Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO VALENTE | ||
Descritores: | CONTRATO DE ATRIBUIÇÃO RESCISÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/06/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Sumário: | 1 - Para que o IFADAP possa proceder à rescisão unilateral do contrato de financiamento, denominado “contrato de atribuição de ajuda”, é necessário que ocorra o incumprimento culposo por parte do respectivo beneficiário. 2 - A interrupção ou inexecução do projecto de investimento devida a intempérie de anormal gravidade, não pode ser imputada ao beneficiário que tenha desenvolvido com a devida diligência a exploração agrícola financiada pelo IFADAP. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa Veio nos presentes autos (A) deduzir embargos de executado contra Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas – IFADAP, alegando e em síntese que: Em Julho de 1987 apresentou um projecto de investimento ao IFADAP, que o aprovou, vindo a ser celebrado o acordo de atribuição de ajuda, de 23/2/88 posteriormente alterado em 27/9/88. Logo no início da execução do projecto, duas das estufas foram parcialmente destruídas pelos fortes ventos. Do que foi dado conhecimento ao IFADAP por carta de 2/3/89. E no Outono de 1989 as estufas já instaladas foram destruídas pela tempestade que assolou a zona, obrigando a embargante à sua integral reconstrução. Nesse inverno, vendavais fortíssimos arrasaram as estufas reconstruídas. As ajudas recebidas no âmbito do contrato haviam sido integralmente aplicadas no projecto. A última tranche, de 500 contos, não permitia custear a reconstrução das estufas e execução integral do projecto. Daí que o IFADAP tenha implementado um programa especial com vista a apoiar a recuperação dos prejuízos. Em 29/10/90 foi celebrado o respectivo contrato de concessão de ajuda. Contudo o montante de tais ajudas era insuficiente para a reparação dos prejuízos sofridos. Uma vez que nem com a última tranche do contrato exequendo seria possível recuperar os prejuízos, a embargante não diligenciou o seu levantamento. Por outro lado, a inflação ocorrida no triénio 1989/91 conduziu a desfasamentos entre os valores projectados e os reais, tornando inviável a execução integral do projecto inicial. Após diversas reuniões tidas com representantes do IFADAP, a embargante comunicou em 17/2/92, que o projecto apreciado e aprovado pelo IFADAP se tornara inviável, face aos motivos acima expostos. Por carta de 14/9/92 o IFADAP comunicou à embargante que fora deliberado rescindir unilateralmente o contrato de atribuição de ajudas. Requerida a reapreciação da deliberação, o IFADAP comunicou à embargante, por carta de 3/5/93 que a nova análise efectuada não conduzira a qualquer alteração à decisão anterior. Exigindo à embargante o pagamento do montante da ajuda atribuída e respectivos juros. No entanto, a embargante não é responsável pela não execução do programa, a qual se deveu a motivos fortuitos. Além disso, os juros com mais de cinco anos, encontram-se prescritos. O embargado contestou, alegando que em relação ao projecto inicial apenas foram implantados 2.000 dos 5.750 m2 de estufas subsidiadas, não tendo sido construído o poço e apenas tinha sido adquirido um sistema de rega de cerca de 2.000 m2. A situação de inexecução foi localmente verificada como também o foi a inexistência de quaisquer obras de recuperação. * Realizou-se o julgamento, vindo a ser proferida decisão que julgou os embargos improcedentes. Inconformada recorre a embargante, concluindo: - A questão da “celebração de seguros que lhe permitissem reconstruir as estufas”, referida na sentença recorrida, não havia sido suscitada pelas partes, pelo que o Tribunal dela não podia tomar conhecimento. - O que provoca a nulidade prevista no artº 668º nº 1 d) do CPC. - A embargante não assumiu com o embargado uma obrigação de garantia mas sim uma obrigação de resultado. - A embargante obrigou-se a aplicar integralmente a