Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25539/16.2T8LSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE LÍNGUAS
CCT
COMISSÃO DE TRABALHADORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I– Verificam-se, desde logo, diferenças de redação entre todas as cláusulas do CCT entre a AHT e a FETESE que, reguladoras do subsídio de línguas/prémio de conhecimento de línguas, se foram sucedendo no tempo e no espaço laboral do sector da hotelaria entre 1978 e 2009, quer no que toca ao tipo de contacto (ali direto e telefónico e aqui somente o primeiro) e destinatários do mesmo (ali somente público e aqui também clientes), quer no que respeita ao seu número 2, pois antes a prova de conhecimentos de línguas era feita através de certificado de exame realizado em escola profissional ou estabelecimento de línguas reconhecido pela associação patronal e pelo sindicato e agora essa mesma prova é concretizada mediante um certificado de exame realizado em escola profissional ou estabelecimento de ensino de línguas reconhecidos oficialmente (logo, sem que tenha de haver qualquer consenso quanto ao estabelecimento entre as partes outorgantes do CCT) e mediante entrega de certificado de exame com aproveitamento, ou prova de conhecimento a realizar pela empresa no ato de admissão.

II– Esse conhecimento de línguas e o direito ao correspondente subsídio de línguas ou prémio de conhecimento de línguas pode advir ou cessar em qualquer momento do vínculo subordinado.

III– Esse conhecimento de línguas não constitui, só por si e em si, elemento típico suficiente para conferir ao trabalhador o direito à perceção do dito subsídio ou prémio, sendo igualmente possível perder tal direito a partir do momento em que deixe de exercer as funções que pressupõem o aludido contacto com o público ou os clientes e/ou a exigência de uso da aprendizagem em línguas que o empregado comprovou por documento legítimo junto da entidade empregadora.

IV– Trata-se de uma prestação que está dependente da existência efetiva de uma determinada habilitação, ou seja, de um conjunto de conhecimentos que, ainda que não sejam vastos ou profundos, capacitem o seu titular com uma mais-valia concreta – o de poder comunicar com terceiros na sua língua de origem ou noutra que conheçam, com uma razoável fluência, vocabulário e compreensão (passiva e ativa), não bastando saber algumas frases desfasadas, mecanizadas ou mesmo os rudimentos da língua (no fundo, como se costuma dizer, “arranhar” o idioma em questão) para se poder aceder ao recebimento daquele subsídio ou prémio.

V– Os requisitos materiais de atribuição desse subsídio ou prémio poderão ser mais ou menos exigentes e rigorosos em razão das concretas categorias profissionais e/ou das reais funções desempenhadas pelos trabalhadores em presença.

VI– É relativamente normal que um cidadão comum, que não procura, de alguma forma, alimentar regularmente os seus conhecimentos linguísticos, designadamente, através de aulas de refrescamento, vá perdendo a memória do vocabulário e da sintaxe, o treino oral e escrito, a elasticidade, o à vontade no manuseamento do idioma ou idiomas em questão.

VII– O aumento exponencial do turismo de cidadãos de outros Estados no nosso país acarreta uma subida superveniente no grau de exigência por parte das entidades empregadoras do sector hoteleiro relativamente ao domínio das línguas pelos seus trabalhadores, com contacto profissional mais ou menos habitual com aqueles.

VIII– O acordo celebrado entre a Ré e a comissão de trabalhadores não permitia à primeira derrogar o referido regime convencional, pois essa regulamentação coletiva foi firmada entre a AHP e a FETESE, sendo tais associações profissionais as únicas entidades com legitimidade e capacidade para alterarem ou derrogarem as ditas cláusulas convencionais.

IX– Ainda que não se possa conferir a tal consenso entre empregadora e comissão de trabalhadores uma qualquer validade e eficácia derrogatórias do estipulado na cláusula 33.ª, seguro é que o descrito processo não foi caprichoso, autocrático e unilateral mas antes resultante de uma situação de legítimas queixas de clientes e trabalhadores e radicado no diálogo regular entre a empresa e aquela estrutura representativa, o que não pode ser ignorado e deixar assim de ter relevantes consequências jurídicas no julgamento do presente conflito.

X– Este prémio de conhecimento de línguas tem natureza retributiva pois visa remunerar os trabalhadores pela mais-valia que constituem esses efetivos domínio e utilização, no contacto com o público e os clientes, de idiomas estrangeiros e valoriza e qualifica a maneira como desenvolvem as suas funções, constituindo, assim, uma particularidade da prestação normal do trabalho por eles realizado.

XI– Tal, no entanto, não quer dizer que, caso ocorra uma modificação superveniente das condições convencionais da sua atribuição, não possa o referido prémio de conhecimento de línguas deixar de ser pago ao trabalhador até aí remunerado com o mesmo.

XII– A retirada do subsídio ou prémio de conhecimento de línguas a uma trabalhadora que já o percebia, há muitos anos e naquelas precisas condições, não configura uma situação de abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil), pois não apenas tal cessação do pagamento dessa prestação culmina um processo consensual e comum a todos os trabalhadores de cerca de 1 ano como colocou também nas mãos daqueles que se encontravam abaixo da linha mínima exigida para o saber linguístico a possibilidade de terem formação adequada e de, numa segunda oportunidade de avaliação, obterem o aproveitamento mínimo acordado, não tendo a aqui demandante, no final de tal processo, logrado preencher os requisitos mínimos convencionalmente exigidos para a sua atribuição.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


AAA, contribuinte fiscal n.º (…), residente em (…) Lisboa veio em 19/10/2016, propor a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra BBB, SA, pessoa coletiva n.º (…) e com sede (…) Lisboa, pedindo, em síntese, o seguinte:

a)- Seja considerada ilícita a alteração do horário de trabalho da Autora, quer por ter sido determinada sem o seu acordo, quer por ter sido decidida sem atender à conciliação da sua atividade profissional com a sua vida familiar, tendo-lhe causado prejuízo sério;
b)- Seja reposto o horário de trabalho da Autora ilicitamente alterado pela Ré, voltando o mesmo a ser de segunda a sexta-feira entre as 07h00m e as 15h30m;
c)- Seja reconhecido que o prémio de línguas que era pago à Autora pela Ré era parte da sua retribuição e que, consequentemente, a Ré reduziu de forma ilícita a retribuição da Autora;
d)- Seja a ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 2.344,98 correspondente ao prémio de línguas que a Ré teria de pagar-lhe no período entre Janeiro de 2014 e Setembro de 2016;
e)- Seja a Ré condenada a retomar o pagamento à Autora do prémio de línguas, a partir do mês de Outubro de 2016, inclusive;
f)- Seja a Ré condenada a pagar à Autora juros de mora vencidos a incidir sobre as quantias pedidas e calculados à taxa legal, no valor de € 128,64;
g)- Seja a Ré condenada a pagar à Autora juros de mora vincendos a incidir sobre as quantias pedidas e calculados à taxa legal, a contar da data da propositura da presente ação até efetivo e integral pagamento;
h)- Seja a Ré condenada a pagar à Autora uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros).
*

Foi agendada data para a realização da Audiência de partes (despacho de fls. 125), tendo a Ré sido citada para o efeito, por carta registada com Aviso de Recepção, como resulta de fls. 128 e 130.

Mostrando-se inviável a conciliação das partes (fls. 134 e 135), a Ré, que foi notificada para contestar a ação, veio a fazê-lo, em tempo devido e nos termos de fls. 142 e seguintes, onde, em síntese, impugnou a interpretação que a Autora efetua dos normativos convencionais e legais aplicáveis ao caso e sustenta a improcedência total da presente ação.
*

A Autora veio pronunciar-se sobre os documentos juntos com a contestação da Ré, nos moldes constante de fls. 274 e seguintes.
*

A Ré veio pronunciar-se sobre os documentos juntos com a resposta da Autora, nos moldes constante de fls. 289 e seguintes.

Foi proferido despacho saneador, no qual se fixou o valor da ação - € 7.463,72 - considerou regularizada a instância, não se determinou a realização da Audiência Prévia, fixou-se o objeto do litígio mas dispensou-se a enunciação dos temas de prova, admitiu-se a prova documental e os róis de testemunhas das partes e se manteve a data da Audiência de Discussão e Julgamento, que já havia sido marcada em Audiência de Partes [[1]].

No início da Audiência de Discussão e Julgamento, houve acordo entre as partes relativamente a alguns factos alegados, tendo, por seu turno, a juíza do processo dado como assentes outros factos igualmente articulados por Autora e Ré (fls. 363). 

Realizou-se a Audiência Final de acordo com os formalismos legalmente previstos, tendo a prova aí produzida sido objeto de gravação áudio, conforme ressalta da respetiva Ata (fls. 362 a 370).
*

Foi então proferida a fls. 380 a 413 e com data de 4/4/2017, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:

“3.1. Nos termos e fundamentos expostos e atentas as disposições legais citadas, julga-se a ação parcialmente procedente, e, em consequência decide-se:
1.– Condenar a Ré BBB, SA a pagar à Autora a quantia global de € 2.344,98 (dois mil, trezentos e quarenta e quatro euros e noventa e oito cêntimos) referente ao período entre Janeiro de 2014 a Setembro de 2015, assim como a retomar o pagamento a partir de Outubro de 2016, acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal, fixada em 4%, desde a data de vencimento até integral e efetivo pagamento.
2.– Absolver a Ré do demais peticionado.
3.2.- Custas da ação a cargo da Autora e Ré na proporção de 70% e 30%, respetivamente (art.º 527.º CPC).
*
Registe e notifique.”
*

A Ré BBB, SA, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 425 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 496 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*

A Apelante apresentou, a fls. 428 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)
*

A Autora apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 472 e seguintes):
(…)
*

O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso (fls. 568 a 570), não tendo a Autora se pronunciado acerca do mesmo, dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificada para o efeito, ao contrário do que aconteceu com Ré que, através da resposta de fls. 573 a 579, pugnou igualmente pelo decaimento da trabalhadora no que respeita ao pedido em que foi condenada (subsídio de línguas).
*

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II–OS FACTOS

O tribunal da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos nos seguintes termos:

«Com relevância para a discussão da causa estão provados os seguintes factos:
1.– A Ré dedica-se à atividade hoteleira, explorando o Hotel (…), em Lisboa.

2.– Em 06 de Setembro de 1978, Autora e Ré, então denominada “(…), SARL”, subscreveram o acordo escrito designado por “contrato de trabalho a prazo”, junto a fls. 192-193, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:

“2.º - O segundo outorgante é contratado para prestar serviço na firma em referência com a categoria de Empregada de Quartos sendo o horário semanal de 44 horas semanais em 5,5 dias de trabalho com o descanso semanal à 3.ª e 4.ª e a remuneração mensal de Esc. 8.600$00 com alimentação.”

3.– Em 06 de Julho de 1979, Autora e Ré, então denominada “(…)”, subscreveram o acordo escrito designado por “contrato de trabalho a prazo”, junto a fls. 28-29, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:
“2.º - O segundo outorgante é contratado para prestar serviço na firma em referência com a categoria de Empregada de Quartos sendo o horário semanal de 44 horas semanais em 5,5 dias de trabalho com o descanso semanal à ----------- e a remuneração mensal de Esc. 8.950$00 com alimentação.

4.– A Autora foi contratada pela Ré para exercer, por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização, com efeitos a partir de 7 de Julho de 1979, as funções de empregada de quarto no (…), em Lisboa.
5.– Posteriormente, em data não concretamente apurada a Autora passou a exercer ao serviço da Ré funções de “mordoma” e foi promovida à categoria profissional de governanta de andares, categoria que mantém atualmente.
6.– Nos anos de 2008, 2009 e 2013, a Ré atribuiu à Autora no mapa de horário o seguinte: segunda a sexta-feira entre as 07h00m e as 15h30m, com descanso aos sábados e domingos.
7.– Em Fevereiro de 2014, a Ré decidiu alterar o horário de trabalho da Autora.

8.– Tendo para o efeito entregue à Autora a comunicação junta a fls. 33 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:
“Face à premente necessidade de reajustamento da equipa de supervisão do housekeeping com vista à melhoria da eficácia do departamento, verifica-se a necessidade de alteração do seu atual horário de trabalho.
Deste modo, vimos por este meio comunicar que, conforme o disposto no art.º 212.º, n.º 1 CT, iremos proceder à alteração do seu horário de trabalho.
O novo horário irá entrar em vigor a partir do dia 17 de Fevereiro, passando a ter o seguinte horário:
Hora de entrada: às 08 horas e 30 minutos saída às 17 horas, às segundas-feiras, quintas-feiras e sextas-feiras.
Hora de entrada: às 07 horas saída às 15 horas e 30 minutos, às terças-feiras e quartas-feiras.
Fica assim notificado quanto à respetiva alteração do seu horário de trabalho.”

