Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
209280/12.5YIPRT.L1-8
Relator: CATARINA ARÊLO MANSO
Descritores: UTILIZAÇÃO DE LOJA EM CENTRO COMERCIAL
CONTRATO ATÍPICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Os contratos “de instalação de lojista em centro comercial” ou de “utilização de loja em centro comercial” ou ainda, mais simples e abreviadamente, “de centros comerciais” caracterizam-se pela cedência do gozo de um espaço - loja - para o exercício de uma actividade comercial ou de prestação de serviços num complexo imobiliário, composto por diversas lojas com comércios e serviços variados e inter complementares e por espaços comuns de lazer, visando aliar prazer e consumo.
- Cada lojista realiza individualmente, por sua própria conta e risco, a exploração do respectivo espaço, mas, pelo facto de se integrar numa organização colectiva, vê-se forçado a abdicar de alguma autonomia e a obedecer a regras gerais de “funcionamento e organização do centro comercial”.
- A título de retribuição, o lojista paga uma remuneração fixa mínima - como contrapartida da utilização do espaço - à qual acresce uma retribuição variável, calculada por referência a uma percentagem do valor da facturação bruta mensal, que só é devida na parte em que exceda o valor da parcela fixa – como pagamento dos serviços de gestão prestados pela entidade responsável pelo conjunto.
- Vista a complexidade de direitos e deveres que o integram e a função económica e social que desempenha, o contrato de instalação de lojista em retail park - do mesmo modo que o de instalação de lojista em shopping center - configura-se como contrato atípico ou inominado, sujeito, assim, à liberdade contratual das partes.
- Por isso, a esse contrato é aplicável, desde logo, o regime resultante das respectivas cláusulas acordadas, desde que válidas, bem como o regime legal geral dos contratos e, se necessário (subsidiariamente), a disciplina de figuras contratuais próximas, como o são, em certas vertentes, o contrato de arrendamento urbano e o de prestação de serviço.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I – C..., em requerimento de injunção, convertido em processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra R.., alegou que celebrou com a R. um contrato de cessão de espaço integrado em Centro Comercial. As facturas juntas não foram pagas. Pediu a condenação de ré na quantia em dívida de €12673,70 das facturas, acrescida dos juros vencidos e vincendos à taxa legal em vigor no montante de €2.438,21, no total de €15.111,91
A ré opôs-se, defendeu-se por excepção, invocando o cumprimento defeituoso da prestação por banda da requerente, que determinou a diminuição da clientela e o fecho de várias lojas, entre as quais a da requerida, requerendo a compensação com os valores já pagos a título de direitos de entrada no início do contrato, concluindo pela improcedência da acção.
Procedeu-se a julgamento e a acção foi julgada parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à autora:
a) A quantia de € 5.950,00 (correspondente aos 17 meses em dívida (de Setembro de 2009 a Janeiro de 2012), à razão mensal de €350,00), acrescido de IVA sobre cada uma das rendas à taxa legal em vigor aos meses a que respeita as contrapartidas;
b) Acrescida de juros de mora à taxa legal relativa a juros comerciais a contar da presente data até efectivo e integral pagamento.
c) Absolveu a R. do demais peticionado.
Não se conformando com a decisão interpôs recurso a autora e nas suas alegações concluiu:
1. A Recorrente não se pode conformar com decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos correspondentes aos artigos 11, 12º e 13º da matéria de facto provada, que deveriam ser dados como não provados, ao invés de provados, constantes na douta sentença recorrida, reputando-se incorrectamente julgados,
2. Importa desde já referir que o princípio da liberdade de julgamento, não se traduz num poder arbitrário do juiz, encontra-se vinculado a uma análise crítica das provas, bem como à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção.
3. No que diz respeito aos pontos ora impugnados, houve erro de julgamento, e a Recorrente entende que foi deficientemente apreciada a prova testemunhal (matéria de facto gravada), se não, vejamos,
4. A Recorrente insurge-se contra estas respostas, e que as mesmas deveriam constar no elenco dos factos “não provados”.
5. No que concerne às condições de funcionamento do Centro Comercial E. Leclerc em São Domingos de Rana, o Tribunal teve em consideração apenas o depoimento da testemunha N....
6. O depoimento da testemunha da Recorrida acima mencionada, que teve relevância para o Tribunal para prova dos quesitos acima mencionados, não permite, sem mais, desacompanhado de quaisquer outros elementos probatórios, nomeadamente prova pericial ou documental dar como provados os factos em causa, que não existem no presente caso, uma vez que a Recorrida não logrou diligenciar pela respectiva produção.