ajuda concedida na execução do projecto de investimento, mas não assumiu o risco da não verificação do mesmo. - A embargante aplicou toda a ajuda recebida no projecto, não tendo podido concluí-lo devido às intempéries. - Face às situações de caso fortuito, o incumprimento não pode ser imputável à embargante. O IFADAP defende a bondade da decisão recorrida. * Com interesse para o presente recurso, foi dado como provado que: 1. Em Julho de 1987 a embargante apresentou um projecto de investimento ao IFADAP, que o aprovou nos termos de concessão de ajuda que constam do contrato de atribuição, a fls. 10 e ss. 2. A embargante apresentou candidatura aos apoios no âmbito do POT Out/Inv, a qual foi aprovada pelo IFADAP. 3. A aprovação e contratação do projecto referido em 1. teve por base o orçamento apresentado pela embargante, para construção e implantação de estufas com a área de 1920 m2. 4. Por carta de 14/9/92 junta a fls. 19, o IFADAP comunicou à embargante que fora deliberado rescindir unilateralmente o contrato de atribuição de ajudas referente ao projecto. 5. Tal deliberação baseou-se na “verificação da não execução dos investimentos conforme o aprovado”. 6. A embargante requereu a reapreciação dessa deliberação, o que veio a ocorrer, não conduzindo contudo a qualquer alteração à decisão anterior. 7. No Outono de 1989 as estufas estavam já instaladas em cerca de metade da área prevista. 8. E foram destruídas pela tempestade que assolou a zona. 9. A embargante procedeu à sua reconstrução. 10. No Inverno que se seguiu as estufas reconstruídas foram de novo destruídas por vendavais. 11. Tendo a embargante procedido de novo à sua reinstalação. 12. As ajudas recebidas no âmbito do contrato celebrado com o IFADAP foram totalmente aplicadas na execução do projecto. 13. Em visita à exploração agrícola da embargante, o IFADAP constatou que, no âmbito do primeiro projecto, apenas se implantou cerca de metade da área prevista das estufas subsidiadas, não havia sido construído o poço e apenas havia sido adquirido um sistema de rega para cerca de metade da área prevista. 14. Tendo o IFADAP solicitado à embargante a justificação dessa situação, o que aquela fez por carta junta a fls. 16. 15. O IFADAP informou a embargante de que poderia comparecer nos serviços, em 7/1/92, tendo esta comparecido e ficado de apresentar justificação para a verificada inexecução do projecto. * Cumpre apreciar. Estamos perante um contrato de financiamento, denominado “contrato de atribuição de ajuda”, celebrado entre a recorrente e o IFADAP. Nos termos de tal contrato, a ora embargante estava, além do mais, obrigada a: - Aplicar integralmente a ajuda concedida na execução do projecto de investimento anexo, com vista à realização dos objectivos visados e aprovados. - Actuar por forma a cumprir pontualmente a execução do projecto de investimento anexo. Daqui resulta que a embargante tinha de concretizar o projecto que apresentara ao IFADAP e fora por este aprovado, utilizando as verbas recebidas exclusivamente em tal projecto. É verdade que a embargante satisfez esta última exigência, já que todo o dinheiro que recebeu do IFADAP foi aplicado na exploração agrícola projectada. E também é verdade que não logrou dar integral cumprimento à outra obrigação, ou seja, pôr de pé e em execução o projecto que merecera a aprovação e financiamento do IFADAP, nomeadamente tendo implantado apenas metade da área prevista de estufas subsidiadas, não tendo construído o poço e adquirindo um sistema de rega para cerca de metade da área prevista. Foi com base em tal situação que o IFADAP, em 14/9/92 comunicou à embargante que fora deliberado rescindir unilateralmente o contrato de atribuição de ajuda. Nos termos do contrato junto a fls. 79, no ponto F.1, “no caso de incumprimento pelo beneficiário de qualquer das suas obrigações ou de desaparecimento, que lhe seja imputável, de qualquer dos requisitos da concessão de ajuda, o IFADAP poderá, unilateralmente, rescindir este contrato ou modificá-lo nos termos da correspondente decisão das entidades competentes”. Em caso de rescisão unilateral do contrato, nos termos citados, fica o beneficiário obrigado a reembolsar o IFADAP das importâncias recebidas a título de ajuda, acrescidas de juros calculados desde a data em que tais importâncias foram colocadas à sua disposição. Na sentença recorrida considerou-se que do contrato resultou, para a embargante, uma obrigação de resultado e não uma simples obrigação de meios. Daí que, tendo-se obrigado a construir a exploração agrícola nos moldes que haviam sido aprovados, a embargante devesse ter usado de diligência, celebrando seguros que lhe permitissem reconstruir as estufas sem gastar a totalidade do dinheiro recebido do IFADAP, estando tal dinheiro reservado nomeadamente para a construção do poço e para a compra do sistema de rega. Estes argumentos surpreendem-nos, já que nunca foi invocada pelo IFADAP qualquer falta de diligência da embargante, nem as partes mencionaram em momento algum a questão a questão dos seguros. Parece-nos existir um esforço do Mº juiz a quo para atribuir à embargante uma conduta negligente conducente a um incumprimento culposo, esforço esse totalmente à revelia da matéria de facto alegada pelas partes e dada como provada. Nem sequer sabemos, já que a sentença o não refere, se o julgador se inteirou da possibilidade de celebrar um tal tipo de seguro em 1989. Isto não determina a nulidade da sentença, já que tal matéria não foi levada à factualidade provada, não representando pois a introdução de factos novos e não alegados. Trata-se apenas de uma questão abordada a título de argumentação, quase a título exemplificativo, mas manifestamente infeliz já que faz orienta a causa para o âmbito da negligência, a qual não fora invocada. Mas isto revela que também o Mº juiz a quo não terá deixado de se sentir impressionado pelo facto de o contrato ser resolvido pelo simples motivo de a embargante não ter construído o projecto na dimensão prevista, independentemente das razões que a levaram a tal. Sendo certo que a cláusula F1 alude claramente à culpa do beneficiário (“... que lhe seja imputável ...”). Da matéria de facto dada como provada, salientamos os seguintes pontos: - “No Outono de 1989 as estufas estavam já instaladas em cerca de metade da área prevista”. - “E foram destruídas pela tempestade que assolou a zona”. - “A embargante procedeu à sua reconstrução”. - “No Inverno que se seguiu as estufas reconstruídas foram de novo destruídas por vendavais”. - “Tendo a embargante procedido de novo à sua reinstalação”. - “As ajudas recebidas no âmbito do contrato celebrado com o IFADAP foram totalmente aplicadas na execução do projecto”. Parece manifesto que a embargante começou o projecto normalmente e que, face à sucessão de factores climatéricos incontroláveis – tempestades – foi forçada a utilizar as verbas do financiamento em repetidas reconstruções das estufas já instaladas em Outubro de 1989. Daqui resultando que já não dispôs de verba para construir as restantes estufas e o poço. Não se vislumbra qualquer conduta negligente da emnbargante, mas antes a conduta normal de uma pessoa a braços com problemas que a ultrapassam em absoluto, e que, perante isso, tenta salvar aquilo que já realizou, mesmo que à custa da impossibilidade de cumprir a totalidade do projecto. Note-se que não se prova qualquer deficiência ou falta de previsão na construção das estufas que as tornasse mais vulneráveis a intempéries ou qualquer outra circunstância que nos permitisse concluir que a embargante não usara da diligência devida. Pelo contrário, mostra-se que actuou de modo que se afigura sensato, perante a anormalidade das situações que teve de enfrentar. E que tais situações foram anormais comprova-o, se necessário fosse, o facto de o próprio Secretário de Estado da Agricultura ter implementado o Programa Operacional Temporais Out/Inv, visando “a melhoria da competitividade da agricultura