação da pena suspensa.
- No entanto, tal não foi possível porque o recorrente se ausentou da morada indicada no Termo de Identidade e Residência, sem informar o Tribunal.
- Ainda assim, o Tribunal conseguiu apurar que o recorrente estava em tratamento de desintoxicação numa Comunidade Terapêutica e procurou inteirar-se do seu estado e eficácia do tratamento.
- Ficou, então, a saber que o recorrente tinha interrompido o tratamento, sem concluir o projecto que visava a sua ressocialização.
- Apesar disso, o Tribunal ainda tentou contactar o recorrente, através do número de telemóvel por este indicado e constante no Termo de Identidade e Residência, sem que tivesse conseguido.

- Assim, perante todos os elementos dos autos que evidenciavam que as finalidades da suspensão não haviam sido alcançadas e que o recorrente não estava minimamente empenhado na sua reintegração social, manifestado absoluta indiferença pela condenação que havia sofrido e total desinteresse pelo andamento do processo e em adequar o seu comportamento às normas jurídicas vigentes,
- não restou ao Tribunal senão decidir pela revogação da suspensão e efectivo cumprimento da pena de prisão de 60 dias,
- mesmo na falta de audição do arguido, e que, apenas não se concretizou, não obstante terem sido realizadas todas as diligências possíveis para garantir a sua presença,
- por o recorrente se ter ausentado da morada indicada no Termo de Identidade e Residência, para local desconhecido, sem comunicar o Tribunal.

- Questão, aliás, que já foi decidida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, quando o recorrente, tal como invoca neste recurso, suscitou a nulidade do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, por falta da sua audição prévia.
- A dita nulidade insanável, que o recorrente ressuscita no actual recurso, foi considerada, por esse Tribunal, improcedente, por ter sido o próprio a inviabilizar a sua audição.
- O despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão não enferma de nulidade, ou de qualquer outro vício e, ao contrário do que alega o recorrente, não decorreu de efeito automático da prática de dois ilícitos penais durante o período da suspensão.

- O Tribunal a quo dispunha de vários elementos que, conjugados entre si, revelaram que a mera ameaça do cumprimento da pena de prisão tinha sido insuficiente para manter o recorrente afastado da criminalidade e ineficaz à sua recuperação social,
- pelo que não poderia ter sido outra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que foi a adequada, justa e correcta e, por isso, não merece qualquer reparo.

- Estranha-se, de todo o modo, que o recorrente discorde de um despacho de que não se considera notificado.
- O Recorrente suscita uma nulidade que já foi considerada improcedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão proferido a 26 de Maio de 2011,
- e impugna uma decisão judicial de que não se considera notificado,
- pelo que, para além de todo o exposto, é manifesta a improcedência do recurso.

4.– Subiram os autos a esta Relação, tendo o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto proferido parecer em que, louvando-se na posição do Ministério Público junto da primeira instância, pugna no sentido de que o recurso não merece provimento.

5.– Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

II–Fundamentação.

1.– Impugna o recorrente o despacho acima transcrito, que recaiu sobre requerimento em que pediu a revogação do despacho de fls. 134 e que se declarasse nulo “todo o processado posterior à falta de audiência do condenado”.

Definido pelo recorrente, nas conclusões, o objecto do recurso, é desde logo questionável que o recurso incida sobre o dito despacho, pois mais parece remeter para o de revogação da suspensão da execução da pena, datado de 30/03/2005.

Como veremos mais adiante, está definido nos autos que tal despacho está por notificar ao condenado – não se trata de o ora recorrente “não se considerar notificado”, como alega o Ministério Público na resposta ao recurso -, pelo que também poderá ser questionável saber se o recurso, revertendo para o despacho de revogação da suspensão, não será extemporâneo.

Ocorre que o mesmo condenado deduziu dois recursos anteriores, já apreciados nesta Relação de Lisboa, pese embora a falta da referida notificação, pelo que entendemos não ser de suscitar tal questão.

Acresce que num processo que, salvo melhor opinião, tem seguido um percurso confuso e tortuoso, impõe-se o conhecimento de uma questão de conhecimento oficioso que, a nosso ver, finalmente, assim se espera, colocará ordem no processo.