7. O depoimento da testemunha da Recorrida refere de forma genérica que o Centro Comercial E. Leclerc de São Domingos de Rana não possuía grande afluência de pessoas, quando ouvida sobre esta matéria,
8. No entanto, o certo é que, relativamente a esta questão concreta, saber em qual período temporal durante a vigência do contrato ocorreu alguma redução de fluxo de pessoas no Centro, quantas lojas possuía o centro desde a sua abertura, quantas lojas eventualmente foram fechadas, e quantas permanecem abertas até à presente data, não houve qualquer depoimento nesse sentido.
9. Na verdade, o depoimento, na sua globalidade, versou sobre o número de pessoas que frequentava o Centro Comercial, mas não foi junto aos autos qualquer outro meio de prova que relacionava concretamente esta situação às dificuldades económicas vividas pela Recorrida.
10. Por outro lado, muito se estranha que seja invocado pela Recorrida problemas a esse nível, e apenas tenha resolvido o contrato em causa no final do ano de 2012.
11. Aliás, constata-se que a Recorrida não trouxe aos autos qualquer comprovativo de recepção de comunicações que tenha dirigido à Recorrente com menção dos factos em exame.
12. Mais acresce que o Contrato de Cessão de Espaço Integrado em Centro Comercial foi celebrado em 01 de Outubro de 2009 e, não obstante tais deficiências serem (na perspectiva da Recorrida) tão gravosas, o certo é que mesma apenas resolveu o contrato no final do ano de 2012.
13. Ora, em face apenas do depoimento da testemunha da Recorrida não se pode extrair a conclusão de que não havia movimento da loja Recorrida, e que em decorrência disso a mesma teve de fechar as suas portas.
14. É certo que a Recorrida invocou a excepção de não cumprimento do contrato, com fundamento no cumprimento defeituoso do contrato pela Recorrente.
15. Acontece que, da matéria factual dada como provada não resulta que a Recorrente não tivesse cumprido as obrigações a que estava adstrita por força do contrato,
16. Efectivamente, salta à vista a adesão sem limites do Tribunal a quo, em termos de apreciação da prova, ao depoimento da testemunha da Recorrida, independentemente dos factos por esta alegados ou dos demais elementos de prova que não foram trazidos por esta aos autos, que objectivamente gerou manifestas incongruências de direito nos presentes autos.
17. Como sabemos, com vista à demonstração da realidade dos factos, são vários os meios de prova especificamente admitidos pela nossa lei, nomeadamente, os documentos, a confissão (ou o depoimento de parte), a prova pericial, a inspecção judicial, as testemunhas, as presunções,
18. Sendo certo que, a Recorrida não utilizou todos os meios de prova ou alegou factos passíveis de levar à conclusão de incumprimento do contrato por parte da Recorrente!
19. Em bom rigor, a Recorrida poderia ter pedido a produção de prova pericial, sendo certo que esse meio de prova está destinado à percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (artigo 388º do Código Civil).
20. Ora, a prestação que a Recorrente se obrigou a proporcionar à Recorrida foi a utilização para fins comerciais de um espaço integrado num todo organizado e valorizado pelos chamados serviços.
21. No caso vertente, não podemos considerar da prova produzida pela Recorrida que estas questões sejam de relevo, mas sim uma obrigação secundária.
22. Não pode o Tribunal dar os factos aqui sindicados como provados com base em num testemunho genérico e abstracto, sem o acompanhamento de outros elementos de prova que poderiam ser produzidos pela Recorrida, nomeadamente pericial e documental.
23. Resultou provado que a Recorrente manteve o centro comercial em funcionamento e proporcionou à Recorrida a possibilidade de utilizar a loja –, até à rescisão do contrato – e que aceitou essa prestação, utilizando a loja e nela exercendo e mantendo o exercício da sua actividade.
24. Deste modo, existe erro de apreciação da matéria de facto por parte do tribunal a quo que, apesar de poder e dever responder negativamente aos quesitos em debate, deu-lhes uma resposta totalmente positiva, sendo certo que foi com base nessas respostas que o pedido da recorrente foi sumariamente reduzido.
25. Uma vez que não poderá ser dada como assente a matéria de facto a que se referem os “quesitos” 11º,12º, 13º e 14º, ficam necessariamente prejudicadas todas as conclusões a que chegou a sentença recorrida no que respeita ao incumprimento da Recorrida baseado nesses factos.
