Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2577/19.8T8CSC-A.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: PROCESSO TUTELAR
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONEXÃO
RESIDÊNCIA HABITUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O art. 9º,nº1, do REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL, quando estabelece o critério de determinação da competência territorial [  remetendo para o tribunal da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado ],  acaba também por [  porque é-lhe reconhecida uma “dupla funcionalidade”, por força do artº 62º,alínea a), do CPC ] actuar como regra de competência internacional dos Tribunais portugueses.
1-  Em razão do referido em 5.1., cabe os tribunais do Estado da residência habitual do menor, no momento em que o processo é instaurado, a competência internacional para conhecer das questões atinentes à regulação das responsabilidades parentais.
2 - Ocorrendo uma deslocação dos menores de Moçambique – local onde à data tinham estabelecida a respectiva residência habitual - para Portugal, por iniciativa unilateral do progenitor e ao arrepio da vontade da progenitora que permanece em Moçambique, tal deslocação porque prima facie “ilícita”,não pode/deve funcionar para desencadear uma nova conexão transnacional a ponto de conferir aos tribunais português a competência internacional no âmbito de processo de regulação das responsabilidades parentais
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Lisboa
                                  
1.- Relatório
P…… ,veio em 29/8/2019 requerer, contra  J…. , a Regulação do exercício das responsabilidades parentais das filhas de ambos, a saber, a L…., nascida em 22/03/2010, e Lu…., nascida em 22/03/2010.
1.1. - Para tanto, alegou o requerente P…, em síntese que :
- O requerente e a requerida são pais das menores (gémeas) …..L e Lu… , ambas nascidas em Portugal, mas , actualmente, estão requerente e requerida separados de facto;
- A requerida, reside actualmente em Moçambique, local onde as menores também residiram até à separação dos pais, sendo que, após a referida separação, regressaram as menores e o pai a Portugal;
- Em Moçambique as menores não têm mais família além da mãe,  e , em Portugal , as menores têm, além do pai, toda a família materna e paterna, avós, tios, primos, sendo assim o lugar onde as menores poderão viver mais próximas dos seus familiares, num ambiente que permite o seu melhor desenvolvimento.
- Entende assim o requerente que salvaguardará melhor os interesses das menores continuarem ambas a residir em Portugal, pois estarão num ambiente mais adequado, seguro e saudável para o seu desenvolvimento, especialmente em termos familiares, escolares, sociais e psicológicos e num ambiente familiar estável e próximo;
- Enquanto a mãe das menores não vier residir para Lisboa, o requerente Pai das menores pretende que lhe seja confiada a guarda das mesmas, sem prejuízo do exercício do poder paternal, e sem prejuízo de a mãe estar com as menores quando vier e estiver em Portugal.
1.2.- Já em 9/9/2019, vem a requerida J…. atravessar nos autos instrumento por si subscrito, e impetrando que o requerido pelo Pai das menores seja indeferido.
A fundamentar o seu requerimento, alega a requerida, em síntese, que :
- Foi pelo requerente expulsa de casa no dia 25/7/2019,  e , a 6 de Agosto de 2019 , o Pai das menores viajou para Portugal, em gozo de férias, mas, já em Portugal informou a requerida que já não regressaria a Moçambique, ficando em Portugal com a menores;
- O requerente Pai das menores informou-lhe ainda que, caso tivesse interesse em acompanhar o crescimento das mentes, teria que igualmente regressar a Portugal, estando disposto a aceitar uma guarda conjunta;
- Estando as menores inscritas na Escola Portuguesa de Moçambique, e encontrando-se a requerida em processo de legalização, pretende  assim que lhe seja confiada, com urgência, a respectiva guarda  e, ademais, corre termos já em Tribunal do Maputo um processo – por si proposto - de regulação do exercício das responsabilidades parentais das menores .
1.3. – Designada uma data para tomada de declarações aos progenitores, ainda em 9/9/2019 foi decidido a título provisório que “por forma a assegurar a efectiva execução da decisão que venha a ser proferida”, e importando evitar a possível saída das menores do território nacional, ficava proibida a saída das menores para o estrangeiro, sem autorização expressa do Tribunal, expedindo-se, para tanto, comunicação da presente decisão às entidades competentes do espaço Shengen.
1.4. - Chegado o dia [ 16/9/2019 ] designado para uma conferência de Pais , no âmbito da mesma foram tomadas declarações aos progenitores  das menores, e , concedida a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Publico, pelo mesmo foi exposto e requerido o seguinte :
 “Os factos apurados mostram de forma muito clara que este Tribunal não tem competências internacional para regular as responsabilidades parentais referentes as menores, uma vez que está devidamente comprovado que as menores residem em Moçambique desde os seus três anos de idade, ou seja há cerca de seis anos, pelo que neste pais tem a sua residência habitual, não temos dúvidas por isso que é competente para regular as responsabilidades parentais o Tribunal de Moçambicano onde alias já deu entrada uma acção com este objectivo.
A questão ora se coloca e de saber se perante esta incompetência do tribunal português, este tribunal deve ou não abster-se de preferir qualquer decisão jurídica sobre as menores.
Ora entendemos que estas menores estão em situação de perigo, enquanto não estiver definida a sua situação jurídica relativamente a sua residência, relativamente a integração na escola e relativamente ao seu bem-estar em geral.
Entendemos por isso que este tribunal não pode deixar de intervir à luz da Lei da Promoção e Protecção das crianças e jovens de forma a suprir as actuais necessidades das menores.
Entendemos por isso que estes autos devem ser reclassificados como autos de Promoção e Protecção e que audição dos pais equivale a primeira diligência de instrução realizada no âmbito deste processo.
Entendemos ainda que, uma vez que a situação das menores não se pode prolongar infinitamente no tempo deverá ser proferida desde já uma decisão, ainda que de natureza provisoria.