2.–Das incidências do processo.

O recorrente R. foi condenado, por sentença de 21 de Setembro de 2001, transitada em julgado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de sessenta dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos (cfr. fls. 15 a 17).

Por despacho de 30/03/2005, foi decidido revogar a suspensão da execução da pena (cfr. fls. 134).

O tribunal, em 26/04/2005, considerou o condenado notificado por via postal simples do despacho que revogou a suspensão da execução da pena (cfr. fls. 139) e, na sequência, foram emitidos mandados de detenção para cumprimento da pena principal de 60 dias de prisão.

No dia 31/11/2006, o tribunal determinou a notificação edital do condenado, nos termos do artigo 335.º, do C.P.P., fixando em 15 dias o prazo para apresentação, desde logo declarando que, caso o condenado não se apresentasse em juízo, “nos termos do disposto nos arts. 335.º e 337.º e 254.º e 476.º do CPP, na sequência do despacho de fls. 134 declaro o/a arguido/a R. contumaz (…)”(cfr. fls. 172).

Porém, em 2/11/2010, foi proferido despacho a determinar a expedição de carta rogatória para a Venezuela em ordem à notificação pessoal do condenado do despacho que revogou a suspensão da execução da pena (cfr. fls. 300).

Ora, se o tribunal estava seguro de que o condenado tinha sido notificado do despacho de revogação da suspensão e do trânsito em julgado desse despacho – pois só nesse pressuposto se entende a emissão de mandados de detenção contra o condenado em ordem ao cumprimento da pena, e bem assim a declaração de contumácia -, não se percebe a razão de, a dada altura, passar a entender ser necessário proceder à notificação do dito despacho por meio de carta rogatória.

Em 5/01/2011, foi junta aos autos declaração do condenado, de onde consta ter este tomado conhecimento do despacho que lhe revogou a suspensão da execução da pena e considerar-se notificado do mesmo (cfr. fls. 308).

Em 26/01/2011, foi indeferido requerimento do condenado no sentido de ser declarada a cessação da contumácia, invocando o tribunal que “a contumácia só será levantada quando o arguido for detido” (cfr. fls. 313).

Em 21/02/2011, o condenado interpôs recurso do despacho de revogação da suspensão da execução da pena e do despacho que indeferiu “o levantamento da contumácia”, invocando, além do mais, a prescrição da pena (fls. 318 e segs.).

Em 1/03/2011 foi proferido despacho que, invocando a revogação do artigo 476.º do C.P.P., operada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, declarou cessada a contumácia. O mesmo despacho refere que, “apesar de o arguido se ter já considerado notificado”, “de acordo com a jurisprudência maioritária, o despacho de fls. 134” [que revogou a suspensão da execução da pena] “tem que ser notificado pessoalmente ao arguido, daí que tenha sido ordenada a emissão de competente carta rogatória para a sua notificação (…)” (cfr. fls. 335).

Trata-se de um despacho contraditório nos seus termos, pois diz-se, por um lado, que a decisão de revogação da suspensão transitou e, por outro, que tinha ainda de ser notificada ao condenado.
Ou seja: independentemente de se afirmar que o despacho de revogação tinha transitado e que tinha sido junta declaração em que o condenado se deu como notificado desse despacho, o tribunal manteve o entendimento de que aquele tinha de ser notificado pessoalmente por carta rogatória.

O recurso interposto em 21/02/2011 foi admitido por despacho de 24/03/2011 e julgado por acórdão da Relação de Lisboa, datado de 26/05/2011, onde se diz, expressamente, que “ o arguido ainda não foi notificado da decisão revogatória” e que “a decisão judicial que determinou a execução da pena de prisão, na sequência da revogação da suspensão da pena, ainda não transitou em julgado” (cfr. fls. 367 e segs.).

Lê-se no dito acórdão:
«No entanto, como o arguido ainda não foi notificado da decisão revogatória, considera-se que a pena ainda se encontra a ser executada e, como tal o prazo prescricional encontra-se interrompido, com efeito, a suspensão da execução da pena é uma pena de substituição, autónoma, pelo que só com a decisão que revogue a pena substitutiva e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.

