Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8692/19.0T8SNT-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CITAÇÃO EDITAL
FALTA DE CITAÇÃO
LITISPENDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADO O SANEADOR-SENTENÇA
Sumário: I– No âmbito da citação dos réus, o AE, a secretaria, os autores e o tribunal não se podiam bastar com a resposta de vizinhos de que “os réus não são vistos no local desde Agosto de 2017, julgando que os mesmos se encontram no Brasil.”
II– Constando a ré, em 13/11/2017, como membro de órgão estatutário de uma sociedade e com última remuneração em Set2017, esta sociedade devia ter sido contactada no âmbito das averiguações da morada dos réus (artigos 226/1 e 236/1 do CPC)
III– Não se pode proceder à citação edital de réus residentes no estrangeiro (Brasil), sem se tentar apurar a morada deles no estrangeiro, ou através do consulado (do Brasil em Portugal – sendo um deles brasileiro), ou da embaixada (de Portugal no Brasil – sendo um deles português; ou do Brasil em Portugal quanto ao outro), ou de uma carta rogatória emitida no âmbito da convenção para obtenção de provas (artigos 225/1, 236/1 e 239/4, todos do CPC).
IV– Verifica-se a falta de citação dos réus (art. 188/1-c do CPC) se tiverem sido omitidas estas diligências de averiguações.
V–Tendo sido interpostos embargos de executado e depois revisão de sentença, visando o mesmo efeito prático-jurídico (a anulação da sentença exequenda), com base no mesmo fundamento/causa de pedir (falta de citação da acção declarativa sem terem sido observadas as cautelas previstas no art. 236/1 do CPC), entre as mesmas partes, poderá verificar-se a litispendência, mas não neste processo, em que os autores foram notificados primeiro.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:



A 24/05/2019, I e V intentaram a execução a que estes autos se mostram apensos contra M e R, com base numa sentença judicial, transitada em julgado, com vista a obter a cobrança de 87.182,92€, acrescidos de juros.

A 28/06/2019, os executados deduziram oposição, mediante embargos, para tanto alegando, em síntese, que a citação efectuada na acção declarativa onde a sentença foi proferida é nula, uma vez que se avançou para a citação edital sem que se mostrassem esgotadas todas as diligências necessárias à concretização da sua citação pessoal, mais alegando que não devem aos exequentes a quantia em que foram condenados.
Foi proferido despacho liminar que indeferiu parcialmente os embargos, recebendo-os, apenas, na parte em que é alegada a nulidade de citação.
Os exequentes – notificados a 08/07/2019 - contestaram, pugnando pela improcedência dos embargos, alegando que a citação edital só ocorreu depois de esgotadas todas as diligências tendentes a obter a citação pessoal dos aqui embargantes.
De seguida foi proferido despacho saneador, julgando os embargos improcedentes.
(este relatório utilizou, no essencial, o relatório feito no saneador recorrido)

A 02/02/2021, os embargantes recorreram deste saneador-sentença, para que seja revogado e substituído por outro que julgue procedentes os embargos, alegando, no essencial, que os factos provados demonstram que se verificou a nulidade da citação, porque o tribunal não esgotou todas as tentativas possíveis de citação pessoal dos réus, sendo por isso nulo todo o processado após a petição inicial (ou, numa variante constante das alegações, depois da “citação”).
Isto tendo em conta que (a síntese é feita por este TRL, com numeração própria):
1\ Aquando da realização de buscas juntos das bases de dados da Segurança Social resultou que a ré integrava os órgãos estatutários de uma sociedade, com nome e morada, e pelo menos até Setembro de 2017 havia auferido vencimento por força de trabalho dependente para aquela sociedade, pelo que teria que ter sido tentada a citação pessoal da ré naquela morada, o que não sucedeu.
2\ O uso indevido da citação edital – leia-se o uso sem que sejam esgotadas todas as possibilidades de citação pessoal do citando – configura uma verdadeira falta de citação, sendo por isso equiparado à completa omissão de citação (ac. do STJ de 02/10/2003, processo 03B2478).
3\ Para além disso, o edital de citação enferma de nulidade, porque o Sr. oficial de justiça certificou que afixou o edital na morada dos réus em 27/07/2018, quando o edital está datado de 10/09/2018.
4\ Acresce que, resultando dos autos que os réus se encontravam, ainda que temporariamente, no Brasil, portanto em parte certa, caberia aplicar-se ao caso o disposto no artigo 235 do CPC aguardando-se o regresso dos réus a Portugal.
5\ Sendo errado o entendimento do tribunal a quo de que, atendendo à área geográfica do Brasil, saber-se que os réus se encontravam no Brasil era o mesmo que considerar que os mesmos se encontravam em parte incerta.
6\ A lei é clara ao fixar o âmbito de aplicação da citação edital, a qual só pode ter lugar quando seja impossível realizar a citação por outro meio ou por não ser, comprovadamente, possível apurar o paradeiro do citando, o que, no caso concreto, não se verificou.
7\ No corpo das alegações os réus dizem ainda que “assim que tomaram conhecimento da existência do processo 17615/17.0T8SNT, procuraram desde logo reagir, designadamente através de recurso de revisão de sentença, o qual se encontra a aguardar decisão do STJ.

No requerimento de interposição do recurso, os embargantes dizem ter notificado a advogada da parte contrária.
A 18/05/2021, o recurso foi admitido.
A 19/05/2021, a secretaria notificou [apenas] o despacho de admissão do recurso às advogadas das duas partes.
A 21/05/2021, os exequentes contra-alegaram; dizem que: “notificados do requerimento de interposição de recurso apresentado pelos executados/embargantes, suas alegações e conclusões e do despacho que recebe esse mesmo recurso, vêm opor-se à interposição do recurso e contra-alegar”:

Quanto à oposição à interposição do recurso dizem que:
A notificação da sentença, efectuada por via electrónica (plataforma CITIUS), tem-se como efectuada no próprio dia do correio electrónico, não havendo lugar à presunção de notificação ao 3º dia por não ser acto praticado pelo correio (cf., entre outros, o acórdão do TRC de 03/11/2020 e o acórdão do TRP de 08/03/2017, ambos acessíveis in www.dgsi.pt). Deste modo, o prazo de 30 dias para os executados interporem qualquer recurso terminou em 26/01/2021; os réus não podem vir alegar estar em tempo, estribados na suspensão dos prazos operada pela Lei 4-B/2021 de 01/02, que retroagiu a 22/01/2021 alguns dos seus efeitos, por os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão não ficaram suspensos (cf. parte final da do art.6-B/5-d daquela Lei).