26. Mesmo que assim não se entenda, do contrato dos autos não resulta para a Recorrente qualquer obrigação de resultado infringida, pelo que nenhum incumprimento lhe poderá ser imputado com esse fundamento.
27. No caso dos autos, resultou provado que a Recorrente logrou manter o Centro Comercial em funcionamento, proporcionando à Recorrida a possibilidade da mesma utilizar a loja, nela exercendo a sua actividade.
28. No que respeita à actividade de promoção do centro comercial, mal andou a sentença recorrida ao considerar que impende sobre a Recorrente uma obrigação de resultado.
29. Esta obrigação de garantia, assumindo o risco do negócio, não aparece nos contratos de utilização de loja. E compreende-se o seu não aparecimento: a mais da “boa imagem” do Centro Comercial, o sucesso de cada loja não pode deixar de depender também e sobretudo da actuação do seu titular.
30. Em consequência, não só não resulta do contrato como não poderia impender sobre a Recorrente o risco de assegurar qualquer nível de clientela, e muito menos o necessário para garantir que os lojistas lograssem obter os “resultados em termos de vendas, que permitam suportar todos os custos operacionais”, os quais dependem de um inúmero conjunto de factores, com primazia para o próprio negócio instalado pelo lojista e a sua actuação, nomeadamente no que respeita ao valor dos investimentos realizados, com influência “nos custos operacionais”.
31. Acresce que, no caso dos autos, a Recorrida não juntou qualquer documento contabilístico para prova dos eventuais prejuízos patrimoniais sofridos em decorrência do alegado incumprimento da Recorrente.
32. Da factualidade dos autos resulta que a Recorrente cumpriu as obrigações a que se encontrava vinculada, como, aliás, reconhece a Sentença recorrida.
33. Para além da utilização da loja em causa nos autos, verifica-se que, desde o início da vigência do contrato, a Recorrida beneficiou igualmente de toda a estrutura do centro comercial, fornecimentos e serviços prestados ou assegurados pela Recorrente, previstos nas diversas alíneas do contrato, não tendo sido sequer alegados quaisquer factos que pudessem consubstanciar o incumprimento de tais obrigações.
34. Bem pelo contrário, o que resulta dos autos é que a Recorrente cumpriu as obrigações a que se vinculou.
35. Não se mostram provados nos autos quaisquer factos que pudessem permitir ao Tribunal retirar a conclusão, a que mal se chegou na sentença recorrida, de que a Recorrente merecia a sorte de ter o seu pedido reduzido.
36. A se entender deste modo, criou-se um insustentável desequilíbrio contratual, em que, não obstante a Recorrida ter fruído da loja, colhendo os rendimentos inerentes à sua actividade comercial não irá pagar a totalidade do valor devido à Recorrente, o que redundou para a Recorrida num enriquecimento sem causa.
37. A Recorrente não pode concordar com a matéria de facto dada como provada que levou o Tribunal a quo a decidir como decidiu, e por consequência, com a redução do pedido com base na equidade,
38. Mas, ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, no caso concreto dos autos, não resulta da fundamentação vertida na sentença recorrida, quaisquer elementos que permitam identificar a origem da decisão que levou o Tribunal a quo a concluir que a Recorrente tem direito a receber apenas 350,00 por cada factura em dívida.
39. Seja como for, sempre se dirá que, atenta a natureza do contrato, o pagamento pontual e integral das retribuições visa assegurar o funcionamento optimizado e harmónico do centro comercial, que é um todo diferente de cada um dos elementos que o integram, em que os interesses de todos se sobrepõem aos interesses individuais de cada lojista, o qual só pode ser alcançado se todos os lojistas cumprirem as suas obrigações, designadamente as de conteúdo patrimonial,
40. Ultrapassando o pontual cumprimento de tais obrigações a mera relação entre as partes, dado que o seu incumprimento assume consequências que não se resumem ao mero encargo financeiro e poderão determinar o encerramento de todo o centro comercial, com prejuízo para todos os lojistas.
41. Relativamente à excepção de não cumprimento do contrato, prevista no artigo 428º do Código Civil, a que alude a Recorrida, é manifesto que não se verificam os respectivos pressupostos, posto que o contraente não pode alegar a excepção, se se encontrar ele próprio em mora.
42. Na verdade, tendo a Recorrente interposto a presente acção, peticionando o pagamento de diversas facturas melhor identificadas no ponto 5 da matéria de facto provada, cabia à Recorrida, nos termos previstos no artigo 342° do Código Civil, o ónus de invocar os factos impeditivos do direito alegado pela Recorrente.