Assim, para efeitos da definição do prazo de prescrição da pena principal substituída por pena de substituição, há-de entender-se que a decisão que aplicou a pena (cfr. art. 122.º,n.º 2, do Código Penal) é a decisão judicial que determine a execução da pena principal, na sequência da revogação da pena de substituição aplicada, e não a sentença condenatória neste sentido Ac. Relação Lisboa de 07-05-2009, Proc. 1104512008-9, Rel. Maria Luz Batista in www.dgsi.pt.

Nos presentes autos como a decisão judicial que determinou a execução da pena de prisão, na sequência da revogação da suspensão da pena, ainda não transitou em julgado, por ser precisamente o despacho recorrido, o prazo de prescrição nem sequer se iniciou.»

Este acórdão transitou em julgado.

Incompreensivelmente, sem que se tivesse verificado, entretanto, a notificação que o acórdão da Relação disse não ter sido efectuada, o tribunal, por despacho de 19/09/2011, determinou a emissão de mandados de detenção do condenado para cumprimento da pena (cfr. fls. 387).

E mandados foram emitidos, apesar de haver acórdão da Relação a dizer que o despacho revogatório estava por notificar ao condenado, pelo que não tinha transitado em julgado.

Prosseguindo nos equívocos, em 29/10/2014 foi proferido despacho determinando o envio de elementos ao T.E.P. para que este declarasse a contumácia do condenado, ao abrigo do disposto no artigo 138.º, n.º4, x), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Na sequência, o T.E.P. de Lisboa, em 27/11/2014, declarou o condenado contumaz (fls. 473).

Quanto à carta rogatória para notificação do condenado, ordenada por despacho de 2/11/2010, não se vislumbra que, a essa data, quatro anos decorridos, tivesse sido expedida.

Em 30/06/2016, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
«O arguido não foi pessoalmente notificado do douto despacho de fls. 134, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão e ordenou o seu cumprimento efectivo.

Nessa medida, e por se nos afigurar ser a forma mais expedita para regularizar a ausência de notificação pessoal desse douto despacho, promovo se solicite via e-mail, a notificação pessoal do arguido através do Consulado de Portugal na Venezuela.

Mais p. se solicite a devolução sem cumprimento dos mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão.

Face à ausência da sobredita notificação, o prazo de prescrição da pena ainda não se iniciou e, por conseguinte, a mesma não poderá ser declarada extinta, por prescrição.

Nessa medida, p. se indefira o requerido a fls. 193 e 194 dos autos.
Mais p. se informe o TEP em conformidade com o supra promovido, por se nos afigurar que deverá ser declarada cessada a contumácia do arguido, em virtude de ter sido preterida a notificação pessoal do arguido do teor do douto despacho de fls. 134 dos autos, impondo-se agora suprir a omissão dessa formalidade. Diga-se que, embora tivesse sido ordenada, em devido tempo, a expedição de carta rogatória para o efeito, o certo é que os autos não documentam -sequer- essa remessa, o que constatei nesta data.»

Quer isto dizer que só em 30/06/2016 se deu conta nos autos de que o condenado estava por notificar do despacho de revogação da suspensão – segundo o que tinha sido afirmado no acórdão da Relação de 26/05/2011.

Em 7/07/2016, a Mm.ª Juíza despachou assim:
«O arguido foi condenado nestes autos numa pena de prisão cup execução ficou suspensa conforme fls.15.

Por despacho de fls. 134 a suspensão da pena foi revogada.

O arguido prestou TIR a f1s.3 e, consequentemente, desse despacho foi notificado para a morada do TIR a fls. 135. Uma vez que a carta veio devolvida sem qualquer menção especial, por despacho de fls. 139 e no seguimento de Douta Promoção nesse sentido, foi o arguido considerado devidamente notificado desse despacho, e ordenada a passagem de mandados de detenção.

A digna Magistrada do MP pede a devolução dos mandados de detenção por o arguido não ter sido pessoalmente notificado do despacho que revogou a suspensão da execução da pena.

Salvo o devido respeito, não concordamos com esta posição.

Nos termos do Ac. STJ de 15.4.2010, para fixação de jurisprudência:
"A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de contacto pessoal corno a via postal registada por meio de carta ou aviso registados' (16) ou, mesmo, a via «postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º n.º 1, alíneas a), b) c c) c d), do CPP)"

Ou ainda Ac. STJ de 14.7.2014, que refere:
“ O requerente entende que não transitou cm julgado o despacho que revogou a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordenou o cumprimento da puna de prisão determinada na sentença, por o mesmo não lhe ter sido pessoalmente notificado.

A este respeito, mostra-se pertinente recordar o AFJ n.º 6/10, no qual o STJ fixou a seguinte jurisprudência: “a notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de contacto pessoal como a via postal registada, por meio de carta ou aviso registados ou, mesmo, a via postal simples, por meio de carta ou aviso”.

Esta solução veio a ter expressão legal na redacção dada pela Lei 20/2013, de 21-02, aos arts. 214.º, n.º 1, al. e), e 196.º, n.º3, al. e) do CPP, onde se determina que o TIR, ao contrário de todas as outras medidas ele coacção, só se extingue com a extinção da pena."

Deverão assim manter-se os mandados de detenção para cumprimento.

Por outro lado a fls. 335 já foi declarada cessada a contumácia, pelo que nada a ordenar a este respeito.

Quanto à prescrição abra vista.»
           
O tribunal, que a partir de determinado momento passou a considerar necessária a notificação do despacho revogatório por contacto pessoal, para o que determinou a emissão de carta rogatória, fez marcha atrás e voltou a entender que o condenado tinha sido devidamente notificado, invocando, a esse propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2010, de fixação de jurisprudência.

Esqueceu-se, entretanto, que esse acórdão foi publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 99, de 21 de Maio de 2010, e que, posteriormente, em 26/05/2011, a Relação havia decidido que o despacho revogatório de fls. 134 não tinha sido notificado ao condenado.

O acórdão da Relação transitou em julgado e não podia ser ignorado, independentemente de o tribunal de 1.ª instância dele poder discordar, tendo em vista a jurisprudência uniformizada.

Acresce que, relativamente à contumácia, o despacho refere que “a fls. 335 já foi declarada cessada a contumácia, pelo que nada a ordenar a este respeito”, esquecendo que, posteriormente, a contumácia tinha sido novamente decretada.

Em 9/09/2016, pronunciando-se sobre a questão da prescrição, disse o tribunal de 1.ª instância:
«O prazo de prescrição da pena de prisão, suspensa na sua execução, a que o arguido foi condenado nestes autos iniciou-se com o trânsito em julgado da douta sentença condenatória, no dia 21 de Setembro de 2001.

Tratando-se de condenação em pena de prisão inferior a 2 anos, o prazo prescricional da pena é de 4 anos. (cfr. art. 122.º, n.º1, al. d) do Cód. Penal).

Todavia, a fase de execução da pena mantém-se até ao termo do período de suspensão da mesma.

Com a sua revogação foi interrompido o prazo de prescrição, como decorre do art. 126.º, n.º1, al. a) do Cód. Penal. Com a interrupção passou a correr o novo prazo de prescrição, nos termos do n.º 2 do art. 126.º do Cód. Penal.

O arguido foi declarado contumaz por despacho datado de 30 de Novembro de 2006 (cfr. fls. 172) e, nessa data operou uma causa relevante de suspensão da prescrição da pena (cfr. art. 126°, n.º, al. b) do CPenal). O arguido considerou-se notificado do douto despacho de revogação da pena no dia 05 de Janeiro de 2011.

Foi declarada cessada a contumácia do arguido por douto despacho datado de 01.03.2011 (cfr. fls. 335).

O arguido foi novamente declarado contumaz por decisão do TEP de Lisboa datada de 27.11.2014 (cfr. fls. 196). Nessa data, operou nova causa relevante de suspensão e interrupção da prescrição da pena (cfr. arts. 125°, al. b) e 126°, n.º, al. b), ambos do C. Penal).