O recurso foi recebido neste TRL a 29/06/2021; a 30/06/2021 foi obtida autorização para consulta da execução, por este TRL, através do citius; a 02/07/2021 foi aberta conclusão ao relator; a 05/07/2021 foi proferido o seguinte despacho:
I-Notifique os embargantes para, em 5 dias, esclarecerem qual o estado do recurso de revisão que dizem estar pendente de decisão do STJ e, bem assim, para o identificarem devidamente, com o n.º de processo e identificação das partes, e dizerem a data em que foi intentado e juntarem aos autos cópia das decisões que nele já tiverem sido proferidas (excepto se for o processo referido em III).        
Bem como, para se pronunciarem, naquele prazo de 5 dias, sobre a questão da intempestividade do recurso, levantada pelos embargados nas contra-alegações.
II-Notifique os embargados para, em 5 dias, informarem se têm conhecimento do recurso de revisão invocado pelos embargantes, bem como do seu estado actual.
E ainda para identificarem devidamente – se necessário com o link correspondente – os dois acórdãos de que falam nas contra-alegações […]
III-Solicite ao tribunal onde pende o processo 17615/17.0T8SNT - Juiz 1 do Juízo Central Cível de Sintra - que nos dê acesso, através do citius, ao processo principal e a todos os seus apensos.
O pedido de acesso ao processo 17615 foi satisfeito a 07/07/2021 e através dele acedeu-se também ao respectivo apenso A.

A 12/07/2021, os exequentes vieram dizer que:

I.- Quanto ao conhecimento do recurso de revisão:
Para além do alegado pelos recorrentes, os recorridos não tiveram conhecimento do recurso, o que só aconteceu pelas notificações datadas de 30/6/2021 (recebidas em 02/07/2021) cuja cópia vai em anexo.
II.-Quanto à identificação dos 2 acórdãos referidos pelos recorridos nas contra-alegações, não consegue a mandatária localizá-los, certamente por lapso na sua identificação ou transcrição, sendo que por se encontrar em confinamento, não consegue aceder aos seus manuscritos (presumivelmente ainda existentes e no seu escritório).

Por sua vez, a 14/07/2021, os embargantes disseram o seguinte:
O recurso de revisão foi-o no processo 17615/17.0T8SNT, e em que figuram como recorrentes os réus e como recorridos os autores, o qual permanece pendente de decisão no STJ, tendo subido apenas há cerca de mês e meio, por razões que transcendem as partes.
O facto é que os réus deram entrada, via citius, de recurso de revisão de sentença em 19/09/2019, ficando a aguardar a sua subida ao STJ.
Com o decorrer do tempo, e sem que fossem notificados de qualquer movimentação processual, como fosse, por exemplo, o despacho de admissão de recurso, os réus contactaram a secção central de Sintra do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Oeste, tendo sido informados que não existia qualquer recurso pendente de subida.
Porque os réus haviam, efectivamente, submetido o recurso via citius conforme resulta do comprovativo emitido pelo programa citius, contactaram então a helpdesk do citius, tendo obtido a informação de que o recurso havia sido devidamente submetido, encontrando-se na “caixa de entrada” da referida secção central.
Contactaram novamente a secção central de Sintra transmitindo essa mesma informação à Sr.ª secretária de justiça daquele tribunal.
Após realizar as diligências que entendeu necessárias a Sr.ª secretária contactou a signatária com a informação de que o recurso havia ficado retido, por razões que apenas dizem respeito à dinâmica daquela secretaria, mas que seria agora submetido, o que foi.
*

No que respeita à tempestividade do recurso, entendem os [réus] que não assiste qualquer razão aos [autores], na medida em que o recurso foi apresentado em tempo.
Resulta do artigo 248 do CPC que os mandatários se consideram notificados no terceiro posterior ao do envio, ou no primeiro dia útil seguinte quando esse não o seja.
[…]
A norma não faz qualquer distinção entre notificação de meros despachos ou notificação de sentenças, pelo que não há qualquer diferença, aplicando-se a mesma regra a ambos.
Assim, tendo os recorrentes sido notificados via citius a contagem do prazo far-se-á da seguinte forma:
a)-Data da submissão da sentença no programa citius: 15/12/2020.
b)-Data da notificação nos termos do disposto no artigo 248 do CPC: 18/12/2020.
c)-1.º dia do prazo: 19/12/2020.
d)-Interrompendo-se o prazo de 22/12/2020 a 03/01/2021.
e)-Último dia do prazo 30/01/2021, que por ser sábado, dia em que os tribunais se encontram encerrados, se transfere para o primeiro dia útil seguinte, a saber 01/02/2021, data em que o recurso foi submetido.
[…]
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Questões a decidir: a questão prévia; a oficiosa da litispendência com o recurso de revisão; e a de saber se a citação dos réus é nula.
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A questão prévia da tempestividade do recurso:
A questão da tempestividade do recurso é de conhecimento oficioso e por isso podem ser conhecidos os fundamentos contrários a essa admissão apresentados pelos recorridos (por aplicação analógica do disposto no art. 573/2 do CPC), apesar de, diga-se desde já, as contra-alegações não poderem ser tidas em consideração (pelo que serão mandadas “desentranhar do processo, perdendo os recorridos a taxa de justiça paga para a apresentação das contra-alegações).
Com efeito, o prazo para as contra-alegações é também de 30 dias (art. 638/5 do CPC) e conta-se, naturalmente, da notificação das alegações dos recorrentes aos recorridos. Ora, tendo os recorridos sido notificados do recurso pela mandatária da parte contrária, a 01/02/2021, é evidente que não podiam apresentar as contra-alegações mais de 3,5 meses depois (sendo que, como eles próprios dizem, a “legislação covid-19” não suspendeu os prazos nos recursos).
Posto isto,             
Os exequentes/recorridos não têm, manifestamente, razão: o art. 248 do CPC é manifesto quanto ao dia do começo do prazo quando os mandatários são notificados nos termos em que o foram, pois que dispõe que a notificação se presume feita no 3.º dia posterior ao da elaboração da notificação […]. Ou seja, não tem qualquer base legal, a posição dos exequentes, de que a notificação da sentença, efectuada por via electrónica (plataforma CITIUS), tem-se como efectuada no próprio dia do correio electrónico. Nem tem qualquer base jurisprudencial, sendo que é muito provável, face ao que se deixou transcrito, que não existam os acórdãos invocados pelos exequentes. No acórdão deste TLR de 14/10/2012, processo 1515/11.0TVLSB-B.L1-2, já com mais de 10 anos, dá-se notícia de inúmeros elementos no sentido de, face a normas semelhantes, mas menos inequívocas, do regime anterior à reforma do CPC de 2013, ser essa a posição correcta, e não se conhece, desde então, qualquer posição contrária.
A contagem feita pelos réus apenas está errada no facto de não importar, num dos momentos a ter em conta na questão, a data do depósito do saneador-sentença recorrido, pois o que conta é a data da elaboração da notificação. Mas, sendo a data a mesma, tal é, na prática, irrelevante.
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Da litispendência
Para a decisão desta questão, de conhecimento oficioso (artigos 577/-i e 578, ambos do CPC), interessam os seguintes factos [os elementos de prova dos factos que se seguem foram extraídos da consulta, através do citius, da execução (ii), do processo 17615/17 (i) e do respectivo apenso A (iii a viii)]:
i-A sentença foi proferida a 13/03/2019, depois de produção de prova em audiência final; o processo foi arquivado com visto em correição em 18/06/2019; a 26/06/2019 deu entrada de um requerimento feito pelos réus, que se deram como residentes na morada supra (16/2.ºB), a juntarem uma procuração forense com data de 12/06/2019; a 08/11/2019 foi feito novo requerimento pelos réus a juntarem substabelecimento a favor de outro advogado.
ii-A 05/06/2019, na execução iniciada pelos autores, tinha sido lavrado auto de penhora de dois saldos de contas bancárias dos réus, no valor total de 33.205,92€ e nesse mesmo dia o AE enviou cartas para notificação da penhora aos dois réus/executados, citando-os para deduzirem oposição à execução ou à penhora. A 17/06/2019 juntou os a/rs da citação, sendo o do executado assinado por ele próprio a 07/06/2019 e o da mulher foi assinado pelo marido.
iii-Consta, apensado ao processo 17615/17, um requerimento de recurso de revisão, com data de 19/09/2019, interposto pelos réus, nos termos do art. 696/-c-d-e-f-g do CPC, dizendo, para além do mais (neste mais, fazem-no de forma idêntica, no essencial, aos embargos), que nunca intervieram na acção declarativa de condenação em causa, tendo apenas dela tomado conhecimento quando, a 07/06/2019, foram citados para os termos da execução da sentença.
iv-Depois do requerimento referido em iii, não houve qualquer seguimento processual, até ao seguinte email das 14:48 de 08/04/2021:
De: Advogadas x e x[x@gmail.com]
Para: LISBOA OESTE - Tribunal Judicial – Sintra
Assunto: A/C Sr.ª x - proc. 17615/17.0T8SNT
Sr.ª x
Secretária de Justiça
Sou a contactar no sentido de solicitar a sua cooperação face ao que irei expor de seguida.
No âmbito do processo 17615/17.0T8SNT foi, a 19/09/2019, apresentado um recurso extraordinário de revisão de sentença, ao qual foi atribuído a referência Citius 33438464.
Não obstante tal facto a verdade é que o requerimento não consta do processo supra mencionado, nem tão pouco leu entrada no STJ.
Contactada a HelpDesk do Citius fui informada de que o requerimento estará "detido" na "caixa de entrada" desse tribunal.
Como compreenderá é da maior importância que o Recurso seja, com a máxima urgência, remetido a quem de direito, a fim de seguir o seu curso, pelo que solicito a sua colaboração para a resolução deste problema o mais rapidamente possível.
v-A 17/06/2021 consta a seguinte informação:
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste
Seção Central- Sintra
INFORMAÇÃO
A pedido da Sra. Escrivã de Direito da Unidade Orgânica, onde correm os autos - 17615/17.0t8snt, vou informar o que se passou com o registo Citius 33438464 que deu entrada nos serviços em 19/09/2019.
Em 08/04/2021 recebi um mail de uma Sra. Advogada dizendo que tinha enviado uma peça processual e esta não estava visível.
Disse que já tinha contactado o Helpdesk e que lhe disseram que o requerimento estava retido. De imediato solicitei ao informático para ver o que se passava.
Este respondeu onde poderia encontrar o requerimento e como proceder para o apensar aos autos, o que foi feito.
O mail da Sr.ª advogada foi junto aos autos com a ref. 130358187.
Sintra, 17/06/2021
A Secretária de Justiça
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vi-A 21/06/2021 foi aberta conclusão com a seguinte informação: informando, em aditamento à informação que antecede, que após ter sido criado o presente apenso na secção central em 22/04/2021, não "caiu" em nenhuma pasta da Gestão de Actividades do CITIUS, nem houve qualquer contacto por parte da secção central a alertar para a situação.
vii-Nesse mesmo dia foi proferido o seguinte despacho: Atentos os motivos invocados para o recurso de revisão, admite-se o mesmo liminarmente. Notifique-se os recorridos pessoalmente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 699 do CPC.
viii-Os autores e o seu advogado foram notificados por cartas recebidas a 02/07/2021.

Com o recurso de revisão, os réus pretendem obter a revogação da sentença exequenda (art. 701/1 do CPC), de modo a que não possam ser executados com base nela. E isto porque, julgado procedente o recurso, no caso do art. 696/-e/i do CPC, revoga-se a decisão recorrida e anulam-se os termos do processo posteriores à citação do réu ou ao momento em que devia ser feita e ordena-se que o réu seja citado para a causa (art. 701/1-c do CPC.

Com os embargos, os réus pretendem obter a declaração de nulidade da sentença exequenda, de modo a que não possam ser executados com base nela (arts. 729/-d, 188 e 187 do CPC). E isto porque, julgados procedentes os embargos com fundamento nalguma das situação prevista no art. 696/-e/i do CPC, é nulo tudo o que se processou depois da PI (artigos 188/1-c e 187/-a do CPC) e a sequência normal é a renovação da instância (art. 732/5 do CPC) com efeitos a partir desse momento, para o que se terá de ordenar de novo a citação dos réus.

Assim, apesar de serem dois meios processuais distintos, e aquele mais amplo do que este, e não a mesma acção, entende-se que poderá haver litispendência entre eles, já que a pretensão prático-jurídica dos réus é a mesma num e noutro processo, está baseada nos mesmos fundamentos (causa de pedir: falta de citação) e as partes são as mesmas (artigos 580-581 do CPC) e não uma simples questão prejudicial (em que o objecto do recurso de revisão fosse só parte do objecto dos embargos: “Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada”: Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1.º, 4.ª edição, Almedina, reimpressão em 2021, pág. 550; ora, a pretensão deduzida no recurso de revisão é a mesma que a formulada nos embargos, embora com efeitos mais amplos, não um pressuposto desta), que pudesse levar à suspensão da instância: arts. 266/1-d e 272, ambos do CPC (no mesmo sentido, para um caso paralelo, no ac. do TRL de 26/09/2019, proc. 406/19.1YRLSB.L1-2, julgou-se que, existindo, de facto, no caso, uma cumulação de meios de impugnação de sentenças arbitrais - sem se tomar posição, por isso, sobre a admissibilidade de direito dessa cumulação -, haveria, pelo menos litispendência entre a acção de anulação de acórdão arbitral e o recurso contra acórdão arbitral; aceitando a solução, ao menos por analogia, da questão posta nestes termos - ou seja, se se admitir a possibilidade de cumulação, posição que não é a do autor -, veja-se a anotação de Armindo Ribeiro Mendes, na Revista internacional de arbitragem e conciliação, 2020, n.º 13, Almedina, págs. 288-292, especialmente ponto 46, com desenvolvimento do que dizia na intervenção sobre Impugnação de sentenças arbitrais, especialmente páginas 159-161, publicada em XII Congresso do centro de arbitragem comercial, Almedina, 2019; contra a solução da litispendência, no contexto da sua posição de recusa da cumulação daqueles meios de impugnação, veja-se Sampaio Caramelo, A impugnação de sentença arbitral, 2.ª edição, Almedina, 2018, págs. 15-16).

No entanto, a litispendência não se verificaria neste processo, nem nele podia ser deduzida (art. 582/1 do CPC), pois que, por força do art. 582/2 do CPC, ele foi proposto em 1.º lugar, no sentido de, nos embargos, os autores terem sido notificados anteriormente à citação para o recurso de revisão (mais de 2 anos de diferença).
*

Para a decisão da questão principal importam os seguintes factos dados como provados:
1-Os exequentes deram à execução a sentença proferida em 13/03/2019 pelo Juízo Central Cível de Sintra (Juiz 1) deste Tribunal Judicial da Comarca da Grande Lisboa-Oeste, no processo 17615/17.0T8SNT, onde intervieram como autores e os aqui executados como réus, e na qual foi proferida a seguinte decisão: “julgo a presente acção procedente, por provada, e, em consequência, declaro a resolução do contrato promessa celebrado entre autores e réus condenado estes a (i) restituírem aqueles a quantia correspondente ao sinal prestado em dobro, que se fixa em 86.000€, bem como a (ii) pagarem aos autores 1182,92€, tudo acrescido de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.”
[no contrato-promessa que os autores juntaram, o réu estava identificado, para além de, como a mulher, com um NIF português, com um título de passaporte com n.º e data de validade, emitido pela República Federativa do Brasil; num outro documento junto pelos autores, os réus tinham uma conta bancária portuguesa devidamente identificada; no reconhecimento notarial das assinaturas do contrato a ré tem um número de cartão de cidadão português e o réu tem um cartão de residência permanente em Portugal, emitido pelo SEF de Cascais, devidamente referenciado; em e-mails juntos pelos autores consta um endereço electrónico do réu; numa carta de Set2015, de uma seguradora, junta pelos autores, consta um endereço da ré em Lisboa: Rua x – descrição de elementos de prova feita por este TRL, ao abrigo dos arts. 663/2 e 607/4 do CPC, por serem documentos juntos no processo 17615 pelos autores e não impugnados pelos réus, que também os juntaram na petição de embargos]
2-Para citação dos réus no âmbito daquele processo foram-lhes remetidas, em 04/10/2017, cartas registadas com aviso de recepção para a Av. B, Moscavide, morada indicada na petição inicial, que foram devolvidas com a menção de “Objecto não reclamado/Non reclame”.
3-Em 13/11/2017, foram efectuadas pesquisas nas bases de dados dos serviços da segurança social, dos serviços de identificação civil e da Direcção-Geral dos Impostos, apurando-se que os réus tinham domicílio na Av. C, Moscavide, mais se apurando em relação à ré que ela constava como membro de órgão estatutário da R-Lda, com registo de última remuneração em Setembro de 2017.
4-Em 20/11/2017, foram então remetidas cartas registadas com aviso de recepção para citação dos réus naquela morada (Av. C), que foram devolvidas com a menção de “Objecto não reclamado/Non reclame”.
5-Em 20/12/2017, foram efectuadas novas pesquisas nas bases de dados dos serviços da SS, dos serviços de IC e da DGI, delas resultando que os réus continuavam a ter o mesmo domicílio (Av. C) e que a ré continuava a constar como membro de órgão estatutário daquela sociedade, com registo de última remuneração em Setembro de 2017.
[na base de dados da identificação civil constam os nomes dos pais da ré, o seu local de nascimento, a sua morada, da Av. C, etc. – acrescentado por este TRL, ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC, com base no documento autêntico constante do processo 17615]
6-Foi então nomeado agente de execução para proceder à citação dos réus, através de contacto pessoal, com referência àquela morada (Av. C).
[a nomeação do AE foi feita com o envio de cópia da PI e documentos - acrescentado por este TRL, ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC, com base no documento autêntico constante do processo 17615]
7-Tal citação frustrou-se, tendo o AE nomeado vindo informar que: “1. Deslocou-se, no dia 03/01/2018, àquela morada, a fim de proceder à citação por contacto pessoal da ré, NIF x, e do réu, NIF y; 2. No local não encontrou os réus, foi deixado aviso com indicação para citação; 3. No dia 15/01/2017, deslocou-se novamente à morada supra indicada e não encontrou os réus; segundo informação prestada pela vizinha do 1.ºD, os réus não são vistos no local desde Agosto de 2017, julgando que os mesmos se encontram no Brasil; 4. Informação confirmada pelo responsável da empresa V, Sr. PM, contacto x; 5. Pelo exposto, não foi possível efectuar a diligência.”
8-Notificados da certidão negativa de citação, os autores requereram a citação edital dos réus.
9-Foi ordenada a realização de novas buscas nas bases de dados, que foram realizadas em 20/02/2018, delas resultando que os réus continuavam a ter domicílio naquela morada (Av. C) e que a ré continuava a constar como membro de órgão estatutário daquela sociedade, com registo de última remuneração em Setembro de 2017.
[na base de dados da identificação civil, com cartão de cidadão português emitido a 08/10/2015, constam os nomes dos pais do réu, a data de nascimento do réu e a sua morada na Av. C; nos dados da AT consta a morada da sociedade onde a ré é membro de órgão estatutária e consta ainda o nome e morada de uma outra sociedade, na E, fonte de rendimentos da ré em 2017; esta última também consta como fonte de rendimentos do réu, em 2017 – este § foi acrescentado por este TRL, ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC, com base no documento autêntico constante do processo 17615]
10-Nessa sequência, foi então ordenada e concretizada a citação edital dos réus, com afixação de edital à porta da Av. C em 27/07/2018 [e publicação de anúncios a 10/09/2018 e prova dessa publicação na folha junta a 12/09/2018 – TRL, consulta da acção 17615/17], após o que se procedeu à citação do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15 do Código de Processo Civil.
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O saneador-sentença tem a seguinte fundamentação, na parte que importa (transcreve-se com simplificações):
Os embargos seguem (apenas) para apreciar e decidir da arguida nulidade da citação efectuada no âmbito da acção declarativa onde se formou o título dado à execução.
Nos termos do art. 188/1-e do CPC, considera-se existir falta de citação, geradora da sua nulidade, “quando se tenha empregado indevidamente a citação edital”.
Ora, no caso, verifica-se que, frustrada a citação dos réus com referência à morada que havia sido indicada na petição inicial, foram efectuadas buscas nas bases de dados da SS, dos serviços de IC e da DGI, nos termos previstos no art. 236/1 do CPC.
E, apurando-se a existência de uma nova morada, foram para aí remetidas cartas registadas para citação, que viriam a ser devolvidas, por não reclamadas.
Nessa sequência, em conformidade com o disposto no art. 231 do CPC, foi nomeado AE que procurou concretizar a citação através de contacto pessoal com os réus. Não logrou consegui-lo, por não os ter encontrado no local, tendo, porém, apurado junto de duas pessoas (que teve o cuidado de identificar no auto) que os mesmos já não eram aí vistos desde agosto de 2017 e que se encontrariam no Brasil, embora sem indicação da concreta morada.
Após se ter frustrado a citação, também por esta via, foram ainda realizadas novas buscas nas bases de dados com vista a apurar eventual nova morada dos réus, que não foi possível obter, pelo que se avançou para a citação edital.
Alegam os embargantes que deveria ter-se procurado obter a citação com referência à morada do local de trabalho da ré e que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 239 do CPC.
Relativamente à morada do local de trabalho, das buscas realizadas resultou, como se disse, que a ré constava como membro de órgão estatutário de uma sociedade. Porém, de todas essas buscas resultou a mesma informação, a de que o registo de última remuneração datava de Setembro de 2017. Assim, tendo a pesquisa efectuada com vista a decidir da realização da citação edital sido feita em 20/02/2018, não se vê que utilidade pudesse ter o envio de carta de citação para essa morada, quando do resultado da pesquisa constava que a ré já não auferia remuneração há mais de 5 meses. Com efeito, se a mesma já não auferia remuneração há mais de 5 meses nessa sociedade, é porque aí deixara de ter domicílio profissional, o que, aliás, é confirmado pela embargante na oposição que deduziu, ao afirmar que estava no Brasil.
E, quanto à alegada falta de cumprimento do disposto no art. 239 do CPC, importa apenas dizer que o Brasil é o maior país da América do Sul e o 5.º maior do mundo em área territorial. Para se poder efectuar a citação de alguém, quer seja em território nacional ou no estrangeiro, é necessário que se saiba exactamente onde se encontra, não bastando saber-se que está no Brasil, sem mais. Para que fosse possível proceder à citação com recurso ao disposto no art. 239 do CPC, era necessário que se conhecesse a morada dos réus no Brasil. Afirmando os embargantes que tinham o seu domicílio em Portugal, na morada onde foi concretizada a citação edital, deveriam ter tido o cuidado de deixar alguém encarregue de receber a correspondência que lhes era dirigida ou de deixar indicação da morada concreta onde poderiam ser encontrados no Brasil. Não o tendo feito e apenas se tendo logrado apurar que se encontrariam no Brasil, é evidente que estavam em parte incerta, não se vislumbrando que outras diligências poderiam ter sido feitas pelo tribunal para os localizar.
Ao contrário do que os embargantes defendem, a citação edital foi precedida da realização de todas as diligências possíveis e legalmente previstas com vista a apurar do seu concreto paradeiro, pelo que não pode considerar-se que tenha sido indevidamente efectuada.
*

Apreciação:
A propósito de outra norma da citação por via postal, Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, vol. 2.º, Coimbra Editora, 1945, pág. 680, dizia:
“[…] A lei tem horror à citação edital. Porque considera muito precária e contingente esta forma de citação, porque não tem confiança nela como meio eficaz de dar conhecimento ao réu de que contra êle foi proposta determinada acção, só em última extremidade admite o seu emprego. Sempre que haja alguma possibilidade, mínima que seja, de se conseguir a citação pessoal, deve fazer-se a tentativa. […]” 
As normas do CPC que importam ao caso de forma directa:
Art. 225:
1- A citação de pessoas singulares é pessoal ou edital.
[…]
6- A citação edital tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta, nos termos dos artigos 236.º e 240.º […]
Art. 226:
1-Incumbe à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efectivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do acto […]
2-Passados 30 dias sem que a citação se mostre efectuada, é o autor informado das diligências efectuadas e dos motivos da não realização do acto.
3-Decorridos 30 dias sobre o termo do prazo a que alude o número anterior sem que a citação se mostre efectuada, é o processo imediatamente concluso ao juiz, com informação das diligências efectuadas e das razões da não realização atempada do acto.
[…]
Art. 228:
1-A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.
[…]
Art. 231:
1-Frustrando-se a via postal, a citação é efetuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando.
[…]
Art. 235
Não sendo possível efectuar a citação nos termos dos artigos anteriores, em consequência de o citando estar ausente em parte certa e por tempo limitado, e não haver quem esteja em condições de lhe transmitir prontamente a citação, procede-se conforme pareça mais conveniente às circunstâncias do caso, designadamente citando-se por via postal no local onde se encontra ou aguardando-se o seu regresso.
Art. 236
1- Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços […].
Art. 239
1- Quando o réu resida no estrangeiro, observa-se o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais.
2- Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais.
3- Se não for possível ou se frustrar a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português; sendo estrangeiro, ou não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória, ouvido o autor.
4- Estando o citando ausente em parte incerta, procede-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 236.

Face a estas normas, pode-se então dizer que:
Nos factos provados não consta que o AE tenha apurado junto de duas pessoas (uma vizinha e uma pessoa que se presume ter uma empresa no local) que os réus se encontravam no Brasil, embora sem indicação da concreta morada. O AE não disse isso, nem disse também que tinha feito a pergunta necessária sobre a morada concreta (designadamente tendo em vista o disposto no art. 235, particularmente claro em confronto com o art. 236/1, ambos do CPC). Para além disso, o AE ainda devia ter averiguado, junto das pessoas que contactou, ainda tendo em vista o disposto naquele artigo 235, se os réus tinham o costume de se ausentar por um certo período de tempo ou se aquela ausência era uma situação inusual. E não o tendo feito o AE, devia-o ter feito a secretaria, por força do art. 236/1, 1.ª parte, do CPC, ao menos por contacto telefónico com o empresário identificado [a título de curiosidade esclareça-se que na certidão predial junta na execução, por consulta ao registo predial feita pelo AE, a 27/05/2019, consta que a sociedade V registou a aquisição do edifício da Av. C em 2014; a fracção foi vendida pela V à C-SA, com registo da aquisição a 05/05/2017, que a veio a permutar aos réus com registo da permuta a 05/05/2017, o que indicia a forte probabilidade de a V ter informações úteis para o contacto da ré], ou os autores (a título de ónus, porque lhes interessava uma citação com observância de todas as cautelas, de modo a evitar a procedência de uns futuros embargos, com base na falta de citação, tanto mais que requereram a citação edital dos réus, como consta do facto 8).
Por outro lado, não se tratava de enviar carta para citação dos réus no local de trabalho da ré (como pretendem os réus, argumento seguido pela sentença para o rebater), mas sim da necessidade de o AE fazer averiguações, junto de uma sociedade a que a ré até recentemente estava ligada, da morada dos réus (eventualmente no Brasil). Sendo a ré membro de um órgão estatutário de uma sociedade, da qual tinha recebido remunerações ainda em Set2017, um mês e meio antes da primeira averiguação da base de dados, é muito provável que esta sociedade tivesse informações ou contactos que fossem úteis para se averiguar a morada concreta dos réus (mesmo que no Brasil). E não o tendo feito o AE, devia-o ter feito a secretaria (por força dos artigos 226/1 e 236/1 do CPC) ou os autores (a título do ónus já referido).
E para além destes elementos que demonstram a possibilidade de outras averiguações, existem outros referidos nos factos 1 e 9, que claramente podiam ter servido para o efeito.
Para melhor enquadramento disto tudo, veja-se o que é lembrado por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1.º, 4.ª edição, reimpressão de 2021, Almedina, págs. 487-488 (anotação 6 ao art. 240 do CPC): “Não dá lugar à citação edital a simples ausência temporária do citando, ainda que em lugar desconhecido, por motivo de gozo de férias (ac. do STJ de 15/05/1979, MANUEL dos SANTOS VÍTOR, BMJ, 287, p. 226). Tão-pouco se deve utilizar a citação edital com base na informação, dada pelo agente de execução ou pelo funcionário judicial encarregado da citação, de que não foi possível encontrar o citando na morada indicada nem obter informação sobre o motivo da sua ausência, sem que o tribunal seguidamente haja procedido a uma indagação que lhe permitisse um juízo de certeza sobre a ausência do réu em parte incerta isto mesmo anteriormente ao aditamento introduzido na norma do actual art. 236-1 pelo DL 183/2000, de 10/08 (ac. do STJ de 02/10/2003, SANTOS BERNARDINO, www.dgsi.pt, proc. 03B2478; ver o n.º 1 da anotação ao art. 236).” Isabel Alexandre, em Direito Processual Civil Internacional I, AAFDL, Março de 2021, páginas 327-328, lembra ainda o ac. do TEDH de 27/04/2017, proferido no caso Schmidt contra a Letónia (22493/05 – em especial §§ 93 e 94) em que se julgou violado o direito de acção da requerente, residente na Alemanha, por ter sido citada mediante anúncio num jornal da Letónia no âmbito de um processo de divórcio que corria na Letónia e, na sua ausência, sido dissolvido o seu casamento, havendo indícios no processo de que o autor, ao contrário do que afirmava, sabia ou podia saber onde residia a requerente, concluindo que não é de avançar sem mais para a citação edital, devendo o “tribunal envered[ar] todos os esforços para localizar o réu e enviar-lhe a citação para o local onde se encontra, mesmo que esse local seja no estrangeiro, não assumindo um papel passivo face à informação do autor de que desconhece o paradeiro do réu, […] antes encarando a citação por anúncio como uma solução de último recurso.   
Tudo isto seria de ter em conta antes de se ordenar a citação edital dos réus (artigos 225/6, 226/1 e 236/1 do CPC) e o facto de os réus terem, provavelmente, ido para o Brasil, ainda impunha que se fizessem mais diligências de averiguações (art. 239/4 do CPC), pois que sempre se teria que ter tentado a citação por via postal (art. 239/1-2 do CPC - o Brasil não era, à data, abrangido pela Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial e o acordo relativo ao cumprimento de cartas rogatórias entre Brasil e Portugal, firmado por troca de notas, nos dias 23 e 29/08/1895, publicado em https://concordia.itamaraty.gov.br/, no essencial limita-se a dispensar actos de autenticação dos documentos, pelo não impedia que se fizesse a citação por via postal) e mais tarde por carta precatória ou rogatória nos termos do art. 239/3 do CPC (a ré é portuguesa; e pelo menos o réu tem dupla nacionalidade), o que teria de ser antecedido da averiguação da morada dos réus no Brasil.

Averiguação essa a ser feita junto do consulado do Brasil em Lisboa, quanto ao réu, já que tendo estado a residir em Portugal, se deve ter inscrito no consulado e fornecido elementos de identificação para o efeito, incluindo a respectiva morada no Brasil, quer junto da embaixada do Brasil em Portugal (quanto ao réu) e da embaixada de Portugal no Brasil (quanto à ré), quer através da expedição de uma carta rogatória para obtenção dessa informação, ao abrigo da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial.

Uma embaixada é (em Portugal, no que não deferirá muito nos outros países), nos termos do art. 4/2 do Dec-Lei 121/2011 de 29/12 (versão consolidada no DRE), um serviço periférico externo que integra a administração directa do Estado, no âmbito do MNE, junto com as missões e representações permanentes e missões temporárias e os postos consulares; tem o seu regime previsto, no essencial, na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 18/04/1961 (aprovada pelo Estado Português através do DL 48295, de 27/03/1968; entrou em vigor em Portugal em 11/10/1968 porque o seu instrumento de adesão foi depositado na sede da ONU em 11/09/1968). As suas funções são entre outras, segundo o seu artigo 3: a) Representar o Estado acreditante perante o Estado acreditador; b) Proteger no Estado acreditador os interesses do Estado acreditante e de seus nacionais, dentro dos limites estabelecidos pelo direito internacional.
Estará pois no âmbito das suas funções fornecer, querendo, a morada dos seus nacionais, de modo que a estes possam ser citados para terem a possibilidade de se defenderem nas acções em que sejam demandados.
O ponto de contacto de Portugal na Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial, num dos relatórios das respectivas actividades (de 2019), lembra um caso em que um tribunal português pretendia citar um cidadão britânico, residente em Moçambique, mas só tinha o nome e profissão, e queria saber a que entidade solicitar informação sobre a morada; o ponto de contacto informou, entre o mais, que o tribunal podia pedir essa informação à embaixada do RU em MZ.

Um consulado é também, como decorre do artigo do DL citado acima, um serviço periférico externo que integra a administração directa do Estado, no âmbito do MNE; nos termos do Regulamento Consular, Decreto-Lei n.º 71/2009, art. 38/1-b, “A acção consular orienta-se pelos princípios gerais que regem a actividade administrativa, designadamente: […] b) Princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos; e, por força do seu artigo 40/1, os postos e as secções consulares prestam a assistência necessária e possível às pessoas singulares e colectivas portuguesas no estrangeiro, nos termos das leis nacionais e estrangeiras em vigor e de acordo com o direito internacional […].” Isto em Portugal, no que também não deferirá muito no que se passa nos outros países. Daí que se diga num acórdão do Tribunal de Justiça da UE, que “enquanto estrutura territorial do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o consulado geral manifesta‑se duradouramente para o exterior como o prolongamento desse ministério. O consulado geral representa o Ministério do Estado acreditador; é dirigido pelo cônsul‑geral.” Tem o seu regime internacional definido na Convenção de Viena sobre Relações Consulares, adoptada em de 24/04/1963 em Viena. As suas funções são, entre outras, segundo o seu art. 5: “a) Proteger no Estado receptor os interesses do Estado que envia e dos seus nacionais, pessoas singulares ou colectivas, dentro dos limites permitidos pelo direito internacional; […] e) Prestar socorro e assistência aos nacionais, pessoas físicas ou jurídicas, do Estado que envia; […] i) Representar, de acordo com as práticas e procedimentos que vigoram no Estado receptor, os nacionais do Estado que envia e tomar as medidas convenientes para a sua representação apropriada perante os tribunais e outras autoridades do Estado receptor, de forma a conseguir a adopção de medidas provisórias para a salvaguarda dos direitos e interesses destes nacionais quando, por estarem ausentes ou por qualquer outra causa, não possam os mesmos defendê-los em tempo útil; j) Transmitir os actos judiciais e extrajudiciais e dar cumprimento a cartas rogatórias em conformidade com os acordos internacionais em vigor, ou, na sua falta, de qualquer outra maneira compatível com as leis e regulamentos do Estado receptor.”
Estará pois no âmbito das suas funções fornecer, querendo, a morada dos seus nacionais, de modo que a estes possam ser citados para terem a possibilidade de se defenderem nas acções em que sejam demandados.
No caso do acórdão do TJ citado abaixo, lembrado por Miguel Teixeira de Sousa, o tribunal alemão pediu a um consulado dos Países Baixos na Alemanha informação sobre a morada de um cidadão presumível nacional dos Países Baixos e o consulado deu essa informação.
Quanto à carta rogatória, o Brasil é parte desde 2017 (Decreto 9.039, de 27/04/2017) da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial e utiliza esta Convenção para efeitos de localização de provável endereço residencial de pessoa em país estrangeiro, como se pode ver em: Diligência 8 Localização de pessoa (de provável endereço residencial) em https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em-materia-civil/formularios-e-modelos-1; ou: http://lisboa.itamaraty.gov.br/pt-br/assuntos_juridicos.xml, embora sem referência a esta Convenção [à cautela, porque os links podem não conduzir, mais tarde, ao conteúdo desejado, transcreve-se aqui, parcialmente, este último, consultado a 17/08/2021, da Embaixada do Brasil em Portugal, embora este não faça referência expressa àquela convenção - o que se compreende dada a data da adesão do Brasil à convenção:

PEDIDOS DE LOCALIZAÇÃO DE PESSOAS NO BRASIL
O trâmite será pela via diplomática. O pedido deverá ser remetido pelas autoridades portuguesas, através do MNE - Ministério dos Negócios Estrangeiros. Como instruir o pedido:
Modelo de Pedido de Cooperação para Localização de Pessoas no Brasil
(Para fins de instruir Ação Judicial em andamento)
Timbre do Órgão Jurisdicional Requerente
[Endereço completo, inclusive Código Postal, telefone, fax, e-mail]
PEDIDO DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL EM MATÉRIA CÍVEL
Autoridade Requerente:
Autoridade Requerida: Juízo competente da República Federativa do Brasil
Processo Nº:
Tipo de Ação:
Partes da Ação:
FINALIDADE/ DESCRIÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOLICITADA:
Proceder à localização do endereço residencial ou comercial de
(ou Proceder à confirmação do endereço residencial ou comercial de):
Nome Completo:
Nome da Mãe:
Data de Nascimento:
Local de Nascimento:
Endereço residencial provável ou incompleto ou anterior:
Endereço comercial provável ou incompleto ou anterior:
Documentos de identificação (passaporte, carteira de identidade, registro na receita federal, título de eleitor, etc):
[Descrever a cooperação solicitada (exemplo: confirmar o endereço de xxx, filho de xxx e xxx, com os seguintes documentos de identificação, e provável endereço na xxx; fornecer o endereço de xxx, filho de xxx e xxx, com os seguintes documentos de identificação, e provável endereço na xxx].
SUMÁRIO DOS FATOS:
[Breve resumo do processo, indicando do que se trata e qual a necessidade de localização da pessoa indicada. Deixar explícito se o pedido de localização for para fins de determinado processo. Caso não seja, deixar explícito o motivo de se necessitar da informação].
BASE LEGAL DO PEDIDO:
Acordo bilateral ou multilateral aplicável.
[Em caso de inexistência de acordo: compromisso de reciprocidade por parte das autoridades brasileiras]
[…]
No primeiro link, chega-se ao link/resultado, https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em-materia-civil/orientacoes-por-pais-1/portugal
- consultado em 17/08/2021 [o único que se conseguiu voltar a consultar em 26/08/2021] -, publicado em 26/08/2014 13h42 actualizado em 19/09/2020 11h34, elaborado por Beatriz Amaro, em que diz, entre o mais: Localização de Pessoas: 1 - Nos pedidos de cooperação em matéria civil ou comercial em geral, é possível o encaminhamento ao DRCI de Carta Rogatória às autoridades portuguesas com base na Convenção da Haia sobre Provas (www.justica.gov.br/provas) para a localização da pessoa requerida, mediante o uso do Formulário disponível no site supramencionado.]

Assim, as características do Brasil, invocadas pela decisão recorrida, não dificultam mais do que o normal, a averiguação da morada de um cidadão nacional ou estrangeiro desde que se tenha, pelo menos, o número de identificação civil desses cidadãos (como no caso se têm).

Note-se que não se está a dizer que devesse ter sido enviada uma carta rogatória para citação dos réus no Brasil sem se saber a respectiva morada, pois que isso não é possível (tal como hoje resulta expressamente do artigo 1/§2 da Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial: A Convenção não se aplicará quando a morada do destinatário for desconhecida; Convenção de que o Brasil é parte desde 01/06/2019; o texto da Convenção foi promulgado pelo Decreto 9.734/19, de 20/03/2019; o mesmo se passa, para já, com as cartas rogatórias emitidas para os países membros da União Europeia, no âmbito do Regulamento (CE) 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13/11/2007, pois que o seu artigo 1/§2 também dispõe que “O presente regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.”; em comparação, veja-se o caso oposto de obtenção de alimentos, ao abrigo da CONVENÇÃO PARA A COBRANÇA DE ALIMENTOS NO ESTRANGEIRO CONCLUÍDA EM NOVA IORQUE, EM 20/06/1956, onde se prevê (art. 3/4-b) que um pedido possa ser expedido com apenas a indicação - e apenas na medida em que o credor tenha disso conhecimento -, das residências sucessivas do devedor durante os cinco últimos anos (ou seja, sem indicação da residência actual).  
 
Note-se, no entanto, que o ponto de contacto de Portugal na Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial, no relatório das respectivas actividades já citado acima, lembra que, num caso em que um tribunal na Finlândia queria notificar duas pessoas residentes em PT mas não tem moradas, apenas cópias dos CC, e solicitava ajuda para saber se os tribunais PT averiguam as moradas ou como proceder, o ponto de contacto PT sugeriu que o tribunal FI enviasse o Form I para o tribunal PT com a indicação de que a carta rogatória fosse a despacho para autorizar a pesquisa das moradas nas bases de dados.
Mas já num outro caso, numa revisão de sentença estrangeira, em que a requerida era francesa, e em que o TRG tentou a citação [provavelmente por carta registada com a/r] que foi devolvida com a indicação de morada desconhecida e pretendia saber se há algum procedimento para que o tribunal francês possa efectuar pesquisa de nova morada, o ponto de contacto português informou que já teve outra situação semelhante e que a autoridade central francesa não aceita bem o não envio do formulário do REG 1393/2007 e indicou que o melhor era tentar um huissier de justice, tendo também indicado o site do portal e da rede civil.
E ainda um outro em que um tribunal português pretendia saber a morada e o contacto para onde enviar uma citação para a Bélgica, o ponto de contacto de Portugal informou que deverá escolher um hussier de justice e indicou o site do portal, o que deverá fazer para instruir o pedido e o pagamento que terá de realizar.

O que se afirma é que será possível obter essa morada através de outros meios, entre eles os referidos acima para o Brasil (para os países membros da União Europeia utilizar-se-á, para já, o Regulamento (CE) 1206/2001 do Conselho, de 28/05/2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial, e, a partir de 01/07/2022 o pedido de prestação de assistência para descobrir um endereço, previsto no art. 7 do Regulamento (UE) 2020/1784 do Parlamento Europeu e do Conselho de 25/11/2020 relativo à citação ou notificação de actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (citação ou notificação de actos) que substitui o Regulamento (CE) 1393/2007).

Note-se que este TRL tem consciência de que a Convenção sobre obtenção de provas não respeita, directamente, à obtenção de moradas de réus a demandar; mas, tendo a Convenção também o fim de obter provas para um processo futuro, considera-se que essas provas podem dizer respeito à averiguação da residência da pessoa a demandar; se se pode obter informação sobre a morada de uma testemunha ou de uma parte que se visa inquirir, deve-se poder utilizar também a convenção para obter informação sobre uma morada de uma pessoa contra a qual se pretende iniciar uma acção. Por outro lado, como se viu, o Brasil utiliza esta convenção com este fim. Ora, nem que seja com base no princípio da reciprocidade, o Brasil não poderá deixar de admitir que idêntico expediente seja utilizado para localizar brasileiros a fim de os citar. Por fim, como se vê também das menções referidas, o ponto de contacto português também tem sugerido que os tribunais estrangeiros utilizem a convenção europeia sobre citações para conseguir essa morada em Portugal, não obstante esta convenção não prever essa hipótese, nem manifestamente estar prevista para ela. Mas como o problema existe, admite-se que aquela sugestão é factível. E é por isso, certamente, que o Regulamento de 2020/1784 agora já prevê essa hipótese.

Feitas as necessárias diligências de averiguação (o que não quer dizer que se tenham de fazer sempre todas as diligências referidas atrás) e não se tendo descoberto a morada dos réus (quer em Portugal quer no estrangeiro), é então possível citá-los editalmente (sem colocação de editais se não for conhecida a última residência deles em Portugal: Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 486). No mesmo sentido, o CPC alemão, prevê, no § 185 que “A citação pode ser efectuada por aviso público (citação edital) quando (1) o local de residência do citando for desconhecido […] (3) não for possível a citação no estrangeiro ou existir toda a probabilidade de esta não ter sucesso […] (citado no ac. do TJ referido a seguir). E o CPC brasileiro (aprovado pela Lei 13.105/2015, de 16/03/2015), prevê que: Art. 256. A citação por edital será feita: […] II - quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando; […] § 1º Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória. […] § 3º O réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.

Neste sentido, com vários elementos úteis, vejam-se os acórdãos do TRC de 17/01/2006, proc. 3824/05, do TRP de 29/04/2019, proc. 18180/16.1T8PRT-B.P1, bem como o acórdão da 1.ª secção do TJ de 15/3/2012 (C-292/10), pontos 43 a 59, recordado por Teixeira de Sousa, no blogue do IPPC, a 06/11/2019, sob Jurisprudência 2019 (112); e também o ac. do TEDH, decisão Nunes Dias c. Portugal de 10/04/2003.

Tudo isto porque, como dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 487, a citação edital [indesejável último recurso – nota 3 da pág. 77 da acção declarativa, 4.ª edição, Geslegal, 2017] nunca constituiu garantia suficiente da cognoscibilidade, pelo réu, da acção que contra ele é movida, sendo, ao invés, elevado o grau de probabilidade de desconhecimento do processo pelo réu por essa forma citado.

Pelo que a não realização de todas as diligências necessárias e adequadas à averiguação do paradeiro dos réus representa a violação dos seus direitos de defesa, que decorrem do direito a um processo equitativo. Isto é, não é aceitável, no caso, que um tribunal condene uns réus a pagar perto de 90.000€, sem sequer ter feito diligências viáveis de averiguação do seu paradeiro.

Assim, num caso paralelo, por exemplo, o acórdão do TRL de 07/12/2016, proc. 12/16.2YRLSB-2, não reconheceu a sentença brasileira, proferida num processo em que o réu português foi citado editalmente, por se ter entendido que não tinham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes: o réu, tendo sido inicialmente dado como residente na morada da residência da autora, quando de facto ali já não residia, sendo nessa circunstância lavrada certidão negativa referindo que a autora tinha informado que o réu tinha entretanto regressado a Portugal; veio a ser citado editalmente, a requerimento da autora, que necessariamente sabia a morada dos familiares do requerido na cidade onde por último residiu com aquele em Portugal e que por aquele era contactada telefonicamente com frequência, sem que hajam sido efectuadas diligências tendo em vista a localização do paradeiro do requerido, em ordem à sua citação por carta rogatória.

Posto isto, há falta de citação quando se verifica a “grande probabilidade de o réu não saber da propositura da acção, por via da utilização do meio da citação edital, quando não estavam reunidos os respectivos pressupostos, devendo a citação ter sido pessoal ou quase-pessoal (art. 188-1-c do CPC) [Lebre de Freitas, A acção declarativa, pág. 93].”

“Embora materialmente não configure a falta absoluta do acto, o tratamento como falta de citação do emprego da citação edital fora dos casos em que a lei a permite justifica-se pela limitação, ou prática supressão, do direito de defesa que essa modalidade de citação pode implicar, pois a citação edital constitui no nosso direito processual uma presunção juris et de jure de conhecimento da acção pelo réu, não obstante ser precisamente o caso em que o réu menor probabilidade tem de adquirir esse conhecimento […] O emprego indevido da citação edital pode dar-se quando o citando está ausente em parte incerta (art. 236 do CPC) […] a citação edital é erradamente empregue: ‘[…] 2. se o réu é citado por éditos como ausente em parte incerta, sem se terem observado as cautelas previstas [no actual art. 236-1]; 3. se este artigo foi observado e cumprido, mas são inexactas as informações colhidas’ (ALBERTO DOS REIS, Comentário cit., II, ps. 424-426).”

Segundo o artigo 729/-d do CPC, fundando-se a execução em sentença, a oposição […] pode ter algum dos fundamentos seguintes: […] Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;

No art. 696/-e/i do CPC dispõe-se: A decisão transitada em julgado […] pode ser objeto de revisão quando: […] e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: […] Faltou a citação ou que é nula a citação feita.

Assim, concluindo-se que a faltou a citação dos réus, tem-se por verificado o fundamento de oposição à execução previsto no art. 729/-d do CPC, por se verificar uma das situações previstas no art. 696/-e do CPC.

Por fim, note-se que, nos termos do artigo 732/5 do CPC, em caso de procedência dos embargos (que tem como consequência a extinção da execução: art. 732/4 do CPC) fundados em qualquer das situações previstas na alínea (e) do artigo 696, é admitida a renovação da instância deste processo a requerimento do exequente, apresentado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão dos embargos.

E aqui tem que se ter em conta que, por força do art. 187/-a do CPC “a falta de citação tem como consequência a nulidade de tudo o que se processe depois da petição inicial, que se salva, mas continua a não produzir efeitos em relação ao réu (art. 259/2 do CPC) […]” (autores e obra citados, pág. 383).
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Por fim, diga-se que o fundamento dos réus, de que a certidão da citação edital é nula, por ser anterior à data da afixação do edital, não se prova, indiciando-se, pelo contrário, que os réus estão a confundir o anúncio da citação edital com a afixação do edital. Mas este é apenas um fundamento errado, que não impede a procedência dos restantes.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se o saneador-sentença recorrido que se substitui por este acórdão que julga procedente os embargos, com a consequente extinção da execução, por se ter verificado a falta de citação dos réus na acção declarativa de que procede a sentença que está a ser executada.
Custas da execução, dos embargos e do recurso, na vertente de custas de parte, pelos exequentes/recorridos (por serem neles a parte vencida).
“Desentranhe-se” do processo as contra-alegações dos recorridos, por intempestivas, perdendo eles a taxa paga pela sua apresentação.
Envie cópia deste acórdão, com nota de que ainda não transitou em julgado, para o processo 17615/17.0T8SNT-A, a fim de que possa ser tido em conta se necessário e se assim se entender.


Lisboa, 09/09/2021



Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas