Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11159/14.0T2SNT-A.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: CREDOR HIPOTECÁRIO
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: Não é oponível ao credor hipotecário a sentença proferida em acção que tenha ocorrido entre o promitente –comprador e promitente –vendedor (em que aquele credor não foi parte) que reconheça o direito do retenção desse promitente-comprador sobre o imóvel hipotecado

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Por apenso à acção executiva, sob a forma comum, em que é Exequente A e  Executado B , vieram reclamar créditos:

o Ministério Público, em representação do Estado Português – Fazenda Nacional, para pagamento de um crédito no valor total de 844,64 €, devido a título de imposto municipal sobre imóveis relativo aos anos de 2013 e 2014, bem como juros de mora sobre os respectivos valores parcelares; e
C para pagamento de um crédito no montante total de 210 610,78 €, correspondendo ao capital em dívida de contratos de mútuo garantidos por hipotecas registadas sobre o prédio penhorado nos autos de execução, acrescidas de juros de mora vincendos.
Realizadas as notificações a que se refere o artigo 789º, nºs 1 e 2, do C. Processo Civil, o Exequente deduziu impugnação relativamente a ambos os créditos reclamados.
Em síntese e relativamente ao crédito reclamado pelo Ministério Público em representação da Fazenda Nacional, o Reclamado veio invocar ter já procedido ao respectivo pagamento em regime de sub-rogação, tendo, em resposta, tal credor pugnado pela inexistência de tal pagamento com relação aos concretos créditos sub judice.
Por outro lado, quanto ao crédito ora reclamado por C , o Exequente, em síntese, veio pugnar pela prioridade do direito de retenção de que beneficia sobre o imóvel penhorado nos autos e lhe foi judicialmente reconhecido por sentença transitada em julgado, tendo tal credor, em resposta, pugnado, outrossim, pela prioridade do seu crédito garantido por hipoteca.

O Tribunal decidiu:
a)- Reconhecer os créditos reclamados pelo Ministério Público em representação do Estado – Fazenda Nacional, a título de imposto municipal sobre imóveis e pelo credor C;

b)- Pelo produto da venda do prédio penhorado nos autos de execução e acima identificado, graduou os créditos reclamados e o crédito exequendo do seguinte modo:
O crédito reclamado pelo Ministério Público em representação do Estado – Fazenda Nacional, a título de imposto municipal sobre imóveis;
O crédito exequendo; e
O crédito reclamado por C.
As custas da execução saem precípuas do produto dos bens penhorados artigo 541º do C. Processo Civil.

Inconformado, interpôs a reclamante C competente recurso cuja minuta concluiu da seguinte forma:
I. O presente recurso vem interposto da douta Sentença de Graduação de Créditos.
II. A Recorrente celebrou com o Executado um Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca formalizado por Escritura Pública de 02/11/2007, devidamente registado na respectiva certidão predial sob a Ap. 60 de 2007/11/09.
III. O Exequente registou o alegado direito de Retenção pela Ap. 3242 de 2014/09/17.
IV. Tal Direito de Retenção foi declarado provado por confissão, sem qualquer contestação, e por decisão transitada em julgado, alheia à Credora Reclamante.
V. O Tribunal a quo, conferiu prioridade ao Exequente que invocou um Direito de Retenção, graduando-o à frente do direito aí reclamado pela Credora Hipotecária, ora Recorrente.
VI. O Tribunal a quo, qualificou a, ora Recorrente, como “terceiro juridicamente indiferente”, e desconsiderou todas as manifestações de oposição ao alegado direito do Exequente.
VII. Qualificando o referido Direito de Retenção como se um direito absoluto se tratasse e oponível erga omnes e graduando-o à frente do direito hipotecário
VIII. Tal decisão deverá ser reformulada, atendendo-se à prioridade de registo e à ordem pelo qual foram ambos os direitos em concorrência, devidamente registados.
IX. Deverão interpretar-se os artigos 755º e 759º, à luz do Princípio da Segurança Jurídica, reapreciando-se no presente caso, a validade do referido direito de retenção, e considerando-se a sobreposição do direito da credora hipotecária, pela inegável antiguidade de registo.
X. E graduando-se o direito hipotecário à frente do direito de retenção do Exequente.
Só assim se fazendo Justiça.
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O thema decidendum consiste em saber se sentença proferida na acção declarativa abaixo referida, onde foi reconhecido o direito de retenção do exequente constitui caso julgado relativamente à recorrente apesar desta não ter tido intervenção de qualquer tipo naquela.
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São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
1. Na execução a que os presentes se encontram apensos foi penhorada a fracção autónoma, designada pela letra G correspondente ao segundo andar A, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Urbanização (…)
2. O ora recorrente celebrou com o Executado B um Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca formalizado por Escritura Pública de 02/11/2007, outorgado perante o Notário C... S..., com Cartório Notarial sito Rua J...D..., n.º ...-A, em S..., de fls. 67 a fls. 69-verso, do Livro de Notas para Escrituras Diversas número 177 e documento complementar, nos termos do qual constituiu a favor daquele hipoteca voluntária sobre o imóvel acima identificado;
3. Nos autos principais de execução, o Exequente/Impugnante deu à execução, como título, sentença judicial já transitada em julgado, em que era Réu o aqui Executado e Autor o ora Exequente, de cujo segmento decisório consta que é declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre A. e o R., datado de 12/11/2010; condena-se o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) correspondente ao dobro do sinal que este entregou àquele; e condena-se o Réu a reconhecer ao Autor o direito de retenção deste sobre a fracção autónoma acima identificada.
4. A recorrente não foi parte, nem interveio, na acção declarativa que culminou com a prolação da supra mencionada sentença. 
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Como refere o primeiro grau a questão suscitada nos autos não é nova e é recorrente, divergindo a doutrina e a jurisprudência quanto ao entendimento preferível, se o adoptado pela sentença ou se, ao contrário, pelo recorrente.

A sentença recorrida segue de perto o Ac RP de 13.01.2015, que dá uma ideia clara do estado do estado da questão, dispensando-nos de voltar a ela. Importa apenas optar por um dos entendimentos em presença.

Ora, também nós não sufragamos a tese de que o direito da credora hipotecária, apesar do direito de retenção do exequente, continua o mesmo, com o conteúdo e a mesma garantia hipotecária, sendo apenas afectado na graduação por ficar situado em patamar inferior ao crédito garantido pelo direito de retenção, não ficando o crédito hipotecário juridicamente afectado, sendo a credora hipotecária terceiro juridicamente indiferente.

Propendemos antes para considerar que o direito de retenção em referência, não pondo em questão a existência ou validade do direito de crédito hipotecário, não se fica pela afectação da sua consistência prática, por limitação ou redução do património do devedor, confrontando-se antes com o direito de um terceiro juridicamente interessado, de certo modo incompatível com o direito de retenção, afectando-lhe a consistência jurídica por força do disposto no art. 759º, n.º 2 da lei substantiva (Ac. STJ de 8.7.2003, www.dgsi.pt).

Quer isto dizer que sufragamos o entendimento que vem sendo predominante na jurisprudência de que não é oponível ao credor hipotecário a sentença proferida em acção que tenha ocorrido entre o promitente –comprador e promitente –vendedor (em que aquele credor não foi parte) que reconheça o direito do retenção desse promitente-comprador sobre o imóvel hipotecado (Acs. STJ de 25.05.2010, de 20.10.2011, de 18.02.2015 e de 24.11.2015, in www.dgsi.pt).

O princípio prior in tempore potior in jure em matéria registral conduz à mesma solução.
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Pelo exposto, acordamos em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em revogar parcialmente a sentença recorrida, que se altera com graduação do crédito hipotecário à frente do crédito exequendo.
Custas pelo executado.
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Lisboa,15.03.2018



(Luís Correia de Mendonça)
(Maria Amélia Ameixoeira)
(Rui Moura)