Verificados os prazos e as disposições legais, consideramos que a pena a que o arguido foi condenado nestes autos não se encontra prescrita, por não se mostrar decorrido o prazo de 6 anos (prazo normal de prescrição acrescido de metade, isto é, 4+2 anos), acrescido do prazo de suspensão da pena (isto é, de 27.11.2014 até à presente data. Cfr. art. 125°, n.º2 do Cód. Penal), a contar do trânsito em julgado do douto despacho de revogação da suspensão da pena.
(…).»

O acórdão da Relação de 26/05/2011 continuou a ser ignorado.

Finalmente, na decisão de novo recurso, em que o recorrente impugnou o despacho que acabamos de transcrever, a Relação de Lisboa, por acórdão de 21/03/2017, veio dizer, referindo-se ao anterior acórdão de 26/05/2011, que o “entendimento deste douto aresto, proferido nestes autos, transitado, segundo o qual o arguido não se encontrava, em 26-05-2011, validamente notificado do despacho de revogação da suspensão da execução da pena não pode ser ignorado”, tendo sido determinada a remessa dos autos à 1.ª instância “a fim de ser emitida a competente carta rogatória a expedir às Autoridades de Justiça da Venezuela para notificação do arguido do despacho de revogação da suspensão da execução da pena”.

Este segundo acórdão da Relação transitou em julgado.

Finalmente, foi expedida a carta rogatória, cuja emissão havia sido primeiramente ordenada em 2/11/2010.
           
3.–Da prescrição da pena
Nos despachos que têm sido proferidos na 1.ª instância e nos mencionados dois acórdãos desta Relação, a questão da prescrição da pena foi sempre analisada na perspectiva da pena principal de sessenta dias de prisão.

Importa distinguir, por um lado, a pena principal de 60 dias de prisão e, por outro, a suspensão da execução da prisão, que a doutrina e a jurisprudência têm entendido ser uma pena de substituição da primeira (ver acórdão desta Relação, de 26.10.2010, proferido no processo 25/93.0TBSNT-A.L1, com o mesmo relator deste, disponível em www.dgsi.pt, como todos os que venham a ser citados sem outra indicação).

A suspensão da execução da pena, como pena de substituição que é, pressupõe que a sentença que a aplique determine, previamente, a pena principal (de prisão) concretamente aplicável ao caso e que vai ser substituída.

Só a revogação da suspensão da execução da pena determinará o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (pena principal).

Por conseguinte, é facilmente compreensível que o decurso do prazo de prescrição da pena de prisão (pena principal) não possa ocorrer enquanto se mantiver a suspensão (pena de substituição).

Na versão originária do Código Penal, a propósito da suspensão da prescrição da pena, determinava o artigo 123.º, n.º1, alíneas a) e b):
«1–A prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a)- Por força da lei, a execução não possa começar ou continuar a ter lugar;
b)- O condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão de execução da pena; (…).»

Com a revisão do Código levada a efeito pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a matéria da suspensão da prescrição da pena passou a constar do artigo 125.º, com a seguinte redacção:
«1.– A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a)- Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b)- Vigorar a declaração de contumácia;
c)- O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
d)- Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2.– A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão».
Em relação à versão originária do Código Penal de 1982, nota-se na alínea c) do n.º 1 a eliminação da referência à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena.

Significa essa alteração que o legislador pretendeu eliminar a suspensão da execução da pena como causa de suspensão da prescrição da pena principal?

Diz-nos Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª ed., p. 466): «Em relação à versão originária, notam-se agora as referências às medidas de segurança (…) Nota-se ainda, na al. c), do n.º1, a eliminação de referências à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena. Quanto à primeira, a CRCP não viu razão plausível para que constitua fundamento de suspensão; quanto à segunda e à terceira por se tratar de casos de cumprimento de pena, que portanto cabem na primeira parte do preceito.»

Anteriormente, Figueiredo Dias, reportando-se à alínea b) do artigo 123.º, n.º1, na versão originária do Código Penal de 1982, observava: «(…) a actual al. b) do art. 123.º não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque se não vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão; quanto às outras porque elas são “outras penas” e cabem por isso na primeira parte do preceito» (ob. cit., p. 715).