43. Não o tendo feito, como não fez, não poderia a Sentença recorrida ter procedido, oficiosamente, como fez, a tal redução.
44. In casu, a redução do pedido pela equidade não pode produzir os efeitos pretendidos, uma vez que a Recorrida não pediu tal redução nem alegou factos bastantes capazes de sustentá-la,
45. Sendo a decisão do Tribunal a quo manifestamente excessiva!
46. Era necessário que a Recorrida alegasse os factos donde se possa concluir pelo carácter manifestamente excessivo do pedido da Recorrente, nomeadamente à luz do caso concreto, balizadores do julgamento por equidade que a lei reclama para a redução, ou seja, os factos que fornecessem ao julgador elementos para determinação dos limites do abuso, do que a liberdade contratual (art. 405.º) não suporta.
47. Com efeito, antes do mais, a decisão do Tribunal em questão, constitui uma conclusão que apenas pode resultar de factos concretos que a suportem, não existindo, no caso concreto, porque nem sequer foram alegados pela Recorrida, quaisquer elementos de facto, concretos, que permitam proceder a essa avaliação.
48. Nesse particular, os fundamentos desta decisão são insuficientes por não demonstrarem qualquer raciocínio sobre o critério seguido e, sobretudo, por omitirem a ponderação de aspecto factual adquirido nos autos e que muito releva para o juízo de equidade a proferir.
49. No tocante à questão do pedido de redução, verifica-se que a Recorrida invocou a excepção de não cumprimento, dado que as prestações a que a Recorrente alegadamente se obrigara não vinham sendo cumpridas integralmente, antes o eram deficientemente, não tendo pedido qualquer redução, ou indicado e provado factos que justificassem a ocorrência da mesma.
50. Da leitura de toda a sentença, não se vê em que medida se justifica tamanha desproporção entre o valor do pedido e a redução realizada oficiosamente pelo Tribunal a quo.
51. Face à matéria factual dos autos, uma decisão verdadeiramente baseada na equidade, sempre teria decidido condenar a Recorrida a pagar todas as contrapartidas devidas pela utilização da loja que ocupou no Centro gerido pela Recorrente,
52. Sendo certo que manter essa redução tal como ela foi consagrada no caso concreto, é manifestamente contrária aos princípios impostos pela boa-fé, posto que não é justo que a Recorrida não pague a totalidade da contrapartida relativa a todo o período de tempo em que aquela efectivamente utilizou a mesma loja e nela exerceram, a sua actividade comercial.
53. Acresce que não existe qualquer fundamento para a modificação do pedido, tendo em conta que o Tribunal a quo, não fundamenta ou explica qual a razão da Recorrente só ter direito a receber o montante que consta na sentença, desconhecendo-se quais os pressupostos em que se baseou para fixação da contrapartida contratual nas percentagens que indicou.
54. Deste modo, a sentença recorrida procedeu a uma errada aplicação do direito, violando o disposto nos artigos 406º e 762º do C.C., ao reduzir o montante devido pela Recorrida, a título de contrapartida e de comparticipação para despesas e encargos com o funcionamento do centro comercial, a 60% do valor contratualmente previsto, pelo que deverá ser revogada, nesta parte, por outra que condene a Recorrida ao pagamento do valor total das contrapartidas e comparticipações previstas contratualmente.
55. Em suma, ao reduzir oficiosamente o pedido formulado pela Recorrente, nos ternos em que o fez, a Sentença recorrida violou o disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC, devendo ser declarada nula, com todas as consequências legais.
56. Pelo que se imporá a modificação do que ficou fundamentado na sentença, no sentido de que a Recorrida deve ser condenada a pagar a totalidade das facturas em dívida, cujo pagamento é exigido na íntegra através dos presentes autos.
57. Assim, a decisão não poderá deixar de ser a de julgar-se a acção totalmente procedente, por não provada e, em consequência, ser a Recorrida condenada na totalidade do pedido, revogando-se parcialmente a Sentença recorrida e julgando-se a presente Apelação procedente, por provada.
Factos
1. A Autora é uma sociedade comercial, que se dedica à exploração do Centro Comercial E.LECLERC, sito em São Domingos de Rana, cuja actividade é todo o comércio retalhista e armazenista, gestão e exploração de centros comerciais, realização de todas as operações inerentes à distribuição de produtos alimentares e não alimentares.
2. A Autora e a Ré celebraram um contrato de cessão de espaço integrado em Centro Comercial, que não é posto em causa pela Ré – conforme junto a fls. 31 e sg.
