Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3295/18.0T8CSC.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO AO REPOUSO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTES AS APELAÇÕES DA R. CS E DOS AA., E PROCEDENTE NO QUE CONCERNE A CUSTAS A APELAÇÃO DA R.«PRESSLEY RIDGE»
Sumário: I–No caso dos autos, com o ruído decorrente do funcionamento da padaria com fabrico de pão desde a madrugada, o sono, a tranquilidade e o repouso dos AA. foram afectados, sendo que ao estado de saúde físico-psíquico são inerentes tais bens que constituem condições biofóricas do normal funcionamento do corpo e cujas violações integram ilícitos civis; o art. 70 do CC menciona expressamente a responsabilidade civil como meio de tutela da personalidade física e moral.

II–Face à factualidade apurada são responsáveis pelo ressarcimento dos danos sofridos pelos AA. ambas as RR. – condómina da fracção autónoma e arrendatária da mesma fracção - uma vez que relativamente a ambas se verificam os vários pressupostos da obrigação de indemnizar com fundamento na responsabilidade civil extracontratual.

III–Ambas as RR., em conjugação, são autoras do facto ilícito sendo a sua actuação culposa – as RR. agiram indiferentes às consequências que adviessem das suas condutas, em ordem, apenas, a prosseguir com os seus objectivos e conformando-se com as eventuais consequências dos seus actos para com terceiros.

IV–O licenciamento obtido pelas RR. junto da CMC é inócuo, uma vez que não houve o consentimento dos condóminos – trata-se de licenciamento para fim diferente do constante do título constitutivo da propriedade horizontal, no que concerne àquela fracção e que era, apenas, o do comércio.

V–Os prejuízos não patrimoniais sofridos pelos AA., os quais, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, foram causados pela conjugada actuação ilícita e culposa das RR., estando estas obrigadas a ressarcir aqueles danos; não se evidenciando que os mesmos hajam sido causados em maior proporção pela conduta de uma das RR. do que pela da outra não há razão para que contribuam em percentagem diferente no que respeita à indemnização.

VI–Pese embora a pontual alteração da decisão sobre a matéria de facto, mostra-se adequada, porque equitativa, a indemnização fixada pelo Tribunal de 1ª instância.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:

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ISR e CR intentaram a presente acção declarativa com processo comum contra CS e «Pressley Ridge – Associação de Solidariedade Social».

Alegaram os AA., em resumo:
Os AA. adquiriram para sua habitação e do seu agregado familiar, ali residindo, a fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao terceiro piso – primeiro andar direito –destinado a habitação, com uma garagem no primeiro piso (cave) do prédio sito na Rua ..... ..... ..... ....., nº... a ...-B, G_____.
Resulta do título constitutivo da propriedade horizontal daquele edifício que a fracção “B”, propriedade da primeira R., se destina a fins comerciais, mas a 1ª R. arrendou a fracção para fins industriais – à 2ª R. - não havendo os condóminos dado o seu consentimento para a utilização da fracção para fins industriais. Assim, a 1ª R. deu de arrendamento esta fracção à 2ª R., ali começando a funcionar, em 9-11-2016, um estabelecimento de padaria com fabrico de pão e produtos afins, explorado pela 2ª R..
A padaria instalada na fracção “B” iniciava a sua laboração de madrugada, prolongando-a até às 19 horas, sendo que os ruídos e cheiros que dali vinham, na sequência da fabricação do pão, perturbavam os AA., passando estes sistematicamente a acordar por volta das 5 horas da manhã, de terça a sábado, hora a partir da qual não mais conseguiam dormir e descansar; nas noites em que a actividade da padaria se iniciava por volta das 24 horas os AA. quase não dormiam.
Esta situação afectou os AA. - o A. que profissionalmente tinha de conduzir pediu a mudança das suas funções e passou a trabalhar num armazém, porque devido ao cansaço tinha de parar a condução e dormir um pouco e teve receio de causar qualquer acidente; sendo os AA., habitualmente calmos e cordatos, desde a abertura do estabelecimento começaram a sentir dores de cabeça frequentes, a andar irritados e cansados devido à privação de sono, situação que se reflectiu nas suas vidas pessoais e profissionais.

Formularam os AA. os seguintes pedidos:
«a)-a 1ª Ré ser condenada a abster-se de utilizar, dar de arrendamento ou por qualquer forma ceder o uso da sua fracção no prédio dos autos para fim diverso do comercial consignado no titulo constitutivo da propriedade horizontal;
b)-a 1ª e a 2ª Rés serem condenadas solidariamente a pagar aos AA. indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 12.000,00 (doze mil euros) para cada A., acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento».
Citadas as RR., contestou a segunda R. impugnando factualidade alegada pelos AA., alegando, designadamente que a fracção podia ser arrendada para fins industriais, uma vez que a Câmara Municipal de C_____ emitiu alvará para esse fim e que procedera à denúncia do contrato de arrendamento, havendo cessado a sua actividade em 16-2-2018.
Concluiu pela improcedência da acção.
O processo prosseguiu, vindo a final a ser proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «… julga a acção procedente por provada e, em consequência, condeno a R. CSS a abster-se de utilizar, dar de arrendamento ou por qualquer forma ceder o uso da sua fracção do prédio dos autos (fracção “B”, loja A) para fim diverso do comercial.
Condeno ambas as RR., solidariamente, a pagarem a cada um dos AA. indemnização por danos não patrimoniais, no valor de €5.000,00 a cada um dos AA., no total de €10.000,00, absolvendo-se as RR. no demais peticionado».
Desta sentença apelaram a R. CS e a R. «Pressley Ridge – Associação de Solidariedade Social», bem como interpuseram recurso subordinado os AA..

Concluiu a apelante CS nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
A)-A apelante não se conforma com a sentença recorrida na parte em que é condenada a pagar solidariamente com a co-ré, Pressley Ridge a quantia de € 5.000,00 a cada um dos apelados;
B)-Da factualidade provada, é irrefutável a inexistência de nexo causal entre o arrendamento da fracção autónoma de que a apelante é proprietária, para um fim diferente do que consta do título constitutivo da propriedade horizontal e os danos reclamados pelos apelados;
C)-A violação dos direitos de personalidade dos apelados não resultou da instalação da padaria no local arrendado, mas do modo como essa actividade foi exercida e na qual a apelante não teve qualquer intervenção;
D)-A apelante não pode ser responsabilizada, a título de responsabilidade civil, pela forma como a ré Pressley Ridge exerceu a sua actividade, ao não respeitar os horários de funcionamento do estabelecimento e ao perturbar o descanso dos apelados;
E)-Não se provou qualquer facto ilícito da apelante que possa ser causa adequada à produção dos danos reclamados pelos apelados;
F)-Não existindo nexo de causalidade entre os danos e a conduta da apelante, não pode a mesma de responder a título de responsabilidade civil, cujos pressupostos não estão preenchidos;
G)-Mesmo que, por hipótese académica, se possa entender que existe alguma responsabilidade da apelante pelo destino dado à fracção, sempre a mesma deverá ser graduada em percentagem inferior à da co-ré, Pressley Ridge;
H)-Em qualquer dos casos o valor indemnizatório fixado, é excessivo e desproporcionado, pelo que deverá ser reduzido para valores equitativos.
I)-A sentença recorrida ao condenar a apelante no pedido de indemnização, viola o disposto nos artigos 483º, nº 1. 496º, nº 1 e 563º, todos do Código Civil.

Já a apelante «Pressley Ridge» apresentou as seguintes conclusões na sua alegação de recurso:

1.–O CASO DOS AUTOS

a)- Os AA. intentaram a presente acção, em 30 de Outubro de 2018, peticionando a condenação da ora apelante (solidariamente com a sua senhoria) a pagar-lhes a indemnização global de € 24.000,00, pelos incómodos causados pelo funcionamento de uma padaria/pastelaria que a demandada explorou numa loja situada no prédio onde eles viviam, entre 9 de Novembro de 2016 (facto provado nº. 17) e 16 de Fevereiro de 2018 (facto provado nº. 42);
b)-Os AA. residiam na fracção autónoma correspondente ao 1º. andar direito do prédio sito na Rua …, nº. …, no E_____, e a ora apelante desenvolveu a sua actividade – no período balizado na conclusão a) supra – na designada “loja A” do mesmo imóvel (factos provados nºs. 1, 6 (bis) e 16);
c)-Em momento anterior à celebração do contrato de arrendamento mediante o qual a ora apelante acedeu ao gozo da loja onde instalaria a sua padaria, a Câmara Municipal de C_____ emitiu, em 9 de Dezembro de 2015, um averbamento ao alvará de utilização nº. …/1999 (atinente ao prédio de que faz parte aquela loja), atestando «a compatibilidade do uso industrial a instalar na fracção “B”» (facto provado nº. 12);
d)-Na assembleia de condóminos do prédio em causa, que reuniu no dia 12 de Outubro de 2015, foi deliberado “impedir a realização do contrato de arrendamento” pela 1ª. Ré à ora apelante (facto provado nº. 10);
e)-Em assembleia realizada no dia 7 de Fevereiro de 2016, informados da emissão do referido averbamento ao alvará de utilização, os condóminos decidiram que aguardariam “as respectivas autorizações e que a seu tempo se pronunciariam” (facto provado nº. 14);
f)-Os AA. afirmaram que, após o início da actividade desenvolvida pela ora apelante na loja em causa, passaram a acordar com os ruídos ali produzidos, “por volta das 5 horas da manhã, de 3ª feira a Sábado, hora a partir da qual não mais conseguiam dormir e descansar” (facto provado nº. 21 – a reapreciar pelo Venerando Tribunal ad quem);
g)-O cansaço provocado pela privação do sono alterou o humor dos AA., que passaram a andar irritados e com menos paciência e tolerância para com os colegas e diminuíram o seu rendimento profissional (factos provados nºs. 30, 32 e 33 – a reapreciar pelo Venerando Tribunal ad quem);
h)-Em 24 de Janeiro de 2018, por solicitação do condomínio de que faz parte a fracção autónoma onde os AA. residiam e aquela onde a ora apelante tinha instalada a sua padaria, foi levada a efeito uma avaliação do ruído, no 1º. andar sob o qual se situa a “loja A” – que não é aquele onde os recorridos residiam –, tendo a dBwave.i – Acoustic Engineering, S.A. apurado que se verificava um nível sonoro de 18 dB(A), sendo o máximo legalmente permitido, pelo nº. 1 do art. 13º. do Dec.-Lei nº. 9/2007, de 17 de Janeiro, de 5 dB(A) (facto provado nº. 39);
i)-Com base nos factos que deu como provados, a Mma. Juiz a quo julgou a acção (parcialmente) procedente, condenando a ora apelante e a co-Ré, sua senhoria, a pagarem a cada um dos AA., a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante de € 5.000,00 (no valor global de € 10.000,00), sendo as custas a suportar por AA. e Rés, na medida de metade;