Quer isto dizer que a suspensão da execução da pena, para os citados autores, constitui uma causa de suspensão da prescrição da pena principal, prevista na alínea c), do n.º 1 do artigo 125.º, sendo abrangida pela expressão: «o condenado estiver a cumprir outra pena». Nesta interpretação, a redacção originária do Código Penal pecava por redundância (neste sentido, o acórdão da Relação do Porto, de 1 de Março de 2006, proc. 0545190).

Porém, a circunstância de a actual redacção da alínea c) do n.º1 do artigo 125.º referir, no plural, a «pena ou medida de segurança privativas da liberdade» poderá dificultar a apontada interpretação, já que a suspensão da execução, como pena de substituição, não tem a natureza de pena privativa da liberdade.

Em sentido diverso, mas que ainda assim considera o decurso do período de suspensão da execução da pena como suspensivo da prescrição da pena principal, pronunciou-se o S.T.J., por acórdão de 19 de Abril de 2007 (processo 07P1431), entendendo que, entre o momento da prolação da sentença condenatória e o da revogação da suspensão da pena, a execução da pena (principal) de prisão não pode ser legalmente iniciada, pelo que, durante tal período de tempo, o prazo prescricional se mantém suspenso, nos termos do artigo 125.º, n.º1, alínea a), do Código Penal.

Como refere, com clareza, a Relação de Évora, em acórdão de 10 de Julho de 2007 (proc. 912/07-1, tendo como relator o Dr. João Latas), partindo da compreensão da suspensão da execução como verdadeira pena de substituição, só com a decisão que revogue a pena substitutiva e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.

Realmente, lê-se neste aresto: «não obstante a pena principal ser fixada definitivamente na sentença condenatória e, nessa medida, poder afirmar-se que, do ponto de vista da escolha e determinação concreta da pena (cfr arts 369.º a 371.º do CPP), a mesma é aí aplicada, não pode dizer-se que a sentença condenatória aplicou a pena de prisão para efeitos da sua execução, uma vez que a sua substituição por outra pena privou-a desse efeito-regra, o qual só virá a ser-lhe eventualmente reconhecido por nova decisão judicial, pois a eventual revogação de pena de substituição não ocorre ope legis em caso algum.»

E acrescenta: «Assim, nos casos de substituição não pode falar-se, para todos os efeitos, de aplicação da pena principal na sentença condenatória, pois só o trânsito em julgado de nova decisão judicial que revogue a pena de substituição pode determinar a execução da pena principal. Consequentemente, o dies a quo do prazo prescricional da pena principal, nos termos do art. 122.º n.º2 do C. Penal, ocorre com esta última decisão e não com a decisão condenatória, nos casos em que é substituída por pena de substituição.»

Estas observações, que temos como inteiramente correctas, permitem-nos concluir, como já antes se decidiu no processo, que só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.

Regressando ao caso em apreço, temos que o prazo de prescrição da pena (principal) de prisão aplicada ao recorrente – prazo de 4 anos, nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C.P.) – só começaria a correr com o trânsito em julgado do despacho de revogação da suspensão – trânsito que não chegou a ocorrer, segundo determinou esta Relação.

Até ao momento, tem sido este o foco das diversas pronúncias da 1.ª instância e da Relação: o prazo de prescrição da pena principal.

O que ainda não foi objecto de atenção nos autos é, a montante, a prescrição da pena de substituição.

É que, se a pena principal forçosamente não prescreveu, por não ter transitado o despacho revogatório da suspensão, importará indagar se a pena de substituição não terá prescrito, questão que também é de conhecimento oficioso.

A jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a afirmar que as penas de substituição, como verdadeiras penas que são, se encontram sujeitas a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo tal prazo também o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal (para além do acórdão desta Relação, de 26.10.2010, supra indicado, podem ver-se, entre muitos: os acórdãos do S.T.J., de 13/02/2014, processo1069/01.6PCOER-B.S1, de 05/07/2017, processo 150/05.7IDPRT-D.S1; Relação de Évora, de 21/03/2017, processo 49/99.4JALRA.E1    e Decisão Sumária de 18/06/2013, processo 946/97.1TAFAR-D.E1; Relação de Lisboa, de 04/07/2013, processo 5/07.0GELSB.L1-9).  
       