3. De acordo com a Cláusula Primeira do supra referido contrato, a Autora cedeu à Ré o espaço correspondente à loja nº 25, que está integrado no Centro Comercial E.LECLERC.
4. Pela cessão do espaço, a Ré comprometeu-se a pagar um valor mensal à Autora, a título de renda.
5. No âmbito do referido contrato, a Requerente emitiu as seguintes facturas para pagamento das respectivas rendas, que não foram pagas pela Requerida:  factura nº 72000159, emitida em 01-08-2010, com vencimento em 01-08-2010, no valor de € 960,00. Relativamente a esta factura, a Requerida não pagou o montante de € 75,70; factura nº 72000183, emitida em 01-09-2010, com vencimento em 01-09-2010, no valor de € 960,00; factura nº 72000220, emitida em 01-10-2010, com vencimento em 01-10-2010, no valor de € 1.028,50; factura nº 72000233, emitida em 01-11-2010, com vencimento em 01-11-2010, no valor de € 1.028,50; factura nº 72000258, emitida em 01-12-2010, com vencimento em 01-12-2010, no valor de € 786,50; factura nº 72000297, emitida em 01-01-2011, com vencimento em 01-01-2011, no valor de € 676,50; factura nº 72000312, emitida em 01-02-2011, com vencimento em 01-02-2011, no valor de € 676,50; factura nº 72000333, emitida em 01-03-2011, com vencimento em 01-03-2011, no valor de € 676,50; factura nº 72000354, emitida em 01-04-2011, com vencimento em 01-04-2011, no valor de € 676,50; factura nº 72000377, emitida em 01-05-2011, com vencimento em 01-05-2011, no valor de € 676,50; factura nº 72000400, emitida em 01-06-2011, com vencimento em 01-06-2011, no valor de € 676,50;
factura nº 72000422, emitida em 01-07-2011, com vencimento em 01-07-2011, no valor de €676,50; factura nº 72000443, emitida em 01-08-2011, com vencimento em 01-08-2011, no valor de € 676,50; factura nº 72000464, emitida em 01-09-2011, com vencimento em 01-09-2011, no valor de € 676,50; factura nº 72000490, emitida em 01-10-2011, com vencimento em 01-10-2011, no valor de € 676,50; factura nº 72000258, emitida em 01-12-2011, com vencimento em 01-12-2011, no valor de € 676,50;
6. O contrato foi celebrado para exploração de um espaço destinado a pizas/pastas e saladas no Shopping ELeclerc em S. Domingos de Rana.
7. O espaço comercial Eleclerc abriu em Maio de 2009 em virtude de a obra ter estado embargada durante cerca de 18 meses, mas devia ter aberto no início do ano de 2008.
8. Quando espaço abriu a oferta já era muito maior.
9. O ELeclerc assegurou aos lojistas que aquele espaço havia de ser integrado com uma bomba de abastecimento de combustíveis e um parque da cidade,
10. O que nunca veio a acontecer.
11. Ainda, criaram aos lojistas a expectativa de 200 mil visitantes/mês, o que nunca veio a verificar-se.
12. O movimento esperado para aquele recinto comercial ficou muito abaixo do que era expectável pelos lojistas e que se ressentiu na ausência de resultados de facturação.
13. O que forçou a que algumas das lojas que estavam em funcionamento tivessem de fechar as suas portas.
14. A requerida esforçou-se para manter as suas portas abertas e honrar os seus compromissos.
15. Porém, como estava com dificuldades em fazê-lo, falou com a Administração da Requerente e viu reduzido o valor mensal,
16. Razão pela qual os valores referentes aos meses de Dezembro de 2010 em diante são inferiores, sendo em 2012 de €300 acrescidos de IVA.
17. A Requerida tentou evitar o seu fecho para que o espaço não perdesse ainda mais movimento.
18. Perante o agravar da situação, a Requerida abandonou aquele espaço em Dezembro de 2012.
19. Nessa altura a Ré comunicou à Autora a sua intenção de resolver o contrato, que foi aceite por esta.
Houve contra alegações defendendo a manutenção da decisão
Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento
II – Apreciando
Nos termos dos art. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.C., o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.
Antes de mais há que referir que, estando em causa no âmbito do presente recurso acção intentada em 21.2.2013, objecto de decisão proferida em Novembro de 2013, é aplicável àquele o regime de do Código de Processo Civil actual, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, visto o disposto nos artigos 5º nº 1 e 7º nº 1 da Lei citada.
As questões a decidir são:
- a alteração das resposta dada aos artigos que vêm impugnados;
- assentes os factos e feito o respectivo enquadramento jurídico, saber se a pretensão indemnizatória do autor deveria ter procedido na totalidade, como pretende.
- nulidade da decisão
Modificação da matéria de facto
Não aceita a apelante que os art.11º, 12º e 13º constem da matéria de facto provada e veio defender que devem ser retirados, uma vez que, não se provaram.
Os art. tinham a seguinte redacção:
“11. Ainda, criaram aos lojistas a expectativa de 200 mil visitantes/mês, o que nunca veio a verificar-se;
12. O movimento esperado para aquele recinto comercial ficou muito abaixo do que era expectável pelos lojistas e que se ressentiu na ausência de resultados de facturação.
 13. O que forçou a que algumas das lojas que estavam em funcionamento tivessem de fechar as suas portas.
A Recorrente defende ter havido erro de julgamento, devendo passar tal matéria para factos “não provados”.
Anota-se que a decisão sobre a fundamentação de facto, não resultou do depoimento das testemunhas. No entanto, conferindo os depoimentos das duas testemunhas não podemos concluir que a apelante se tivesse vinculado com o número de visitantes e lhe pudesse ser imputada a causa dos danos verificados nas receitas do negócios da apelada.
Para fundamentar a resposta ao art. 11- o nº de pessoas esperadas no centro teve em consideração a testemunha Nazir, sendo certo que ela depôs a esta matéria – cf. art. indicados para o depoimento. E não referiu em que altura se verificou o surto de visitantes e a prova saber qual a expectativa dos lojistas de 200 mil visitantes/mês, saber em qual período temporal durante a vigência do contrato ocorreu alguma redução de fluxo de pessoas no Centro, quantas lojas possuía o centro desde a sua abertura, quantas lojas eventualmente foram fechadas, e quantas permanecem abertas até à presente data, não houve qualquer depoimento nesse sentido. O mesmo aconteceu com os restantes art. 12 e 13. Ou seja, se nada juntou da facturação e a testemunha nada disse tal matéria deve ser retirada dos factos assentes. O mesmo acontecendo com o art. 13. As lojas fecharam, mas não se provou a causa dos art. 11 e 12. Aliás o contrato teve início em 1 de Outubro de 2009 e verificarem-se tais deficiências, não fez prova com documentos, a confissão (ou o depoimento de parte), ou prova pericial, ou de inspecção judicial, nem as testemunhas, para se concluir como pretendia, aliás apesar da calamidade relatada só no final de Dezembro de 2012 resolveu o contrato.
Ora, a prestação que a Recorrente se obrigou a proporcionar à Recorrida foi a utilização para fins comerciais de um espaço integrado num todo organizado e valorizado pelos chamados serviços.
Resultou provado que a recorrente manteve o centro comercial em funcionamento e proporcionou à recorrida a possibilidade de utilizar a loja - , até à rescisão do contrato - e que aceitou essa prestação, utilizando a loja e nela exercendo e mantendo o exercício da sua actividade.
Ouvida a prova, podemos concluir que os estudos económicos se goraram. Como referiu a testemunha fez variados estudos e projecções, que não se verificaram, mas não passaram disso, não se fez prova de que alguém garantisse qualquer movimento. Mas esse risco existe sempre no investimento seja ele qual for. Havia a expectativa e confiança de que seria um negócio de sucesso naquele lugar e espaço. Mas todo o investimento comporta um risco dependendo de variados factores da conjuntura que podem ou não verificar-se. Tanto assim que, em face das dificuldades verificadas houve três alterações de renda. A inicialmente aprovada em 2011 -€700 e em 2012 €300. A administração esteve disponível em adaptar a renda acordada à situação dos seus ocupantes.
Em suma os art. 11 e 12 devem ser não provados.
No art. 13.deve ser respondido – provado apenas que: algumas lojas fecharam.
  1.2- O incumprimento invocado.
Perante a matéria de facto provada em relação a essa excepção ou incumprimento, invocado pelo réu, podemos adiantar que não se verifica.
No caso vertente temos dois contratos juntos, um de reserva de direito de ingresso no centro comercial e promessa de cessão de espaço integrado no referido centro, assinado em 17 de Julho de 2009 – cf. 28 a 30. Outro de fls. 31 a 42 de cessão de espaço integrado em centro comercial, assinado em 1 Outubro de 2009. O valor da retribuição consta na cláusula 5ª foi fixada em €2.205,00 fls. 33, mais IVA, na altura a 20% (...)