2.–DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PELO VENERANDO TRIBUNAL AD QUEM

j)-No ponto 15 dos factos provados, a Mma Juiz a quo consignou que os condóminos se opuseram expressamente ao funcionamento da padaria, “antes e depois do início da sua actividade”, o que é contrariado pelo facto provado nº. 14, onde foi reflectida a última posição tomada pelos condóminos, de que há notícia nos autos, na qual adiaram, para momento posterior ao do conhecimento do licenciamento da padaria pela Câmara Municipal de C_____, a sua tomada de posição.
Consequentemente, o ponto nº. 15 deverá ser retirado da relação dos factos provados;
k)-No ponto 19 da matéria de facto provada, a Mma. Juiz a quo deu como assente que a laboração na padaria da Ré apelante se iniciava cerca das 4 ou 5 horas da manhã e por vezes mais cedo, o que foi contraditado pelas testemunhas ÁP e PC (cujos depoimentos estão referenciados e transcritos, nas partes pertinentes, no corpo destas alegações), únicos padeiros que trabalhavam para a ora apelante, na referida loja, que negaram que o início habitual da laboração ocorresse antes das 5 da manhã e precisaram que ocorreram apenas duas excepções, motivadas por encomendas volumosas. O facto correspondente ao nº. 19 deverá ser corrigido de acordo com a prova produzida, tendo a ora apelante formulado uma sugestão de redacção, no corpo destas alegações;
l)-Nos factos nºs. 20, 21, 22 e 27 da, aliás douta, sentença recorrida, a Mma. Juiz a quo acolheu, integralmente, a versão dada à estampa pelos AA. na petição inicial, quanto ao nível do incómodo por eles sentido em razão do funcionamento da padaria da ora apelante e deu – genericamente – como não provado o facto invocado pela aqui recorrente no art. 38º. da contestação, relativamente ao local onde foi feita a avaliação do ruído pela dBwave.i – Acoustic Engineering, S.A.. Porém, esses factos não constam dos depoimentos de qualquer testemunha (não tendo nenhuma delas referido que estiveram na casa dos AA. e aí ouviram o ruído de que estes se queixavam), sendo incontroverso – quer pela leitura do relatório, quer pelo depoimento da testemunha AI (arrolada pelos ora apelados e cujo depoimento se mostra referenciado e transcrito, na parte pertinente, no corpo destas alegações) – que a avaliação do ruído não foi efectuada na fracção autónoma onde residiam os AA., mas no outro 1º. Andar (igualmente propriedade deles), no extremo oposto do prédio, que era aquele sob o qual se situava a loja onde a ora apelante tinha instalada a padaria.
Consequentemente, deverão ser dados como não provados os pontos nºs. 20, 21, 22 e 27 e provado o facto vertido no art. 38º. da contestação da ora apelante, constando do corpo da presente petição de apelação uma sugestão de redacção para a realidade emergente da prova produzida;
m)-Nos factos nºs. 28 e 29 da, aliás douta, sentença recorrida, a Mma. Juiz a quo acolheu, na íntegra e sem reservas, o que os AA. fizeram escrever na petição inicial acerca das consequências do ruído produzido na padaria da ora apelante na actividade profissional do recorrido varão, sendo uma delas a mudança de funções que, a seu pedido, se verificou em Abril de 2017.
Contudo os depoimentos das testemunhas AA e JG (ambas arroladas pelos AA. e ambas colegas de trabalho do demandante, devidamente identificadas no corpo das presentes alegações), únicas que se pronunciaram sobre esta matéria (em trechos atrás transcritos), desmentem tal factualidade, sendo apodíctico que a mudança de trabalho em causa se deveu não ao alegado cansaço do A., mas ao cancro de pele de que padecia e que o impedia de se submeter à exposição solar, inevitável nas funções de motorista que exerceu ao serviço da Câmara Municipal de C_____ até àquele mês de Abril de 2017.
Releva da experiência comum que o padecimento de uma doença oncológica causa no paciente – pela incerteza e prognóstico que lhe estão associados – inquietação, angústia e reflexão, pelo que a desatenção demonstrada pelo A. não terá tido como causa o ruído provocado pela padaria da apelante, mas o mal de que padecia e que o obrigou a alterar a sua vida. Deverão, pois, ser eliminados da lista dos factos provados, os pontos nºs. 28 e 29 da, aliás douta, sentença recorrida;
n)-Os factos dados como provados nos arts. 30º. e 32º. da, aliás douta, sentença recorrida, são a transcrição, respectivamente, dos arts. 31º. e 33º. da petição inicial. Todavia, sobre o relacionamento intraconjugal dos AA. não depôs nenhuma das testemunhas e sobre a alteração do comportamento da ora apelada referiram as testemunhas LR e MR (cujos depoimentos se encontram referenciados e transcritos, nas partes pertinentes, no corpo desta petição de apelação) que, ao longo de 2017 a apelada começou a sentir o seu emprego em risco (com ordenados em atraso), o que veio a consumar-se em 9 de Agosto de 2017, por falência da sua entidade patronal. A situação de desemprego em que a A. sombreou e a angústia da incerteza do futuro (ela desempregada e o marido gravemente doente) são compatíveis com a irritabilidade e falta de paciência para com os colegas que passou a demonstrar, sendo também provável causa das suas insónias, pelo que os factos provados nºs. 30 e 32 deverão ser eliminados da respectiva enumeração;
o)-Não terá sido o ruído produzido na padaria explorada pela ora apelante, situada no extremo oposto do prédio, a privar os AA. do sono, mas a duplamente dramática situação que viveram em 2017, sendo muito provável, à luz das regras da experiência comum, que, estando acordados por não conseguirem conciliar o sono, preocupados com os problemas que os afectavam, ouvissem o ruído provocado pelo fabrico de pão, mas que não era tão intenso que os acordasse;
p)-Nada nos autos indicia que o ruído gerado nas instalações de que a ora apelante era arrendatária fosse superior ao co-natural (e por isso indispensável) à fabricação de pão, actividade na qual nada existe de ilícito;
q)-A Ré aqui apelante tomou de arrendamento, para instalar uma padaria/pastelaria, com fabrico próprio, uma fracção autónoma que se encontrava licenciada para que nela fosse exercida aquela actividade, pela entidade administrativa com competência para o efeito, não tendo actuado à margem da lei, nem clandestinamente;
r)-A Ré CS, como proprietária da loja estava obrigada a assegurar à então sua inquilina, aqui apelante, o gozo da fracção autónoma em causa para o fim constante do contrato de arrendamento;
s)-Na eventualidade de ter sido cometido um ilícito civil, a responsabilidade de indemnizar impenderá sobre quem, a isso estando adstrito, não dotou o local arrendado do isolamento acústico adequado à actividade para a qual arrendou a fracção autónoma à ora apelante;
t)-Se a fracção autónoma em causa não poderia ser afectada ao fabrico artesanal de pão, a responsabilidade por essa afectação impende exclusivamente sobre a proprietária, que estava obrigada a actuar de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal e vinculada a respeitar o regulamento do condomínio;
u)-Perante o licenciamento da fracção autónoma para que nela pudesse ser exercida a actividade a que a Ré ora apelante a destinaria, em execução do contrato de arrendamento que a teve por objecto, a recorrente não praticou qualquer acto ilícito de que emerja a responsabilidade de indemnizar os AA., aqui apelados;
v)-A ora apelante apenas exerceu a sua actividade no local em causa durante 14 meses, ainda que tivesse perspectivado fazê-lo pelos 5 anos que constam do contrato de arrendamento, sendo a indemnização arbitrada manifestamente excessiva;
w)-Tendo os AA. peticionado uma indemnização de € 24.000,00 e decaído na medida de € 14.000,00, as custas hão-de ser suportadas na medida do vencimento e não em partes iguais;
x)-A Mma. Juiz a quo, para além de não ter avaliado devidamente a prova produzida, procedeu a errada interpretação e aplicação dos arts. 70º., 433º, nº.1, 494º. e 1031º., alínea b), do Código Civil.