O condenado não pode ficar, indefinidamente, à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a pena de substituição seja revogada, aguardando ad aeternum por uma decisão definitiva num ou noutro sentido.

No caso em apreço, a sentença condenatória é de 21/09/2001 e, como é evidente, não transitou nesse mesmo dia, contrariamente ao que foi afirmado no despacho de 9/09/2016 (fls. 500).

A fls. 156 está certificado o trânsito em 15/10/2001.

Tomando como boa esta data, temos que a execução da pena suspensa e o respectivo período de suspensão iniciaram-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória, conforme resulta do artigo 50.º, n.º5, do Código Penal.

Partindo da data do trânsito que foi certificada nos autos – 15/10/2001 -, o prazo de prescrição da pena de substituição iniciou-se nessa data.

Mas foi logo, também nessa data, interrompido, nos termos do artigo 126.º, n.º 1, alínea a) [«A prescrição da pena (…) interrompe-se: Com a sua execução»], visto que, iniciando-se com aquele trânsito o período de suspensão da pena, deve considerar-se esse momento como aquele em que começa a execução da pena suspensa.

A suspensão foi decretada por dois anos, pelo que a prescrição se interrompeu entre 15//10/2001 e 15/10/2003.

Portanto, decorrido o período da suspensão, isto é, em 15/10/2003, reiniciou-se o prazo prescricional de 4 anos que, na ausência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva, terminaria em 15/10/2007.

É certo que, logo em 30/03/2005, o tribunal revogou a suspensão da execução da pena.

Porém, o despacho de revogação não chegou a transitar em julgado e decorridos 4 anos após o decurso do período de suspensão, sem que tenha transitado em julgado aquela decisão que revogou a suspensão, a pena substitutiva prescreveu.

Diverso entendimento conduziria, aliás, a uma situação intolerável de imprescritibilidade: nem a pena principal poderia prescrever, por falta de trânsito da decisão revogatória da suspensão – que poderia tardar indefinidamente -, nem o prazo de prescrição da pena de substituição poderia continuar a correr por ter sido proferido despacho que a revogou.

Não pode ser.

Só a decisão definitiva de revogação da suspensão da execução da pena – e não a mera prolação do despacho respectivo em 30/03/2005 – podia impedir que se completasse o prazo de prescrição da pena de suspensão da execução da pena de prisão.

Não se verificaram outras causas de interrupção ou suspensão da prescrição da pena de substituição.

As declarações de contumácia do condenado, indevidamente decididas com base no pressuposto de que o despacho revogatório havia transitado em julgado e que se estava na fase de cumprimento da pena principal de prisão, não produziram qualquer efeito interruptivo e/ou suspensivo da prescrição da pena de substituição.

Realmente, não nos oferece qualquer dúvida que a declaração de contumácia referida no artigo 125.º, n.º1, alínea b) e no artigo 126.º, n.º1, alínea b), do Código Penal, refere-se à contumácia antes prevista no artigo 476.º do C.P.P. e, presentemente, prevista no artigo 138.º, n.º4, alínea x), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro.

Quer isto dizer que a contumácia como causa de suspensão e de interrupção da prescrição da pena reporta-se apenas à pena de prisão e à medida de internamento, não sendo aplicável, como é evidente, à prescrição de pena de substituição (ver Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, p. 337, nota 2 e p. 339, nota 3; também Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal Parte Geral e Especial, 2.ª edição, p. 492 e 493).

Conclui-se que há muito que a pena de suspensão da execução da prisão está prescrita – matéria que é de conhecimento oficioso.

E uma vez prescrita essa pena, já não se pode colocar a questão da sua revogação e do cumprimento da pena substituída.           
***

III–Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em declarar extinta, pelo decurso do prazo prescricional, a pena de sessenta dias de prisão suspensa na execução por dois anos que foi imposta ao recorrente.

Fica prejudicado o conhecimento das demais questões.

Sem custas.

           
Lisboa, 13.11.2018
                   

(Jorge Gonçalves) – (o presente acórdão, integrado por dezanove páginas com os versos em branco, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)
                             
(Maria José Machado)