Para que os lojistas possam utilizar as lojas dos centros comerciais, o proprietário do respectivo centro apresenta-lhes uma minuta tipo, minuta essa que se traduz num contrato de adesão, cujas cláusulas gerais estão já prefixadas e que aqueles se limitam a aderir, sem discutirem ou negociarem estas cláusulas gerais subjacentes ao contrato.
 Se, por um lado, as padronizações negociais favorecem o dinamismo do tráfico jurídico, conduzindo a uma racionalização ou normalização e a uma eficácia benéficas aos próprios consumidores, a experiência jurídica leva-nos, por vezes, à conclusão da existência de certas cláusulas que, quando inseridas em contratos, se tornam nocivas ou injustas.
A actividade comercial é uma actividade de risco e, por consequência, aleatória, em que a possibilidade de insucesso não constitui segredo para ninguém, havendo que distinguir entre o prévio e determinado objecto do negócio e a expectativa de lucro e rendimento que o comerciante pretende retirar do mesmo, futura e incerta na sua concretização, em que o sucesso dependerá, em grande medida, da maior ou menor competência dos comerciantes.
- “Esta obrigação de garantia, assumindo o risco do negócio, não aparece nos contratos de utilização de loja. E compreende-se o seu não aparecimento: a mais da “boa imagem” do Centro Comercial, o sucesso de cada loja não pode deixar de depender também e sobretudo da actuação do seu titular” (CALVÃO DA SILVA, no comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2007, publicado in RLJ, pág. 375);
A primeira fonte das obrigações é constituída pelos contratos, assentando toda a disciplina legislativa dos contratos nos seguintes princípios fundamentais: princípio da autonomia privada (atribui aos seus contraentes o poder de fixarem, em termos vinculativos, a disciplina que mais convém aos seus interesses), o princípio da confiança (cada contraente deve responder pelas expectativas que justificadamente cria, com a sua declaração, no espírito da contraparte), e o princípio da justiça comutativa ou da equivalência objectiva (nos contratos a título oneroso à prestação de cada um dos contraentes deve corresponder uma prestação de valor objectivo ou subjectivo sensivelmente equivalente da parte do outro contraente) – cf. A. Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 4ª ed. Almedina – fls. 200 e sgs.
A liberdade contratual como corolário da autonomia privada e, tal como o nome o indica, consiste na faculdade reconhecida ás pessoas de criarem livremente ente si acordos destinados a regular interesses recíprocos e está consignado no art. 405 CC.
 Este princípio sofre algumas restrições, na verdade não se pode falar de liberdade contratual se houver ausência de discernimento ou de liberdade a respeito da celebração, se existirem divergências entre a vontade real e declarada, restrições essas contidas nos institutos do erro, dolo, falta de consciência da declaração, coacção, incapacidade acidental, simulação, reserva mental ou da não seriedade na declaração.
  Subjacente a todos os contratos e consagrado no CC está o princípio da boa-fé. Aliás, como referiu a apelante e consta dos autos, a renda pedida não era a que constava do contrato. Como referiram as testemunhas aquela foi reduzida três vezes a pedido da apelada. Assim sendo, não podia reduzir-se a renda como se fez, na decisão impugnada, uma vez que, nada foi alegado sobre tal matéria e assim sendo nada podia ter sido provado.
 O comércio jurídico massificou-se, continuamente as pessoas celebram contratos não precedidos de qualquer fase de negociação, ou seja, as pessoas deixaram de discutir e acordar sobre os termos de cada uma das cláusulas apostas no contrato.
 Ora, analisado o contrato dos autos, verifica-se que do mesmo não consta qualquer obrigação de resultado quanto à promoção a realizar, designadamente no que respeita ao volume de clientela a atingir, não existindo sequer qualquer indicador do que poderá ser a clientela adequada ou suficiente ao bom funcionamento do centro, o que, aliás, como é óbvio, é sempre alvo de divergências entre o promotor e os lojistas.
Assim, não podemos retirar da interpretação do contrato a assunção, por parte da ora recorrente, de qualquer obrigação de atingir qualquer volume de clientela, fosse ele qual fosse (raciocínio que é igualmente aplicável à eventual obrigação de abrir e manter abertas ao público todas as lojas que integram o centro comercial);
A interpretação adoptada na decisão recorrida parece esquecer que qualquer empreendimento deste género está sujeito ao risco, como qualquer actividade comercial ou empresarial e que, na prática, a atracção de pessoas, potenciais clientes, ao centro comercial, não depende só da administração deste, também tem a ver com a capacidade dos donos das lojas de comercializarem produtos apelativos e vendáveis, pelo que, nesta ordem de ideias, o fracasso do negócio não pode ser atribuído sempre e só à entidade gestora do centro comercial.
Contudo, não se apurou, que tal condicionante, o fecho das referidas lojas, tivesse determinado prejuízos na autora, nem, igualmente, que a inclusão ou não de determinadas lojas tivesse sido determinante ou relevante para a vontade de contratar da autora. Cumpre sublinhar que a autora não se vinculou, nos termos contratuais, a ter qualquer número mínimo de visitantes perante a ré, ou sequer a ter um número mínimo de lojas abertas ao público. Por outro lado, não se demonstrou que o encerramento de lojas no centro comercial, não resultou de uma regular rotação entre os diversos operadores de um mercado empresarial dessa natureza.
Não se vislumbra, pois, motivo gerador de responsabilidade do autor perante a ré a este propósito, não se tendo demonstrado que tivesse censuravelmente negligenciado a obrigação de promover a atracção de visitantes ao centro comercial em causa».
Ora, se a ré/ ora apelada não logrou provar – como não provou – a assunção de tal obrigação, forçoso é concluir, logicamente, pela não verificação do imputado incumprimento contratual neste particular.
Verifica-se que a renda acordada não consta das facturas reclamadas. Aliás a apelante foi aceitando a mora da ré e inclusivamente a redução da renda. Basta consultar as facturas juntas.
Não consta que a apelada tivesse denunciado o contrato, mas a apelante quando solicitado foi reduzindo as prestações.
1.3 Nulidade
Invocou ainda, a nulidade da decisão por violação da al. b) do art. 615 do CPC
Certo que, para que ocorra aquela nulidade é necessária a falta absoluta de motivação, ou seja, «a ausência total dos fundamentos de facto e de direito» (Prof. A dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, V, 140, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. Manual de Processo Civil, do Prof. Antunes Varela, 669.
Se a decisão contém, como é o caso, os elementos de facto e de direito suficientes para inferir os motivos da opção final, não ocorre nulidade por falta de motivação (cf., ainda, o Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, III, 246).
Da leitura, minimamente atenta, da decisão resulta que se procurou, com a argumentação objectiva e factual, convencer da bondade da solução encontrada, tomando em consideração os argumentos aduzidos no seu requerimento, aceitando-os ou infirmando-os motivadamente.
Movendo-nos no âmbito de vícios formais do artigo 668º da lei processual, não há que confundir com eventual erro de julgamento ou resultado de decisão que é o que, no fundo, a reclamante insinua.
Nesta parte, improcede a nulidade arguida.
Concluindo
-Os contratos “de instalação de lojista em centro comercial” ou de “utilização de loja em centro comercial” ou ainda, mais simples e abreviadamente, “de centros comerciais” caracterizam-se pela cedência do gozo de um espaço – loja – para o exercício de uma actividade comercial ou de prestação de serviços num complexo imobiliário, composto por diversas lojas com comércios e serviços variados e inter complementares e por espaços comuns de lazer, visando aliar prazer e consumo.
- Cada lojista realiza individualmente, por sua própria conta e risco, a exploração do respectivo espaço, mas, pelo facto de se integrar numa organização colectiva, vê-se forçado a abdicar de alguma autonomia e a obedecer a regras gerais de “funcionamento e organização do centro comercial”.
- A título de retribuição, o lojista paga uma remuneração fixa mínima - como contrapartida da utilização do espaço - à qual acresce uma retribuição variável, calculada por referência a uma percentagem do valor da facturação bruta mensal, que só é devida na parte em que exceda o valor da parcela fixa - como pagamento dos serviços de gestão prestados pela entidade responsável pelo conjunto.
-  Vista a complexidade de direitos e deveres que o integram e a função económica e social que desempenha, o contrato de instalação de lojista em retail park - do mesmo modo que o de instalação de lojista em shopping center - configura-se como contrato atípico ou inominado, sujeito, assim, à liberdade contratual das partes.
- Por isso, a esse contrato é aplicável, desde logo, o regime resultante das respectivas cláusulas acordadas, desde que válidas, bem como o regime legal geral dos contratos e, se necessário (subsidiariamente), a disciplina de figuras contratuais próximas, como o são, em certas vertentes, o contrato de arrendamento urbano e o de prestação de serviço.

III – Decisão: julga-se procedente a apelação, revoga-se a decisão impugnada e condena-se o réu no pedido.
Sem custas

Lisboa,   26/2/2015
Maria Catarina Manso
Maria Alexandrina Branquinho
Ana Luísa Geraldes