Por fim, os AA. terminaram a sua alegação de recurso (subordinado) com as seguintes conclusões:
1ª-A única questão objecto do presente recurso é a de saber se o valor indemnizatório fixado na sentença recorrida é justo, porque equitativo, ou se ao invés, se aquele se mostra inadequado para compensar os danos sofridos pelos Autores.
2ª-Dá-se por inteiramente reproduzida a factualidade apurada na primeira instância, que não vem impugnada e que merece total concordância dos ora Apelantes.
3ª-Estes subscrevem, in totum, a fundamentação de Direito da sentença recorrida sobre o pedido indemnizatório formulado, à luz da matéria dada como provada.
4ª-Porém, o quantum indemnizatório fixado na decisão, de € 5.000,00 a cada um dos Autores, ao invés dos € 12.000,00 peticionados, mostra-se, com todo o respeito pela decisão recorrida, miserabilista, não permitindo proporcionar-lhes a justa compensação que lhes é devida.
5ª-A compensação por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso concreto (arts. 496º, nº 3, e 494º do Código Civil), entre as quais se contam as lesões sofridas e os respectivos sofrimentos, e não deve ser miserabilista, mas significativa, a fim de constituir uma efectiva possibilidade compensatória.
6ª-Os Autores sofreram os danos não patrimoniais provados: privação do sono, dores de cabeça, cansaço, stress, irritabilidade, má disposição, impaciência, dificuldade de concentração e de raciocínio e diminuição do rendimento profissional.
7ª-A laboração da segunda Ré decorreu entre Novembro de 2016 e Fevereiro de 2018 (15 meses) – embora se tenha sucedido novo arrendamento para o mesmo fim, com início em 01-04-2018 –, mas constitui facto notório que as perturbações do sono e os seus efeitos se prolongam no tempo, persistindo para lá da cessação da causa que lhes dá origem.
8ª-As Rés tiraram claro proveito económico da situação: a primeira Ré recebeu uma renda mensal de € 850,00 pela cedência do imóvel (cf. contrato de arrendamento junto aos autos com a sua contestação) e é patente que a actividade que a segunda Ré desenvolveu na fracção tinha, ela própria, escopo lucrativo.
9ª-Por tudo quanto ficou exposto, será justa, porque equitativa, a fixação da indemnização a atribuir a cada um dos ora Apelantes em € 12.000,00.
Foram apresentadas contra alegações pelo A., no que concerne ao recurso interposto pela R. CS, e pela A., no que respeita ao recurso interposto pela R. «Pressley Ridge».
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IISão as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que delimitam o objecto da apelação. Assim, face ao teor das conclusões apresentadas pelas várias apelantes as questões que se colocam são as seguintes:
- No que concerne à apelação interposta pela R. CS – se atentos os factos provados, não estão, quanto à apelante, reunidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, não estando demonstrado, relativamente à apelante, um facto ilícito que possa ser causa adequada da produção dos danos reclamados (resultando a violação dos direitos da personalidade dos A. do modo como a actividade da co-R. «Pressley Ridge» foi exercida); se, mesmo que existisse alguma responsabilidade da apelante, a mesma deveria ser graduada em percentagem inferior à da sua co-R., sendo, de qualquer modo, o valor fixado na sentença recorrida excessivo;
- No que concerne à apelação interposta pela R. «Pressley Ridge»: se deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto provada consoante propugnado por esta R.; se não estão reunidos os pressupostos conducentes à obrigação de indemnizar por parte da mesma, sendo que no pressuposto de ter sido cometido um ilícito civil a responsabilidade recairia sobre a co-R. senhoria; se, de qualquer modo, a indemnização arbitrada é excessiva; se foi incorrecta a condenação em custas;
- No que respeita ao recurso subordinado apresentado pelos AA. – se o valor fixado para a indemnização é inferior ao valor justo que seria o de 12.000,00 € para cada um dos AA..
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III–1-O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1–Os AA. têm inscrita a seu favor a fracção “D”, correspondente ao terceiro piso-primeiro andar direito - destinada a habitação, com uma garagem no primeiro piso (cave), do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, nº …, …-A e …-B, G_____, 2....-000 E_____, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de C_____ sob o nº … da freguesia do E_____ e inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de C_____ e E_____ sob o artigo ….
2–Os AA. adquiriram a referida fracção para sua habitação própria.
3–Encontra-se inscrita, pela Ap. … de 1999/06/23, a aquisição a favor da 1ª Ré, por compra, da fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano supra identificado, correspondente ao segundo piso – rés-do-chão direito – estabelecimento comercial com terraço, com a menção de “Compra com a cláusula de bem próprio”.
4–A mesma fracção mostra-se inscrita na respectiva matriz predial a favor da 1ª Ré, dela constando a afectação a comércio.
5–A fracção “B” tem entrada pelo nº …-A e é comummente designada por loja A.
6–Do título constitutivo da propriedade horizontal do referido prédio, então sito no Largo ....., Lote …, G_____, consubstanciado em escritura de 03/02/1999, outorgada no Décimo Oitavo Cartório Notarial de Lisboa, consta: “Que no indicado prédio foi construído um edifício (…), composto por sete pisos, oito fogos, dois estabelecimentos comerciais, duas arrecadações, oito garagens, uma dependência para lixo e terraços.
Que o prédio é formado por dez fracções, que além de constituírem unidades autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si, têm saída própria para uma parte comum do prédio e para a via pública (…)
Que, pela presente escritura, submete o identificado prédio ao regime de propriedade horizontal, de harmonia com o auto de vistoria da Câmara Municipal de C_____, especificando, para o efeito, as partes do edifício correspondente às várias fracções, individualizando-as e fixando o valor de cada uma delas expresso em permilagem do valor total do prédio, conforme tudo consta do documento complementar anexo…”

7–No referido documento complementar encontra-se exarado, designadamente:

As fracções autónomas de que o prédio se compõe, designam-se pelas seguintes letras e têm a seguinte composição, permilagens e valores relativos, que se indicam:

= Fracção A =
SEGUNDO PISO (rés do chão esquerdo) – Um estabelecimento comercial com terraço, à qual se atribui a permilagem de noventa (…).

= Fracção B =
SEGUNDO PISO (rés do chão direito) – Um estabelecimento comercial com terraço à qual se atribui a permilagem de noventa (…).

= Fracção C =
TERCEIRO PISO (primeiro andar esquerdo) – Um fogo destinado a habitação com uma garagem no primeiro piso (cave), ao qual se atribui a permilagem (…) de oitenta e cinco (…).

= Fracção D =
TERCEIRO PISO (primeiro andar direito) – Um fogo destinado a habitação com uma garagem no primeiro piso (cave), ao qual se atribui a permilagem de cento e dez (…).

= Fracção E =
QUARTO PISO (segundo andar esquerdo) – Um fogo destinado a habitação com uma garagem no primeiro piso (cave), ao qual se atribui a permilagem de oitenta e cinco (…).

= Fracção F =
QUARTO PISO (segundo andar direito) – Um fogo destinado a habitação com uma garagem no primeiro piso (cave), ao qual se atribui a permilagem de cento e dez.

(…).
= Fracção G =
QUINTO PISO (terceiro andar esquerdo) – Um fogo destinado a habitação com uma garagem no primeiro piso (cave), ao qual se atribui a permilagem de oitenta e cinco (…).

= Fracção H =
QUINTO PISO (terceiro andar direito) – Um fogo destinado a habitação com uma garagem no primeiro piso (cave), ao qual se atribui a permilagem de cento e dez.

(…).
= Fracção I =
SEXTO PISO (quarto andar esquerdo) – Um fogo destinado a habitação com uma garagem no primeiro piso (cave), e uma arrecadação no último piso (sótão), ao qual se atribui a permilagem de cento e cinco (…).

= Fracção J =
SEXTO PISO (quarto andar direito) – Um fogo destinado a habitação com uma garagem no primeiro piso (cave), e uma arrecadação no último piso (sótão), ao qual se atribui a permilagem de cento e trinta (…).” .
8–A constituição do regime da propriedade horizontal foi inscrita na referida Conservatória pela cota F-1, Ap. 31/220299.
9–Os condóminos nunca alteraram esse regime.
6–Encontra-se registada na mesma Conservatória, pela inscrição Ap. … de 1999/06/23, a aquisição a favor da primeira Ré, por compra, da fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano supra identificado, com a menção de “Compra com a cláusula de bem próprio”.
7–A mesma fracção mostra-se inscrita na respectiva matriz predial a favor da primeira Ré, dela constando a afectação a comércio.
8–A fracção “B” tem entrada pelo nº … e é comummente designada por loja A.
9–A 12/10/2015, reuniram-se em assembleia extraordinária os condóminos do edifício dos autos, tendo como único ponto da ordem de trabalhos “ponderar o aluguer da Loja A”, na qual “esteve presente a representante da Pressley Ridge – Associação de Solidariedade Social, entidade que pretendia alugar a Loja A. Esta explicitou os fundamentos orientadores da IPSS, esclarecendo também que o trabalho social a desenvolver na loja (…) implicava instalar uma padaria nesse espaço”, como dá conta a respectiva acta.
10–Na sequência dessa pretensão: “Por unanimidade, os condóminos questionaram a proposta de aluguer e impediram a sua realização com base no artigo 5.º, ponto 4º. Do segundo parágrafo constante do Regulamento do condomínio”.
11–A 17/11/2015 deu entrada na Câmara Municipal de C______ um pedido que foi registado com o nº E-DCID/11541-2015, assinado por KA, a requerer “a declaração de compatibilidade com o uso industrial (anexa a este documento), enquanto Presidente da Direção da Pressley Ridge – Associação de Solidariedade Social”, referente à fracção “B” do prédio dos autos, o qual foi acompanhado de declaração, com data de 16/11/2015, assinada por CS, na qualidade de proprietária da fracção, na qual esta autoriza aquela associação a requerer a emissão da dita declaração.
12–A 09/11/2015 (parece tratar-se de lapso de escrita, a data será 09/12/2015), foi emitido pela Câmara Municipal de C_____ Averbamento ao Alvará de Autorização de Utilização nº …/…, com “a compatibilidade do uso industrial do estabelecimento” a instalar na fracção “B”, “a qual foi declarada por despacho de 3 de dezembro de 2015 do Sr. Vereador do Pelouro da Gestão e Intervenção Territorial no req.º E-DCID-2015/11541, apresentado por PRESSLEY RIDGE –ASSOCIAÇÃO DE SOLIDARIEDADE SOCIAL”.
13–Na assembleia de condóminos realizada a 07/02/2016, “Os condóminos da loja A (…) informaram ainda a assembleia de que vão alugar o espaço à organização que o condomínio não aprovou em assembleia de 12 de Outubro de 2015, pelo facto de os serviços que a referida organização presta implicarem a instalação de uma padaria.
14–Os condóminos da loja A referiram ter tratado de todas as licenças na Câmara Municipal de C_____, não existindo qualquer impedimento legal ao aluguer do espaço àquela organização. A assembleia referiu que aguardará as respectivas autorizações e que a seu tempo se pronunciará”, declarações documentadas na acta.
15–Os condóminos, incluindo os ora AA., nunca deram o seu consentimento à utilização da fracção “B” para fins industriais e expressamente se opuseram ao funcionamento nela de padaria, antes e depois do início da sua actividade, facto do conhecimento de ambas as Rés.
16–Por contrato de arrendamento datado de 01.01.2016, a 1ª Ré cedeu o uso dessa fracção à 2ª Ré, para que esta nela instalasse uma padaria com fabrico de pão, mediante o pagamento de uma renda.
17–A 09/11/2016 foi inaugurado e começou a funcionar na aludida fracção “B” um estabelecimento de padaria com fabrico de pão e produtos afins, denominado “Padaria Pão com História”, explorado pela 2ª Ré.
18–Nele foi afixado horário de funcionamento, das 7:00 às 19:00 horas.
19– No entanto, a padaria iniciava a sua laboração habitualmente de madrugada, cerca das 4 ou 5 horas, por vezes mais cedo, e prolongava-se até depois das 19 horas, sendo que o fabrico de pão se efectuava no período da manhã/madrugada e a comercialização do mesmo se prolongava até às 17 horas.
20–Logo que se iniciava a sua actividade, o ruído produzido pela padaria era contínuo e prolongava-se por horas, até perto das 8 horas da manhã, e era audível na habitação, onde os AA. residem, incluindo no seu quarto. Aí se ouviam vozes em tom alto, a falar e a cantar, música, impactos de tabuleiros ou outros utensílios metálicos nas bancadas e no chão, trepidação das rodas dos carrinhos no chão, batedeiras e outras máquinas a trabalhar.
21–Desde o início de funcionamento da padaria, este ruído passou a acordar sistematicamente os AA. por volta das 5 horas da manhã, de terça-feira a sábado, hora a partir da qual não mais eles conseguiam dormir e descansar.
22–Em noites em que a actividade da padaria se iniciava por volta das 24 horas, os AA. quase não dormiam.
23–O A. era trabalhador do Município de C_____.
24–Em Novembro de 2016, trabalhava como motorista de pesados com grua, com um horário de trabalho das 08:00 às 16:00 horas.
25–À data, a A. era secretária na sociedade Sitel, em Lisboa, com um horário de trabalho das 9:00 às 18:00 horas, empresa na qual trabalhou até 09/08/201.
26–Até então, os AA. levantavam-se habitualmente por volta das sete horas da manhã e dormiam um período de 7 a 8 horas por noite.
27–A partir de Novembro de 2016, por causa do ruído produzido pela 2ª Ré, os AA. passaram a dormir cerca de cinco horas por noite, ou menos.
28–No trabalho, o A., devido ao cansaço, sempre que parava a condução, passou a encostar a cabeça e dormitar, o que antes não fazia.
29–Embora gostando do seu trabalho, pediu para mudar para trabalho de armazém por recear provocar algum acidente, tendo mudado em Abril de 2017.
30–A A., com o cansaço, passou a adormecer em qualquer local, o que antes não sucedia, nomeadamente, enquanto aguardava o início de reuniões de trabalho, nos transportes, na sala de espera do consultório médico.
31–Os AA., pessoas habitualmente calmas e cordatas, desde a abertura do estabelecimento começaram a queixar-se de frequentes dores de cabeça e a andar stressados, irritados e cansados por efeito da privação do sono.
32–Passaram a implicar entre si por factos a que antes não atribuíam importância.
33–No emprego, os AA. passaram a andar mal dispostos, com menos paciência e tolerância para com os colegas, e a sentir maior dificuldade de concentração e de raciocínio, tendo muitas vezes de repetir as suas tarefas e diminuindo o seu rendimento profissional.
34–Os AA. queixaram-se aos RR., a quem deram conhecimento dos efeitos que o ruído produzido pelo funcionamento da padaria lhes causava.
35–Chegaram a chamar, pelo menos duas vezes, a Polícia por causa do barulho.
36–A Administração do Condomínio também apresentou reclamações à Câmara Municipal de C_____.
37–Com data de 20/01/2017, foi prestada informação por fiscal municipal de que “Visitado o local verificou-se a existência [de] uma padaria com fabrico próprio no estabelecimento e que possui horário de funcionamento afixado”.
38–Na sequência de reclamação apresentada a 28/03/2017 pela Administração do Condomínio ora A. à Câmara Municipal de C_____, foi realizada por esta a 09/05/2017 uma inspecção técnica ao edifício, que deu origem a informação de serviço de 30/05/2017, que termina com a seguinte conclusão e proposta de onde resulta que : “(…) esta comissão tem a informar que tudo indica que a exaustão de fumos dos fornos se encontra ligada à saída de fumos existente no prédio (…) e não às condutas de ventilação das casas de banho do edifício. (…) Quando visitada a chaminé ao nível da cobertura (…), embora a saída de fumos da loja se encontre separada das restantes, verificou-se que pode existir a possibilidade de acumulação de fumos junto das restantes saídas, pela proximidade da tubagens, podendo provocar o retorno para as condutas de ventilação das WC’s dos restantes pisos.
(…) Sobre a situação reportada no local pelos reclamantes, ver F9 e F10 “(…) execução de uma estrutura metálica sobre o terraço e chapas metálicas sobre o muro confinante com o espaço público”, julga-se de informar o reclamado a fazer prova do seu licenciamento e/ou a tutela urbanística para proceder em conformidade.”
39–Por solicitação do Condomínio A., a empresa dBwave.i - Acoustic Engineering, S.A. efectuou, a 23 e 24/01/2018, em período nocturno (entre as 23:00 e as 07:00 horas), no primeiro andar do prédio dos autos, medição do ruído ambiente para avaliação da incomodidade sonora decorrente do funcionamento do referido estabelecimento e elaborou relatório de ensaio de cujas conclusões consta (pág. 8/14) o seguinte:
“Na avaliação efectuada ao funcionamento da atividade de fabrico da padaria “Pão com História” sita na Rua …, nº …, no E_____, Concelho de C______, conclui-se que, no período noturno, são ultrapassados os limites legais aplicáveis ao ruído emitido para o exterior do estabelecimento, designadamente para a habitação sobrejacente. Efectivamente verifica-se que o ruído produzido pela atividade em apreço origina, no interior da habitação referida, acréscimos sonoros elevados, já que se situaram em 18 dB(A), o que está muito acima dos limites máximos permitidos que são de 5 dB(A), conforme definido no nº 1 do artigo 13º do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Dec. Lei nº 9/2007, de 17 de janeiro. Esta actividade configura por isso desconformidade legal da atividade em apreço, relativamente à emissão de ruído para o exterior”.
40–A empresa dBwave.i - Acoustic Engineering, S.A. está acreditada como laboratório de ensaios de ruído e vibrações pelo Instituto Português de Acreditação e os instrumentos de medição utilizados estão verificados pelo Instituto de Soldadura e Qualidade.
41–Em Março de 2018 a padaria “Pão com História” deixou de laborar e de abrir ao público, tendo cessado o ruído que produzia.
42–A segunda Ré cessou a actividade no dia 16 de Fevereiro de 2018.
43–Na acta da assembleia de condóminos que reuniu em 29 de Janeiro de 2017, pode ler-se a fls. 3 daquela acta o seguinte: “O condómino do 1º. andar direito, SR....., declarou ser diariamente impossibilitado de dormir a partir das 5h 00 da manhã, dado o ruído emitido pela Padaria, pelo que é sua intenção levar ao encerramento da mesma, o que motivou uma discussão entre este condómino e o proprietário da loja A., AT.....”.
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III–2-O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os «factos alegados na contestação contrários aos factos alegados na p.i. e que foram dados como provados, ou seja, não se mostra provada a matéria da contestação que impugna factos invocados pelos AA.».
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IV–1-A apelante «Pressley Ridge» pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto, defendendo a eliminação de alguns pontos que constam do elenco dos factos provados, bem como a alteração e aditamento de outros.
Porque a eventual alteração da decisão sobre a matéria de facto precede logicamente as outras questões colocadas, começaremos a análise dos recursos por essa parte.
Nos termos do nº 1 do art. 640 do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Assim, o recorrente deve indicar, desde logo, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões ([1]).
Na realidade, face ao nº 1 do art. 639 do CPC, um dos ónus que recai sobre o apelante é o de formular conclusões – indicação resumida, através de proposições sintéticas dos fundamentos de facto ou de direito por que pede a alteração ou anulação da decisão ([2]).
Como decorre do nº 4 do art. 635 do CPC, nas conclusões pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recursoas conclusões delimitam o objecto do recurso.
Ora, a apelante, muito embora no corpo da alegação de recurso inclua, também, a impugnação da decisão do ponto 33 dos factos provados, nas conclusões da alegação “deixou cair” tal impugnação, uma vez que à mesma não é feita qualquer alusão – por isso não se conhecendo dela.
Em termos prévios e genéricos adiantaremos, ainda, o seguinte.
De acordo com o nº 5 do art. 607 do CPC o juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, princípio que apenas cede perante situações de prova legal. O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: «é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência aplicáveis» ([3]).
Consoante salienta Abrantes Geraldes ([4]) as diferentes circunstâncias em que se encontra o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal de 2ª instância «deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados».
Caberá, de qualquer modo, a este Tribunal ponderando a prova efectivamente produzida, concluir, atenta a sua própria convicção, se aquela prova não suporta os factos julgados provados e impugnados e/ou suporta os factos considerados não provados e também impugnados - utilizando para o efeito as regras da experiência comum e considerando critérios de probabilidade séria e de razoabilidade.
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IV2-A apelante «Pressley Ridge» impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto sustentando desde logo que o ponto 15 dos factos provados deverá ser retirado do elenco dos factos provados, uma vez que contrariado pelo ponto 14 dos mesmos factos.
Consta, respectivamente, dos pontos 9, 10, 13, 14 e 15 dos factos provados:
«9-A 12/10/2015, reuniram-se em assembleia extraordinária os condóminos do edifício dos autos, tendo como único ponto da ordem de trabalhos “ponderar o aluguer da Loja A”, na qual “esteve presente a representante da Pressley Ridge – Associação de Solidariedade Social, entidade que pretendia alugar a Loja A. Esta explicitou os fundamentos orientadores da IPSS, esclarecendo também que o trabalho social a desenvolver na loja (…) implicava instalar uma padaria nesse espaço”, como dá conta a respectiva acta.
10-Na sequência dessa pretensão: “Por unanimidade, os condóminos questionaram a proposta de aluguer e impediram a sua realização com base no artigo 5.º, ponto 4º. Do segundo parágrafo constante do Regulamento do condomínio”.
(…)
13–Na assembleia de condóminos realizada a 07/02/2016, “Os condóminos da loja A (…) informaram ainda a assembleia de que vão alugar o espaço à organização que o condomínio não aprovou em assembleia de 12 de Outubro de 2015, pelo facto de os serviços que a referida organização presta implicarem a instalação de uma padaria.
14–Os condóminos da loja A referiram ter tratado de todas as licenças na Câmara Municipal de C_____, não existindo qualquer impedimento legal ao aluguer do espaço àquela organização. A assembleia referiu que aguardará as respectivas autorizações e que a seu tempo se pronunciará”, declarações documentadas na acta.
15–Os condóminos, incluindo os ora AA., nunca deram o seu consentimento à utilização da fracção “B” para fins industriais e expressamente se opuseram ao funcionamento nela de padaria, antes e depois do início da sua actividade, facto do conhecimento de ambas as Rés».
Na fundamentação da sua convicção mencionou o Tribunal de 1ª instância que haviam sido tidas em consideração as «actas de assembleias do condomínio, onde é discutida a situação que deu origem aos presentes autos», mas, também: «Todas as testemunhas do A. referiram problemas causados com o ruído e cheiros e que os condóminos sempre se opuseram à alteração do destino da fracção, que era para fins comerciais e que passou a ter fins industriais, com parecer favorável da Câmara Municipal de C_____, contra a vontade dos condóminos que não autorizaram a alteração do destino da fracção dos autos».
Das actas da Assembleia de Condóminos acima referidas resulta que os condóminos, na reunião de 12-10-2015, se opuseram ao arrendamento da fracção à «Pressley Ridge» para ali ser instalada uma padaria e que, posteriormente, na reunião de 7-2-2016, face às comunicações de solicitação de licenças junto da CMC, os condóminos apenas disseram que aguardariam as autorizações e depois se pronunciariam, não chegando a  derrogar o que anteriormente haviam deliberado.
Não resulta dos autos qualquer alteração ao anteriormente decidido, aliás, a testemunha DR..... expressamente referiu que que os condóminos nunca mudaram a sua posição inicial.
Assim, deverá manter-se o ponto 15 dos factos provados.
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IV–3-Na sequência, defende a apelante que o ponto 19 dos factos provados deverá ser corrigido, tendo em consideração o depoimento das testemunhas ÁP e PC, passando a ter a seguinte redacção: «A padaria iniciava a sua laboração habitualmente de madrugada, cerca das 5 ou 6 horas, tendo-a iniciado mais cedo em dois dias, sendo que o fabrico de pão se efectuava no período da madrugada/manhã e a comercialização do mesmo se prolongava até às 19 horas».
Aquele ponto da matéria de facto tem a seguinte redação:
«19–No entanto, a padaria iniciava a sua laboração habitualmente de madrugada, cerca das 4 ou 5 horas, por vezes mais cedo, e prolongava-se até depois das 19 horas, sendo que o fabrico de pão se efectuava no período da manhã/madrugada e a comercialização do mesmo se prolongava até às 17 horas».
Ponderando o Tribunal de 1ª instância, a propósito: «As testemunhas ÁP e PC referiram que trabalharam para a segunda R., na padaria, e disseram que iniciavam o fabrico do pão por volta das cinco horas da manhã e em alturas de festas começavam mais cedo, por volta das 03 horas ou 03h 30mn, sendo que pelo menos um dia ou dois foram iniciar o trabalho à meia noite. Havia reclamações dos vizinhos relativamente ao barulho, sendo que a polícia chegou a ir à padaria por ter havido queixas de barulho.
Referiram que as máquinas a trabalhar e os tabuleiros faziam “algum” barulho, sendo que os carrinhos e os tabuleiros eram de alumínio, referiram que tentavam fazer o mínimo de barulho possível mas as pessoas dos andares de cima se queixavam do barulho, sendo certo que uma padaria é um ambiente barulhento quando está a ser confecionado o pão.
A testemunha ÂT..... referiu que trabalhou para a segunda R., mas apenas no atendimento ao público, sendo que iniciava o seu horário de trabalho às 07h 30mn, nada sabendo quanto aos ruídos aquando da fabricação do pão».
As testemunhas AI e VA, que foram residentes no 1º andar esquerdo, mesmo por cima da fracção onde funcionava a padaria, relataram, a primeira que acordava com os barulhos pelas 4 h da manhã (por aproximação, uma vez que não consultava as horas), mas que sucedia umas duas horas antes da sua hora de acordar habitual que era pelas 6 horas. Também a segunda testemunha disse que acordava, com os barulhos, às 4 h/5 h da manhã. Já da conjugação dos depoimentos das testemunhas ÁP e PC, trabalhadores da apelante no fabrico do pão, resulta que a laboração (respeitante ao fabrico do pão) se iniciava pelas 5 h da manhã.
Por outro lado, consta do ponto 43 dos factos provados: «Na acta da assembleia de condóminos que reuniu em 29 de Janeiro de 2017, pode ler-se a fls. 3 daquela acta o seguinte: “O condómino do 1º. andar direito, SR, declarou ser diariamente impossibilitado de dormir a partir das 5h 00 da manhã, dado o ruído emitido pela Padaria…»
Assim, tendo em conta todos os elementos que referimos, parece-nos mais rigoroso considerar que os trabalhos da padaria começavam pelas 5 horas da manhã, afigurando-se, também, ser de corrigir algumas inexactidões da redacção deste ponto da matéria de facto provada que passará a ser a seguinte:
«19–No entanto, a padaria iniciava a sua laboração habitualmente de madrugada, pelas 5 horas da manhã, em raras ocasiões mais cedo, e prolongava-se até às 19 horas, sendo que o fabrico de pão se efectuava no período da manhã/madrugada e a comercialização do mesmo se prolongava até às 19 horas».
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IV–4- Sequentemente, pretende a apelante que sejam julgados não provados os pontos 20, 21, 22 e 27 dos factos provados e julgado provado o facto constante do ponto 38 da contestação, sugerindo para este a seguinte redacção: «A avaliação do ruído a que procedeu a dBwave.i – Acoustic Engineering, S.A. foi efectuada no 1º. andar esquerdo do prédio em causa, que era o correspondente à fracção autónoma sobrejacente ao estabelecimento da Ré Pressley Ridge – Associação de Solidariedade Social». Baseia-se, para o efeito, na circunstância de a avaliação do ruído por parte da «dBwave.i» haver sido feita naquele 1º andar esquerdo, como emerge do mesmo.
Não oferece dúvida quanto ao «Relatório de Ensaio» de fls. 48 e seguintes, solicitado pelo Condomínio do prédio, que a avaliação foi efectuada a partir da habitação no 1º andar por cima do estabelecimento de padaria, 1º andar esquerdo – sendo este o “Receptor” na terminologia utilizada (ver fls. 49).
Os AA. habitavam no 1º andar direito e quem morava no 1º andar esquerdo, conforme os próprios referiram, eram as testemunhas AI e VA, inquilinos desta última habitação.
Consta daqueles pontos da matéria de facto provada:
«20Logo que se iniciava a sua actividade, o ruído produzido pela padaria era contínuo e prolongava-se por horas, até perto das 8 horas da manhã, e era audível na habitação, onde os AA. residem, incluindo no seu quarto. Aí se ouviam vozes em tom alto, a falar e a cantar, música, impactos de tabuleiros ou outros utensílios metálicos nas bancadas e no chão, trepidação das rodas dos carrinhos no chão, batedeiras e outras máquinas a trabalhar.
21–Desde o início de funcionamento da padaria, este ruído passou a acordar sistematicamente os AA. por volta das 5 horas da manhã, de terça-feira a sábado, hora a partir da qual não mais eles conseguiam dormir e descansar.
22–Em noites em que a actividade da padaria se iniciava por volta das 24 horas, os AA. quase não dormiam.
(…)
27– A partir de Novembro de 2016, por causa do ruído produzido pela 2ª Ré, os AA. passaram a dormir cerca de cinco horas por noite, ou menos».
Na fundamentação da sua decisão o Tribunal de 1ª instância mencionou o «relatório de ensaio elaborado pela empresa dBwave.i», que «Todas as testemunhas do A. referiram problemas causados com o ruído e cheiros» e que as «testemunhas apresentadas pelos AA. …  pessoas que conviviam com os AA. à data dos factos, umas por serem colegas de trabalho dos AA. e outras por viverem no prédio dos autos, confirmaram os ruídos e cheiros e a perturbação dos AA., tendo as testemunhas referido que estes se queixavam muito de cansaço por não dormirem as horas necessárias, devido aos barulhos causados pela padaria…»
Do relatório de fls. 48 e seguintes – em que a avaliação do ruído foi realizada no 1º andar esquerdo, por cima da fracção em que funcionava a padaria – consta haver sido concluído que «no período noturno são ultrapassados os limites legais aplicáveis ao ruído emitido para o exterior do estabelecimento, designadamente para a habitação sobrejacente», e que o ruído produzido origina, no interior daquela habitação, acréscimos sonoros elevados, já que se situam em 18 dB(A), o que está muito acima dos limites máximos permitidos que são de 5 dB(A).
Eventualmente, na habitação dos AA. – ou seja, no 1º andar direito - o nível de ruído ficaria um pouco aquém dos 18 dB(A) mas essa circunstância não põe em causa o que consta dos pontos 20, 21, 22 e 27 dos factos provados. Foi, também, produzida prova testemunhal, confirmando as testemunhas AI e VA que nas conversas com os AA. – então seus vizinhos e senhorios – eles formulavam queixas idênticas às suas, no que respeita aos ruídos ouvidos e a acordarem. Também a testemunha MS, residente no 4º andar esquerdo confirmou a produção dos ruídos que chegavam à sua habitação.
Sendo certo que nenhuma das testemunhas se deslocou à habitação dos AA. naquele horário (de madrugada) é admissível inferir-se destes elementos, com base nas máximas da experiência e nos princípios da lógica, o que o Tribunal de 1ª instância consignou ([5]). Os AA., como sucede com as pessoas em geral, poderiam ter outros problemas que os perturbassem – mas o que determinava que eles acordassem e já não conseguissem dormir, nos termos supra referidos eram os aludidos ruídos.
Entendemos, pois, não se justificar a pretendida eliminação dos pontos 20, 21, 22 e 27 dos factos provados, sendo, todavia, de aditar aos factos provados um facto (44) do seguinte teor:
«44–A medição aludida em 39) foi efectuada a partir da habitação do 1º andar esquerdo do edifício, sobrejacente à fracção em que funcionava o estabelecimento de padaria (correspondendo a fracção habitada pelos AA. ao 1ª andar direito)».
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IV–5-Prossegue a apelante com a pretensão de que fossem eliminados da matéria de facto provada os pontos 28 e 29 dos factos provados, argumentando quanto àquele que não foi produzida prova e quanto a este com os depoimentos das testemunhas AA e JG dos quais decorreria que as consequências para o A. ali mencionadas resultavam da doença oncológica de que padecia e não do ruído produzido na padaria.

Consta dos pontos 28 e 29 dos factos provados:
«28–No trabalho, o A., devido ao cansaço, sempre que parava a condução, passou a encostar a cabeça e dormitar, o que antes não fazia.
29–Embora gostando do seu trabalho, pediu para mudar para trabalho de armazém por recear provocar algum acidente, tendo mudado em Abril de 2017».
No que concerne a este último, ou seja, ao ponto 29 dos factos provados a testemunha AA declarou que o A. teve um problema de saúde, cancro na cana do nariz, e depois deixou de poder exercer as funções de motorista, sendo, a posteriori, reclassificado. Do mesmo modo a testemunha JG, disse que o A. pedira para mudar porque não podia apanhar sol, uma vez que tivera uma espécie de cancro da pele.
Assim, entende-se ser de retirar este ponto 29 – que não se encontra provado – do elenco dos factos provados.
No que respeita ao ponto 28 dos factos provados, atendendo ao depoimento prestado pela referida testemunha JG que referiu ter notado que o A. passara a andar mais distraído e que ia almoçar a correr e depois vinha encostar-se um bocadinho no camião, determina-se a alteração do mesmo ponto 28 que passará a ter a seguinte redacção:
«28–No trabalho, o A., na hora do almoço, logo após comer, passou a encostar-se um bocadinho no camião, o que antes não fazia.
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IV–6-Seguidamente a apelante defende que os pontos 30 e 32 dos factos provados deverão ser eliminados da enumeração dos factos provados - embora no corpo da alegação de recurso apenas sustente a reformulação do ponto 30 dos factos provados e a eliminação do ponto 32.
Têm esses pontos o seguinte teor:
«30–A A., com o cansaço, passou a adormecer em qualquer local, o que antes não sucedia, nomeadamente, enquanto aguardava o início de reuniões de trabalho, nos transportes, na sala de espera do consultório médico.
(…)
32–Passaram a implicar entre si por factos a que antes não atribuíam importância».
Sobre esta matéria prestaram depoimento as testemunhas LR e MR que, sendo marido e mulher, trabalharam na Sitel, tal como a A..
As testemunhas nada disseram sobre a A. adormecer nos transportes e na sala de espera do consultório médico. A testemunha LR referiu que quando de manhã encontrava a A. lhe notava cansaço no rosto, mas que isso depois acalmou. A testemunha MR, disse que para o final de 2016 a A. começou a estar pior, irritada, sempre a gritar e a queixar-se e que às vezes começava a querer dormitar nas reuniões; que não conseguia dormir e o marido também não e que andavam os dois irritados e que acabavam por discutir um com o outro.

Deste modo, não sendo abundante, a prova produzida permite que se julguem provados aqueles pontos 30 e 32 nos seguintes termos:
«30–Nas reuniões de trabalho a A., ás vezes, mostrava sonolência.
(…)
32–Passaram a implicar entre si».
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IV–7-Concluindo, enunciam-se as alterações a que procedemos:
«19–No entanto, a padaria iniciava a sua laboração habitualmente de madrugada, pelas 5 horas da manhã, em raras ocasiões mais cedo, e prolongava-se até às 19 horas, sendo que o fabrico de pão se efectuava no período da manhã/madrugada e a comercialização do mesmo se prolongava até às 19 horas».
«28–No trabalho, o A., na hora do almoço, logo após comer, passou a encostar-se um bocadinho no camião, o que antes não fazia.
29–Excluído.           
«30–Nas reuniões de trabalho a A., ás vezes, mostrava sonolência».
«32– Passaram a implicar entre si».
«44–A medição aludida em 39) foi efectuada a partir da habitação do 1º andar esquerdo do edifício, sobrejacente à fracção em que funcionava o estabelecimento de padaria (correspondendo a fracção habitada pelos AA. ao 1ª andar direito)».
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IV–8-Debrucemo-nos agora sobre a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar e se essa obrigação impende sobre ambas as RR., consoante considerado na sentença recorrida – defendendo cada uma das RR., na respectiva alegação de recurso, que não lhe assiste tal obrigação.
Nos termos do art. 70 do CC a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, sendo que independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
Dizem-nos Pires de Lima e Antunes Varela ([6]) que embora o artigo se limite a declarar em termos muito genéricos e sucintos, a ilicitude das ofensas ou das ameaças à personalidade física ou moral dos indivíduos, daquela referência genérica infere-se a existência de uma série de direitos – à vida, à integridade física, à saúde, ao repouso essencial à existência física, etc..
Ao estado de saúde físico-psíquico são inerentes bens como o sono, a tranquilidade e o repouso, que constituem condições biofóricas do normal funcionamento do corpo e cujas violações integram ilícitos civis. Para a sua própria sobrevivência o homem necessita de um permanente equilíbrio com a natureza; entre os elementos preponderantes do equilíbrio existencial básico de cada homem encontra-se, desde logo, um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, valor esse expressamente reconhecido a nível constitucional – art. 66, nº1, da Constituição – como o são os direitos à integridade moral e física e à protecção da saúde - arts. 25 e 64 do mesmo diploma.
Como vimos, o art. 70 do CC menciona expressamente a responsabilidade civil como meio de tutela da personalidade física e moral - âmbito em que nos situamos no caso dos autos.
Nos termos do art. 483 do CC, aquele que «com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação», só existindo obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
São, pois, vários os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar: a)-o facto do agente (um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana) que pode consistir numa acção ou numa omissão; b)-a ilicitude que se pode traduzir na violação do direito de outrem (na infracção de um direito subjectivo, entre os quais os da personalidade) ou na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios; c)- a culpa, o que significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito – em face das circunstâncias concretas da situação o lesante podia e devia ter agido de outro modo – revestindo a forma de dolo ou a de negligência; d)- o dano, ou seja, o prejuízo que o facto ilícito e culposo tenha causado e que pode ser patrimonial (incluindo o dano emergente e o lucro cessante) ou não patrimonial; e)- o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
Sabemos que os AA. residem no 1ª andar direito de um prédio em regime de propriedade horizontal, sendo donos da fracção correspondente. Sabemos, também, que no R/c esquerdo do aludido edifício existe uma loja, sendo a correspondente fracção pertencente à R. CS e havendo a loja sido arrendada por esta à R. «Pressley Ridge».
Na loja em questão funcionou, então, uma padaria – o que sucedeu entre 9-11-2016, data em que iniciou o seu funcionamento, e Março de 2018, quando deixou de laborar. No período de tempo entre aquelas duas ocasiões, a padaria iniciava a sua laboração habitualmente de madrugada, pelas 5 horas da manhã, em raras ocasiões mais cedo, e prolongava-se até às 19 horas, sendo que o fabrico de pão se efectuava no período da manhã/madrugada e a comercialização do mesmo se prolongava até às 19 horas. Ora, logo que se iniciava aquela actividade de fabrico de o (pelas 5h da manhã) o ruído produzido pela padaria era contínuo e prolongava-se por horas, até perto das 8 horas da manhã, e era audível na habitação, onde os AA. residem, incluindo no seu quarto. Aí se ouviam vozes em tom alto, a falar e a cantar, música, impactos de tabuleiros ou outros utensílios metálicos nas bancadas e no chão, trepidação das rodas dos carrinhos no chão, batedeiras e outras máquinas a trabalhar.
Desde o início de funcionamento da padaria, este ruído passou a acordar sistematicamente os AA. por volta das 5 horas da manhã, de terça-feira a sábado, hora a partir da qual não mais eles conseguiam dormir e descansar, sendo que nas noites em que a actividade da padaria se iniciava por volta das 24 horas, os AA. quase não dormiam. Deste modo, a partir de Novembro de 2016, por causa do ruído produzido pela 2ª R, os AA. passaram a dormir cerca de cinco horas por noite, ou menos.
Temos, pois, que, indiscutivelmente, o sono, a tranquilidade e o repouso dos AA. foram afectados, sendo que, como vimos, ao estado de saúde físico-psíquico são inerentes tais bens que constituem condições biofóricas do normal funcionamento do corpo e cujas violações integram ilícitos civis.
Considerou, a propósito, o STJ no seu acórdão de 19-10-2010 ([7]):
«…vários têm sido os arestos em que este mesmo Tribunal tem sucessivamente reafirmado integrarem o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade requisitos inerentes à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente dos direitos à integridade física e moral e a um ambiente de vida sadio, constitucionalmente tutelados como Direitos Fundamentais no campo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, sempre para concluir que a ilicitude de uma acção ruidosa que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros está no facto de, injustificadamente, e para além dos limites do socialmente tolerável, lesar aqueles baluartes da integridade pessoal, sendo o dano real lesão desse direito em qualquer das suas componentes (vd., entre os mais recentes, os acs. de 13/9/2007 (proc. n.º 07B2198), de 02/7/2009 (proc. n.º 09B0511) e de 08/4/2010 (proc. n.º 1715/03TBEPS.G1.S1).
Inquestionado, e inquestionável, pois, que os Autores sofreram danos, provocados pela actividade ruidosa levada a cabo pelas Rés, consubstanciados e decorrentes da privação do sono, perturbação do descanso e do trabalho (…).
Concorrente, também, ante a violação dos direitos pessoais dos Autores, o carácter ilícito da actuação das Recorrentes».
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IV–9-As RR. divergem sobre quem actuou em ordem a que tais violações ocorressem, apontando cada uma para a outra e escusando-se a si própria.
A fracção pertence à R. CS que a arrendou à co-R. «Pressley Ridge». De acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal tratar-se-ia, de fracção destinada ao comércio – “estabelecimento comercial”. Perspectivando-se o arrendamento da fracção à R. «Pressley Ridge», em 12-10-2015, reuniram-se em assembleia extraordinária os condóminos do edifício, estando presente igualmente a R. «Pressley Ridge», com o objectivo de “ponderar o aluguer da Loja A”, tendo em conta a instalação de uma padaria o que foi rejeitado pelos condóminos.
Na sequência, em 17-11-2015, deu entrada na Câmara Municipal de C_____ um pedido assinado pela presidente da direção da «Pressley Ridge», a requerer “a declaração de compatibilidade com o uso industrial da fracção em referência, acompanhado de declaração assinada pela R. CS, na qualidade de proprietária da fracção, na qual esta autoriza aquela associação a requerer a emissão da dita declaração; após, pela CMC, foi emitido Averbamento ao Alvará de Autorização de Utilização nº 155/1999, com “a compatibilidade do uso industrial do estabelecimento”.
Posteriormente, apesar de os condóminos não haverem chegado a dar o seu consentimento à utilização da fracção para fins industriais e de se terem oposto ao funcionamento na mesma da padaria, facto do conhecimento de ambas as RR. o contrato de arrendamento foi celebrado.
Com o assentimento da R. arrendatária foi infringido pela condómina proprietária da fracção o determinado no título constitutivo sobre o fim a que se destinava a mesma fracção (nº 2-a) do art. 1418 e nº 2-c) do art. 1422, ambos do CC) ao ser dado o imóvel de arrendamento para padaria, com produção e comércio  de pão – um estabelecimento comercial não é o mesmo que um estabelecimento comercial e industrial([8]).
No acórdão da Relação do Porto de 26-4-2004 ([9]), que citamos exemplificativamente, foi entendido que a venda de pão e pastelaria é actividade comercial possível de ser exercida numa loja, já assim não sendo o fabrico de pão para venda que, por ser actividade industrial, não pode ser exercido numa loja.          
Tendo decidido a Relação de Coimbra no seu acórdão de 10-1-1995 ([10]) que constando do título constitutivo da propriedade horizontal que a fracção se destina a comércio, não pode o condómino afectá-la ao fabrico de pão e patéis, mesmo que para serem vendidos na fracção e que o facto de a Câmara ter concedido alvará para o fabrico não concede ao proprietário direitos que ele não tinha perante os demais condóminos.
Efectivamente, o licenciamento obtido pelas RR. junto da CMC é inócuo para o caso em apreço.  Como explica Abílio Neto ([11]) «o simples facto de o condómino obter, junto da Câmara, o licenciamento da fracção para fim diferente do constante do título constitutivo da propriedade horizontal, constitui condição necessária mas não suficiente, para que se possa proceder a essa alteração: a sua eficácia está dependente do consentimento unânime dos restantes condóminos».
É do conhecimento geral – sendo facto notório (nº 1 do art. 412 do CPC) – que tratando-se de fabrico e venda de pão, aquele antecederia este e que o público, em regra, compra o pão fabricado no dia; e que por isso, os padeiros iniciam o seu trabalho cedo, ainda de madrugada, para depois, aberto o estabelecimento ao público se proceder à venda do pão. Bem como que não se trata de actividade isenta de ruído.
Acresce que, de acordo com o nº 1 do art. 1422 do CC, os condóminos estão sujeitos às limitações impostas aos proprietários, sendo que, neste âmbito, dispõe o art. 1346 do CC que «o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam».
Ora, consoante era previsível que acontecesse, iniciando a padaria a sua laboração com o fabrico de pão pelas 5 h da manhã o correspondente ruído prolongava-se até às 8 h da manhã, nos termos acima considerados, incomodando os AA. conforme referido.
Efectivamente quem produzia os ruídos perturbadores do descanso, sono e tranquilidade dos AA. era a R. «Pressley Ridge». Tratava-se de ruídos, atinentes à indústria do fabrico do pão (assim, impactos de tabuleiros e outros utensílios metálicos, trepidação de carrinhos, batedeiras e outras máquinas) e a ser tal actividade exercida por seres humanos (assim, vozes, cantos, música).
Esses ruídos, previsíveis na fabricação do pão, tanto em quantidade/qualidade, como em período de tempo em que ocorriam, foram possibilitados pela prévia actuação da R. CS, ao dar de arrendamento a fracção para aquela actividade.
As RR. agiram em conjugação de esforços e actuação – até o pedido junto da CMC teve a subscrição de ambas.
Aliás, consoante se apurou, os AA. queixaram-se às RR. (a ambas), a quem deram conhecimento dos efeitos que o ruído produzido pelo funcionamento da padaria lhes causava e chegaram a chamar, pelo menos duas vezes, a Polícia por causa do barulho.
Entendemos, pois, que ambas as RR. em conjugação, são autoras do facto ilícito a que nos reportamos.
Saliente-se, novamente, quanto à R. arrendatária – que, através dos seus trabalhadores, produzia os ruídos - que ela esteve presente na reunião em que o condomínio rejeitou a hipótese do arrendamento, estando ciente de quais os fins a que a fracção era destinada, e tentou tornear a situação através do pedido junto da CMC. Acrescentando-se que, conforme foi escrito no acórdão do STJ de 28-01-2016 ([12]) «embora o arrendatário utilize a fração arrendada em conformidade com o fim que consta do contrato de arrendamento e em conformidade com a licença de utilização, ele está adstrito, tal como o proprietário locador, a observar o fim a que a fração se destina à luz do respetivo título constitutivo que está dotado de natureza real».
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IV–10-A actuação das RR. para além de ilícita, caracteriza-se como culposa – as RR. podiam e deveriam ter actuado de forma diversa, tendo agido negligentemente, indiferentes às consequências que adviessem das suas condutas, em ordem, apenas, a prosseguir com os seus objectivos e conformando-se com as eventuais consequências dos seus actos para com terceiros.
Como vimos, no período em que a padaria da 2ª R. funcionou – a partir de Novembro de 2016 e até Março de 2018 – o ruído produzido acordava os AA., sistematicamente, por volta das 5 horas da manhã, de terça-feira a sábado, hora a partir da qual eles não mais conseguiam dormir e descansar, sendo que nas noites em que a actividade da padaria se iniciava por volta das 24 horas, os AA. quase não dormiam.
Provou-se que o A. era trabalhador do Município de C_____, trabalhando, em Novembro de 2016, como motorista de pesados com grua, com um horário de trabalho das 8 h às 16 h. Já a A. à data, era secretária na sociedade Sitel, em Lisboa, com um horário de trabalho das 9 h às 18 h; até então, os AA. levantavam-se habitualmente por volta das sete horas da manhã e dormiam um período de 7 a 8 horas por noite.
A partir de Novembro de 2016, por causa do ruído produzido pela 2ª Ré, os AA. passaram a dormir cerca de cinco horas por noite, ou menos.
No trabalho, o A., na hora do almoço, logo após comer, passou a encostar-se um bocadinho no camião, o que antes não fazia; nas reuniões de trabalho a A., ás vezes, mostrava sonolência. Os AA., pessoas habitualmente calmas e cordatas, desde a abertura do estabelecimento começaram a queixar-se de frequentes dores de cabeça e a andar stressados, irritados e cansados por efeito da privação do sono e passaram a implicar entre si. No emprego, os AA. passaram a andar mal dispostos, com menos paciência e tolerância para com os colegas, e a sentir maior dificuldade de concentração e de raciocínio, tendo muitas vezes de repetir as suas tarefas e diminuindo o seu rendimento profissional.
Temos, pois, que a falta de sono e de descanso, decorrentes da descrita actuação das RR., redundou em cansaço, stress, irritabilidade, dor de cabeça, má disposição, dificuldade de raciocínio e de concentração dos AA., com consequências, também, no trabalho que desempenhavam.
Nos termos do art. 496 do CC, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.
Dizem-nos a propósito Pires de Lima e Antunes Varela ([13]) que o Código limita a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais àqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Caberá ao tribunal dizer, em cada caso, se o dano é, ou não, merecedor de tutela jurídica, sendo que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.
No caso dos autos temos prejuízos não patrimoniais sofridos pelos AA., os quais pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, e que foram causados pela conjugada actuação ilícita e culposa das RR. acima descrita.
Ambas as RR. estão obrigadas a ressarcir esses danos causados aos AA., nos termos do art. 563 do CC. Segundo a doutrina da causalidade adequada, que aquele artigo consagrará, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que no plano naturalístico ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo. Sempre serão excluídas do âmbito definido para a responsabilidade decorrente de certo facto as consequências que não são típicas ou normais. Ora, as condutas das RR. foram de ordem a que os AA. sofressem os apontados danos não patrimoniais.
Não se evidenciando que os prejuízos sofridos pelos AA. tenham sido causados em maior proporção pela conduta de uma das RR. do que pela da outra não se vê razão para que elas contribuam em moldes diferentes pela indemnização; sendo a sua responsabilidade solidária, nos termos do art. 497 do CC.
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IV–11-Reunidos que estão os pressupostos da obrigação de indemnizar relativamente a ambas as RR. haverá que ponderar sobre o valor da indemnização a atribuir – enquanto as RR. entendem que o valor fixado pelo Tribunal de 1ª instância é excessivo, os AA. defendem que o mesmo é acanhado.
O dano não patrimonial não poderá ser avaliado em medida certa; a indemnização corresponde a uma mera compensação. Como ensina Antunes Varela ([14]) a «indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente».
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deverá ser calculado em qualquer caso – isto é, haja dolo ou mera culpa do lesante – segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc. Deverá ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida ([15]).
Ora, pese embora a alteração da decisão sobre a matéria de facto, tendo em consideração os danos não patrimoniais efectivamente sofridos pelos AA., que a situação perturbadora se desenrolou por cerca de 15 meses, a culpa das RR. afigura-se-nos adequada, porque equitativa, a indemnização fixada pelo Tribunal de 1ª instância.
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V–12-No que concerne às custas, o Tribunal de 1ª instância fixou-as nos seguintes termos: «Custas pelos AA. e pelas RR., na proporção de metade por cada uma das partes».
Como vimos, haviam sido formulados os seguintes pedidos:
«a)-a 1ª Ré ser condenada a abster-se de utilizar, dar de arrendamento ou por qualquer forma ceder o uso da sua fracção no prédio dos autos para fim diverso do comercial consignado no título constitutivo da propriedade horizontal;
b)-a 1ª e a 2ª Rés serem condenadas solidariamente a pagar aos AA. indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 12.000,00 (doze mil euros) para cada A., acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento».
No saneador, o Tribunal fixou o valor da causa em 24.000,00€.
A condenação proferida pelo Tribunal de 1ª instância foi no sentido de proceder o pedido primeiramente formulado e serem condenadas ambas as RR., solidariamente, a pagarem a cada um dos AA. uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de €5.000,00 a cada um dos AA., no total de €10.000,00. Sendo absolvidas do demais peticionado.
Nas conclusões da sua alegação de recurso defende a apelante «Pressley Ridge» que «Tendo os AA. peticionado uma indemnização de € 24.000,00 e decaído na medida de € 14.000,00, as custas hão-de ser suportadas na medida do vencimento e não em partes iguais». No corpo da alegação de recurso não fez a apelante qualquer referência a esta matéria; todavia, mesmo que fosse de reputar a transcrita conclusão de “excessiva”, uma vez que não tem apoio na motivação, nem por isso, dada a simplicidade da mesma, se considera que dela não se deverá conhecer.  Trata-se, aliás, de matéria susceptível de ser reconduzida à reforma quanto a custas, nos termos do nº 3 do art. 616 do CPC ([16]).
Tendo, no caso, o valor da causa sido fixado em ordem ao pedido de indemnização formulado pelos AA. (24.000,00 €) - não tendo, quer as partes quer o Tribunal, equacionado para efeitos de valor o pedido primeiramente formulado pelos AA. - e tendo, quanto àquele pedido indemnizatório os AA. e as RR. decaído parcialmente, uma vez que as RR. foram condenadas no valor global de 10.000,00 € e absolvidas do restante (14.000,00 €) afigura-se que face ao disposto no nº 2 do art. 527 e no nº 1 do art. 528 do CPC, as custas serão devidas na proporção do vencimento no que a tal pedido concerne; pelo que as custas deverão ser repartidas na proporção de 7/12 para os AA. e 5/12 para as RR..
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VFace ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedentes a apelação da R. CS e a apelação dos AA., bem como apenas procedente no que concerne a custas a apelação da R. «Pressley Ridge», sendo no mais improcedente, alterando a sentença recorrida no que concerne às custas, que são na proporção de 7/12 (sete doze avos) para os AA. e 5/12 (cinco doze avos) para as RR., no mais mantendo a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos AA. e pelas RR. na proporção dos respectivos decaimentos.

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Lisboa, 7 de Abril de 2022


Maria José Mouro
Sousa Pinto
Vaz Gomes

                                                                                                             
[1]Ver Abrantes Geraldes, «Recursos no Novo Código de Processo Civil», Almedina, 2013, pág. 126.
[2]Amâncio Ferreira, «Manual dos Recursos em Processo Civil», Almedina, 8ª edição, pag. 167.
[3]Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, «Código de Processo Civil Anotado», II vol., Almedina, 3ª edição, pag. 709.
[4]Em «Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pag. 235.
[5]Preveem os arts. 349 e 351 do CC a prova por presunção judicial – ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal. As presunções judiciais, simples ou de experiência, assentam no simples raciocínio de quem julga, inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. I, pag. 310).
[6]No «Código Civil Anotado», Coimbra Editora, 3ª edição, vol. I, pag. 103.
[7]Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo565/1999.L1.S1. 
[8]De qualquer modo, mesmo que o título constitutivo não dispusesse sobre o fim da fracção, a alteração do seu uso careceria de aprovação dos condóminos, nos termos do nº 4 do art. 1422 do CC.               
[9]Ao qual se poderá aceder em www.dgsi.pt, proc. 0451940.
[10]Consultável na Colectânea de Jurisprudência, ano XX, tomo 1, pag. 15.
[11]Em «Manual da Propriedade Horizontal», 3ª edição, Ediforum, pags. 186-187.
[12]Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 3076/06.3TVLSB.L1.S1.
[13]Em «Código Civil Anotado», Coimbra Editora, vol. I, pag. 473.
[14]«Das Obrigações em Geral», Almedina, 4ª edição, vol. I, pag. 534.
[15]Ver Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pag. 474.
[16]Segundo Amâncio Ferreira, obra citada, pag. 60, a reforma da sentença quanto a custas perfila-se como um verdadeiro recurso, uma vez que se impugna a decisão proferida com base em erro de julgamento, por incorrecta aplicação ou interpretação do direito aplicável e se pretende a sua substituição por outra, conforme à lei.