Temos presente a disponibilidade aqui manifestada pelo pai das menores que é para continuar a responsabilizar-se pelo DIRE e para contribuir para o sustento económico das menores enquanto a situação não se clarifica de forma mais definitiva.
Assim ao abrigo da Lei de Promoção e Protecção somos de parecer que deve desde já seja proferida decisão que aplique às menores a medida de apoio dos pais, na pessoa da mãe, determinando de entrega imediata das menores a mãe, a quem caberá em exclusivo as responsabilidades parentais a título provisório.
Mais promovo que no âmbito desta medida se determine que o pai das menores se compromete a pagar para cada uma das menores uma pensão de alimentos pelo menos não inferior a 150,00€ mensais, assim como deverá o pai continuar assumir a responsabilidade pelo DIRE relativamente as menores.
Mais promovo que se envie cópia da decisão ao Tribunal de Maputo ao referir o processo de responsabilidades parentais para conhecimento e que se dá também o conhecimento às entidades competentes de forma que as menores possam viajar com a mãe para Moçambique.”
1.5. – Pronunciando-se de seguida os progenitores sobre o requerimento do MP [ concordando a mãe/requerida com o mesmo, e dele discordando o Pai/requerente ], foi de seguida proferida – ditada para a acta - a seguinte DECISÃO :
“ Resulta da posição expressa nos articulados pelo requerente e requerida, das declarações prestadas hoje pelos mesmos e dos documentos já juntos aos autos, que as menores L…. e Lu…residem em Maputo, e vieram para Portugal recentemente apenas em gozo de férias.
Em face de tal residência efectiva das menores, carece este tribunal de competência internacional para a presente acção de regulação das responsabilidades parentais, competência essa que pertence aos tribunais de Moçambique dos quais aliás corre já acção com o mesmo objecto.
Em face exposto, declara-se este tribunal internacionalmente incompetente para apreciação das responsabilidades parentais conforme requerido.
Não obstante, e conforme referido na promoção que antecede, resulta efectivamente do teor das declarações ora prestadas pelos progenitores das menores que estas se encontram numa situação de perigo para o seu bem-estar, perigo esse resultado da circunstância de, por falta de acordo entre os pais, as mesmas se encontrarem nesta fase do ano sem frequentar a escola e com a situação da sua residência, não obstante acima exposto, indefinida, uma vez que o progenitor das mesmas expressamente declarou de não aceitar que essas voltassem para o país onde vivem, de onde apenas saíram para gozo de férias e no qual têm estado a estudar e se encontram integradas.
Assim, e conforme igualmente promovido, determino que se autuem os autos como Processo de Promoção e Promoção.
Mais determino a consideração das declarações ora prestadas para efeitos já de processo de promoção e protecção a favor das menores.
Neste âmbito, e por forma a que seja proferida decisão provisoria quanto às questões suscitadas na douta promoção que antecede, e tendo em conta a posição expressa pelos progenitores, importa proceder antes de mais à audição das menores.
Para tanto designa-se o próximo dia de 18 de Setembro, pelas 14:30 horas neste tribunal.
Apos a referida audição e com base também das declarações será proferida a decisão provisoria.
Com nota de urgente solicite à ISS que indique a técnica que possa estar presente na diligência e que deverá comparecer pelas 14:00 horas para se inteirar dos autos.”
1.6. - Notificada da decisão a que se alude em 1.5. [ referente à competência do Tribunal ], e da mesma discordando, de imediato e em tempo o requerente P…. atravessou nos autos instrumento de interposição de apelação, impetrando a revogação da decisão recorrida e para tanto deduzindo as seguintes conclusões :
A. O tribunal a quo, na sua decisão ora em recurso, apenas levou em conta para estabelecer o critério da residência habitual um factor, ou seja, que as menores estão a viver em Moçambique desde 2013;
B. O Tribunal a quo não levou em conta, para estabelecer o critério da residência habitual, que as crianças residiram grande parte da sua vida em Portugal, que as mesmas têm nacionalidade Portuguesa, tal como os pais, e que as menores têm em Portugal todos os seus familiares, avós, tios, primos, os seus amigos de escola e que a sua cultura é a portuguesa.
C. O Tribunal a quo deveria ter levado em conta, como critério decisivo para a determinação da competência em sede de responsabilidade parental, o critério da proximidade, em detrimento do critério da residência habitual.
D. A fim de que o superior interesse das crianças seja respeitado da melhor forma, o conceito de residência habitual traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar, pelo que para determinar a residência habitual de uma criança, além da presença física, há outros factores suplementares que devem ser levados em conta.
E. Há também que levar em conta nomeadamente, a nacionalidade das crianças, a sua idade, a duração, a regularidade, às condições e razões de permanência da criança no território, aos laços familiares e sociais que a criança tiver nesse Estado, para que seja estabelecida a verdadeira proximidade das menores ao sistema jurídico competente.
F. O Tribunal a quo não pode aplicar simplisticamente a norma do artigo 8.° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003, de 27/11/2003, devendo proceder a uma interpretação integrada de todo o regulamento, de modo a que entenda que o critério principal para atribuição da competência dos tribunais portugueses é o critério da proximidade.
G. Face ao disposto no artigo 9.°, n.° 7 da Lei n.° 141/2015, de 8 de Setembro, do artigo 62.° do CPC e dos artigos 57.°, n.° 1, 31.° e 25.° do Código Civil, o Tribunal português é competente internacionalmente para a regulação das responsabilidades parentais em causa nos autos.
H. Aplicando-se todos esses factores, é possível verificar que as menores de nove anos, de nacionalidade Portuguesa, embora tenham vivido em Maputo durante alguns anos, em Portugal têm todos os seus laços familiares, os avós, os tios os primos, tanto maternos como paternos, que nenhum destes familiares vive em Moçambique, que em Portugal estiveram a ser educadas e estão inseridas e que estavam em Moçambique apenas temporariamente, enquanto os pais pudessem estabelecer a sua vida novamente em Portugal e, portanto, o tribunal português será o competente para a regulação das responsabilidades parentais relativas às menores, por ser o que melhor corresponde ao superior interesse das crianças.
I. O Tribunal a quo, ao não considerar as provas oferecidas pelas partes ao processo, nomeadamente, ao não apreciar a validade e à valoração das provas, deixou de pronunciar-se sobre questões que devia ter apreciado, o que determina a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverão V. Exas. revogar a decisão ora em Recurso, devendo ser considerado o tribunal português internacionalmente competente para a regulação das responsabilidades parentais, pela aplicação do critério da proximidade, em detrimento do critério da residência habitual, de forma a levar em conta os superiores interesses das menores, devendo ainda ser considerada nula a sentença ora recorrida, fazendo-se a costumada Justiça.
1.7.- A requerida/progenitora contra-alegou, impetrando a  confirmação da decisão recorrida , e para tanto deduziu as seguintes CONCLUSÕES:
i) O presente recurso tem por objecto a douta decisão proferida em 19 de Setembro de 2019, que decidiu aplicar a favor das menores … e …., a título cautelar, a medida de promoção e protecção de apoio junto dos progenitores (art. 35º/1, al. a), e 37º, da LPCJP)na pessoa da mãe, determinando que estas fossem imediatamente entregues à mãe; que a medida em causa seja acompanhada pela EMAT,, que, para assegurar o sustento das menores, o pai deverá contribuir com uma prestação mensal a favor das mesmas no valor de € 150,00, a entregar à mãe em termos a acordar entre ambos ;que o pai deverá continuar a diligenciar, na medida do que lhe for possível, pela manutenção do DIRE necessário à residência das menores em Moçambique; sem prejuízo do que venha a ser decidido em sede de regulação das responsabilidades parentais das menores a correr no Tribunal de Maputo.
ii) Nas suas alegações, e para suporte da tese defendida, alega o Apelante, entre outras, as seguintes considerações:
iii) «(…) 5. A mãe das menores reside actualmente em Moçambique, onde estas residiram com os pais até estes se separarem e as menores e o pai terem vindo para Portugal.
iv) 8. Foi acordado entre ambos (Recorrente e Recorrida) que essa mudança (para Moçambique) seria temporária e apenas enquanto não fossem capazes de constituir um negócio próprio em Portugal;
v) 19. Em Moçambique, as menores não têm mais família além da mãe, a qual tanto quanto o pai sabe, se encontra com um emprego temporário, recente, não tendo meios de subsistência próprios suficientes, desconhecendo, inclusive, onde a mesma reside em Maputo (…) sendo o pai das menores quem suporta todas as despesas relativamente às mesmas.
vi) 30. A mãe das menores não tem residência, nem trabalho nem condições financeiras para o sustento das menores em Moçambique;
vii) 57. Face à nota 12 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27/11/2003, o critério decisivo para a determinação da competência em sede de responsabilidade parental não deverá ser tanto o critério da residência habitual, mas sim o da proximidade.
viii) 78. (…) O tribunal a quo não teve em conta o que foi requerido ou o que constava das provas juntas ao processo.
ix) 86. O Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devia ter apreciado, o que é uma causa de nulidade da sentença, nos termos do artigo 615º, n.º 1 alínea d)»
x) Bem se decidiu na decisão ora recorrida, pois o Tribunal Português não é, nem nunca poderia ser, o Tribunal competente para julgar a regulação das responsabilidades parentais das menores.
xi) As menores foram para Moçambique com três anos, aí vivendo ininterruptamente, nos últimos 6 anos;
xii) Apelada vive e trabalha em Moçambique;
xiii) Apelante até Julho, viveu e trabalhou em Moçambique;
xiv) A residência habitual e estável das menores é em Moçambique, onde vive também o seu meio irmão, filho apenas da Apelada.
xv) As menores estudam há vários anos na Escola Portuguesa de Moçambique.
xvi) A Apelada é, e sempre foi, a Encarregada de Educação das menores.
xvii) Antes de o Apelante ter dado entrada do processo de regulação das responsabilidades parentais que correu termos no Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste – Cascais – Juízo de Família e Menores– Juiz 1, sob o número 2577/19.8T8CSC, já a Requerente dera entrada de idêntico processo junto do Tribunal de Moçambique, para regulação das responsabilidades parentais das menores.
xviii) Seja pelo critério da residência habitual, seja pelo critério da proximidade, seria e será sempre o Tribunal de Maputo o tribunal competente, à luz da legislação internacional sobre a matéria, para regular as responsabilidades parentais das menores.
xix) É falso que as menores tenham vindo residir com o Apelante, aquando da separação de facto entre este e a Apelada pois o Apelante é que, à revelia da Apelada, não as deixou regressar a Moçambique contrariamente ao acordado e em vésperas de as menores iniciarem o ano lectivo
xx) A Apelada não pretende voltar a Portugal, tem a sua vida organizada em Moçambique, vive num dos melhores bairros da cidade e tem um emprego estável.
xxi) Assim, bem considerou o Tribunal a quo ser mais benéfico e representar melhor o superior interesse das menores, estas manterem-se em Moçambique, país onde têm residido, onde estão perfeitamente integradas, e continuem a frequentar a escola, em Moçambique.
xxii) Tomadas declarações às menores e à Técnica da EMAT que as acompanhou em tal diligência, resultou que aquelas estão efectivamente bem integradas em Moçambique.
xxiii) Actualmente, as menores já regressaram a Moçambique e estão, desde o dia 27 de Setembro de 2019, a frequentar o 4.º ano da Escola Portuguesa de Moçambique.
xxiv) Embora o Apelante alegue no seu recurso ser o único meio de subsistência das menores, até agora, nem pagou a pensão referente ao mês de Setembro , nem suportou a metade que lhe competia com as despesas relacionadas com o início do ano escolar das menores, bem como os voos de regresso destas para Moçambique.