e promoção do desenvolvimento rural pela reconstituição do potencial produtivo agrícola após os temporais ocorridos em determinadas regiões do País nos meses de Outubro de 1989 e Janeiro de 1990” – artº 6º da contestação do IFADAP. Das obrigações contratuais assumidas pela beneficiária sobressaem, como vimos, para lá de ter de aplicar a ajuda concedida exclusivamente no projecto, “com vista à realização dos objectivos fixados e aprovados” e o actuar de modo a cumprir pontualmente a execução do projecto de investimento. Poder-se-á falar aqui de um verdadeiro incumprimento? A embargante usou a ajuda exclusivamente no projecto, com vista à realização dos objectivos aprovados, já que não se prova, nem sequer alega, que tenha por algum modo modificado tal projecto. Por outro lado, a embargante actuou de modo a cumprir a execução do projecto. Se não logrou concretizá-lo, tal deveu-se a razões inteiramente alheias à sua vontade. De resto, é manifesto que, na ausência de qualquer uso indevido ou abusivo das verbas do financiamento, a embargante era a primeira interessada em concretizar o projecto, visando o conjunto de estruturas agrícolas a que dedicava a sua vida. A actuação da embargante mostra que esta procurou salvar o que podia ser salvo, recuperar algumas das estufas na impossibilidade de as implementar todas, enfim de salvaguardar o máximo possível da sua exploração agrícola. Nos termos do artº 432º nº 1 do CC, é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção. No caso dos autos, foi exactamente convencionado no contrato de ajuda, a possibilidade de o IFADAP rescindir unilateralmente o contrato em caso de incumprimento pelo beneficiário de qualquer das suas obrigações ou de desaparecimento, que lhe seja imputável, de qualquer dos requisitos da concessão de ajuda. Ora, a Aª não chegou verdadeiramente a incumprir nenhum dos pontos da cláusula D do contrato. Na sentença recorrida considerou-se que ocorrera incumprimento do ponto D.4. Contudo, como vimos, a embargante sempre actuou de forma a cumprir pontualmente a execução do projecto de investimento; mesmo depois da destruição das estufas, usou a verba da ajuda para as reconstruir – e isto por duas vezes – até chegar à conclusão que o financiamento seria já insuficiente para dar total satisfação ao projecto, ou seja, construir as estufas em toda a área previamente definida e o poço. E mesmo que em termos estritamente objectivos, de resultado, se pudesse falar de incumprimento, ele não resultava de uma actuação menos diligente da embargante: e o ponto D.4 do contrato fala exactamente da obrigação da beneficiária de actuar de forma a cumprir pontualmente a execução do projecto. Logo, a resolução contratual do IFADAP não respeitou os termos contratuais, já que se não verifica nenhum dos motivos elencados na cláusula F.1 que a justificam. De resto, prevendo-se na cláusula F a possibilidade de modificação do contrato e estipulando a cláusula G que o IFADAP poderá, a todo o tempo, constituir garantia real sobre bens do beneficiário, face a tudo o que se disse, nomeadamente a destruição das estufas implantadas, por duas vezes, fruto de intempéries, cuja violência e singularidade foram devidamente assumidas pela Secretaria de Estado, parece desproporcionada a atitude do IFADAP, colocando a beneficiária numa situação altamente delicada, com um projecto agrícola reduzido a metade e uma dívida expressiva, que irão colocá-la numa situação ainda pior do que antes de requerer a ajuda do IFADAP. Entendemos a preocupação do embargado em impedir abusos ou até situações de menor diligência: mas, como resulta da matéria dada como provada, nada disso ocorre na situação dos autos. Conclui-se, assim, que a rescisão unilateral do contrato pelo IFADAP viola os termos do contrato celebrado com a embargada. Face ao exposto acorda-se em dar provimento à apelação, julgando procedentes os embargos. Sem custas. LISBOA, 6 de Julho de 2005 António Valente Sacarrão Martins Teresa Pais |