9.– Os dias de descanso semanal eram ao sábado e domingo.
10.– A Autora, apôs no horário de trabalho a seguinte menção datada de 20 de Fevereiro de 2014: “E desde o dia 07/02/14 que faço o horário acima referido apesar de causar prejuízos económicos e financeiros”.

11.– Em 23 de Setembro de 2014, a Ré comunicou à Autora “Face à presente baixa de maternidade da colega que desempenha funções ao fim de semana, o departamento de Housekeeping depara-se com o facto de deixar de ter Governantas de serviço suficientes para assegurar o serviço aos fins-de-semana.
Visto que o departamento não poderá ficar fechado e sem acompanhamento ou supervisão, vimo-nos na premente necessidade de reajustamento dos horários e folgas de toda a equipa de supervisão do Housekeeping com vista a fazer face à atual situação, procurando reduzir ao mínimo os efeitos que tal decisão possa ter nos elementos da equipa.
Procuramos previamente encontrar uma solução de mútuo acordo entre a equipa, antes de tomar esta decisão a qual foi de todo inviável, não tendo existido abertura por parte da maioria dos elementos da equipa para alterar horários ou folgas, o que nos obriga a esta decisão neste momento.
Deste modo, vimos por este meio solicitar a vossa posição, conforme o disposto no art.º 212.º, n.º 1 CT, no prazo de 5 dias para a atual alteração, a qual pretendemos proceder à alteração a partir do próximo dia 6 de Outubro.
Caso nada se venha a opor, de acordo com a legislação em vigor, o novo horário e mapa de folgas irá entrar em vigor do dia 6 de Outubro, de acordo com o documento anexo.
Fica assim notificado quanto à respetiva alteração do seu horário de trabalho.”

12.– Os dias de descanso semanal eram rotativos.

13.– Em 25 de Setembro de 2014, por escrito junto a fls. 36, a Autora comunicou à Ré que “De acordo com o art.º 212.º, n.º 1 do CT, venho por este meio informar V. Exas. do meu desacordo, por razões pessoais e familiares, em relação às alterações de horário e folgas, que me foram comunicadas em carta datada de 23 de Setembro.”

14.– A Comissão de Trabalhadores pronunciou-se no escrito datado de 29 de Setembro de 2014, junto a fls. 37 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
15.– Por escrito de 02 de Outubro de 2014, junto a fls. 39, respondeu a Ré à Comissão de Trabalhadores.

16.– Por escrito de 8 de Outubro de 2014, junto a fls. 40 e entregue à Ré em 9 de Outubro, a Autora comunicou-lhe que, “Quando fui informada da intenção da empresa de alterar horários de trabalho e as folgas do Departamento de HK, manifestei a minha discordância, nos termos legais, não por não entender a necessidade de ajustamentos, motivados pela ausência de (…), mas porque, por razões pessoais e familiares, essas alterações me traziam dificuldades imediatas e de muito difícil resolução.
O meu filho ficou com a guarda conjunta do meu neto, aquando do divórcio. Dado que foi obrigado a ausentar-se para o estrangeiro, para trabalhar, fui eu que fiquei com o menino e com a respetiva parte da guarda conjunta. Assim, todos os dias sou eu que vou buscar o meu neto ao infantário às 17h30 (a mãe leva-o de manhã e não tem possibilidade de o ir buscar ao final do dia).
Nesta mesma guarda conjunta ficou estabelecido que o meu neto passaria fim-de-semana sim, fim-de-semana não, com o pai. Com o meu filho ausente sou eu que tenho de assegurar os seus fins-de-semana.
Não tenho forma de alterar as decisões legais, o meu filho não tem qualquer hipótese de voltar a Portugal neste momento, porque cá não tem emprego, a mãe não o pode ir buscar fazendo esta divisão de tempos e tarefas parte da guarda conjunta não pode alegar que o tenha que fazer no emprego e eu não posso deixar o meu neto à porta do infantário.
Peço a melhor compreensão para estes factos e para as dificuldades que estas alterações me acarretam e apelo a que entre todos se encontram soluções para as contornar.”

17.– Em 04 de Novembro de 2014, a Autora apresentou queixa contra a Ré junto da Autoridade para as Condições do Trabalho.
18.– A Autoridade para as Condições do Trabalho respondeu à Autora por escrito junto a fls. 42 e seguintes e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente.
19.– A Ré comunicou à Autora os horários que constam dos documentos juntos sob os n.ºs 14 a 34 com a petição inicial.
20.– A Autora remeteu à Ré os escritos juntos a fls. 66 a 99/Docs. 35 a 43 manifestando o seu desacordo em relação aos horários que lhe eram fixados que foram rececionados pela Ré.
21.– A Ré continua a estabelecer mensalmente horários de trabalho para a Autora e esta continua a comunicar-lhe a oposição a esses horários estabelecidos pela Ré.

22.– Por escrito de 23 de Fevereiro de 2016 a Ré comunicou à Autora que, “Conforme é do seu conhecimento e já foi anteriormente informada, a legalidade da alteração dos horários de trabalho da secção de housekeeping foi já sindicada pela Autoridade para as Condições do Trabalho que, após verificação de todo o procedimento e análise da situação das trabalhadoras, concluiu, em decisão proferida em 05/06/2015, não existir qualquer ilegalidade ou violação de direitos daquelas na referida alteração.
Isto posto, considera-se definitivamente encerrado este assunto.
O desrespeito por tal decisão e insistência na imputação à (…) da violação de direitos inexistentes, constitui uma violação de deveres previstos legalmente, nomeadamente do dever de lealdade para com a entidade patronal, o que constitui facto de que é passível a extração de consequências disciplinares.”

23.– A Autora respondeu por escrito datado de 1 de Março de 2016, junto a fls. 101 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
24.– Uma vez que muitos dos clientes do (…), no qual a Autora presta atividade, são estrangeiros, é muitas vezes necessário dialogar com os mesmos em língua estrangeira.
25.– A Ré pagava à Autora a quantia mensal de € 61,71 a título de prémio de línguas.
26.– O referido prémio era pago pela Ré todos os meses e integrava subsídios de férias e de Natal.
27.– A quantia de € 61,71 destinava-se a compensar a Autora pelo facto de falar três línguas estrangeiras: inglês, francês e alemão.
28.– Em Janeiro de 2014, a Ré decidiu deixar de pagar à Autora o prémio de línguas.
29.– Em 02 de Outubro de 1997, a Autora requereu à entidade patronal “um estágio como Rececionista (Mordoma) por um período de três meses e horário de acordo com as necessidades da secção”.
30.– Tendo a Autora declarado expressamente que “estou de acordo em alterar os dias de folga se necessário”.
31.– Em 20.12.2000 é atribuída a categoria de “governanta de andares” à Autora.
32.– Em Março de 1999, na sequência de um pedido de estágio a Autora desempenhou as funções de telefonista.

33.– Por escrito junto a fls. 199, a Autora comunicou à Ré que “No seguimento do meu pedido para estagiar nos Telefones, conforme informada hoje darei início ao mesmo no dia 08 de Março de 1999. Para esse efeito estou de acordo em mudar os horários de trabalho, caso necessário, não havendo qualquer alteração da minha categoria profissional bem como do meu salário.
Mais informo, que nos dias em que se verificar conveniente para efeitos de aproveitar o mais possível a aprendizagem, a mesma será efetuada para além do meu normal de trabalho sem me ser devido qualquer acréscimo de pagamento.”

34.– Por escrito de 9 de Junho de 2000, junto a fls. 200, a Autora solicitou à Ré que para efeitos de valorização profissional, “seja concedido um estágio como Governanta de Andares, por um período de três meses, a começar em 21 de Junho de 2000.
Mais informo, que para o efeito o meu salário não sofrerá qualquer mudança, podendo, no entanto, alterar o meu horário de folga, se necessário.”

35.– Por escrito de 20 de Setembro de 2000, junto a fls. 201, a Autora solicitou à Ré que para efeitos de valorização profissional, “seja concedido o prolongamento do estágio de Governantes de Andares, que iniciei em 21 de Junho do corrente ano, por mais três meses.
Mais informo, que para o efeito o meu salário não sofrerá qualquer mudança, podendo, no entanto, alterar o meu horário e dias de folga, se necessário.”

36.– A entidade patronal, ora Ré, teve que alterar os horários do housekeeping porque se deparou com o facto de deixar de ter governantas de serviço suficientes para assegurar o serviço de fim-de-semana, razão pela qual teve de reajustar os horários e folgas de toda a equipa.
37.– A alteração de horários e folgas deveu-se à necessidade de preencher o horário das tardes de domingo e 2.ª feira, bem como encontrar um equilíbrio entre os dias da semana.
38.– Em 09.06.2015, a Ré foi notificada do arquivamento do processo de contraordenação contra si instaurado sob o n.º 171500004, pelos fundamentos que constam da decisão junta a fls. 206-213 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
39.– No exercício da sua atividade e em muitos sectores operacionais, a (…) necessita, no (…), de trabalhadores que dominem e falem fluentemente várias línguas estrangeiras.
40.– Nos últimos anos, o Hotel começou a receber queixas e comentários dos seus trabalhadores com que contactavam não falavam as línguas em causa necessárias.
41.– Havendo, igualmente, trabalhadores que se queixavam de que havia colegas que não falavam as línguas por que recebiam prémios.
42.– Perante estas queixas a (…) decidiu averiguar internamente se as queixas tinham fundamento.
43.– A Ré reuniu com a Comissão de Trabalhadores e com o acordo desta estabeleceram a forma como iria averiguar-se os conhecimentos e solucionar esta situação.
44.– O processo para apurar a detenção de competências linguísticas do trabalhador começou no início de 2013 e durou até início do ano de 2014.

45.– Em ata de reunião de Comissão de Trabalhadores de 09.04.2013, ficou consignado que “1. Prémio de línguas
Foi comunicado pela Direção que já recebemos os resultados dos testes de línguas, realizados aos nossos colaboradores e que alguns deles serão recomendados para formação. Após esta formação serão realizados novos testes e nessa altura decidiremos qual a próxima ação relativamente à manutenção ou não dos prémios de línguas, sendo que até lá nada será alterado. Procuraremos que estas ações decorram entre Abril e Junho, por forma a que em Julho no máximo o processo seja encerrado.
Foi ainda acordado que a empresa irá verificar o custo de formação on-line via STARWOOD ONE e caso algum colaborador pretenda complementar a sua aprendizagem com este modelo, a empresa verá a viabilidade de pagar o mesmo.”

46.– A entidade patronal começou por realizar uma primeira prova numa escola externa e independente, no Centro Europeu de Línguas.
47.– Quem chumbou nessa primeira prova foi informado de que deveria e poderia estudar e fazer a formação que entendesse por bem, após o que seria realizada nova prova, feita por esse Centro de Línguas.
48.– Os trabalhadores que assim o pretenderam, tiveram a oportunidade de receber formação oferecida pelo Hotel, com certificação e gratuita, cofinanciada pelo Fundo Social Europeu, também ela sujeita a avaliação final, de forma a poderem apurar se estavam aptos à realização da segunda prova do Instituto.
49.– Podia inscrever-se quem quisesse, quaisquer trabalhadores do hotel, em vagas para formação em francês, inglês e alemão.
50.– Houve trabalhadores que não frequentaram a formação oferecida apesar de notificados pela entidade patronal para comparência nos cursos.
51.– Após o período em que foi ministrada formação – ou em que os trabalhadores poderiam estudar por si onde quisessem – realizou-se a segunda prova no Centro de Línguas, para a qual foram convocadas por escrito.

52.– Em ata de reunião de Comissão de Trabalhadores de 12.06.2013 ficou consignado o seguinte:
“1.- Prémio de Línguas
Ficou acordado que antes dos testes de línguas voltarem a ser realizados aos colaboradores que não obtiveram aproveitamento nos testes anteriores, será definido qual o nível exigido para cada função, de acordo com o nível de exigência e de conhecimentos linguísticos esperados.”

53.– Houve trabalhadores que não compareceram para a realização dos exames, apesar de convocados para a hora e dia da realização de testes nem apresentaram justificação.
54.– A Autora faltou ao teste de alemão e realizou apenas os testes de inglês e francês.
55.– Foi em acordo com a Comissão de Trabalhadores que se decidiu o nível considerado minimamente aceitável para receber o prémio de línguas e, em função de tal decisão, todos os trabalhadores que atingiram o nível mínimo na segunda prova realizada na entidade externa não viram ser-lhes retirado o prémio de línguas.

56.– Em ata de reunião Comissão de Trabalhadores de 04.11.2013, ficou consignado o seguinte:
“5.- Prémio de Línguas
Os testes decorrerão no mês de Novembro e as alterações salariais terão efeito a partir de Janeiro.”

57.– A Autora não obteve a pontuação mínima equivalente a nível A.2.2.
58.– Em consequência da alteração de horário e supressão pagamento prémio de línguas a Autora sentiu triste, ficou mais ansiosa e sentiu-se injustiçada.
*

2.2.– Com relevância para a discussão da causa não se provaram outros factos dos articulados, nomeadamente os seguintes:
1– Que a partir de 1997, quando a Autora passou a exercer as funções de “mordoma” ficou acordado entre esta e a Ré que esta passaria a cumprir um horário de trabalho de segunda a sexta-feira entre as 07h00 e as 15h30m e a ter como dias de descanso semanal os sábados e domingos;
2– Que a Autora tem a seu cargo um neto de 9 anos sendo responsável por o ir buscar todos os dias à escola e tendo de tomar conta dele em fins-de-semana alternados;
3– Que a alteração do horário de trabalho da Autora, faria com que aquela deixasse de poder ir buscar o seu neto à escola em determinados dias e de tomar conta dele aos fins-de-semana;
*
(O tribunal não respondeu aos artigos que contêm matéria conclusiva, de direito ou contendo meras considerações sendo que a matéria contida nos artigos 48.º e 49.º da petição inicial é de direito e por isso não se reproduziu nesta sede) [[2]]»
*

III–OS FACTOS E O DIREITO.
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*

A–REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS
(…)
B–DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
(…)
C–QUESTÃO PRÉVIA

Impõe-se, prévia e muito sinteticamente, definir as fronteiras do poder jurisdicional deste Tribunal da Relação de Lisboa, por referência, em primeiro lugar, aos diversos pedidos deduzidos pela Autora e correspondentes causas de pedir, que para o efeito foram alegadas, em segundo lugar, ao julgamento feito pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa e que se mostra vertido na sentença condenatória e impugnada pela Ré e, finalmente, à circunstância da trabalhadora não ter recorrido da mesma.

A Autora, como sabemos, veio formular as seguintes pretensões condenatórias da Ré:
a)- Seja considerada ilícita a alteração do horário de trabalho da Autora, quer por ter sido determinada sem o seu acordo, quer por ter sido decidida sem atender à conciliação da sua atividade profissional com a sua vida familiar, tendo-lhe causado prejuízo sério;
b)- Seja reposto o horário de trabalho da Autora ilicitamente alterado pela Ré, voltando o mesmo a ser de segunda a sexta-feira entre as 07h00m e as 15h30m;
c)- Seja reconhecido que o prémio de línguas que era pago à Autora pela Ré era parte da sua retribuição e que, consequentemente, a Ré reduziu de forma ilícita a retribuição da Autora;
d)- Seja a ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 2.344,98 correspondente ao prémio de línguas que a Ré teria de pagar-lhe no período entre Janeiro de 2014 e Setembro de 2016;
e)- Seja a Ré condenada a retomar o pagamento à Autora do prémio de línguas, a partir do mês de Outubro de 2016, inclusive;
f)- Seja a Ré condenada a pagar à Autora juros de mora vencidos a incidir sobre as quantias pedidas e calculados à taxa legal, no valor de € 128,64;
g)- Seja a Ré condenada a pagar à Autora juros de mora vincendos a incidir sobre as quantias pedidas e calculados à taxa legal, a contar da data da propositura da presente ação até efetivo e integral pagamento;
h)- Seja a Ré condenada a pagar à Autora uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros).

A decisão final do tribunal da 1.ª instância julgou a presente ação nos seguintes moldes:
“3.1.– Nos termos e fundamentos expostos e atentas as disposições legais citadas, julga-se a ação parcialmente procedente, e, em consequência decide-se:
1.– Condenar a Ré BBB, SA a pagar à Autora a quantia global de € 2.344,98 (dois mil, trezentos e quarenta e quatro euros e noventa e oito cêntimos) referente ao período entre Janeiro de 2014 a Setembro de 2015, assim como a retomar o pagamento a partir de Outubro de 2016, acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal, fixada em 4%, desde a data de vencimento até integral e efetivo pagamento.
2.– Absolver a Ré do demais peticionado.
3.2.– Custas da ação a cargo da Autora e Ré na proporção de 70% e 30%, respetivamente (art.º 527.º CPC).
Registe e notifique.”
Logo, não tendo a demandante vindo contestar tal julgamento feito pelo tribunal de comarca e que radicou a absolvição da Ré, quer dizer que se conformou com a mesma – com o inerente trânsito em julgado e formação de caso julgado material - quanto à primeira temática suscitada na sua Petição Inicial e que se prendia com as alterações de horário de trabalho promovidas pela empregadora e retorno à carga temporal diária vigente antes de tais alterações, assim como com a indemnização por danos não patrimoniais reclamada em último lugar (radicada na modificação do horário de trabalho e no não recebimento do subsídio de línguas), ficando assim apenas em aberto a problemática referente ao direito ao subsídio de línguas, legitimidade da suspensão do seu pagamento, sua reposição, liquidação das prestações vencidas e respetivos juros de mora.  
               
D–REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA APLICÁVEL 
Às relações profissionais entre as partes é aplicável, segundo a sentença recorrida, que nessa parte não mereceu contestação por parte de Autor e Ré [[3]], o CCTV celebrado entre a AHP – Associação dos Hotéis de Portugal - e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços - publicado nas seguintes datas e Boletins de Trabalho e Emprego (não se encontrando a Autora sindicalizada numa das Associações Sindicais subscritoras de tal instrumento de regulamentação coletiva, tal impõe-nos averiguar e indicar as Portarias de Extensão referentes a tal Contrato Coletivo de Trabalho e correspondentes alterações, muito embora se tenha que alertar para as poucas certezas nesta matéria dado os múltiplos instrumentos de regulamentação coletiva que concorrem no tempo e no espaço entre si e subscritos perlas mesmas associações patronais e sindicais):

1) BTE n.º 41/78;
2) BTE n.º 9/79;
3) BTE n.º 21/79 (Portaria de Extensão);
4) BTE n.º 25/79 (retificação);
5) BTE n.º 8/80;
6) BTE n.º 22/80 (Portaria de Extensão);
7) BTE n.º 9/81;
8) BTE n.º 20/81 (Portaria de Extensão);
9) BTE n.º 19/81 (texto global que passa a concorrer com o antes indicado);
10) BTE n.º 30/83;
11) BTE n.º 39/85 (texto base do CCT entre AHP e a FETESE que passa a concorrer com os dois anteriores);
12) BTE n.º 10/87;
13) BTE n.º 10/88;
14) BTE n.º 23/95;
15) BTE n.º 4/96 (Portaria de Extensão);
16) BTE n.º 22/96;
17) BTE n.º 1/97 (Portaria de Extensão);
18) BTE n.º 28/1997 (texto global);
19) BTE n.º 13/98 (Portaria de Extensão);
20) BTE n.º 20/1999;
21) BTE 18/2000 (Portaria de Extensão);
22) BTE n.º 19/2000 (texto global);
23) BTE n.º 4/2001 (Portaria de Extensão);
24) BTE n.º 18/2001;
25) BTE n.º 23/2002;
26) BTE n.º 45/2002 (Portaria de Extensão, relativa a 6)];
27) BTE n.º 27/2003;
28) BTE n.º 30/2004 (texto global);
29) BTE n.º 1/2006 (Portaria de Extensão, relativa a 9)];
30) BTE n.º 30/2005;
31) BTE n.º 26/2007 (revisão global)
32) BTE n.º 28/2008 (alterações salariais); 
33) BTE n.º 5/2009 (Portaria de Extensão, com referência a 12) e 13)].

E–OBJECTO DO RECURSO DE APELAÇÃO DA RÉ
A Ré no seu recurso de Apelação suscita as seguintes questões de cariz jurídico, que qualifica de erros cometidos pelo tribunal da 1.ª instância por si prolatada:
1.º Erro - Dos requisitos essenciais não provados;
2.º Erro - Da errada interpretação do CCT;
3.º Erro - Da irredutibilidade da retribuição;
4.º Erro - Da não consideração do acordo entre as partes.  

F–SENTENÇA RECORRIDA
A decisão judicial aqui impugnada, relativamente ao subsídio ou prémio de conhecimento de línguas, sua natureza e obrigação da Ré em continuar a pagá-lo, como sempre fez até dezembro de 2013, teceu as seguintes considerações de facto e de direito:

«Peticiona ainda a autora o seguinte:
- Seja reconhecido que o prémio de línguas que era pago à autora pela ré era parte da sua retribuição e que, consequentemente, a ré reduziu de forma ilícita a retribuição da autora;
- Seja a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 2.344,98 correspondente ao prémio de línguas que a ré teria de pagar-lhe no período entre Janeiro de 2014 e Setembro de 2016;
- Seja a ré condenada a retomar o pagamento à autora do prémio de línguas, a partir do mês de Outubro de 2016, inclusive;
- Seja a ré condenada a pagar à autora juros de mora vencidos e vincendos a incidir sobre as quantias pedidas à taxa legal, computados os vencidos à data da petição inicial em € 128,64.
Considerando a data em que se iniciou a relação laboral entre autora e ré, importa atender os sucessivos regimes legais vigentes até à presente data e que regulam esta matéria.
De acordo com o art.º 82.º LCT é considerada retribuição todo o valor patrimonial que a entidade patronal está obrigada a pagar, regular e periodicamente, em razão da disponibilidade da força de trabalho.
O trabalhador goza da presunção de que toda a prestação que lhe é paga tem carácter de retribuição (art.º 82.º, n.º 3 LCT).
Em 01.12.2003 os diplomas legais citados vêm a ser revogados com a entrada em vigor da Lei n.º 99/2003 de 27.08.
O conceito de retribuição assim como a presunção que beneficia o trabalhador mantém-se nos termos que explicitámos supra quer no Código de Trabalho de 2003 como posteriormente em 2009.
Mas estabelece-se o princípio que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias é apenas a retribuição base e diuturnidades, excepto quando as disposições legais, convencionais ou contratuais disponham o contrário (art.º 250.º CT/2003).
No que concerne à retribuição de férias, o art.º 255.º, n.º 1 CT/2003, expressamente estabelece a sua paridade com a retribuição em sentido amplo, ou seja, é igual ao que receberia se trabalhasse.
No subsídio de férias essa paridade é parcial, ou seja, o trabalhador tem direito a um montante que compreende a retribuição base e demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho (art.º 255.º, 2, CT). Deste modo, os componentes que se referem ao modo específico de prestação de trabalho (ex. trabalho nocturno, entre outros) são incluídos, ficando apenas de fora os que respeitem ao desempenho do trabalhador, como comissões ou prémios – vide Pedro Martinez, em Código do Trabalho, Anotado, 04, pp. 410 e segs.
O regime aplicável a partir da entrada em vigor – 17.02.2009 – da nova redacção do Código de Trabalho, Lei n.º 7/2009, de 12.02., mantém inalterado o vindo da versão do CT/2003, como decorre dos arts. 262º, 263º n.º 1 e 264º deste diploma revisto.
Quer isto dizer, que no âmbito do Código do Trabalho de 2003 e 2009, os associados do autor continuam a ter direito a ver reflectida nas férias e respectivo subsídio os mesmos valores relativos aos mesmos complementos, porque constituem retribuição em sentido amplo e por respeitarem às condições de prestação de trabalho, no caso subsídio de férias.
Isto já não acontece com o subsídio de Natal que de acordo com o disposto no art.º 250.º, n.º 1 e 254.º n.º 1, ambos CT/2003 (o que se manteve com a revisão de 2009), é igual apenas ao mês de retribuição base e diuturnidades, pelo que apenas nesta parte, a partir de Dezembro de 2003, os associados dos autores não têm direito à inclusão das prestações complementares no subsídio de Natal.
Mantendo-se inalterada a presunção que goza que toda a prestação que lhe é paga tem carácter de retribuição, ao autor basta provar a percepção das prestações pelos seus associados ora representados e será a ré quem tem de afastar esta presunção juris tantum.
Por outro lado exigência da obrigatoriedade pretende excluir toda a prestação atribuída a mera liberalidade, sem vinculação prévia do empregador e sem legítima expectativa de ganho.
No caso concreto resulta provado que uma vez que muitos dos clientes do (…), no qual a autora presta actividade, são estrangeiros, é muitas vezes necessário dialogar com os mesmos em língua estrangeira.
A ré pagava à autora a quantia mensal de € 61,71 a título de prémio de línguas, integrando este o subsídio de férias e de Natal. A quantia de € 61,71 destinava-se a compensar a autora pelo facto de falar três línguas estrangeiras: inglês, francês e alemão.
Em Janeiro de 2014 a ré decidiu deixar de pagar à autora o prémio de línguas.
A prestação goza da característica de periodicidade mensal, como decorre da factualidade provada, mantendo-se durante vários anos.
Haverá agora que analisar se o referido prémio tem por contrapartida única e especificamente a disponibilidade do trabalho, e não outra causa diversa da remuneração da actividade e antiguidade, isto é, se não se destinam antes a pagar despesas, matéria cuja prova compete à ré (vide a propósito, Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, pp. 458 e s.).
No caso resulta que o pagamento efectuado à autora decorria do seu conhecimento de línguas não natais no exercício das funções que desempenhava.
Resultou provado que a ré, em determinada data, decidiu aferir do conhecimento efectivo das mesmas, resultando que a autora não compareceu a um exame e naqueles que compareceu não atingiu o nível considerado mínimo.
A concessão da atribuição do referido prémio decorre da Convenção Colectiva de Trabalho.
Com efeito, aí se prevê na cláusula 33.ª, sob a epígrafe “Prémio de conhecimento de línguas” que, “1 - Os profissionais que no exercício das suas funções utilizam conhecimentos de idiomas estrangeiros em contacto com o público ou clientes, independentemente da sua categoria, têm direito a um prémio mensal de E 19,50 por cada uma das línguas francesa, inglesa ou alemã, salvo se qualquer desses idiomas for o da sua nacionalidade.
2– A prova do conhecimento de línguas será feita através de certificado de exame realizado em escola profissional ou estabelecimento de ensino de línguas reconhecidos oficialmente e mediante entrega de certificado de exame com aproveitamento, ou prova de conhecimento a realizar pela empresa no acto de admissão.
(…).
Não resulta da factualidade provada que a ré à data da admissão da autora tenha exigido um nível mínimo de conhecimento, ou mesmo a comprovação do conhecimento por diploma ou exame interno, ou mesmo, independentemente do seu uso ou utilidade ao serviço (a ré alega mesmo desconhecer os certificados juntos pela autora com a petição inicial).
O referido prémio era pago à autora pela possibilidade de esta falar uma ou mais línguas não natais considerando que o estabelecimento onde trabalha é frequentado por clientes estrangeiros.
A ré alegou e provou ter efectuado uma avaliação de conhecimento das referidas línguas, não impondo, a obrigatoriedade da frequência de formação nem da presença no respectivo exame.
Contudo, não resulta que as circunstâncias em que a autora presta as suas funções se tenham alterado, ou seja, o hotel onde a autora presta funções continua a ser frequentado por estrangeiros e mantém-se a necessidade da autora se expressar em língua estrangeira ainda que se possa conceber que o faça a nível rudimentar, mas, pelo que decorre do nível de conhecimento, como sempre o fez.
Considerando pois o exposto, somos a concluir que a ré não podia suprimir o prémio de línguas pago à autora, atenta a sua natureza retributiva, sendo por isso devida a quantia peticionada assim como as que se venceram desde Outubro de 2016, como deve manter o referido pagamento.
Sobre as quantias em causa são devidos juros computados às sucessivas taxas legais desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral e efectivo pagamento (arts. 804.º, 805.º, n.º 2, al. a) e 806.º, todos CC.»
 
G–REGIMES JURÍDICOS SUBSTANTIVOS SUCESSIVAMENTE APLICÁVEIS
Entremos então na abordagem das diversas questões suscitadas pela Ré no seu recurso de Apelação.
Julgamos pertinente, face à sucessão de regimes legais que ocorreram ao longo desse cerca de trinta e sete anos e às diferenças que, nesta matéria, ressaltam dos mesmos, analisar autonomamente a problemática em questão ao abrigo de cada um deles.

H–6 DE JULHO DE 1979 A 30 DE NOVEMBRO DE 2003 – RGCIT E LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR
  
Passemos então, com vista a aferir da natureza jurídica da prestação qualificada como prémio de conhecimento de línguas, a transcrever as normas jurídicas de carácter geral que, constando, à época, da LCT, nos podem auxiliar nessa tal qualificação:

Artigo 82.º
(Retribuição)
1.- Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2.- A retribuição compreende a remuneração de base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3.- Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.

Artigo 84.º
(Retribuição certa e retribuição variável)
1.- É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho.
2.- Para determinar o valor da retribuição variável tomar-se-á como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo.
3.- Se não for praticável o processo estabelecido no número anterior, o cálculo da retribuição variável far-se-á segundo o disposto nas convenções coletivas ou nas portarias de regulamentação de trabalho e, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador.

Artigo 86.º
(Remuneração de trabalho extraordinário)
Não se considera retribuição a remuneração por trabalho extraordinário senão quando se deva entender que integra a retribuição do trabalhador.

Artigo 90.º
(Fixação judicial da retribuição)
1.- Compete ao julgador fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas aplicáveis ao contrato.
2.- Compete ainda ao julgador resolver as dúvidas que se suscitarem na qualificação como retribuição das prestações recebidas da entidade patronal pelo trabalhador.

I–1 DE DEZEMBRO DE 2003 A 16 DE FEVEREIRO DE 2009 - CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003
A partir de 1 de Dezembro de 2003, entrou em vigor o Código do Trabalho de 2003, que, quanto a esta matéria, determinava o seguinte:

Artigo 249.º
Princípios gerais
1- Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2- Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3- Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4- A qualificação de certa prestação como retribuição, nos termos dos nºs 1 e 2, determina a aplicação dos regimes de garantia e de tutela dos créditos retributivos previstos neste Código.

Artigo 251.º
Modalidades de retribuição
A retribuição pode ser certa, variável ou mista, isto é, constituída por uma parte certa e outra variável.

Artigo 252.º
Retribuição certa e retribuição variável
1- É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho.
2- Para determinar o valor da retribuição variável toma-se como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos 12 meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo.
3- Se não for praticável o processo estabelecido no número anterior, o cálculo da retribuição variável faz-se segundo o disposto nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador.
4- O trabalhador não pode, em cada mês de trabalho, receber montante inferior ao da retribuição mínima garantida aplicável.

Artigo 265.º
Fixação judicial da retribuição
1- Compete ao julgador, tendo em conta a prática na empresa e os usos do sector ou locais, fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável ao contrato.
2- Compete ainda ao julgador resolver as dúvidas que forem suscitadas na qualificação como retribuição das prestações recebidas pelo trabalhador que lhe tenham sido pagas pelo empregador.

J–17 DE FEVEREIRO DE 2009 A SETEMBRO DE 2016 - CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009
A partir de 17 de Fevereiro de 2009, entrou em vigor o Código do Trabalho de 2003, que, quanto a esta matéria, determinava o seguinte:

Artigo 258.º
Princípios gerais sobre a retribuição
1- Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2- A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3- Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4- À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.

Artigo 260.º
Prestações incluídas ou excluídas da retribuição

1–Não se consideram retribuição:
a)- As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
b)- As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
c)- As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respetivos, não esteja antecipadamente garantido;
d)- A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.
2– O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.
3– O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:
a)- Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;
b)- Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respetivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante.

Artigo 261.º
Modalidades de retribuição
1– A retribuição pode ser certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte certa e outra variável.
2– É certa a retribuição calculada em função de tempo de trabalho.
3– Para determinar o valor da retribuição variável, quando não seja aplicável o respetivo critério, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução de contrato que tenha durado menos tempo.
4– Caso o processo estabelecido no número anterior não seja praticável, o cálculo da retribuição variável faz-se segundo o disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador.

Artigo 262.º
Cálculo de prestação complementar ou acessória
1– Quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades.
2– Para efeito do disposto no número anterior, entende-se por:
a)- Retribuição base, a prestação correspondente à atividade do trabalhador no período normal de trabalho;
b)- Diuturnidade, a prestação de natureza retributiva a que o trabalhador tenha direito com fundamento na antiguidade.

Artigo 272.º
Determinação judicial do valor da retribuição
1– Compete ao tribunal, tendo em conta a prática da empresa e os usos do sector ou locais, determinar o valor da retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável.
2– Compete ainda ao tribunal resolver dúvida suscitada sobre a qualificação como retribuição de prestação paga pelo empregador.

Será, portanto, com tais quadros legais sucessivos que iremos procurar enquadrar juridicamente a factualidade dada como assente, tudo sem olvidar o que também a esse propósito se acha determinado na Regulamentação Coletiva aplicável.  
 
K–ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA RETRIBUIÇÃO

O Dr. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES em “Direito do Trabalho”, 18.ª Edição – Edição Especial Comemorativa dos 40 Anos, maio de 2017, Almedina, Coimbra, págs. 314 e seguintes, a propósito da noção legal de retribuição e dos problemas de índole jurídica que acerca da mesma se podem suscitar, refere o seguinte:

O problema da qualificação de cada uma das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, por referência ao conceito de retribuição, ganhou uma acuidade singular com a amplificação do leque daquelas atribuições, na contratação colectiva e na prática das empresas. É sabido que, por razões diversas - desde as que se relacionam com propósitos de aligeiramento da fiscal e parafiscal até às derivadas da intenção de ladear limitações governamentais em matéria de política de rendimentos -, se registou, sobretudo a partir dos anos oitenta do século passado, uma considerável proliferação de «títulos» pelos quais são efectivadas vantagens económicas aos trabalhadores.
Essa proliferação originou uma nebulosa de conceitos (subsídios, abonos, compensações, indemnizações, prémios, complementos de prestações de segurança social, valor de uso de bens da empresa) que, referidos ou não ao pilar central do «sistema» remuneratório (a retribuição «certa» ou «de base» que o empregador está contratualmente obrigado a pagar por mês ou com diferente periodicidade), transportam consigo uma certa indeterminação quanto ao nexo de correspectividade com a prestação de trabalho.
Em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de «retribuição-base»). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades - a das necessidades correntes, do dia-a-dia - do trabalhador e sua família. No entanto, várias razões explicam que, além dessa prestação básica, sejam hoje devidas, não só por efeito da lei, mas até sobretudo por imposição dos IRC, outras prestações pecuniárias de diversa natureza e periodicidade (quando esta existe). (…)
Em terceiro lugar, no próprio desenvolvimento da relação de trabalho, e em estreita conexão causal com a prestação de serviços, ocorrem situações que implicam para o trabalhador a realização de despesas (deslocações em serviço, transferência do local de trabalho), uma particular penosidade e perturbação da vida privada (trabalho nocturno, extraordinário, por turnos ou efectuado em dia de descanso semanal), etc.. Também dessas situações decorrem para o empregador obrigações pecuniárias específicas para com o trabalhador.
Significa isto que, durante a vigência do contrato individual de trabalho, são ou devem ser efectuadas diversas atribuições patrimoniais pelo empregador ao prestador de trabalho, sem que se torne imediatamente clara a sua inclusão no binómio trabalho-salário. (...)»

Esse mesmo autor, na obra e local citados, abordando depois o critério legal de retribuição para efeitos da aferição das prestações pagas pela entidade patronal ao trabalhador diz depois o seguinte:
O critério de qualificação retributiva tem que extrair-se da conjugação dos «princípios gerais» contidos no art. 258.°, e das aplicações feitas perante certas atribuições patrimoniais típicas, no art. 260.°.
A noção legal de retribuição, conforme se deduz do art. 258.°, será então a seguinte: o conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força do trabalho por ele oferecida).(...)
Em terceiro lugar, requer-se uma certa periodicidade ou regularidade no pagamento - muito embora possa ser diversa de umas prestações para outras (mensal quanto ao salário-base, anual relativamente a gratificação de Natal, trimestral para a comissão nas vendas, etc.).
Essa característica tem um duplo sentido indiciário: por um lado, sugere a existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente consignada) e, por conseguinte, de uma prática vinculativa; por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.
A repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa - uma expectativa que é juridicamente protegida. (…)
Enfim, é necessário que exista correspectividade entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador - ou seja, noutros termos, que essas prestações não tenham causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho. (…)
É, em suma, necessário que se possa detectar uma contrapartida específica - diferente da disponibilidade da força de trabalho - para certa prestação do empregador, a fim de que esta se coloque à margem do salário global. O que, dito de outro modo, envolve a existência da presunção de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição (art. 258.º/3).”

O Professor ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, contudo e de uma forma certeira, alerta para o uso pouco rigoroso e indiscriminado da dita presunção:

Face à existência de um conjunto articulado de proposições normativas como o do art. 258.º, sedimentou-se, na prática das relações laborais, o convencimento de que o problema da qualificação retributiva comporta uma abordagem unidireccional, ou seja, pode resolver-se de um só ponto de vista para todos os efeitos.
No limite, tal perspectiva envolveria a ideia de que a atribuição de índole retributiva a certa prestação do empregador conduziria, de modo rectilíneo, a uma multiplicidade de resultados operatórios: como exemplos, o de que o valor dessa prestação deveria ser integrado na base de cálculo de todas as prestações subordinadas ao montante da «retribuição» - desde a remuneração do trabalho suplementar até aos salários devidos por despedimento ilícito; - o de que a mesma prestação seria insusceptível de redução ou eliminação por vontade unilateral do empregador; e até o de que o seu valor deveria ser pago com a mesma pendularidade que o contrato estabeleça para a «retribuição-base. Essa perspectiva tem prosperado na prática: o critério do art. 258.° CT (art. 249.° do CT 2003) tem sido utilizado para os mais diversos fins que implicam  a determinação (qualitativa ou quantitativa) da retribuição - e, ademais, alguma jurisprudência considera que esse critério é insusceptível de «modificação», genérica ou pontual, por parte dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.(...)
Significa isto, em suma, que a aplicação do critério geral do art. 258.° a um certo tipo de prestação não permite, sem mais, fornecer um tratamento pré-determinado às vicissitudes dessa prestação.
A hipótese do desenvolvimento linear de um «regime homogéneo», da retribuição para todos os efeitos seria, de resto, insuportavelmente absurda. Conduziria, desde logo, a um emaranhado de círculos viciosos no conjunto dos processos de cálculo das prestações derivadas da retri­buição (que, por um lado, seriam determinadas com base nela, mas, por outro, seriam nela integradas); traduzir-se-ia, depois, na neutralização das diferentes causas explicativas e legitimadoras dos elementos da retribuição, e, por esse caminho, no desvirtuamento dos produtos da autonomia privada, individual e colectiva, que têm neste domínio um espaço de actuação incontestável.
Há, pois, que assentar no seguinte: a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo definido pelo art. 258.º CT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado «da retribuição.”

Os excertos doutrinários acima transcritos, com os quais concordamos, procuram fazer uma interpretação juridicamente rigorosa e objectiva do regime legal da retribuição, nas suas diversas vertentes e facetas, significando, em suma, que não basta o mero recebimento regular e periódico de uma dada prestação para lhe atribuir a natureza de retribuição, por força da presunção (ilídivel, recordemos) constantes dos números 3 dos artigos 82.º da LCT, 249.º do Código do Trabalho de 2003 e 258.º do CT/2009, importando ainda aferir da sua génese legal ou convencional, conteúdo, alcance e sentido.

Bastará pensar, por exemplo e para uma melhor compreensão do que se deixou referido, nas ajudas de custo que o empregrador paga mensalmente ao trabalhador, como contrapartida das despesas efectivas por ele feitas ao serviço daquele ou mesmo, embora em situações certamente raras, de pagamentos parcelares de alguma dívida de natureza particular do primeiro relativamente ao segundo - pense-se numa viatura da entidade patronal que bateu, inadvertidamente, no veículo particular do empregado, tendo este mandado reparar o mesmo e tendo aquele, por razões económicas e devido ao valor avultado envolvido, ficado de o liquidar em seis ou mais prestações -, para se perceber que a mera percepção repetida de uma dada quantia pelo empregado não é suficiente para se qualificar a mesma como tendo índole retributiva.  
                  
L–SUBSÍDIO DE LÍNGUAS – INTERPRETAÇÃO DO REGIME CONVENCIONAL 

A prestação qualificada convencional e primeiramente como «Prémio de conhecimento de línguas», para depois passar a «Subsídio de línguas» e retomar a designação de «Prémio de conhecimento de línguas» foi estando prevista e regulada, sucessivamente, nas cláusulas 83.ª do CCT de 1978, 63.ª do CCT de 1981, 4.ª do CCT de 1985, 7.ª do CCT publicado nos BTE n.ºs 28/1997 e 20/1999 e 33.ª dos CTT constantes dos BTE n.ºs 19/2000, 30/2004, 26/2007 e 28/2008, rezando as mesmas, respetivamente, o seguinte:

Cláusula 83.ª
Prémio de conhecimento de línguas
1- Os profissionais de hotelaria e telefonistas que no exercício das suas funções utilizam conhecimentos de idiomas estrangeiros em contacto direito ou telefónico com o público, independentemente da sua categoria, têm direito a um prémio equivalente à remuneração de 700$ mensais por cada uma das línguas francesa, inglesa ou alemã, salvo se qualquer destes idiomas for o da sua nacionalidade.
2- A prova do conhecimento de línguas será feita através de certificado de exame realizado em escola 'profissional ou estabelecimento de ensino de línguas, devendo tal habilitação -ser averbada na carteira profissional pelo respetivo sindicato.
3- Nas profissões em que não seja exigível carteira profissional a prova daquela habilitação far-se-á através de certificado de exame, passado por escola profissional ou estabelecimento de ensino de línguas, o qual só será válido depois de ser visado pelo sindicato.
Cláusula 63.ª
(Subsidio de línguas)
1- Os profissionais de hotelaria e telefonistas que no exercício das suas funções utilizem conhecimentos de idiomas estrangeiros em contacto direto ou telefónico com o público, independentemente da sua categoria, têm direito a um subsídio pecuniário de 700$/mês por cada uma das línguas francesa, inglesa ou alemã, salvo se qualquer destes idiomas for o da sua nacionalidade.
2- A prova do conhecimento de línguas será feita através de certificado de exame realizado em escola profissional ou estabelecimento de ensino de línguas reconhecido pela associação patronal e pelos sindicatos, devendo tal habilitação ser averbada na carteira profissional pelo respetivo sindicato.
3- Nas profissões em que não seja exigível carteira profissional, a prova daquela habilitação far-se-á através de certificado de exame, passado por escola profissional ou estabelecimento de ensino de línguas reconhecido nos termos do número anterior.
4- O disposto nesta cláusula não se aplica aos trabalhadores dos níveis XIII e XII.
Cláusula 4.ª
Subsídio de línguas
1- Os profissionais de hotelaria que no exercício das suas funções utilizem conhecimentos de idiomas estrangeiros em contacto direto ou telefónico com o público, independentemente da sua categoria profissional, têm direito a um subsídio pecuniário mensal de 1980$ por cada uma das línguas francesa, inglesa ou alemã, salvo se qualquer destes idiomas for o da sua nacionalidade.
2- A prova de conhecimento de línguas será feita através de certificado de exame realizado em escola profissional ou estabelecimento de línguas reconhecido pela associação patronal e pelo sindicato.
3- O disposto nesta cláusula não se aplica aos trabalhadores dos níveis XIV e XIII.
Cláusula 7.ª
Subsídio de línguas
1- Os profissionais de hotelaria que no exercício das suas funções utilizem conhecimentos de idiomas estrangeiros em contacto directo ou telefónico com o público, independentemente da sua categoria profissional, têm direito a um subsídio pecuniário mensal de 3200$ por cada uma das línguas francesa, inglesa ou alemã, salvo se qualquer um destes idiomas for o da sua nacionalidade.
2- A prova de conhecimento de línguas será feita através de certificado de exame realizado em escola profissional ou estabelecimento de línguas reconhecido pela associação patronal e pelo sindicato.
3- O disposto nesta cláusula não se aplica aos trabalhadores dos níveis XIV e XIII.
Cláusula 33.ª
Prémio de conhecimento de línguas
1- Os profissionais que no exercício das suas funções utilizam conhecimentos de idiomas estrangeiros em contacto com o público ou clientes, independentemente da sua categoria, têm direito a um prémio mensal de € 19,50 por cada uma das línguas francesa, inglesa ou alemã, salvo se qualquer desses idiomas for o da sua nacionalidade.
2- A prova do conhecimento de línguas será feita através de certificado de exame realizado em escola profissional ou estabelecimento de ensino de línguas reconhecidos oficialmente e mediante entrega de certificado de exame com aproveitamento, ou prova de conhecimento a realizar pela empresa no acto de admissão.
3- O disposto nesta cláusula não se aplica aos trabalhadores dos níveis XV e XIV.

Verifica-se, desde logo, diferenças de redação entre todas estas cláusulas do CCT entre a AHT e a FETESE que se foram sucedendo no tempo e no espaço laboral do sector da hotelaria, quer no que toca ao tipo de contacto (ali direto e telefónico e aqui somente o primeiro) e destinatários do mesmo (ali somente público e aqui também clientes), quer no que respeita ao seu número 2, pois antes a prova de conhecimentos de línguas era feita através de certificado de exame realizado em escola profissional ou estabelecimento de línguas reconhecido pela associação patronal e pelo sindicato e agora essa mesma prova é concretizada mediante um certificado de exame realizado em escola profissional ou estabelecimento de ensino de línguas reconhecidos oficialmente (logo, sem que tenha de haver qualquer consenso quanto ao estabelecimento entre as partes outorgantes do CCT) e mediante entrega de certificado de exame com aproveitamento, ou prova de conhecimento a realizar pela empresa no ato de admissão.

Afigura-se-nos que a melhor interpretação de tais cláusulas implica que tal conhecimento de línguas e o direito ao correspondente subsídio de línguas ou prémio de conhecimento de línguas possa advir ou cessar em qualquer momento do vínculo subordinado, bastando pensar, por um lado, em trabalhadores que resolveram, durante o seu contrato de trabalho, frequentar alguma escola de idiomas estrangeiros, com vista a os aprenderem de raiz ou a aperfeiçoarem as noções que já possuíam relativamente aos mesmos, obtendo assim o inerente certificado ou em assalariados que, não obstante deterem já o domínio suficiente de inglês, francês ou alemão – as únicas línguas convencionalmente previstas para efeitos de recebimento da referida prestação pecuniária -, nunca desenvolveram atividade profissional que acarretasse o seu contacto com o público e os clientes, por via telefónica ou pessoal, e, nessa medida, a utilização de tais conhecimentos desses idiomas estrangeiros.

Também nos parece, na linha da leitura que fazemos do regime convencional em análise, que, não tendo esse conhecimento de línguas de ser coincidente com o início da relação de trabalho nem constituindo, só por si e em si, elemento típico suficiente para conferir ao trabalhador o direito à perceção do dito subsídio ou prémio, igualmente é possível perder tal direito a partir do momento em que deixe de exercer as funções que pressupõem o aludido contacto com o público ou os clientes e/ou a exigência de uso da aprendizagem em línguas que o empregado comprovou por documento legítimo junto da entidade empregadora.

Deparamo-nos, aqui, com uma prestação que está dependente da existência efetiva de uma determinada habilitação, ou seja, de um conjunto de conhecimentos que, ainda que não sejam vastos ou profundos, capacitem o seu titular com uma mais-valia concreta – o de poder comunicar com terceiros na sua língua de origem ou noutra que conheçam, com uma razoável fluência, vocabulário e compreensão (passiva e ativa), não bastando saber, em nossa opinião, algumas frases desfasadas, mecanizadas ou mesmo os rudimentos da língua (no fundo, como se costuma dizer, “arranhar” o idioma em questão) para se poder aceder ao recebimento daquele subsídio ou prémio.

Definidos em tais termos gerais ou globais os requisitos materiais de atribuição desse subsídio ou prémio, pensamos que os mesmos poderão ser mais ou menos exigentes e rigorosos em razão das concretas categorias profissionais e/ou das reais funções desempenhadas pelos trabalhadores em presença, impondo-se, em nosso entender, a um rececionista, porteiro de hotel ou a um empregado de restaurante uma formação e bagagem linguísticas superiores às de um empregado, mordomo ou governante de quartos (sendo que o domínio dos idiomas deverá ser maior por parte destas duas últimas categorias).

Temos igualmente para nós que, em regra, a atividade de falar, escrever, ler e entender uma língua estrangeira tem uma natureza dinâmica e não estática, ou seja, implica uma prática mais ou menos constante na sua utilização, de maneira a manter, agilizar e mesmo aperfeiçoar e aprofundar a parte ativa e passiva do dito idioma, sob pena de se perder progressivamente a capacidade de lidar com as mesmas com a necessária proficiência.  

É, nessa medida, relativamente normal que um cidadão comum, que não procure, de alguma forma, alimentar regularmente esses seus conhecimentos linguísticos, designadamente, através de aulas de refrescamento, vá perdendo a memória, o vocabulário, a sintaxe, o treino oral e escrito, a elasticidade, o à vontade no manuseamento do idioma ou idiomas em questão.

Também, numa outra visão do assunto, se concebe que o aumento exponencial do turismo de cidadãos de outros Estados no nosso país acarrete uma subida superveniente no grau de exigência por parte das entidades empregadoras do sector hoteleiro relativamente ao domínio das línguas pelos seus trabalhadores, com contacto profissional mais ou menos habitual com aqueles.    
                        
Chegados aqui, importa perguntar se, num caso como o dos autos, em que a Autora se encontrava a receber o mencionado subsídio ou prémio de conhecimento de línguas e em que, supervenientemente e por força de cursos e exames, deixou de o receber por não ter atingido, comprovadamente, o patamar técnico mínimo de exigência em tal domínio para poder continuar a auferir aquela prestação, tinha a Ré a necessária cobertura jurídica para proceder de tal forma? 
            
Diremos, desde logo, que os factos dados como provados [[4]], quando conjugados com a cláusula 33.ª do CCT em vigor, à data daqueles, apontam no sentido da Apelada não ter tido o aproveitamento mínimo acordado com a comissão de trabalhadores ao nível do seu conhecimento de línguas (inglês, francês e alemão), conforme reconhecido por uma escola oficial. 
    
Importa também frisar, num segundo momento, que não é pelo simples facto da Apelada ter chegado a acordo com a comissão de trabalhadores que era possível à mesma derrogar o referido regime convencional, pois, como é notório, essa regulamentação coletiva não foi firmada entre a Ré e a dita comissão de trabalhadores do HOTEL (…) mas entre a (…) e a FETESE (sendo aplicável à relação laboral dos autos por força das diversas Portarias de Extensão que foram sendo publicadas ao longo do tempo).

Só essas associações profissionais – ou, pelo menos, a FETESE ou um dos seus sindicatos integrantes e representativos da atividade profissional da Autora – possuíam legitimidade e capacidade para alterarem ou derrogarem as ditas cláusulas convencionais (não nos choca que qualquer um dos ditos organismos sindicais pudesse chegar a um acordo específico e particular com a Ré com referência a aspetos ou matérias reguladas no CCT em questão, como seria o caso do subsídio ou prémio de conhecimento das línguas – cf., aliás, os artigos 2.º e 481.º a 484.º do CT/2009).

Sem prejuízo do que acima se deixou referido, não ignoramos, contudo e naturalmente, a consagração constitucional e legal das comissões de trabalhadores e os direitos ou competências que lhe são atribuídas nos artigos 423.º e seguintes do CT/2009, aí se incluindo, a título meramente exemplificativo e com interesse e relevância para a matéria em litígio, a sua participação na elaboração dos planos e dos relatórios da formação profissional e nos procedimentos relativos à alteração das condições de trabalho e a realização de uma reunião mensal com o órgão de gestão da entidade empregadora com vista à apreciação de assuntos relacionados com o exercício dos seus direitos (als. c) e g) do n.º 1 do art.º 423.º).

Ora, dentro do âmbito dessas atribuições legais (sendo certo que a Autora não era sindicalizada), verificou-se, efetivamente, um entendimento entre a Ré e a comissão de trabalhadores com o propósito de fazer um levantamento dos trabalhadores que recebiam subsídio de línguas assim como dos conhecimentos que efetivamente possuíam a esse nível e que os legitimavam (ou não) ao recebimento daquela prestação mensal, tendo ainda sido acordado que os empregados da Apelante que, no primeiro teste efetuado, não tivessem o aproveitamento mínimo exigido, poderiam ter posteriormente formação – inclusive, custeada pela Ré – ao longo de um período de cerca de 1 ano, com vista a lograrem a pretendida aprovação no nível mínimo consensualizado no quadro do segundo exame que veio a ser concretizado.

Logo, ainda que não se possa conferir a tal consenso entre empregadora e comissão de trabalhadores uma qualquer validade e eficácia derrogatórias do estipulado na cláusula 33.ª, seguro é que o descrito processo não foi caprichoso, autocrático e unilateral mas antes resultante de uma situação de legítimas queixas de clientes e trabalhadores e radicado no diálogo regular entre a empresa e aquela estrutura representativa, o que não pode ser ignorado e deixar assim de ter relevantes consequências jurídicas no julgamento do presente conflito.   
        
Também se nos afigura que, não obstante a prestação em causa possuir natureza retributiva – pois, nas palavras de MONTEIRO FERNANDES, obra citada, página 326 e 327, constitui um aditivo ou suplemento especificamente previsto na regulamentação coletiva que participa de todas as características englobadas no critério legal de qualificação [[5]] -, a mesma não está abarcada pelo princípio da irredutibilidade da retribuição que, como sabemos, não abrange todos os tipos, modalidades ou espécies retributivas.

Este prémio de conhecimento de línguas visa remunerar os trabalhadores pela mais-valia que constitui esses efetivos domínio e utilização, no contacto com o público e os clientes, de idiomas estrangeiros e valoriza e qualifica a maneira como desenvolvem as suas funções, constituindo uma particularidade da prestação normal do trabalho por eles realizado.

Tal, no entanto, não quer dizer que, caso ocorra uma modificação superveniente das condições convencionais da sua atribuição, não possa o referido prémio de conhecimento de línguas deixar de ser pago ao trabalhador até aí remunerado com o mesmo (como nos parece ser o caso dos autos, dado a Autora não ter demonstrado possuir, na data do segundo teste, o nível mínimo de conhecimentos linguísticos exigido para a sua função, nos termos do consenso havido entre a Ré e a sua comissão de trabalhadores e que não nos parece ofender os termos essenciais da cláusula 33.ª do CCT de 2004 e alterações subsequentes).
     
MONTEIRO FERNANDES, obra citada, depois de, a páginas 319 e 320, traçar os contornos fundamentais do princípio da irredutibilidade da retribuição [[6]], vem a páginas 327, sustentar o seguinte: 
«Põe-se, no entanto, quanto a tais valores, o problema de saber se, face ao princípio da irredutibilidade da retribuição (art.129.º, al. d) CT), eles deverão ser mantidos mesmo quando se alterem condições externas do serviço prestado (p. ex.; se o trabalhador deixa de estar integrado na organização dos turnos; se o risco desaparece; se regressa à sede da empresa). A nosso ver, a resposta afirmativa conduziria a tão patente absurdo que é forçoso admitir, nestes casos, uma solução específica; especificidade, aliás, bastante relativa, dado que a retribuição-base, correspondente à natureza intrínseca do trabalho prestado, está obviamente fora de questão. Assim, e em suma, entendemos que os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento - ideia, aliás, usualmente expressa no clausulado correspondente das convenções coletivas que preveem tais suplementos.»  
                              
Sendo assim, tendo o perfil profissional da Autora deixado de reunir os pressupostos de atribuição do dito prémio de conhecimento de línguas, julgamos que a Ré tinha legitimidade para deixar de lhe pagar a dita prestação.

Sustentar-se-á que a recorrida, entre 1985 e 2000, frequentou diversos cursos ou ações de formação de línguas, como resulta dos documentos de fls. 104 a 110, mas importa realçar que a Ré não reconheceu os mesmos enquanto tal (cf. artigo 132.º da contestação) e o tribunal recorrido, face à inexistência de consenso entre as partes e de outra prova complementar que demonstrasse tais aspetos (assim como a sua entrega ou oportuno conhecimento por parte da entidade empregadora), não carreou a sua existência e/ou conteúdo para a Factualidade dada como Provada.

Importa, contudo e não obstante o que se deixou afirmado, recordar que a Ré, até 31/12/2013, pagava à Autora o prémio aqui em causa, o que pressupõe que, em data anterior não apurada, a entidade empregadora foi confrontada com documentação que demostrava o preenchimento dos requisitos convencionais necessários à sua atribuição (sendo irrelevante, para o efeito, que tenha sido a atual Apelante ou outra empresa antes dela que passou a liquidar o dito subsídio de línguas à trabalhadora, dado o regime legal da transmissão de estabelecimento constante, sucessivamente, dos artigos 37.º da LCT, 318.º e seguintes do CT/2003 ou 285.º e seguintes do CT/2009).

Tal não invalida o que antes já se deixou abordado e que se traduz, por um lado, no natural enferrujamento e esquecimento de um idioma não natural ou nacional, quando não haja uma mais ou menos constante prática e atualização de conhecimentos linguísticos, com a inerente e regular formação, refrescamento e reaprendizagem dos mesmos, e, por outro, num maior rigor e exigência da parte da entidade empregadora, caso a pressão turística assim o imponha.

Um cenário dinâmico como este não se pode radicar ou satisfazer com um diploma profissional emitido há, no mínimo, década e meia, e cristalizado para todo o sempre no seio da respetiva relação laboral (com o subsequente pagamento do prémio ou subsídio), nem nos parece ser esse o conteúdo, alcance e sentido da cláusula 33.ª ou das disposições convencionais suas antepassadas.    
          
Dir-se-á finalmente que a circunstância da trabalhadora já perceber, há muitos anos e naquelas precisas condições, o referido subsídio ou prémio criou nela a convicção de ter direito ao mesmo, constituindo assim uma situação de abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil) a sua retirada pela Ré.

Diremos, quanto a tal objeção jurídica, o seguinte: não apenas tal cessação do pagamento do subsídio de línguas culmina um processo consensual e comum a todos os trabalhadores de cerca de 1 ano como colocou também nas mãos daqueles que se encontravam abaixo da linha de água do saber linguístico a possibilidade de terem formação adequada e de, numa segunda oportunidade de avaliação, obterem o aproveitamento mínimo acordado.

Em segundo lugar e na perspetiva inversa, é possível configurar a atitude da demandante e aqui recorrida como sendo, ela sim, tipificadora da figura do abuso de direito, ao reclamar o reconhecimento de um direito para o qual não preenche os requisitos mínimos convencionalmente exigidos. 
            
Logo, julga-se procedente o recurso de Apelação da Ré, com a inerente alteração da sentença recorrida, nesta sua vertente da condenação da recorrente no pagamento à Autora do subsídio de línguas/prémio de conhecimento de línguas, e sua substituição por uma decisão que absolva a mesma das pretensões da trabalhadora no que concerne a tal problemática.    
                         
IV–DECISÃO.
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto por BBB, SA, nessa medida se alterando a sentença recorrida, com a inerente improcedência da ação também nesta segunda vertente (prémio de conhecimento o de línguas) e a absolvição da Ré de todas as pretensões contra ela formuladas pela Autora.
Custas da ação e do recurso de Apelação a cargo da Autora, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.



Lisboa, 22 de novembro de 2017     



(José Eduardo Sapateiro)
(Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)



[1]E que veio depois a ser dada sem efeito e objeto de nova marcação nos autos, em função da suspensão da instância requerida pelas partes e que foi deferida pelo tribunal recorrido, (despacho de fls. 314). 
[2]A motivação do tribunal da 1.ª instância foi a seguinte:
(…)
[3]Na sequência, aliás, da posição adotada pela Ré BBB, SA no artigo 3.º da contestação e por referência aos artigos 48.º e 49.º da Petição Inicial.    
K–ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA RETRIBUIÇÃO
O Dr. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES em “Direito do Trabalho”, 18.ª Edição – Edição Especial Comemorativa dos 40 Anos, maio de 2017, Almedina, Coimbra, págs. 314 e seguintes, a propósito da noção legal de retribuição e dos problemas de índole jurídica que acerca da mesma se podem suscitar, refere o seguinte:
O problema da qualificação de cada uma das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, por referência ao conceito de retribuição, ganhou uma acuidade singular com a amplificação do leque daquelas atribuições, na contratação colecltiva e na prática das empresas. É sabido que, por razões diversas - desde as que se relacionam com propósitos de aligeiramento da fiscal e parafiscal até às derivadas da intenção de ladear limitações governamentais em matéria de política de rendimentos -, se registou, sobretudo a partir dos anos oitenta do século passado, uma considerável proliferação de «títulos» pelos quais são efectivadas vantagens económicas aos trabalhadores.
Essa proliferação originou uma nebulosa de conceitos (subsídios, abonos, compensações, indemnizações, prémios, complementos de prestações de segurança social, valor de uso de bens da empresa) que, referidos ou não ao pilar central do «sistema» remuneratório (a retribuição «certa» ou «de base» que o empregador está contratualmente obrigado a pagar por mês ou com diferente periodicidade), transportam consigo uma certa indeterminação quanto ao nexo de correspectividade com a prestação de trabalho.
Em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de «retribuição-base»). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades - a das necessidades correntes, do dia-a-dia - do trabalhador e sua família. No entanto, várias razões explicam que, além dessa prestação básica, sejam hoje devidas, não só por efeito da lei, mas até sobretudo por imposição dos IRC, outras prestações pecuniárias de diversa natureza e periodicidade (quando esta existe). (…)
Em terceiro lugar, no próprio desenvolvimento da relação de trabalho, e em estreita conexão causal com a prestação de serviços, ocorrrem situações que implicam para o trabalhador a realização de despesas (deslocações em serviço, transferência do local de trabalho), uma particular penosidade e perturbação da vida privada (trabalho nocturno, extraordinário, por turnos ou efectuado em dia de descanso semanal), etc.. Também dessas situações decorrem para o empregador obrigações pecuniárias específicas para com o trabalhador.
Significa isto que, durante a vigência do contrato individual de trabalho, são ou devem ser efectuadas diversas atribuições patrimoniais pelo empregador ao prestador de trabalho, sem que se torne imediatamente clara a sua inclusão no binómio trabalho-salário. (...)»
Esse mesmo autor, na obra e local citados, abordando depois o critério legal de retribuição para efeitos da aferição das prestações pagas pela entidade patronal ao trabalhador diz depois o seguinte:
O critério de qualificação retributiva tem que extrair-se da conjugação dos «princípios gerais» contidos no art. 258.°, e das aplicações feitas perante certas atribuições patrimoniais típicas, no art. 260.°.
A noção legal de retribuição, conforme se deduz do art. 258.°, será então a seguinte: o conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força do trabalho por ele oferecida).(...)
Em terceiro lugar, requer-se uma certa periodicidade ou regularidade no pagamento - muito embora possa ser diversa de umas prestações para outras (mensal quanto ao salário-base, anual relativamente a gratificação de Natal, trimestral para a comissão nas vendas, etc.).
Essa característica tem um duplo sentido indiciário: por um lado, sugere a existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente consignada) e, por conseguinte, de uma prática vinculativa; por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.
A repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa - uma expectativa que é juridicamente protegida. (…)
Enfim, é necessário que exista correspectividade entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador - ou seja, noutros termos, que essas prestações não tenham causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho. (…)
É, em suma, necessário que se possa detectar uma contrapartida específica - diferente da disponibilidade da força de trabalho - para certa prestação do empregador, a fim de que esta se coloque à margem do salário global. O que, dito de outro modo, envolve a existência da presunção de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição (art. 258.º/3).”
O Professor ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, contudo e de uma forma certeira, alerta para o uso pouco rigoroso e indiscriminado da dita presunção:
Face à existência de um conjunto articulado de proposições normativas como o do art. 258.º, sedimentou-se, na prática das relações laborais, o convencimento de que o problema da qualificação retributiva comporta uma abordagem unidireccional, ou seja, pode resolver-se de um só ponto de vista para todos os efeitos.
No limite, tal perspectiva envolveria a ideia de que a atribuição de índole retributiva a certa prestação do empregador conduziria, de modo rectilíneo, a uma multiplicidade de resultados operatórios: como exemplos, o de que o valor dessa prestação deveria ser integrado na base de cálculo de todas as prestações subordinadas ao montante da «retribuição» - desde a remuneração do trabalho suplementar até aos salários devidos por despedimento ilícito; - o de que a mesma prestação seria insusceptível de redução ou eliminação por vontade unilateral do empregador; e até o de que o seu valor deveria ser pago com a mesma pendularidade que o contrato estabeleça para a «retribuição-base. Essa perspectiva tem prosperado na prática: o critério do art. 258.° CT (art. 249.° do CT 2003) tem sido utilizado para os mais diversos fins que implicam  a determinação (qualitativa ou quantitativa) da retribuição - e, ademais, alguma jurisprudência considera que esse critério é insusceptível de «modificação», genérica ou pontual, por parte dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.(...)
Significa isto, em suma, que a aplicação do critério geral do art. 258.° a um certo tipo de prestação não permite, sem mais, fornecer um tratamento pré-determinado às vicissitudes dessa prestação.
A hipótese do desenvolvimento linear de um «regime homogénea da retribuição para todos os efeitos seria, de resto, insuportavelmente absurda. Conduziria, desde logo, a um emaranhado de círculos viciosos no conjunto dos processos de cálculo das prestações derivadas da retri­buição (que, por um lado, seriam determinadas com base nela, mas, por outro, seriam nela integradas); traduzir-se-ia, depois, na neutralização das diferentes causas explicativas e legitimadoras dos elementos da retribuição, e, por esse caminho, no desvirtuamento dos produtos da autonomia privada, individual e colectiva, que têm neste domínio um espaço de actuação incontestável.
Há, pois, que assentar no seguinte: a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo defi­nido pelo art. 258.º CT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado «da retribuição.”
K–ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA RETRIBUIÇÃO
O Dr. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES em “Direito do Trabalho”, 18.ª Edição – Edição Especial Comemorativa dos 40 Anos, maio de 2017, Almedina, Coimbra, págs. 314 e seguintes, a propósito da noção legal de retribuição e dos problemas de índole jurídica que acerca da mesma se podem suscitar, refere o seguinte:
O problema da qualificação de cada uma das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, por referência ao conceito de retribuição, ganhou uma acuidade singular com a amplificação do leque daquelas atribuições, na contratação colecltiva e na prática das empresas. É sabido que, por razões diversas - desde as que se relacionam com propósitos de aligeiramento da fiscal e parafiscal até às derivadas da intenção de ladear limitações governamentais em matéria de política de rendimentos -, se registou, sobretudo a partir dos anos oitenta do século passado, uma considerável proliferação de «títulos» pelos quais são efectivadas vantagens económicas aos trabalhadores.
Essa proliferação originou uma nebulosa de conceitos (subsídios, abonos, compensações, indemnizações, prémios, complementos de prestações de segurança social, valor de uso de bens da empresa) que, referidos ou não ao pilar central do «sistema» remuneratório (a retribuição «certa» ou «de base» que o empregador está contratualmente obrigado a pagar por mês ou com diferente periodicidade), transportam consigo uma certa indeterminação quanto ao nexo de correspectividade com a prestação de trabalho.
Em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de «retribuição-base»). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades - a das necessidades correntes, do dia-a-dia - do trabalhador e sua família. No entanto, várias razões explicam que, além dessa prestação básica, sejam hoje devidas, não só por efeito da lei, mas até sobretudo por imposição dos IRC, outras prestações pecuniárias de diversa natureza e periodicidade (quando esta existe). (…)
Em terceiro lugar, no próprio desenvolvimento da relação de trabalho, e em estreita conexão causal com a prestação de serviços, ocorrrem situações que implicam para o trabalhador a realização de despesas (deslocações em serviço, transferência do local de trabalho), uma particular penosidade e perturbação da vida privada (trabalho nocturno, extraordinário, por turnos ou efectuado em dia de descanso semanal), etc.. Também dessas situações decorrem para o empregador obrigações pecuniárias específicas para com o trabalhador.
Significa isto que, durante a vigência do contrato individual de trabalho, são ou devem ser efectuadas diversas atribuições patrimoniais pelo empregador ao prestador de trabalho, sem que se torne imediatamente clara a sua inclusão no binómio trabalho-salário. (...)»
Esse mesmo autor, na obra e local citados, abordando depois o critério legal de retribuição para efeitos da aferição das prestações pagas pela entidade patronal ao trabalhador diz depois o seguinte:
O critério de qualificação retributiva tem que extrair-se da conjugação dos «princípios gerais» contidos no art. 258.°, e das aplicações feitas perante certas atribuições patrimoniais típicas, no art. 260.°.
A noção legal de retribuição, conforme se deduz do art. 258.°, será então a seguinte: o conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força do trabalho por ele oferecida).(...)
Em terceiro lugar, requer-se uma certa periodicidade ou regularidade no pagamento - muito embora possa ser diversa de umas prestações para outras (mensal quanto ao salário-base, anual relativamente a gratificação de Natal, trimestral para a comissão nas vendas, etc.).
Essa característica tem um duplo sentido indiciário: por um lado, sugere a existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente consignada) e, por conseguinte, de uma prática vinculativa; por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.
A repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa - uma expectativa que é juridicamente protegida. (…)
Enfim, é necessário que exista correspectividade entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador - ou seja, noutros termos, que essas prestações não tenham causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho. (…)
É, em suma, necessário que se possa detectar uma contrapartida específica - diferente da disponibilidade da força de trabalho - para certa prestação do empregador, a fim de que esta se coloque à margem do salário global. O que, dito de outro modo, envolve a existência da presunção de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição (art. 258.º/3).”
O Professor ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, contudo e de uma forma certeira, alerta para o uso pouco rigoroso e indiscriminado da dita presunção:
Face à existência de um conjunto articulado de proposições normativas como o do art. 258.º, sedimentou-se, na prática das relações laborais, o convencimento de que o problema da qualificação retributiva comporta uma abordagem unidireccional, ou seja, pode resolver-se de um só ponto de vista para todos os efeitos.
No limite, tal perspectiva envolveria a ideia de que a atribuição de índole retributiva a certa prestação do empregador conduziria, de modo rectilíneo, a uma multiplicidade de resultados operatórios: como exemplos, o de que o valor dessa prestação deveria ser integrado na base de cálculo de todas as prestações subordinadas ao montante da «retribuição» - desde a remuneração do trabalho suplementar até aos salários devidos por despedimento ilícito; - o de que a mesma prestação seria insusceptível de redução ou eliminação por vontade unilateral do empregador; e até o de que o seu valor deveria ser pago com a mesma pendularidade que o contrato estabeleça para a «retribuição-base. Essa perspectiva tem prosperado na prática: o critério do art. 258.° CT (art. 249.° do CT 2003) tem sido utilizado para os mais diversos fins que implicam  a determinação (qualitativa ou quantitativa) da retribuição - e, ademais, alguma jurisprudência considera que esse critério é insusceptível de «modificação», genérica ou pontual, por parte dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.(...)
Significa isto, em suma, que a aplicação do critério geral do art. 258.° a um certo tipo de prestação não permite, sem mais, fornecer um tratamento pré-determinado às vicissitudes dessa prestação.
A hipótese do desenvolvimento linear de um «regime homogéneo», da retribuição para todos os efeitos seria, de resto, insuportavelmente absurda. Conduziria, desde logo, a um emaranhado de círculos viciosos no conjunto dos processos de cálculo das prestações derivadas da retribuição (que, por um lado, seriam determinadas com base nela, mas, por outro, seriam nela integradas); traduzir-se-ia, depois, na neutralização das diferentes causas explicativas e legitimadoras dos elementos da retribuição, e, por esse caminho, no desvirtuamento dos produtos da autonomia privada, individual e colectiva, que têm neste domínio um espaço de actuação incontestável.
Há, pois, que assentar no seguinte: a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo definido pelo art. 258.º CT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado «da retribuição.”
 (…) SARL”, subscreveram o acordo escrito designado por “contrato de trabalho a prazo”, junto a fls. 192-193, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:
“2.º - O segundo outorgante é contratado para prestar serviço na firma em referência com a categoria de Empregada de Quartos sendo o horário semanal de 44 horas semanais em 5,5 dias de trabalho com o descanso semanal à 3.ª e 4.ª e a remuneração mensal de Esc. 8.600$00 com alimentação.”
3. Em 06 de Julho de 1979, Autora e Ré, então denominada “K – ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA RETRIBUIÇÃO
O Dr. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES em “Direito do Trabalho”, 18.ª Edição – Edição Especial Comemorativa dos 40 Anos, maio de 2017, Almedina, Coimbra, págs. 314 e seguintes, a propósito da noção legal de retribuição e dos problemas de índole jurídica que acerca da mesma se podem suscitar, refere o seguinte:
O problema da qualificação de cada uma das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, por referência ao conceito de retribuição, ganhou uma acuidade singular com a amplificação do leque daquelas atribuições, na contratação colecltiva e na prática das empresas. É sabido que, por razões diversas - desde as que se relacionam com propósitos de aligeiramento da fiscal e parafiscal até às derivadas da intenção de ladear limitações governamentais em matéria de política de rendimentos -, se registou, sobretudo a partir dos anos oitenta do século passado, uma considerável proliferação de «títulos» pelos quais são efectivadas vantagens económicas aos trabalhadores.
Essa proliferação originou uma nebulosa de conceitos (subsídios, abonos, compensações, indemnizações, prémios, complementos de prestações de segurança social, valor de uso de bens da empresa) que, referidos ou não ao pilar central do «sistema» remuneratório (a retribuição «certa» ou «de base» que o empregador está contratualmente obrigado a pagar por mês ou com diferente periodicidade), transportam consigo uma certa indeterminação quanto ao nexo de correspectividade com a prestação de trabalho.
Em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de «retribuição-base»). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades - a das necessidades correntes, do dia-a-dia - do trabalhador e sua família. No entanto, várias razões explicam que, além dessa prestação básica, sejam hoje devidas, não só por efeito da lei, mas até sobretudo por imposição dos IRC, outras prestações pecuniárias de diversa natureza e periodicidade (quando esta existe). (…)
Em terceiro lugar, no próprio desenvolvimento da relação de trabalho, e em estreita conexão causal com a prestação de serviços, ocorrem situações que implicam para o trabalhador a realização de despesas (deslocações em serviço, transferência do local de trabalho), uma particular penosidade e perturbação da vida privada (trabalho nocturno, extraordinário, por turnos ou efectuado em dia de descanso semanal), etc.. Também dessas situações decorrem para o empregador obrigações pecuniárias específicas para com o trabalhador.
Significa isto que, durante a vigência do contrato individual de trabalho, são ou devem ser efectuadas diversas atribuições patrimoniais pelo empregador ao prestador de trabalho, sem que se torne imediatamente clara a sua inclusão no binómio trabalho-salário. (...)»
Esse mesmo autor, na obra e local citados, abordando depois o critério legal de retribuição para efeitos da aferição das prestações pagas pela entidade patronal ao trabalhador diz depois o seguinte:
O critério de qualificação retributiva tem que extrair-se da conjugação dos «princípios gerais» contidos no art. 258.°, e das aplicações feitas perante certas atribuições patrimoniais típicas, no art. 260.°.
A noção legal de retribuição, conforme se deduz do art. 258.°, será então a seguinte: o conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força do trabalho por ele oferecida).(...)
Em terceiro lugar, requer-se uma certa periodicidade ou regularidade no pagamento - muito embora possa ser diversa de umas prestações para outras (mensal quanto ao salário-base, anual relativamente a gratificação de Natal, trimestral para a comissão nas vendas, etc.).
Essa característica tem um duplo sentido indiciário: por um lado, sugere a existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente consignada) e, por conseguinte, de uma prática vinculativa; por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.
A repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa - uma expectativa que é juridicamente protegida. (…)
Enfim, é necessário que exista correspectividade entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador - ou seja, noutros termos, que essas prestações não tenham causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho. (…)
É, em suma, necessário que se possa detectar uma contrapartida específica - diferente da disponibilidade da força de trabalho - para certa prestação do empregador, a fim de que esta se coloque à margem do salário global. O que, dito de outro modo, envolve a existência da presunção de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição (art. 258.º/3).”
O Professor ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, contudo e de uma forma certeira, alerta para o uso pouco rigoroso e indiscriminado da dita presunção:
Face à existência de um conjunto articulado de proposições normativas como o do art. 258.º, sedimentou-se, na prática das relações laborais, o convencimento de que o problema da qualificação retributiva comporta uma abordagem unidireccional, ou seja, pode resolver-se de um só ponto de vista para todos os efeitos.
No limite, tal perspectiva envolveria a ideia de que a atribuição de índole retributiva a certa prestação do empregador conduziria, de modo rectilíneo, a uma multiplicidade de resultados operatórios: como exemplos, o de que o valor dessa prestação deveria ser integrado na base de cálculo de todas as prestações subordinadas ao montante da «retribuição» - desde a remuneração do trabalho suplementar até aos salários devidos por despedimento ilícito; - o de que a mesma prestação seria insusceptível de redução ou eliminação por vontade unilateral do empregador; e até o de que o seu valor deveria ser pago com a mesma pendularidade que o contrato estabeleça para a «retribuição-base. Essa perspectiva tem prosperado na prática: o critério do art. 258.° CT (art. 249.° do CT 2003) tem sido utilizado para os mais diversos fins que implicam  a determinação (qualitativa ou quantitativa) da retribuição - e, ademais, alguma jurisprudência considera que esse critério é insusceptível de «modificação», genérica ou pontual, por parte dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.(...)
Significa isto, em suma, que a aplicação do critério geral do art. 258.° a um certo tipo de prestação não permite, sem mais, fornecer um tratamento pré-determinado às vicissitudes dessa prestação.
A hipótese do desenvolvimento linear de um «regime homogéneo», da retribuição para todos os efeitos seria, de resto, insuportavelmente absurda. Conduziria, desde logo, a um emaranhado de círculos viciosos no conjunto dos processos de cálculo das prestações derivadas da retri­buição (que, por um lado, seriam determinadas com base nela, mas, por outro, seriam nela integradas); traduzir-se-ia, depois, na neutralização das diferentes causas explicativas e legitimadoras dos elementos da retribuição, e, por esse caminho, no desvirtuamento dos produtos da autonomia privada, individual e colectiva, que têm neste domínio um espaço de actuação incontestável.
Há, pois, que assentar no seguinte: a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo defi­nido pelo art. 258.º CT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado «da retribuição.”
(…), SARL”, subscreveram o acordo escrito designado por “contrato de trabalho a prazo”, junto a fls. 28-29, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:
“2.º - O segundo outorgante é contratado para prestar serviço na firma em referência com a categoria de Empregada de Quartos sendo o horário semanal de 44 horas semanais em 5,5 dias de trabalho com o descanso semanal à ----------- e a remuneração mensal de Esc. 8.950$00 com alimentação.
4. A Autora foi contratada pela Ré para exercer, por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização, com efeitos a partir de 7 de Julho de 1979, as funções de empregada de quarto no HOTEL K – ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA RETRIBUIÇÃO
O Dr. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES em “Direito do Trabalho”, 18.ª Edição – Edição Especial Comemorativa dos 40 Anos, maio de 2017, Almedina, Coimbra, págs. 314 e seguintes, a propósito da noção legal de retribuição e dos problemas de índole jurídica que acerca da mesma se podem suscitar, refere o seguinte:
O problema da qualificação de cada uma das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, por referência ao conceito de retribuição, ganhou uma acuidade singular com a amplificação do leque daquelas atribuições, na contratação colectiva e na prática das empresas. É sabido que, por razões diversas - desde as que se relacionam com propósitos de aligeiramento da fiscal e parafiscal até às derivadas da intenção de ladear limitações governamentais em matéria de política de rendimentos -, se registou, sobretudo a partir dos anos oitenta do século passado, uma considerável proliferação de «títulos» pelos quais são efectivadas vantagens económicas aos trabalhadores.
Essa proliferação originou uma nebulosa de conceitos (subsídios, abonos, compensações, indemnizações, prémios, complementos de prestações de segurança social, valor de uso de bens da empresa) que, referidos ou não ao pilar central do «sistema» remuneratório (a retribuição «certa» ou «de base» que o empregador está contratualmente obrigado a pagar por mês ou com diferente periodicidade), transportam consigo uma certa indeterminação quanto ao nexo de correspectividade com a prestação de trabalho.
Em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de «retribuição-base»). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades - a das necessidades correntes, do dia-a-dia - do trabalhador e sua família. No entanto, várias razões explicam que, além dessa prestação básica, sejam hoje devidas, não só por efeito da lei, mas até sobretudo por imposição dos  IRC, outras prestações pecuniárias de diversa natureza e periodicidade (quando esta existe). (…)
Em terceiro lugar, no próprio desenvolvimento da relação de trabalho, e em estreita conexão causal com a prestação de serviços, ocorrrem situações que implicam para o trabalhador a realização de despesas (deslocações em serviço, transferência do local de trabalho), uma particular penosidade e perturbação da vida privada (trabalho nocturno, extraordinário, por turnos ou efectuado em dia de descanso semanal), etc.. Também dessas situações decorrem para o empregador obrigações pecuniárias específicas para com o trabalhador.
Significa isto que, durante a vigência do contrato individual de trabalho, são ou devem ser efectuadas diversas atribuições patrimoniais pelo empregador ao prestador de trabalho, sem que se torne imediatamente clara a sua inclusão no binómio trabalho-salário. (...)»
Esse mesmo autor, na obra e local citados, abordando depois o critério legal de retribuição para efeitos da aferição das prestações pagas pela entidade patronal ao trabalhador diz depois o seguinte:
O critério de qualificação retributiva tem que extrair-se da conjugação dos «princípios gerais» contidos no art. 258.°, e das aplicações feitas perante certas atribuições patrimoniais típicas, no art. 260.°.
A noção legal de retribuição, conforme se deduz do art. 258.°, será então a seguinte: o conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força do trabalho por ele oferecida).(...)
Em terceiro lugar, requer-se uma certa periodicidade ou regularidade no pagamento - muito embora possa ser diversa de umas prestações para outras (mensal quanto ao salário-base, anual relativamente a gratificação de Natal, trimestral para a comissão nas vendas, etc.).
Essa característica tem um duplo sentido indiciário: por um lado, sugere a existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente consignada) e, por conseguinte, de uma prática vinculativa; por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.
A repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa - uma expectativa que é juridicamente protegida. (…)
Enfim, é necessário que exista correspectividade entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador - ou seja, noutros termos, que essas prestações não tenham causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho. (…)
É, em suma, necessário que se possa detectar uma contrapartida específica - diferente da disponibilidade da força de trabalho - para certa prestação do empregador, a fim de que esta se coloque à margem do salário global. O que, dito de outro modo, envolve a existência da presunção de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição (art. 258.º/3).”
O Professor ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, contudo e de uma forma certeira, alerta para o uso pouco rigoroso e indiscriminado da dita presunção:
Face à existência de um conjunto articulado de proposições normativas como o do art. 258.º, sedimentou-se, na prática das relações laborais, o convencimento de que o problema da qualificação retributiva comporta uma abordagem unidireccional, ou seja, pode resolver-se de um só ponto de vista para todos os efeitos.
No limite, tal perspectiva envolveria a ideia de que a atribuição de índole retributiva a certa prestação do empregador conduziria, de modo rectilíneo, a uma multiplicidade de resultados operatórios: como exemplos, o de que o valor dessa prestação deveria ser integrado na base de cálculo de todas as prestações subordinadas ao montante da «retribuição» - desde a remuneração do trabalho suplementar até aos salários devidos por despedimento ilícito; - o de que a mesma prestação seria insusceptível de redução ou eliminação por vontade unilateral do empregador; e até o de que o seu valor deveria ser pago com a mesma pendularidade que o contrato estabeleça para a «retribuição-base. Essa perspectiva tem prosperado na prática: o critério do art. 258.° CT (art. 249.° do CT 2003) tem sido utilizado para os mais diversos fins que implicam  a determinação (qualitativa ou quantitativa) da retribuição - e, ademais, alguma jurisprudência considera que esse critério é insusceptível de «modificação», genérica ou pontual, por parte dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.(...)
Significa isto, em suma, que a aplicação do critério geral do art. 258.° a um certo tipo de prestação não permite, sem mais, fornecer um tratamento pré-determinado às vicissitudes dessa prestação.
A hipótese do desenvolvimento linear de um «regime homogéneo», da retribuição para todos os efeitos seria, de resto, insuportavelmente absurda. Conduziria, desde logo, a um emaranhado de círculos viciosos no conjunto dos processos de cálculo das prestações derivadas da retribuição (que, por um lado, seriam determinadas com base nela, mas, por outro, seriam nela integradas); traduzir-se-ia, depois, na neutralização das diferentes causas explicativas e legitimadoras dos elementos da retribuição, e, por esse caminho, no desvirtuamento dos produtos da autonomia privada, individual e colectiva, que têm neste domínio um espaço de actuação incontestável.
Há, pois, que assentar no seguinte: a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo defi­nido pelo art. 258.º CT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado «da retribuição.”
(…)
[5]«Encarando, agora, conjuntamente, as prestações complementares que são determinadas pela penosidade, pelo risco, pelo isolamento, etc. (e de que apresentámos como exemplos os chamados subsídios de turno, de risco, de isolamento), ou seja, pelo próprio condicionalismo externo da prestação de trabalho, entendemos que elas participam de todas as características englobadas no critério legal de qualificação: são meras especificações do salário, correspondentes a particularidades da prestação normal de trabalho.»
[6]«O saber-se se uma certa prestação tem carácter retributivo interessa, em primeiro lugar, para a determinação do âmbito da vinculação do empregador com base no contrato de trabalho. Trata-se de responder, fundamentalmente, a esta primeira pergunta: está o empregador obrigado a cumprir tal prestação enquanto vigorar o contrato (e enquanto ela não seja, por qualquer razão legítima, excluída do cenário da relação de trabalho)? Esta pergunta visa, no seu momento lógico, separar a obrigação da liberalidade (o devido do facultativo); e, num segundo momento, concretizar o âmbito da irredutibilidade que, nos termos do art.º 129.º, protege a retribuição.
Aquilo que, nesta primeira perspetiva, houver que considerar retribuição será insuscetível de modificação unilateral pelo empregador. Tal insusceptibilidade dirá respeito não só ao valor, mas também ao título da atribuição patrimonial (que não poderá, assim, deixar de ser autonomamente mantido no esquema remuneratório do trabalhador), no caso de ter o seu suporte na lei, em instrumento de regulamentação coletiva ou em estipulação individual; e respeitará apenas ao valor da prestação (podendo o empregador alterar ou eliminar o respetivo título) se ela assentar na regulamentação interna ou na prática continuada da empresa (como sucede com certos prémios e comissões).»