Nos termos e com os fundamentos supra expostos, o recurso interposto pelo Recorrente P…, não merece qualquer provimento pois a decisão da 1ª instância decidiu de forma douta e correcta, não merecendo qualquer reparo, pelo que deverá ser mantida na íntegra.
1.8. – No pressuposto de a decisão ser recorrível, o recorrente estar em tempo e ter para tanto legitimidade, foi o recurso interposto pelo requerente admitido, com subida em separado e efeito meramente devolutivo, subindo o pertinente apenso a este Tribunal da Relação.
*
Thema decidendum
1.9. -  Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  são apenas duas  :
Primo  : Aferir se padece a decisão recorrida do vício de nulidade nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
Secundus : Aferir se a sentença recorrida deve ser revogada, impondo-se reconhecer a competência internacional do tribunal a quo para tramitar e decidir da acção de regulação das responsabilidades parentais proposta pelo recorrente e progenitor das menores.
*
2.- Motivação de Facto.
Do conteúdo da decisão recorrida [ ainda que não discriminada  separadamente – como o exige a lei adjectiva - da pertinente fundamentação de direito, a qual de resto mostra-se outrossim praticamente ausente  ] e, bem assim, da prova documental junta aos autos, bem como do acordado nos autos por ambos os progenitores, importa considerar como assente [ cfr. artº 662º, do CPC ] a seguinte factualidade :
A - PROVADA.
2.1. – P…J… , casaram em 1 de Outubro de 2011;
2.2.- L…. nasceu em 22/03/2010,na freguesia do Estoril ,Concelho de Cascais, sendo filha de P….e  J….
2.3.- Lu…, nasceu em 22/03/2010,na freguesia do Estoril ,Concelho de Cascais, sendo filha de P…J…;
2.4. - O requerente e a requerida encontram-se separados desde meados de finais de Julho de 2019, residindo ambos – há já alguns anos, pelo menos desde meados de 2013  - à data em Moçambique, juntamente com as menores (gémeas) …;
2.5-  Tendo o requerente regressado a Portugal em meados do verão de 2019, juntamente com as menores (gémeas) ….., e para gozo de um período de Férias, decidiu porém não retornar a Moçambique, pretendendo fixar-se no nosso pais;
2.6 – No seguimento da decisão de P…, identificada em 2.5., as menores (gémeas) ….. permaneceram também em Portugal, não regressando - situação com a qual a requerida/progenitora não concorda - a Moçambique.
***
3. - Motivação de  Direito
3.1. Do vício de nulidade da Decisão recorrida  e nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
Vem o apelante arguir a nulidade da sentença ,nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil, para tanto considerando que o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devia ter apreciado.
É que, diz o apelante, o Tribunal a quo não teve em conta o que foi requerido ou o que constava das provas juntas ao processo, porquanto se absteve de apreciar a validade dos documentos juntos ao processo, a veracidade dos factos alegados e prescindiu da audição das testemunhas arroladas pelas partes.
Mais aduz o apelante que juntou prova abundante relativamente aos factos alegados, nomeadamente, no que se referia às circunstâncias que entende serem prejudiciais no caso de regresso das filhas menores para Moçambique, tendo requerido também a inquirição de testemunhas que conviveram com as menores e que tiveram conhecimento directo dos factos alegados, mas, para todos os efeitos  não foram ouvidas pelo tribunal a quo.
Conclui assim o apelante que, porque o Tribunal decidiu que, por não ser competente, não havia lugar à consideração das provas oferecidas pelas partes ao processo, então violou o mesmo tribunal os princípios do inquisitório e do contraditório, enveredando por uma decisão que é contrária ao superior interesse das menores.
Apreciando
Antes de mais, pertinente é começar por precisar que as causas de nulidade da sentença são de previsão/enumeração taxativa (1), estando as mesmas [ quais nulidades especiais (2) ] discriminadas no nº1, do artº 615º, do actual CPC, razão porque forçoso é que qualquer vício invocado como consubstanciando uma nulidade da sentença, para o ser, deve necessariamente integrar o tatbestand de qualquer uma das diversas alíneas do nº1, da citada disposição legal.
Depois, importante é outrossim ter sempre presente que, como é consabido, não faz de todo qualquer sentido incluir-se no âmbito das nulidades de sentença um qualquer e pretenso erro de julgamento, e quer seja ele de facto, quer de direito (de errada subsunção dos factos às regras substantivas aplicáveis) .
Isto dito, reza a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento “.
O vício/nulidade referida, mostra-se em perfeita consonância com o dever que recai sobre o Juiz de, em sede de sentença , resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, servindo de cominação ao seu desrespeito (3).
Sobre o Juiz recai , portanto, no dizer de Lebre de Freitas e outros (4), a obrigação de apreciar/conhecer de “todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de  todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e de todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…), sendo que, a ocorrer uma tal omissão de apreciação/conhecimento, e  , não estando em causa a mera desconsideração tão só de eventuais “(…) linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença e que as partes hajam invocado (…)“,  então o “ não conhecimento do pedido , causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outras questões, constitui nulidade”.
Porém, importa não olvidar que, como há muito já advertia o Prof José Alberto dos Reis (5), não se devem confundir factos ( fundamentos ou argumentos ) com questões (a que se reportam os artigos 608.º, n.º 2, e 615º, n.º 1, alínea d), do CPC) a resolver, pois que uma coisa é não tomar conhecimento de determinado facto invocado pela parte, e ,outra completamente distinta é não tomar conhecimento de determinada questão  submetida à apreciação do tribunal. (6)
Em rigor, para nós e em termos conclusivos, dir-se-á que as questões a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mais não são do que as que alude o nº 2, do artº 607º, e artº 608º, ambos do mesmo diploma legal, e que ao Tribunal cumpre solucionar, delimitando-se e emergindo as mesmas da análise da causa de pedir apresentada pelo demandante e do seu confronto/articulação com o pedido que na acção é formulado.
Ou seja, e dito de um outro modo, não se confundindo é certo as questões a resolver pelo juiz em sede de sentença com quaisquer argumentos e razões que as partes invoquem em defesa das suas posições, o correcto/adequado será em rigor considerar-se que o vocábulo “questões” a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mostra-se utilizado na lei adjectiva com o sentido equivalente a “questões jurídicas” ainda carecidas de resolução, impondo-se que no âmbito das mesmas seja dada prioridade às questões de natureza processual que ainda estejam por resolver ( nulidades, excepções dilatórias ainda por apreciar ou outras questões de natureza processual que interfiram no resultado), e , sem embargo da apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso, deve o juiz limitar-se a apreciar as que foram invocadas, evitando, deste modo, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos temos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine. (7)
Em conclusão, e  como bem ensina Antunes Varela (8) as questões a que alude a alínea em apreciação são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.
Postas estas breves considerações, manifesto se nos afigura, desde logo, que a eventual omissão/abstenção do tribunal a quo de realizar diligências instrutórias tendo por objecto pretensos  factos alegados pelas partes e prima facie carecidos/necessitados de prova está longe e muito, de integrar fundamento legal de nulidade de decisão/sentença, não preenchendo qualquer das diversas alíneas do nº 1, do artº 615º, do CPC.
É que, para todos os efeitos, a desconsideração de meios de prova não equivale/corresponde a não apreciação de questões que devesse o juiz apreciar ou conhecer.
Depois, porque as provas  apenas fazem sentido e se justificam quando têm como função a demonstração da realidade dos factos [ cfr. artº 341º, do CC ] e, outrossim apenas têm utilidade [ justificando-se a sua produção ] quando dirigidas para factos essenciais [ cfrº artºs 5º,nº1 e 410º, ambos do CPC ] necessitados de prova, certo é que a desconsideração pelo tribunal de quaisquer factos está também longe de consubstanciar vício susceptível de integrar a previsão da alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, podendo, quando muito, obrigar o Tribunal da Relação a alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto - e ademais sem necessidade de a mesma ter sido sequer requerida por uma qualquer das partes ( cfr. nºs 1 e 2, do artº 662º, do CPC ) - quando a mesma se revele deficiente [ o que sucede quando determinado ponto da matéria de facto ou algum seu segmento não tenha sido objecto de resposta positiva ou negativa (9) ].
Por último, estando o Juiz em sede de sentença a conhecer, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, devendo resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras [ cfr. artº 608º,nºs 1 e 2, do CPC ], é óbvio que, considerando disporem os autos dos elementos necessários para conhecer da excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal [ cfr artº 577º,alínea a), do CPC ], a realização de diligências instrutórias , porque desnecessárias, de acto se tratava que não lhe era exigido, porque inútil , logo ilícito [ cfr. artº 130º, do CPC ].
Em razão do acabado de expor, improcedem portanto as conclusões recursórias do apelante interligadas com a invocada nulidade da decisão/sentença e relacionadas com a alegada omissão de pronúncia sobre questão que obrigado estava o Jus do tribunal a quo a conhecer/apreciar.
*
4 – Se a sentença recorrida deve ser revogada, impondo-se reconhecer a competência internacional do tribunal a quo para tramitar e decidir da acção de regulação das responsabilidades parentais proposta pelo recorrente e progenitor das menores.
Como vimos supra, e baseado no pressuposto fáctico [ que pelo apelante não foi impugnado , nos termos do artº 640º, do CPC ] de as menores …..residirem em Maputo, Moçambique , tendo vindo para Portugal recentemente apenas em gozo de férias ], veio o tribunal a quo a julgar-se internacionalmente incompetente [ ainda que para tanto não tenha especificado/identificado quais os fundamentos de direito que ancoram a sua decisão ], para a acção de regulação das responsabilidades parentais pelo apelante proposta .
Discordando o apelante da aludida decisão, é seu entendimento que, em face do disposto no artigo 9.°, n.° 7 da Lei n.° 141/2015, de 8 de Setembro, do artigo 62.° do CPC e dos artigos 57.°, n.° 1, 31.° e 25.° do Código Civil, o correcto é considerar o Tribunal português como sendo o competente internacionalmente para a regulação das responsabilidades parentais no tocante as menores …...
Vejamos, portanto, de seguida, se na realidade [ como o defende o recorrente ] são os tribunais portugueses internacionalmente competentes para decidir da pretendida regulação das responsabilidades parentais relativamente às menores …., nascida em 22/03/2010, e …., nascida em 22/03/2010.
Ora, a propósito da questão da competência internacional dos tribunais portugueses para de determinada acção poderem conhecer/julgar, como bem explica o STJ (10), justifica-se que seja ela trazida à colação quando a causa, através de qualquer um dos seus elementos, tenha conexão com uma outra ordem jurídica, além da portuguesa, ou , melhor, quando determinada situação, apesar de possuir, na perspectiva do ordenamento jurídico português, uma relação com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras, apresenta também uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa, sendo que, é aos tribunais portugueses que cabe aferir da sua própria competência internacional, de acordo com as regras de competência internacional vigentes entre nós.
Ou seja, como explicam Antunes Varela e outros (11) “a competência internacional (…), designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídica estrangeiras .Trata-se, no fundo, de definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado”.
Dito de uma outra forma, perante questão decidenda que apresente pontos de conexão entre duas ordens jurídicas de países diferentes, e , importando definir a quem cabe a competência, então no âmbito da competência internacional equaciona-se essencialmente “a competência dos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros. Verdadeiramente, do que se trata aqui é dos limites da jurisdição do Estado Português; de definir quando é que este se arroga o direito e se impõe o dever de exercitar a sua função jurisdicional ”. (12)
Dito isto, e antes de mais, importa precisar que é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos ( causa petendi ) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição ( quid disputatum ou quid dedidendum ), que cabe  determinar a competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer (13).
Depois, nos termos dos artigos 37º, nº2 e 38º, n.º 1, ambos da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto [ LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO ], importa não olvidar que é a lei do processo que fixa os factores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, sendo que, “A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram “.
Postas estas breves considerações iniciais, e começando precisamente pela Lei do processo, diz-nos o art.º 59º do C.P.C [ precisamente com a epígrafe de “Competência internacional” , que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.
Os factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses, tal como o dispõe o supra transcrito artº 59º, do CPC,  encontram-se portanto mencionados nos artigos 62.º e 63.º , ambos do CPC, sem embargo claro está do que se mostrar estabelecido em normas de direito internacional, bem como nas convenções internacionais ratificadas pelo Estado Português – cfr. artigo 8.º da CRP.
Assim, dispõe o artº Artigo 62.º, do CPC [ Factores de atribuição da competência internacional ], que Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes :
a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.
Já o artº 63º, do CPC [ “ Competência exclusiva dos tribunais portugueses”  ] ,  e em razão do respectivo conteúdo [ alusivo vg. a matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em território português ; a matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas colectivas que tenham a sua sede em Portugal; a matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal  e a matéria de execuções sobre imóveis  e de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas colectivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território”] , é disposição legal que para o caso sub judice não nos interessa.
Regressando portanto aos factores de atribuição de competência internacional plasmados no artº 62º, do CPC, e começando pelo vertido na respectiva alínea a), forçados somos em atender ao que se mostra disposto no Regime Geral do Processo Tutelar Cível/RGPTC [ aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.9 ], em matéria de competência territorial, máxime ao que reza o respectivo art.º 9º, n.º1, sob a epígrafe precisamente de “Competência territorial”.
Assim, reza tal normativo que :
1 – Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.
2 - Sendo desconhecida a residência da criança, é competente o tribunal da residência dos titulares das responsabilidades parentais .
3 - Se os titulares das responsabilidades parentais tiverem residências diferentes, é competente o tribunal da residência daquele que exercer as responsabilidades parentais .
4 - No caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência daquele com quem residir a criança ou, em situações de igualdade de circunstâncias, o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
5 - Se alguma das providências disser respeito a duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
6 - Se alguma das providências disser respeito a mais do que duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal da residência do maior número delas.
7 - Se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
8 - Quando o requerente e o requerido residam no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, o conhecimento da causa pertence à secção da instância central de família e menores de Lisboa, na Comarca de Lisboa.
9 - Sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo. “.
Em rigor, temos assim que a regra de competência territorial acabada de transcrever, como que prima facie e como assim o consideram José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (14), acaba por apresentar uma “dupla funcionalidade” ou “critério da coincidência”, e isto porque actua também como regra de competência internacional dos Tribunais portugueses quando esta última se relaciona com a da competência territorial.
Ora, conjugando adequadamente o factor de conexão plasmado na alínea a), do artº 62º, do CPC, com a regra de competência territorial vertida no nº1, do artº 9º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível/RGPTC, e, caso se tenha em atenção a factualidade provada [ pelo tribunal a quo fixada e não impugnada ] vertida nos itens de facto do presente Acórdão e nºs  2.4., 2.5. e 2.6., forçoso é desde logo afastar o primeiro - factor de conexão  - para efeitos  de atribuição de competência aos tribunais portugueses , pois que, quando propõe o Apelante a presente acção, não têm as menores a sua residência em território nacional, antes residem em Moçambique.
É que, dispondo o nº1, do artº 82º do CC que “ A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual “, e , o nº1, do artº 85º do mesmo diploma legal, que “ O menor tem domicílio no lugar da residência da família “, aponta a mesma e supra referida factualidade para a conclusão de que quando o processo foi instaurado não tinham as menores residência em território português.
Acresce que, como ensina Castro Mendes (15),a «residência» é um elemento de facto: é o sítio preparado para servir de base de vida a uma pessoa singular.
Não se olvida que, quando a acção é proposta, encontram-se as menores em Portugal, e, estando então aos cuidados do Progenitor, decidiu o mesmo não mais retornar a Moçambique,  antes é sua intenção fixar-se com carácter de estabilidade no nosso País.
Porém, não escapando a conduta do apelante/progenitor a reparos e criticas quanto à respectiva licitude, desde logo porque o exercício do poder paternal das menores, na constância do matrimónio, pertence a ambos os pais [ cfr. artº 1901º, do CC ] e, como é pacifico, inquestionável é que é o local da respectiva residência de questão se trata que é de particular importância [ cfr artº 1902º, do CC ], logo, deve sempre ser decidida em comum por ambos os progenitores , que não por apenas um dos pais (16), não pode assim a permanência das menores em Portugal ser valorada como residência nos termos e para efeitos do artº 9º,nº1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível/RGPTC.
Acresce que, a assim não se entender, ou seja, atribuindo-se efeitos juridicamente relevantes ao facto imposto e consumado praticado unilateralmente pelo progenitor, e enquanto gerador/desencadeador da competência internacional da jurisdição portuguesa, tal equivaleria a contemporizar com uma actuação que não está longe de representar uma fraude à lei no Direito da competência internacional (17), sendo que ,como bem a propósito refere Luís de Lima Pinheiro (18), “A sanção da fraude à lei em Direito da Competência Internacional decorre da irrelevância da manipulação do elemento de conexão ou da internacionalização fictícia da relação controvertida: A competência internacional dos tribunais portugueses será estabelecida com base nos elementos de conexão que existiriam se a manipulação ou a internacionalização fictícia não se tivessem verificado”.
Seguindo-se a análise do factor de conexão plasmado na alínea b), do artº 62º, do CPC [ “Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram “ ], temos também que a factualidade provada não se inclina para a competência internacional dos tribunais portugueses, e isto porque a separação do casal vem a ocorrer ainda em Moçambique, que não em Portugal [ cfr item de facto nº 2.4. ].
Destarte, e em face da factualidade provada, pertinente é concluir que da mesma não brotam factos que confiram aos tribunais Portugueses a competência internacional , por virtude da aplicação, in casu, das als. a) e b) do artº 62º do CC.
Restando aferir da competência internacional dos tribunais portuguese em razão do factor de conexão da alínea c), do artº 62º, do CPC, constata-se que assenta ele no princípio da necessidade, a saber, que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique qualquer uma das seguintes situações:
- a primeira, quando a efectivação do direito invocado pelo demandante só seja possível por meio de acção proposta em território português (por nenhuma ordem jurídica tutelar a situação jurídica em causa) e a ordem jurídica portuguesa tenha com a acção algum elemento ponderoso de conexão pessoal ou real;
- a segunda, quando a ordem jurídica portuguesa tenha também com a acção algum elemento ponderoso de conexão pessoal ou real e não seja exigível ao autor a propositura da acção no estrangeiro.
No dizer de Pais de Amaral (19), o factor de conexão da alínea c), do artº 62º, do CPC, em última análise atribui aos tribunais portugueses a competência internacional porque a assim não suceder fica o autor sem poder exercer e efectivar o direito do qual se arroga titular e, vg, a não exigibilidade de propor a acção no estrangeiro, apenas se verificará quando na presença de uma dificuldade apreciável, vg  a existência de um conflito armado ou um corte de relações diplomáticas com o país cujos tribunais seriam os competentes.
Ainda segundo Pais de Amaral, “ estamos na presença de uma atitude de último recurso. Pretende-se, por esta via, prevenir a denegação de justiça que resultaria da circunstância de não ser possível ou ser muito difícil propor a acção no estrangeiro”.
Em suma, como bem concluiu o Tribunal da Relação do Porto (20), na alínea c), do artº 62º, do CPC, “ Abarca-se não só a impossibilidade jurídica, por inexistência de tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de competência internacional das diversas ordens jurídicas com as quais ele apresenta uma conexão relevante, mas também a impossibilidade prática, derivada de factos anómalos impeditivos do funcionamento da jurisdição competente: v.g. conflitos negativos; não reconhecimento, em abstracto, do direito pelo tribunal competente; Impossibilidade de facto: guerra; ausência de relações diplomáticas.
Ora, convenhamos, a verdade é que relativamente a tal matéria são os autos em absoluto destituídos de qualquer factualidade susceptível de integrar a previsão da alínea c), do artº 62º, do CPC.
Concluindo, é à luz dos elementos de conexão plasmados no artº 62º, do CPC, não se vê como considerar os tribunais Portugueses como internacionalmente competentes para a acção pelo apelante intentada.
Por último, porque como vimos supra, o art.º 59º do C.P.C , dispõe que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando …. “ [ logo, para a resolução do thema decidendum, importa outrossim aferir se existem tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais ratificadas ou aprovadas que, vinculando internacionalmente os tribunais portugueses – cfrº artigo 8.º, nº 4, da CRP – e prevalecendo sobre as normas processuais portuguesas ,confiram a competência internacional aos tribunais portugueses no caso sub judice ] , resta  como derradeira hipótese para conferir razoabilidade/pertinência à pretensão do apelante a “descoberta” de um instrumento internacional que a suporte.
Neste âmbito, recorda-se que, através do Decreto n.º 52/2008, de 13 de Novembro e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo aprovou a Convenção relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Protecção das Crianças, adoptada em Haia em 19 de Outubro de 1996,  e cujo artº 1º, alínea a), reza que a presente Convenção tem por objecto “Determinar qual o Estado cujas autoridades têm competência para tomar as medidas orientadas à protecção da pessoa ou bens da criança”.
Mais decorre da referida Convenção , que para os efeitos da mesma “ a expressão «responsabilidade parental» designa a autoridade parental ou qualquer outra relação análoga de autoridade que determine os direitos, poderes e responsabilidades dos pais, tutores ou outros representantes legais relativamente à pessoa ou bens da criança” [ artº 1º,nº2] , e que “ As medidas previstas no artigo 1.º poderão, nomeadamente, envolver a Atribuição, exercício, termo ou redução da responsabilidade parental, bem como a sua delegação” [ artº 3º,alínea a) ].
E, mais especificamente sob a epígrafe de “ Competência”, dizem-nos também os nºs 1 e 2, do artº 5º da Convenção, respectivamente, que “As autoridades jurídicas ou administrativas do Estado Contratante no qual a criança tem a sua residência habitual possuem competência para tomar as medidas necessárias à protecção da pessoa ou bens da criança” e que “ Com ressalva do artigo 7.º, em caso de mudança da residência habitual da criança para outro Estado Contratante, as autoridades do Estado da nova residência habitual terão a competência”.
Alinhando pela mesma escolha do critério atendível em sede de competência internacional, temos ainda a considerar o Regulamento(CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, e o qual, sendo aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental [ artº 1º,nº1, al b) ], dispõe no seu artº 8º, nº1, que “ Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
Ora, se é verdade que para a determinação da competência internacional, só se aplicam os critérios de conexão a que se refere o artigo 62º do Código de Processo Civil se não existirem instrumentos internacionais que vinculem internacionalmente os tribunais portugueses [ pois, existindo, prevalecem sobre os critérios plasmados na segunda parte do artº 59º do CPC ], certo é que também em função da aplicação  dos dois instrumentos internacionais  acima mencionados , e para que os tribunais português se pudessem arrogar internacionalmente competentes para apreciar e julgar a acção pelo apelante intentada, forçoso é que apontasse a factualidade assente [ o que vimos supra não acontece ] para que as duas menores tivessem a sua residência habitual em Portugal à data em que o apelante instaurou processo  no tribunal.
Neste conspecto, temos por conveniente chamar a atenção que, prima facie, e como assim já o considerou Miguel Teixeira de Sousa (21)  a propósito de questão aparentada com a presente , a circunstância de a acção ter conexão com um Estado terceiro (Moçambique) não é suficiente nem para afastar a aplicação de um Regulamento(CE), “ Noutros termos: a circunstância de a opção ser entre a competência internacional dos tribunais portugueses ou a competência internacional dos tribunais moçambicanos não é suficiente para excluir a aplicação do Reg. 1215/2012, pelo que teria bastado a aplicação do disposto no art. 4.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 para justificar a competência internacional dos tribunais portugueses.
Aqui chegados, porque quer à luz da primeiro parte do artº 59º, do CPC, quer por aplicação dos factores de conexão a que alude o artigo 62º do mesmo diploma ( e para o qual remete a segunda parte do artº 59º ), não se descobre a competência internacional dos tribunais português para apreciar e julgar a acção pelo apelante intentada, só nos resta concluir como o fez a primeira instância, ou seja, “ Em face de tal residência [ em Moçambique ] efectiva das menores, carece este tribunal de competência internacional para a presente acção de regulação das responsabilidades parentais, competência essa que pertence aos tribunais de Moçambique dos quais aliás corre já acção com o mesmo objecto”.
Em suma, deve assim a apelação interposta improceder, devendo a decisão recorrida ser confirmada
***
- O art. 9º,nº1, do REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL, quando estabelece o critério de determinação da competência territorial [  remetendo para o tribunal da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado ],  acaba também por [  porque é-lhe reconhecida uma “dupla funcionalidade”, por força do artº 62º,alínea a), do CPC ] actuar como regra de competência internacional dos Tribunais portugueses.
5.2.-  Em razão do referido em 5.1., cabe os tribunais do Estado da residência habitual do menor, no momento em que o processo é instaurado, a competência internacional para conhecer das questões atinentes à regulação das responsabilidades parentais.
5.3. - Ocorrendo uma deslocação dos menores de Moçambique – local onde à data tinham estabelecida a respectiva residência habitual - para Portugal, por iniciativa unilateral do progenitor e ao arrepio da vontade da progenitora que permanece em Moçambique, tal deslocação porque prima facie “ilícita”,não pode/deve funcionar para desencadear uma nova conexão transnacional a ponto de conferir aos tribunais português a competência internacional no âmbito de processo de regulação das responsabilidades parentais.
***
6 - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA, em , NÃO concedendo provimento à apelação de P….:
6.1-  Confirmar a decisão apelada.
Custas pelo apelante.
***
(1) Cfr. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984 , Coimbra Editora, págs. 668 e segs..
(2) Cfr. Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas Ao Regime dos Recursos Em Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, pág. 33.
(3) Cfr. v.g. o Ac. do STJ de 6/5/2004, disponível in www.dgsi.pt.
(4)  In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 670.
(5) In Código do Processo Civil Anotado, vol.V, Coimbra Editora, págs. 143-145.
(6) Cfr. v.g. o Ac. do STJ de 20/11/2014, Proc. nº 810/04.0TBTVD.L1.S1, sendo Relator ÁLVARO RODRIGUES, e disponível in www.dgsi.pt.
(7) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, in sentença Cível, texto-base da intervenção efectuada nas “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de Janeiro de 2014).
(8) In RLJ, Ano 122.º, pág. 112.
(9) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, Pág. 332.
(10)  Cfr. Acórdão  de 8/4/2010 , in www.dgsi.pt. .
(11)  In “Manual de Processo Civil” , Coimbra Editora, pág. 188.
(12) Cfr. Manuel de Andrade, “ in Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 92, e DÁRIO MOURA VICENTE, em “A competência internacional no Código de Processo Civil revisto: aspectos gerais”, in “Aspectos do novo processo civil”, pág. 71.
(13) Cfr. Manuel de Andrade, “ in Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, Coimbra Editora, pág. 91.
(14) In Código de Processo Civil anotado, vol 1º, 3ª edição, Coimbra, 2014, págs. 131/132
(15) Vide o Ac. do TR de Lisboa, de 24-03-2009, in Proc. nº 2273/07.9TMLSB-7, sendo Relatora CONCEIÇÃO SAAVEDRA, e in www.dgsi.pt
(16) In Teoria geral, 1967, 1º, pág. 228.
(17) Vide Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02-12-2014, proferido no processo nº 1045/12.3TBCLD-A.C1,  sendo Relator TELES PEREIRA e in www.dgsi.pt
(18) In Direito Internacional Privado, 2ª ed., Coimbra, 2012 ,Vol. III, pág.  51.
(19) In Direito Processual Civil, 2013, Almedina, 11ª Edição.
(20) Acórdão proferido em 11-11-2014, no processo nº 1628/12.1TMPRT-A.P1, sendo Relatora ANA LUCINDA CABRAL e in www.dgsi.pt.
(21)In https://blogippc.blogspot.com/2016/07/jurisprudencia-414.html
                                            ***
LISBOA, 19/12/2019
António Manuel Fernandes dos Santos 
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva