Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
406/09.0JAFAR-G.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PEDIDO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I.– Em processo penal o apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão final em primeira instância;
II.– O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos;
III.– Já tendo transitado em julgado a decisão final de mérito e não manifestando o requerente intenção de tomar qualquer iniciativa processual, não se justifica a admissão de pedido de apoio judiciário formulado após aquele trânsito em julgado.

(Sumário elaborado pelo Relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Iº–1.- No Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº406/09.0JAFAR, da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa – J19, o Mmo Juiz, em 7 Mar. 17, proferiu o seguinte despacho:

"...
Fls. 1803 e ss.
O pedido de apoio judiciário apenas abrange os actos praticados após a data do pedido e não os anteriormente praticados, não podendo servir para isentar o beneficiário das custas em que já tiver sido condenado no momento em que o requereu. Assim o decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães em Acórdão proferido em 06-10-2017 (processo nº 2998/13.0TBVCT-A.G2), jurisprudência a que se adere.
Pelo que, não se verificando qualquer situação superveniente que justifique o afastamento deste entendimento (designadamente a prevista no art.18, nº2 da Lei 34/2004, de 29-07), abra oportunamente termo de vista ao Ministério Público para efeitos de eventual instauração de acção executiva.
Notifique.
...".

2.– Deste despacho de 7Mar.17, recorre o arguido D., motivando o recurso, com as seguintes conclusões:
2.1– O Recorrente foi junto da Segurança Social requerer protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário para pagamento de custas judiciais, conforme requerimento a fls.1803 e seguintes dos autos.
2.2– O pedido de apoio judiciário formulado pelo Recorrente foi apresentado após a notificação a este para o pagamento das custas judiciais referentes aos presentes autos, a fls ... dos autos, e foi apresentado na sequência de insuficiência económica ocorrida na pendência dos presentes autos.
2.3– O pedido de apoio judiciário formulado pelo Recorrente aconteceu antes do trânsito em julgado da Sentença de 1ª Instância;
2.4– Na verdade, só após tomar conhecimento, no decurso do processo, da ocorrência de um encargo excepcional, como foi o valor da nova conta de custas, é que o Recorrente se viu forçado a recorrer ao judiciário para que lhe permitisse fazer face a esse encargo excepcional, não fazendo sentido que esse apoio não se aplique a esse mesmo encargo que motivou o pedido;
2.5– Ao Recorrente é permitido o recurso ao instituto do apoio judiciário nos termos em que este o fez, por aplicação do disposto no artigo 18° nº2 e 3 da Lei 34/2009, de 29 de Julho.
2.6– A concordar com o entendimento do Tribunal a quo não faria então qualquer sentido o direito ao apoio judiciário do Recorrente na medida em que, não havendo mais nenhuma fase processual subsequente, o pedido só poderia dizer respeito àquelas custas;
2.7– O Despacho recorrido viola o disposto no artigo 18° nº2 e 3 da Lei 34/2009, de 29 de Julho, e viola os princípios constitucionais de segurança jurídica, da justiça material e do acesso ao direito e também da igualdade, consagrados nos artigos 2.°, 13.° e 20.° da CRP, inconstitucionalidades estas que se invocam desde já para todos os efeitos legais.
2.8– Assim deverá o despacho recorrido ser substituído por outro que considere ser de aplicar às contas de custas judiciais já emitidas o pedido de apoio judiciário apresentado pelo recorrente antes do trânsito em julgado do acórdão proferido.

3.– O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, a que respondeu o Ministério Público, concluindo:
3.1– O pedido de apoio judiciário foi apresentado em 20 de Fevereiro de 2017 e o acórdão proferido nos autos havia transitado em julgado em 11 de Maio de 2015;
3.2– Não se mostra violado o disposto no artigo 18º, nºs 2 e 3 da Lei nº 34/2009, de 29 de Julho, posto que tais disposições se não aplicam ao arguido em processo penal, atento o prescrito no artigo 44º, nº 1, da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, o qual consagra que «em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de protecção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18.º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância»;
3.3– Assim o pedido de apoio judiciário requerido pelo ora recorrente é manifestamente extemporâneo.

4.– Neste Tribunal, o Exmo. Sr. PGA apôs visto.

5.– Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência.

6.– O objecto do recurso, tal como ressalta das respectivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se devia ter sido admitido o pedido de apoio judiciário formulado pelo recorrente.
*     *     *

IIº–1.- Alega o recorrente que apresentou o pedido de apoio judiciário antes do trânsito em julgado da sentença.
Contudo, a fls.7 deste apenso, é certificado que o acórdão proferido nestes autos transitou em julgado em relação ao recorrente em 11 de Maio de 2015, tendo o recorrente apresentado o seu pedido de apoio judiciário em 20 de Fevereiro de 2017.

Como refere o Ministério Público na resposta apresentada em 1ª instância “…tanto assim é que o recorrente afirma que o pedido de apoio judiciário se verificou após tomar conhecimento da conta de custas, na sequência de insuficiência económica ocorrida na pendência destes autos. Ora, a conta de custas só é elaborada após o trânsito em julgado do acórdão”.

Quanto ao prazo para requerer apoio judiciário em processo penal, o art.44, nº1, da Lei nº34/2004, de 29/7, na redacção da Lei 47/2007,de 28/8, é expresso em admitir que seja “…requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância[1].

Compreende-se que assim seja, pois destinando-se o sistema de acesso ao direito e aos tribunais a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos, verdadeiramente, o requerente do apoio judiciário só necessita dele para o que ainda tiver de litigar. Se a decisão de mérito já transitou e o requerente não pretende ter qualquer iniciativa processual, mas tão só evitar o pagamento das custas liquidadas, não se justifica a concessão de apoio judiciário, o Ministério Público ponderará se a situação económica do requerente justifica ou não que a execução por custas seja instaurada.

Neste sentido se pronuncia o Tribunal Constitucional, no Ac. nº215/12 (DIARIO DA REPUBLICA - 2.ª SERIE, Nº 102, de 25.05.2012, Pág. 18907) “Já no que respeita à questão da oportunidade do pedido de apoio judiciário, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar, em jurisprudência uniforme, que o apoio judiciário tem sobretudo em vista evitar que qualquer pessoa, por insuficiência de meios económicos, veja impedido, condicionado ou dificultado o recurso aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, não podendo, contudo, ser visto como meio destinado a obter, após o julgamento da causa e a condenação em custas, a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa. Por esta razão se tem considerado que não fere os princípios constitucionais a solução segundo a qual não é admissível a dedução de pedido de apoio judiciário após o trânsito em julgado da decisão final do processo, quando se tem apenas como objetivo o não pagamento das custas em que a parte veio a ser condenada por efeito dessa decisão (cf., neste sentido, entre outros, os acórdãos n.os 508/97, 308/99, 112/2001, 297/01 e 590/2001)”.
Neste acórdão, o Tribunal Constitucional decidiu “a) julgar inconstitucional o segmento normativo constante do artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, na interpretação segundo o qual é extemporâneo o pedido de apoio judiciário formulado pelo arguido em processo penal após o decurso do prazo de recurso da decisão proferida em primeira instância, no caso de insuficiência económica superveniente, quando ainda seja exigível o pagamento de uma taxa de justiça como condição de apreciação de um recurso”.

Ora, no caso em apreço, o recorrente não alega, nem resulta dos autos, que lhe seja exigível o pagamento de uma taxa de justiça como condição de apreciação de qualquer pretensão por si formulada.

Invoca violação do princípio do acesso ao direito (art.20, da CRP), princípio que consagra o direito a tutela jurisdicional efectiva, garantia imprescindível na protecção de direitos fundamentais e que pressupõe um facere por parte do Estado, já que a este compete colocar á disposição dos cidadãos os serviços, instituições e mecanismos necessários ao acesso à justiça.

Contudo, já tendo obtido uma decisão de mérito transitada em julgado e não manifestando intenção de tomar qualquer iniciativa processual nos autos, a não admissão do pedido de apoio judiciário não ofende o mencionado princípio.

Invoca, também, o princípio da igualdade (art.13, da CRP), através do qual, no que aqui interessa, se visa banir qualquer situação de desvantagem em que se encontre quem, cultural e sobretudo economicamente, seja mais desfavorecido, mas face ao estado em que se encontra o processo (com decisão de mérito transitada e sem perspectiva de qualquer impulso processual pelo arguido), a eventual debilidade económica do recorrente não o coloca em situação de desigualdade.

Apela, ainda, aos princípios da segurança jurídica e justiça material, mas já existindo decisão definitiva transitada não podem tais princípios ser atingidos com a não concessão do pretendido apoio judiciário.

Em conclusão, o recurso não merece provimento.


IVº– DECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, negando provimento ao recurso do arguido, D., acordam em confirmar o despacho recorrido.
Condena-se o recorrente em 3Ucs de taxa de justiça.


Lisboa, 6 de Dezembro de 2017


(Relator: Vieira Lamim)
(Adjunto: Ricardo Cardoso)



[1]Neste sentido, além do acórdão citado no despacho recorrido, cfr. Ac. do TRG de 16Mar.09 (Relator Nazaré Saraiva, acessível em www.dgsi.pt) “Actualmente, em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância”, do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-05-2012 (Relator Paulo Guerra, acessível em www.dgsi.pt) e do TRP de 6/7/11 (Relator Ricardo Costa e Silva) “Actualmente, a lei fixa o momento até ao qual tem de ser requerido o apoio judiciário: na generalidade dos processos, até à primeira intervenção; no processo penal, até ao
trânsito em julgado da sentença”.