Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
70/16.0SRLSB.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: A Portaria n.º 377/2008, de 26/05 (alterada pela Port. n.º 679/2009, de 25/06), fixou no n.º 1 do artigo 1.º «os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal», esclarecendo logo, no n.º 2 do mesmo artigo, que «as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos».

Entre outros danos, nela se prevê a indemnização do dano pela ofensa à integridade física e psíquica (dano biológico) e os danos morais complementares, seja «por cada dia de internamento», pelo «dano estético», pelo «quantum doloris», ou ainda, para as situações em que «resulte para o lesado uma incapacidade permanente absoluta para a prática de toda e qualquer profissão ou da sua profissão habitual», ou quando «resulte para o lesado uma incapacidade permanente que lhe exija esforços acrescidos no desempenho da sua actividade profissional habitual».

Perante as consequências do acidente, a ofendida sofreu bastantes dores, padeceu de enorme angústia e teve bastantes incómodos, durante um período de tempo bastante dilatado, situação que, na sua globalidade, lhe causou grande sofrimento sendo esse sofrimento que a indemnização por danos não patrimoniais visa compensar, considerando-se adequada para tal compensação a atribuição da quantia de € 13 000,00.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:


1. Em processo comum e sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, perante tribunal singular, no Juízo Local Criminal de Sintra (J2), Comarca de Lisboa Oeste, o arguido M. - acusado de um crime de ofensa à integridade física por negligência cometido no exercício da condução de veículo automóvel e de uma contra-ordenação ao artigo 24.º n.ºs 1 e 3 do Código da Estrada -, bem como o pedido de indemnização civil formulado por PG  contra a então GS , S.A.” e que agora se denomina “US, S. A.”, tomadora do seguro de responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo automóvel conduzido pelo arguido.
No final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo (transcrição):

«Tudo visto e ponderado decido:

a)- Condenar o arguido M. em autoria material, em concurso real e na forma consumada, pela prática de:
- Um crime de ofensa à integridade física por negligência (na pessoa de PG ), previsto e punido, pelo artigo 148.°, n.° 1, do Código Penal, conjugadamente com o artigo 24.°, n.° 1, do Código da Estrada, absolvendo do demais, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
- Um crime de ofensa à integridade física por negligência (na pessoa de NP ), previsto e punido, pelo artigo 148.°, n.° 1, do Código Penal, conjugadamente com o artigo 24.°, n.° 1, do Código da Estrada, absolvendo do demais, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
b)- Operando o cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.°, ns.° 1 e 2, do Código Penal, condenar o arguido, na pena única de 5 (cinco) meses de prisão;
c)- Suspender a pena de prisão aplicada, pelo período de 1 (um) ano, a contar do trânsito em julgado da decisão, tudo nos termos do disposto no artigo 50.°, n.° 1, do Código Penal;
d)- Condenar ainda o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de quaisquer categorias, nos termos do disposto no artigo 69.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal;
Pelo período de 5 (cinco) meses, relativamente ao crime de ofensa à integridade física por negligência (na pessoa de PG );
Pelo período de 4 (quatro) meses, relativamente ao crime de ofensa à integridade física por negligência (na pessoa de NP );
e)- Operando o cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.°, ns.° 1 e 2, do Código Penal, condenar o arguido, na pena única de 6 (seis) meses de pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de quaisquer categorias;
f)- Condenar a demandada GS , S. A. - agora US  , S. A., a pagar à ofendida/demandante PG , a quantia de € 13.000 (treze mil) euros, a título de indemnização devida por danos não patrimoniais, bem como no pagamento dos juros vencidos e vincendos, a contar da data da presente decisão e até efectivo e integral pagamento, nos termos dos artigos 562.° e 566.°, ambos do Código Civil;
g)- Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, com a taxa de justiça que se fixa em 3 UC, nos termos dos artigos 513.°, 514.°, do Código Processo Penal e 8.°, n.° 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa;
h)- Condenar a demandada e ofendida/demandante no pagamento das custas cíveis, na proporção das respectivas condenação e decaimento, nos termos do disposto no artigo 527.° do Código Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 523.° do Código Processo Penal.
…»

***

2.Inconformada com a decisão, recorreu a “US , S.A.”, encerrando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

1.-Não podendo a Recorrente concordar com a decisão nos termos em que a mesma foi proferida, em concreto no que respeita ao quantum indemnizatório fixado para os danos morais da Recorrida, vem apresentar recurso no que concerne ao valor da indemnização e com os fundamentos que se passam a expor.

2.-O presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito porquanto pretende a Recorrente impugnar o cálculo da indemnização arbitrada a título de danos morais, entendendo que, atendendo aos factos provados, mal andou o Tribunal ao fixar tal indemnização nos € 13.000,00, violando, assim, o disposto no artigo 496.° do C.C., em concreto o respectivo n.° 3.

3.-Para apreciação do presente recurso, atendendo à delimitação apresentada, relevam os factos provados sob os pontos 15 a 25.

4.-Atendendo à exposição de Direito que consta da douta sentença recorrida, temos que o Tribunal entendeu enquadrar os danos não patrimoniais da Autora, traduzido numa IPP de 2 pontos e de um Quantum Doloris de 4 pontos, atribuindo uma indemnização de € 13.000,00.

5.-A Recorrente contesta também a repartição das parcelas que integram tal montante por rubricas cujo conteúdo nos parece repetitivo, levando a crer que a Demandante está a ser indemnizada duplamente pelo mesmo tipo de danos.

6.-Pela autonomização das quantias que é apresentada na sentença, constata-se que o Tribunal entende indemnizar (i) dores, (ii) incómodos sofridos e (iií) angústia e sofrimento sentidos, sendo evidente que todos aqueles danos de natureza não patrimonial dizem respeito a um período passado, nomeadamente ao período que decorreu entre o sinistro e o momento em que as lesões da Recorrida se consideraram consolidadas.

7.-Contudo, e salvo o devido respeito, não logramos alcançar qualquer distinção entre os invocados incómodos, e a angústia e sofrimento....

8.-Se no que refere às dores, é fácil admitir que nos reportamos ao Quantum Dolorís fixado no grau 4, numa escala de 1/7, em relação aos incómodos / angústia e sofrimento, rubricas às quais são arbitradas quantias autónomas e sem qualquer explicação que nos permita aferir sobre o cálculo que a elas está subjacente, parece-nos que se trata exactamente do mesmo dano, durante o mesmo período.

9.-Ou seja, durante todo o período de recuperação, a Demandante padeceu de dores físicas e de um determinado nível de sofrimento, certamente indemnizável, mas incindível dos "incómodos e angústia".

10.-Em resumo, diremos que os conceitos de "dor", "incómodos", “angústia" e "sofrimentos" são utilizados apenas e só para permitir ao Tribunal autonomizar 3 parcelas que compõe a indemnização global, a qual nos parece excessiva, parcelas essas que traduzem a mesma realidade.

11.-Por outro lado, e no que concerne à quantificação da indemnização, crê-se ser relevante chamar à colação a Portaria n.° 377/2008, de 26 de Maio, a conhecida Portaria da Proposta Razoável.

12.-Não obstante o carácter não vinculativo da referida Portaria, que a Recorrente reconhece, a jurisprudência tem evidenciado a sua relevância como ponto de partida para a tarefa de fixação da indemnização do indicado dano não patrimonial.

13.-Sem prejuízo da relevância que é conferida a outros critérios orientadores, aquela também poderá integrar o conjunto dos elementos a ponderar pelo julgador.

14.-Os valores resultantes da aplicação daquela Portaria, ainda que não vinculativos, poderão (e deverão) servir de critério orientador para a indicação do nível de razoabilidade da indemnização fixada.

15.-Conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2012, disponível em www.dqsi.pt, "as propostas só são 'razoáveis' enquanto corresponderem ao que seria de esperar de uma decisão judicial, sendo que o entendimento contrário levaria ao absurdo de se concluir que o legislador entendeu fixar critérios e valores indemnizatórios com que os lesados se haverão de conformar apenas para evitar o recurso a instâncias judiciais.

16.-Não se crê que tenha sido esta a intenção daquela Portaria que, independentemente, de se aplicar apenas à negociação extrajudicial, não poderá deixar de oferecer soluções indemnizatórias razoáveis, isto é, em conformidade com o esperado de uma decisão judicial.

17.-Nessa medida, sempre haverá que contabilizar o montante indemnizatório a que a Recorrida teria direito nos termos de tal Portaria, não para dele extrair, sem mais, a indemnização a fixar nesta instância, mas para obter um critério orientador que possa ser utilizado em conjunto com outros elementos, nomeadamente os elementos convocados pelo artigo 494.° do C.C.

18.- Estando a Recorrente ciente de que a Portaria não oferece valores vinculativos, mas tomando os mesmos como critérios orientadores para a fixação da indemnização a título de danos morais à lesada, é notório o quão excessivo é o valor de € 13.000,00 arbitrado pelo Tribunal.

19.- Conforme se refere na sentença recorrida, nos termos do art.° 496.° C.C., a fixação do valor indemnizatório por danos não patrimoniais que mereçam a tutela do direito deve submeter-se a juízos de equidade, não obstante as circunstâncias referidas no art.° 494.°, pelo que não existe, assim, uma determinação legal prévia daquele valor, mas sim determinados parâmetros legais que permitem mitigar a subjectividade da atribuição da indemnização a título de danos morais.

20.- Entre tais critérios, encontramos o da análise comparada da jurisprudência, o qual foi desconsiderado pelo Tribunal recorrido que não desenvolveu qualquer pesquisa jurisprudencial, o que na opinião da Recorrente se mostrava essencial para a fixação do valor de indemnização.
21.- Nesta senda, e pelo facto de não concordar a Recorrente com a indemnização arbitrada, não se poderá deixar de chamar a atenção para o facto de existirem diversas decisões recentemente proferidas pelos Tribunais superiores que determinaram o pagamento de indemnizações a lesados cujos danos não patrimoniais foram mais significativos do que aqueles sofridos pela Recorrida, o que, em termos proporcionais, revelam a desrazoabilidade da indemnização destes autos, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05.12.2013, disponível em www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.01.2014 disponível em www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.02.2012, disponível em www.dgsi.pt.

22.- São ainda de considerar outras decisões referidas no citado Acórdão do TRL de 21.02.2012: "(...) A um sinistrado com 42 anos de idade, que sofreu graves lesões, foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, com enormes dores, ficando a padecer de IPP de 40%, não podendo conduzir à noite e tendo dificuldades durante o dia, ficando gravemente afetado da visão, julgou-se adequada uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50 000,00 (STJ, 17.12.2009, 340/03.7TBPNH.C1.S1). A uma jovem de 21 anos à data do acidente, que esteve internada em sucessivos hospitais durante um tempo considerável, ficando afetada de uma incapacidade absoluta durante 12 meses, foi sujeita a diversas intervenções cirúrgicas e teve de realizar sucessivos tratamentos, nomeadamente de recuperação, que se prolongaram no tempo, sofreu danos físicos extensos que deixaram sequelas irreversíveis e gravosas, físicas e emocionais e ficou afetada de uma incapacidade parcial permanente de 50%, o STJ considerou não ser exagerada uma indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de € 40 000,00 (25.6.2009, 08B3234). (...) A um jovem de 26 anos, que na ocasião do acidente ficou inanimado, sofreu várias fraturas torácicas, esteve internado 12 dias, sofreu um quantum doloris fixável em grau 4 e ainda hoje sente dores, tomando, por vezes, analgésicos para suportar as mesmas, ficou a padecer de uma IPG de 16%, atribuiu-se uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25 000,00 (STJ, 07.6.2011, 160/2002.P1.S1). A um estudante de 19 anos, que sofreu fratura do cotovelo, foi sujeito a intervenção cirúrgica, quantum doloris de grau 5, dano estético de grau 3 e ficou afetado de IPP de 11,73%, o STJ considerou ajustada uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25 000,00 (29.6.2011, 345/06.6PTPDL.L1.S1). A um jovem de 22 anos de idade, que sofreu fraturas graves na perna esquerda, esteve internado ao todo nove meses, foi sujeito a seis intervenções cirúrgicas, sofreu quantum doloris de grau 5, precisou de tratamento psiquiátrico e ainda não atingira o equilíbrio emocional, ficou a sofrer de IPP de 15%, futuramente ampliada em mais 10%, o STJ considerou adequada uma indemnização por danos não patrimoniais de €25 500,00 (01.6.2011, 198/00.8GBCLD.L1.S1)."

23.-O recurso a critérios de equidade leva a que se considere como muito determinante a apreciação de critérios jurisprudenciais, tal como resulta dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.10.2001, de 07.10.2010 e de 26.01.2012, e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.02.2012, disponíveis em www.dgsi.pt.

24.-Cremos que nos exemplos supra citados, os critérios seguidos pelos Tribunais superiores para a fixação da indemnização são, essencialmente, os mesmos utilizados no caso em apreço pelo Tribunal recorrido: a incapacidade fixada, o tipo de lesões resultantes do sinistro, os tratamentos a que a lesada foi sujeita, o nível de dor sofrido, etc.

25.-É neste similitude que assenta a discordância da Recorrente no que concerne ao resultado indemnizatório alcançado pois mesmo as decisões citadas pelo Tribunal recorrido revelam que a quantia arbitrada é notoriamente excessiva.

26.-Não pretende com isto dizer a Recorrente que se olvidem todas as restantes especificidades do caso concreto, mas crê-se que fica demonstrada a desproporcionalidade da indemnização ora contestada pois IPP mais elevadas representam, necessariamente, sequelas mais graves e estas, necessariamente, mais dores, períodos de recuperação e de consolidação das lesões mais longos, mais limitações... tudo situações que deverão repercutir-se na indemnização a fixar à lesada.

27.-No caso em apreço, note-se que a Recorrida teve um período de 5 dias de incapacidade temporária total.

28.-Por tudo o que se deixou exposto, a desejada segurança na aplicação do direito, bem como o respeito pelo princípio da igualdade, salvaguardando-se, obviamente, as variantes de cada uma das situações, imporiam que a indemnização fixada fosse menos elevada.

29.-Crê a Recorrente que o Tribunal recorrido teria alcançado o mesmo desígnio de compensação justa, equitativa e não miserabilista da Recorrida se optasse por fixar uma indemnização que se situasse entre os € 7.000,00 e os € 9.000,00, montante que se revelaria razoável e proporcional aos valores arbitrados nos casos acima citados.

30.-Sem menosprezar os danos físicos sofridos pela Recorrida, cremos que o Tribunal recorrido se deixou levar por um certo exagero na quantificação de tais danos, o que se torna mais evidente quando comparado com as decisões acima mencionadas em que as lesões sofridas pelos sinistrados são, claramente, mais graves e as consequências para a vida futura certamente mais limitadoras do que as sofridas pela ora Recorrida.

31.-Cientes do carácter subjectivo que subjaz à fixação de uma indemnização da natureza daquela que está aqui em causa, mas certos da relevância que assume a comparação jurisprudencial, cremos existirem fundamentos bastantes para que o Tribunal ad quem reveja o quantum indemnizatório arbitrado à Recorrida pelos danos morais sofridos, no sentido de o reduzir a quantia que não ultrapasse os € 9.000,00, montante que se crê, por um lado, adequado às lesões e sequelas sofridas e, por outro, em conformidade com o disposto nos artigos 494.°, 496.° e 562.° do Código Civil.

32.-Por todo o exposto, requer-se que seja revogada a sentença recorrida na parte em que procede à condenação da Recorrente no pagamento à Recorrida do valor de € 13.000,0 a título de danos morais, por outra em que tal montante seja substituído por um situado entre € 7.000,00 e € 9.000,00 valor que se considera apto a compensar a Recorrida de todos os danos não patrimoniais decorrentes do sinistro.
Pelo exposto, e no que demais for doutamente suprido, a sentença recorrida deverá ser alterada nos termos acima peticionados, dando-se provimento ao presente recurso para que, dessa forma, se faça Justiça.

3.Admitido o recurso, respondeu a demandante PG, concluindo do seguinte modo:

A.-Como consequência directa e necessária da actuação do Arguido, no sinistro em análise e que é objecto dos presentes autos, e cuja transferência da responsabilidade civil, por contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n,° 43537, a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo com a matricula 74  está a cargo da ora Demandada, a Demandante PG , que se fazia transportar no veiculo tripulado por CS , sofreu dores e traumatismo crânio-torácico-lombar, com perda de conhecimento, hematoma epicraniano parietal, múltiplas fracturas dos arcos costais direito e esquerdo, que lhe determinaram o período de doença de trinta dias e, de forma duradoura, topos consolidados das costelas,
B.-A Demandante, após imediato tratamento hospitalar, foi submetida a intervenção cirúrgica, de foro ortopédico, na sequência dos factos supra descritos,
C.-Para além de dores, sofreu a Demandante, angústia, quer à data dos factos, quer no período subsequente, decorrente da limitação/movimentação do seu corpo e aquando dos tratamentos fisiátricos/fisoterapêuticos,
D.-A Demandante sofreu incómodos e angústia, pelo facto de não poder trabalhar e desempenhar tarefas domésticas, carecendo de ajuda para o efeito.
E.-A Demandante, antes dos factos, era uma pessoa activa, causando-lhe angústia o tempo de inactividade a que se viu forçada na sequência dos factos.
F.-A data da consolidação médico-legal das lesões da Demandante fixou-se em 27/03/2017, considerando que o Sinistro ocorreu em 31 de Julho de 2016.
G.-O período de défice funcional temporário total fixou-se em 5 dias, e o período de défice funcional temporário parcial fixou-se em 235 dias.
H.-O período de repercussão temporária na actividade profissional total da Demandante fixou-se em 145 dias, e em termos parciais, fixou-se em 95 dias.
I.-O quantum doloris sofrido pela Demandante foi particularmente elevado e fixou-se em 4, numa escala até 7.
J.-O défice funcional permanente da integridade físico-psiquica fixou-se em 2 pontos.
K.-Estão em causa lesões na integridade física da Demandante, que pela sua gravidade e extensão, justificam a tutela do direito, quando além do mais determinaram uma incapacidade permanente parcial e vão condicionar para sempre a sua vida de relação (condicionado na prática de desporto e no lazer, mobilidade, dores e incómodos).
L.-O aumento da penosidade e esforço para todas as atividades em geral a que a Demandante foi sujeita, e estará sujeita até ao final dos seus dias, pode e deve ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que tenha como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos no exercício da atividade profissional ou de outras actividades económicas.
M.-Nestes termos, considera a Demandante que, considerando, a sua situação económica e a da lesante, os danos por si sofridos, e, o modo como foram perpetrados os factos que impuseram a condenação do arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, foi justo e equitativo fixar a indemnização devida pelas dores, em € 6.000, em relação aos incómodos sofridos, em € 3.500, e pela angústia e sofrimentos sentidos pela mesma, em € 3.500 — danos não patrimoniais — perfazendo o montante global de € 13.000, atendendo aos factos que resultaram provados.
N.-O valor fixado pelo Tribunal À Quo a título de indemnização não é exagerado, e antes muito bem se enquadra no conceito mais básico de Justiça.
O.-O Tribunal à Quo bem decidiu, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura ou reparo, sendo a mesma conforme ao Direito, devendo manter-se em toda a sua extensão e efeitos, sendo negado provimento ao recurso.
Termos em que deverá o recurso interposto pela Demandada, improceder, mantendo-se, na íntegra a decisão recorrida.

4. Neste Tribunal da Relação de Lisboa, o Sr. Procurador-Geral Adjunto apôs “visto”.

5. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos a que se refere o art. 418.º, n.º 1, do CPP, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.

***

II.FUNDAMENTAÇÃO

1– Estando em causa no presente recurso apenas o valor da indemnização a pagar pela recorrente à demandante civil, a título de danos não patrimoniais por esta sofridos, vejamos, primeiro, o conteúdo da decisão recorrida, na parte que consideramos relevante para a decisão daquela questão (transcrição):

«Factos Provados

Da acusação:
1.-No dia 31/07/2016, cerca das 3 horas e 10 minutos, o arguido conduzia o veículo de matricula 74 , proveniente da rotunda da Escola Prática da GNR, em Queluz, no acesso, para o Itinerário complementar n.° 19 (IC 19), ao quilómetro 7.3, em Barcarena, no sentido Lisboa-Sintra, área do concelho de Sintra, Comarca de Lisboa-Oeste.
2.-Nas mesmas circunstâncias de espaço e de tempo, circulava no IC 19 na via da direita CS conduzindo o veículo de sua propriedade DJ , transportando, ainda, no interior deste veículo, no banco da frente, MT , no banco traseiro esquerdo PG  e, no banco traseiro direito, NP .
3.-Quando o veículo tripulado pelo arguido, entrou no IC 19, pelo facto de entrar numa velocidade muito superior ao veículo tripulado por CS , que circulava na via da direita, aproximou-se rapidamente deste e embateu com a parte frontal deste veículo, na parte traseira daquele outro veículo.
4.-O local do embate configura uma recta em declive no sentido de marcha do veículo que o arguido tripulava e a faixa de rodagem tem 10,6 metros de largura, mais 2 metros de berma.
5.-A velocidade permitida no local é de 100 km/h.
6.-Estava bom tempo e o piso encontrava-se seco e apresentava bom estado de conservação.
7.-O arguido foi submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue, tendo sido apurada a taxa 0,46 g/L.
8.-Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, a ofendida PG , que se fazia transportar no veículo tripulado por CS , sofreu dores e traumatismo crânio-torácico-lombar, hematoma epicraniano parietal, múltiplas fracturas dos arcos costais direito e esquerdo, que lhe determinaram o período de doença de trinta dias e, de forma duradoura, topos consolidados das costelas.
9.-Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, o ofendido NP , que se fazia transportar no veículo tripulado por CS , sofreu dores e hematoma epicraniano e ferida no flanco direito contusa com 1 cm, que lhe determinaram o período de doença de doze dias e, de forma duradoura, cicatriz de tal ferida.
10.-O arguido, agiu sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz na condução do veículo automóvel que tripulava, já que, devido à velocidade desadequada que imprimiu ao veículo, colidiu com a frente do seu veículo na parte traseira do veículo tripulado por CS , o qual circulava na via da direita do IC 19, tendo em resultado desta colisão originado danos nos veículos intervenientes e lesões nos ofendidos que eram passageiros daquele outro veículo.
11.-Ao efectuar tal manobra não cuidou o arguido de adequar, como devia, a velocidade em que circulava naquele local às condições meteorológicas que se verificavam, condições da via e intensidade do trânsito.
12.-O arguido agiu de forma livre e consciente, mas sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz na condução do veículo automóvel que tripulava, querendo efectuar a referida manobra, sem tomar as devidas precauções, que conhecia e, se as tivesse adoptado, evitaria o embate e as lesões sofridas no corpo por PG  e NP .
13.-O arguido sabia que tal conduta lhe era imposta por lei na condução de um veículo automóvel.

Do pedido de indemnização civil da ofendida/demandante PG :

14.-Por contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.° 43537, a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo com a matrícula 74 , se encontrava transferida para a demandada GS , S. A..
15.-A demandante, após imediato tratamento hospitalar, foi submetida a intervenção cirúrgica, de foro ortopédico, na sequência dos factos supra descritos.
16.-Para além de dores, sofreu a demandante angústia, quer à data dos factos, quer no período subsequente, decorrente da limitação/movimentação do seu corpo e aquando dos tratamentos fisiátricos/físoterapêuticos.
17.-A demandante sofreu incómodos e angústia, pelo facto de não poder trabalhar e desempenhar tarefas domésticas, carecendo de ajuda para o efeito.
18.-A demandante, antes dos factos, era uma pessoa activa, causando-lhe angústia o tempo de inactividade a que se viu forçada na sequência dos factos.
19.-A data da consolidação médico-legal das lesões fixou-se em 27/03/2017.
20.-O período de défice funcional temporário total fixou-se em 5 dias.
21.-O período de défice funcional temporário parcial fixou-se em 235 dias.
22.-O período de repercussão temporária na actividade profissional total fixou-se em 145 dias.
23.-O período de repercussão temporária na actividade profissional parcial fixou-se em 95 dias.
24.-O quantum doloris fixou-se em 4, numa escala até 7.
25.-O défice funcional permanente da integridade físico-psiquica fixou-se em 2 pontos.

Outros factos, com relevo para a decisão da causa:

26.-O arguido aufere cerca de € 400, mensais.
27.-Vive com a esposa, a qual trabalha e uma filha de 4 anos e 6 meses.
28.-Vive em casa própria, suportando encargo bancário para aquisição da mesma, no valor de cerca de € 300, mensais.
29.-Tem o 9.° ano de escolaridade.
30.-Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
*

Factos não provados:

Da acusação:

Não se logrou apurar que:
a)-No circunstancialismo descrito em 1., dos factos provados, o arguido fosse proveniente do acesso da A9/CREL.
Do pedido de indemnização civil da ofendida/demandante PG :
Não se logrou apurar que:
b)-Na sequência dos factos provados, durante 30 dias, a demandante, não tenha dormido uma hora seguida.
c)-A desvalorização e incapacidade se hajam fixado em valor diverso do provado em 32.
Consigna-se que não se fizeram constar dos factos provados e não provados os factos que, pese embora constem do pedido de indemnização cível e da contestação ao mesmo, se mostram sem relevo para o conhecimento e decisão da causa, por instrumentais ou meramente impugnatórios da versão constante do referido pedido e provada ou não provada ou, por meramente conclusivos, de direito ou ainda por extravasarem o conteúdo da acusação.


Do pedido de indemnização civil

A ofendida/demandante PG , deduziu pedido de indemnização civil contra a GS , S. A., cfr. fls. 380 e ss., enquanto tomadora do seguro de responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo conduzido pelo arguido, peticionando a sua condenação a pagar, a título de danos não patrimoniais a quantia global de € 15.000, acrescida de juros desde a sua notificação, até integral pagamento.

Alega para o efeito os danos sofridos e consequências decorrentes do evento em causa e seu impacto na sua vida, conforme elenca.

Arrolou testemunhas, juntou documentos e requereu junção de prova documental pela demandada, bem como realização de perícia, a qual foi efectuada.

A demandada GS , S. A., contestou o pedido de indemnização civil deduzido, pugnando pela improcedência parcial do pedido - cfr. fls. 437 e ss..

Arrolou testemunhas e juntou documentos/cópia da apólice.

No nosso direito positivo e quanto à indemnização a fixar pela prática de um crime, vigora o sistema da adesão obrigatória da acção civil à acção penal, com algumas excepções expressas na lei (vide artigos 71.° e 72.°, do Código de Processo Penal).

Assim, no que concerne à indemnização de perdas e danos por crime, determina o artigo 129,°, do Código Penal, que a mesma é regulada pela lei civil, pelo que terá de se recorrer às regras desse ramo de direito e, em concreto, aos preceitos legais que regulamentam a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos.

Nestes termos, importa considerar os pressupostos que condicionam a obrigação de indemnizar imposta ao lesante e decorrentes da responsabilidade civil aquiliana, de harmonia com o preceituado no artigo 483.° e ss., do Código Civil.

Dispõe o artigo 483.°, n.° 1, do Código Civil que, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

São, assim, pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual a verificação de um facto, ilícito, imputável ao lesante, a verificação de um dano e de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Quanto à ilicitude, é de referir que esta comporta a violação de direitos subjectivos alheios ou a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios. E, quando estamos perante normas destinadas a proteger interesses alheios, o que está em causa é a protecção genérica da colectividade, realizada através da protecção directa dos interesses individuais dos indivíduos que a compõem (MARTINS DE ALMEIDA, Dario - Manual de Acidentes de Viação; Almedina, 2a edição, 1980, pág. 200).

Ora, como nos encontramos no domínio dos acidentes de viação cabe uma especial referência às disposições do Código da Estrada.

Efectivamente, as regras de trânsito contidas no Código da Estrada configuram deveres de diligência cuja violação pode servir de base à negligência. Destinando-se as mesmas a acautelar prejuízos possíveis, há nelas implícita uma previsão a que devem aderir os seus destinatários (MARTINS DE ALMEIDA, Dario; op. cit., pág. 201).

Por seu lado, a culpa lato sensu abrange a vertente do dolo e da negligência ou mera culpa, traduzindo-se a primeira na intenção de realizar o comportamento ilícito que o agente configurou e a segunda na mera intenção de querer a causa do facto ilícito. A culpa exprime um juízo de reprovação pessoal em relação ao agente lesante e a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo (LIMA, Pires de e VARELA, Antunes - Código Civil Anotado; Vol. I [artigo l.° a 761.°], 4a edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 474).

A culpa é, no nosso ordenamento jurídico, apreciada em abstracto pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso (artigo 487.°, n.° 2, do Código Civil), ou seja, por referência ao homem médio que é querido pela ordem jurídica (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 18 de Março de 2004, processo n.° 04B675, relator: Ferreira de Almeida, www.dgsi.pt e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1998, Boletim do Ministério da Justiça, n.° 475, pág. 635).

E, de acordo com o disposto nos artigos 342.°, n.° 1 e 487.°, n.° 1, ambos do Código Civil, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.

Em matéria de responsabilidade civil por acidentes de viação, cujo dano haja sido provocado mediante a prática de uma contra-ordenação estradal, a questão da culpa tem assumido contornos específicos.

Porque a actividade de condução automóvel é uma actividade perigosa, que exige uma perícia e uma destreza mínimas, o dever de diligência terá de atingir, então, um maior grau face às circunstâncias ou exigências do caso concreto. Efectivamente, o bónus pater famílias não se entregaria a tais actividades sem estar consciente de possuir a aptidão e a perícia adequadas para o efeito. Por isso, desde que o evento seja previsível e a conduta se mostre adequada à produção dele, a omissão do dever de diligência configura negligência ou mera culpa (MARTINS DE ALMEIDA, Dario; op. cit. pág. 73 e 74).

Assim, entende-se que a prova de inobservância das leis e regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando-se, em concreto, a prova da falta de diligência. Estamos, pois, perante a prova da primeira aparência (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1998, Boletim do Ministério da Justiça n.° 475, pág. 635 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 1999, Boletim do Ministério da Justiça n.° 488, pág. 323). Deste modo, se a prova produzida permitir concluir pela violação de uma norma por parte do lesante, cabe a este o ónus da contraprova, ou seja a demonstração da existência de outros factos que tornem verosímil o dano sem culpa.

Já no que concerne ao quarto pressuposto da responsabilidade civil, isto é, ao dano, importa salientar que no caso concreto o dano consiste nos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo demandante em consequência do acidente.

Por último, resta a necessidade de ocorrência de nexo causal entre o facto e o dano, visto que é pressuposto do dever de indemnizar que o acto do agente possa ser considerado uma das condições do dano, isto é, uma condição que, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do lesante, seja adequada ou apropriada à produção do dano (conforme resulta do disposto no artigo 563°, do Código Civil, segundo o qual a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão).
O nexo causal entre o facto e o dano existe sempre que a conduta se não possa considerar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por causa de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas (VARELA, João de Matos Antunes - Das Obrigações em Geral; vol. I, Almedina, 10.a edição revista e actualizada, Setembro de 2004, pág. 894).

Enunciados os pressupostos da responsabilidade civil, é altura de verificar, em concreto, do seu preenchimento.

In casu, apurou-se que, em suma, no dia 31/07/2016, o arguido conduzia o veículo de matricula 74  e, pelo facto de entrar numa velocidade muito superior ao veículo DJ, que circulava na via da direita, aproximou-se rapidamente deste e embateu com a parte frontal do veículo conduzido pelo mesmo, na parte traseira daquele outro veículo.

Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, a ofendida PG , que se fazia transportar no veículo DJ, sofreu dores e traumatismo crânio-torácico-lombar, hematoma epicraniano parietal, múltiplas fracturas dos arcos costais direito e esquerdo, que lhe determinaram o período de doença de trinta dias e, de forma duradoura, topos consolidados das costelas e NP , sofreu dores e hematoma epicraniano e ferida no flanco direito contusa com 1 cm, que lhe determinaram o período de doença de doze dias e, de forma duradoura, cicatriz de tal ferida. Mais se apurou, que o arguido, agiu sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz na condução do veículo automóvel que tripulava, já que, devido à velocidade desadequada que imprimiu ao veículo, colidiu com a frente do seu veículo na parte traseira do veículo DJ, o qual circulava na via da direita do IC 19, tendo em resultado desta colisão originado danos nos veículos intervenientes e lesões nos ofendidos que eram passageiros daquele outro veículo. Ao efectuar tal manobra não cuidou o arguido de adequar, como devia, a velocidade em que circulava naquele local às condições meteorológicas que se verificavam, condições da via e intensidade do trânsito. O arguido agiu de forma livre e consciente, mas sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz na condução do veículo automóvel que tripulava, querendo efectuar a referida manobra, sem tomar as devidas precauções, que conhecia e, se as tivesse adoptado, evitaria o embate e as lesões sofridas no corpo por PG e NP . O arguido sabia que tal conduta lhe era imposta por lei na condução de um veículo automóvel.

Por conseguinte, do apurado verifica-se que o arguido praticou um facto voluntário - a condução do veículo automóvel em desrespeito das regras estradais - conduta essa que foi perpetrada em violação das disposições legais a que estava obrigado, por força do disposto no artigo 24.°, n.° 1, do Código da Estrada.

Deste modo, atendendo aos elementos probatórios referidos e ao respectivo ónus, conclui-se que o arguido actuou com culpa, na modalidade de negligência.

Quanto ao elemento do dano, atento ao que já se deixou dito quanto à ocorrência da ofensa à integridade física, é indiscutível a sua verificação.

Sendo que, PG , única relevante para os efeitos que ora nos ocupamos, após imediato tratamento hospitalar, foi submetida a intervenção cirúrgica, de foro ortopédico, na sequência dos factos supra descritos, tendo sofrido, para além de dores, angústia, quer à data dos factos, quer no período subsequente, decorrente da limitação/movimentação do seu corpo e aquando dos tratamentos fisiátricos/físoterapêuticos, incómodos e angústia, pelo facto de não poder trabalhar e desempenhar tarefas domésticas, carecendo de ajuda para o efeito, sendo que a demandante, antes dos factos, era uma pessoa activa, causando-lhe angústia o tempo de inactividade a que se viu forçada na sequência dos factos. Mais se apurando que a data da consolidação médico-legal das lesões se fixou em 27/03/2017. O período de défice funcional temporário total se fixou em 5 dias. O período de défice funcional temporário parcial se fixou em 235 dias. O período de repercussão temporária na actividade profissional total se fixou em 145 dias. O período de repercussão temporária na actividade profissional parcial se fixou em 95 dias. O quantum doloris se fixou em 4, numa escala até 7 e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixou-se em 2 pontos.

Por fim, quanto ao nexo causal, igualmente, este se apresenta como líquido, atenta o facto provado de que as lesões, foram consequência directa e necessária do embate provocado pelo veículo conduzido pelo arguido.

Peio exposto e em conclusão, o arguido praticou um facto voluntário, típico, ilícito, que lhe é imputável e donde resultaram danos, os quais são causa directa da sua actuação, pelo que se mostram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil.

Chegados a este ponto, importa determinar qual a pessoa civilmente responsável.

Segundo o artigo 1.º, do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31/12, toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor, deve encontrar-se coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade.

Por outro lado, estabelece o artigo 8.°, n.° 1, do mesmo diploma, que o contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro e, bem assim, dos legítimos detentores e condutores do veículo.

Na ocasião do acidente, por contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.° 43537, a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo com a matrícula 74 , se encontrava transferida para a demandada GS , S. A..

Assim, é a demandada a responsável pela reparação de danos patrimoniais decorrentes do acidente em apreço (conforme resulta do disposto nos artigos 342.°, n.° 1 e 487.°, do Código Civil e 516.°, do Código de Processo Civil).

Por conseguinte e atento o supra expendido quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, julgando-se verificada a responsabilidade civil emergente de facto ilícito da demandada, é altura de verificar concretamente da ressarcibilidade dos danos, sua extensão e âmbito.

O dano é todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não. Também há danos quando se diminui o património (dano patrimonial) como quando se afecta o corpo, a saúde, a vida, a honra, o bem-estar, o crédito, etc. (dano não patrimonial)” (SERRA, Vaz; - Obrigação de Indemnização, BMJ n.° 84, pág. 8 e 9).

Os danos de natureza patrimonial abrangem os prejuízos susceptíveis de avaliação pecuniária e que apenas podem ser reparados, directamente, através da restauração natural da situação ou, indirectamente, através de uma indemnização pecuniária (VARELA, João de Matos Antunes; op. cit., pág. 601).

Por seu lado, os danos não patrimoniais, são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, tais como a vida, a saúde, a liberdade e a beleza. Estes danos têm, assim, mais uma natureza compensatória do que indemnizatória.

O valor indemnizatório há de se encontrar por aferição das circunstâncias a que se reporta o artigo 494.°, do Código Civil, ou seja: a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, tais como, as lesões e o sofrimento das mesmas resultante.

Prescreve o artigo 562.°, do Código Civil, que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

O legislador português consagrou, assim, o princípio da reposição natural, o qual cede sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, caso em que a indemnização deverá ser fixada em dinheiro. A indemnização em dinheiro terá, então, como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos - conforme resulta do disposto no artigo 566.°, ns.° 1 e 2, do Código Civil.

Quanto a danos não patrimoniais, a demandante peticiona o ressarcimento pelos danos que sofreu directamente pela conduta do arguido.

Os danos de natureza não patrimonial são os danos insusceptíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens que não integram o património do lesado e apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, que funciona como uma satisfação.

In casu, os danos peticionados são indemnizáveis, nos termos do artigo 496.°, n.° 1, do Código Civil, uma vez que se tratam de danos não patrimoniais, cuja gravidade, apreciada objectivamente, é inquestionável, merecedores, portanto, da tutela do direito (VARELA, Antunes; Das Obrigações em geral, 8a edição, Editora Almedina, volume I, pág. 617).

Dispõe o artigo 496.°, ns.° 1 e 3, do Código Civil, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; caso em que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, bem como às demais circunstâncias relevantes do caso.

Conforme, a propósito, referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume I, 4.a ed., p. 499), «a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)(...). Não se enumeram os casos de danos não patrimoniais que justificam uma indemnização. Diz-se apenas que devem merecer, pela sua gravidade, a tutela do direito. Cabe, portanto, ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor de tutela jurídica».

Pelo que respeita à fixação do montante da indemnização, a lei socorre-se aqui, como em outros casos em que há manifesta dificuldade de quantificação abstracta das obrigações, da equidade, entregando aos tribunais a solução do caso concreto, mas balizando o caminho a seguir para determinação do montante da indemnização ou, o que vai dar no mesmo, fixando os critérios dentro dos quais a equidade vai operar.

Tais critérios são, em primeiro lugar, a gravidade dos danos, não podendo a decisão desconsiderar essa gravidade, proporcionando a indemnização a essa extensão, mas também o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso concreto - artigo 494.°, aplicável ex vi do artigo 496.°, n.° 3, l.a parte, ambos do Código Civil.

Conforme faz notar Pessoa Jorge (Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, p. 376), «(..) na generosa formulação do art.0 496.° do C. Civil, que confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custos, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas, antes, o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar ao lesado e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afectada».

Na perspectiva da indemnização nos termos da responsabilidade civil pode afirmar-se que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.

Os danos não patrimoniais como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética, são prejuízos, que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome, que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização.

Atenta a factualidade dada como provada, verificamos que os factos perpetrados pelo arguido e que integram a prática por este de um crime de ofensa à integridade física por negligência, relativamente a PG , em acto de condução de veículo, tendo sido transferida a responsabilidade para a demandada, pela sua gravidade, merecem indiscutivelmente a tutela do direito.

A conduta do arguido foi adequada a causar, como causou os danos supra referidos.

Nestes termos e, perante o exposto, estão reunidos os pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade civil da demandada, na sequência da conduta do arguido e, consequente obrigação de indemnizar.

Assim, na fixação dos montantes indemnizatórios, no que se reporta aos danos não patrimoniais, rege o disposto no art.° 494.°, do Código Civil, ali se referindo que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do agente e as demais circunstâncias do caso o justifiquem. A que acresce o disposto no artigo 566.°, n.° 2, do Código Civil que manda atender à situação patrimonial na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, devendo por isso ser aplicada por cálculo actualizado.

Ora considerando, a situação económica do lesante e da lesada, os danos sofridos pela lesada e, o modo como foram perpetrados os factos que impuseram a condenação do arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, julgo equitativo fixar a indemnização devida pelas dores, em € 6.000, em relação aos incómodos sofridos, em € 3.500, e pela angústia e sofrimentos sentidos pela mesma, em € 3.500 - danos não patrimoniais - perfazendo o montante global de € 13.000, atendendo aos factos que resultaram provados, improcedendo o remanescente peticionado a título de danos não patrimoniais.

Pelo exposto a título de danos não patrimoniais, a demandada GS , S. A. agora US  , S.A., é condenada a pagar à ofendida/demandante PG  a quantia de € 13.000.

No que respeita aos juros de mora, coloca-se a questão de saber a partir de que momento é que os mesmos deverão ser contados.

Considerando que a indemnização por danos não patrimoniais acima fixada foi quantificada de modo actual, em conformidade com os valores neste momento atendíveis e, portanto, tendo em conta a valorização dos danos, os juros de mora contar-se-ão apenas a partir da data da sentença, contados à taxa legal, nos termos do artigo 566.°, n.° 2 do Código Civil e da jurisprudência que resultou expressa no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.° 4/2002 de 27 de Junho.»

***

2.Apreciando:

Perante as conclusões formuladas pela recorrente - que acima transcrevemos e que, como se sabe, delimitam e fixam o objecto do recurso -, a única questão suscitada é a que respeita ao montante da indemnização arbitrada à ofendida, por danos não patrimoniais, em que foi condenada a seguradora.

Entende esta que a demandante foi indemnizada duplamente pelo mesmo tipo de danos, na medida em que lhe parece que os incómodos sofridos pela vítima e a sua angústia e sofrimento correspondem ao mesmo dano, durante o mesmo período, sendo, de qualquer modo, excessivo o valor de € 13000,00, para ressarcir os danos não patrimoniais, tendo em conta os valores apontados pela Portaria 377/2008, de 26/05 - os quais não podem deixar de considerar-se critérios orientadores, apesar de não vinculativos -, bem como a jurisprudência desta Relação de Lisboa e do STJ - de que destaca vários casos já julgados em que os danos não patrimoniais sofridos pelas respectivas vítimas foram substancialmente mais graves -, sem esquecer a equidade, tudo apontando para que, no presente caso, seja mais razoável e proporcional aos valores arbitrados naqueles citados arestos, fixar a indemnização, por danos não patrimoniais, em valor não superior a € 9000,00 (nove mil euros).

Conforme se refere no Acórdão do STJ de 4/05/2010 (proferido no P. 1054/06.6TBALM.L1.S1 e consultável em www.dgsi.pt/jstj), que passamos a citar na parte que releva para a presente decisão:

«É consabida a dificuldade que há na fixação da indemnização por danos não patrimoniais.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, o montante da indemnização correspondente a danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo, para além do mais, à situação económica das partes, à flutuação da moeda, tomando-se em conta na fixação todas as regras da boa prudência, da justa medida das coisas, do bom senso prático e da criteriosa ponderação das realidades da vida (Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição, página 474).

No mesmo sentido, opina Diogo José Paredes Leite de Campos ao fazer apelo ao bom sendo do juiz “que disporá de um certo número de dados objectivos em que se apoiar, como sejam a gravidade objectiva, social, da agressão, os sinais externos de sofrimento perante ela, ponderados por uma atenta consideração da personalidade do sujeito passivo, da valoração social da gravidade do prejuízo, etc.” (A Indemnização do Dano da Morte, pág. 16).

Delfim Maya Lucena, apoiando-se na opinião de Inocêncio Galvão Telles, defende que na fixação equitativa do montante indemnizatório, previsto no artigo 496º, do Código Civil, nunca se poderá deixar de atender à culpa do lesante, à sua situação económica, bem como à do lesado e às demais circunstâncias do caso. E, acrescenta: “o grau de culpa do agente é determinante para se estabelecer a amplitude da respectiva indemnização, isto é, para efectuar o seu cálculo” (Danos Não Patrimoniais, página 21 e ss.).

Mário Júlio de Almeida Costa, por sua vez, não deixa de salientar que o legislador confiou ao tribunal o encargo de apreciar, no quadro das várias situações concretas, socorrendo-se de factores objectivos, se o dano não patrimonial se mostra digno de protecção jurídica, sendo irrelevantes os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultem de uma sensibilidade anómala (Direito das Obrigações, 9ª edição, pág. 550).

Também Inocêncio Galvão Telles frisa que o montante da reparação dos danos não patrimoniais deverá ser determinado “mediante o cômputo equitativo de uma compensação, em que se atenderá, não só e antes de mais à própria extensão e gravidade dos prejuízos, mas também ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso” (Direito das Obrigações, 3ª edição, páginas 331 a 342).

É hoje ponto assente, na jurisprudência, que, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas.

Uma outra nota a considerar diz respeito à própria função da indemnização por danos não patrimoniais.

Delfim Maya Lucena defende, a este respeito, que, para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais, o artigo 494º, do Código Civil, apenas fornece o critério para estabelecer a própria indemnização, sendo infundada “a afirmação de que o referido artigo não indicia, de todo em todo, a atribuição de uma função punitiva à responsabilidade civil extra-obrigacional, … já que no que respeita aos danos não patrimoniais, o grau de culpa do agente é determinante para estabelecer a amplitude da indemnização, isto é, para efectuar o seu cálculo” (obra citada, pág. 23).

João de Matos Antunes Varela, depois de considerar que só em face da gravidade do dano se justifica a satisfação pecuniária do lesado, sublinha que esta é “mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização, terminando por acentuar que “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” (Das Obrigações em geral, Vol. I, 8ª edição, páginas 616 a 618).»

Em traços largos e resumindo aquelas ideias subjacentes a este tipo de indemnização, por danos não patrimoniais, é de realçar que, no essencial, a fundamentação da sentença recorrida deu-lhes inteiro acolhimento, aplicando-as ao caso concreto, com total respeito pelas normas legais correspondentes e que o tribunal recorrido não deixou de citar, no momento próprio e que nos dispensamos de aqui repetir.

A factualidade relevante para determinação do valor da indemnização a arbitrar à ofendida PG , por danos não patrimoniais, é a que consta dos factos provados números 8 e 15 a 25, neles se descrevendo as consequências, para aquela, do embate dos veículos acidentados, ocorrido em 31/07/2016 e causado pela conduta negligente do condutor da viatura cuja responsabilidade fora transmitida para a demandada e ora recorrente, resultando, pois, que a aludida vítima «sofreu dores e traumatismo crânio-torácico-lombar, hematoma epicraniano parietal, múltiplas fracturas dos arcos costais direito e esquerdo, com período de doença de trinta dias e, de forma duradoura, topos consolidados das costelas», «foi submetida a intervenção cirúrgica de foro ortopédico», para além das dores, sofreu «angústia na data dos factos e no período subsequente, decorrente da limitação/movimentação do seu corpo e aquando dos tratamentos fisiátricos/fisioterapêuticos», sofreu ainda «incómodos e angústia por não poder trabalhar e desempenhar tarefas domésticas, carecendo de ajuda para o efeito», sendo uma pessoa activa antes dos factos, causou-lhe «angústia o tempo de inactividade a que se viu forçada» na sequência dos mesmos, a consolidação das lesões fixou-se em 27/03/2017, o período de défice funcional temporário total fixou-se em 5 dias, e o período de défice funcional temporário parcial fixou-se em 235 dias, tendo sido fixado em 145 dias o período de repercussão temporária na actividade profissional total, enquanto o período de repercussão temporária na actividade profissional parcial se fixou em 95 dias, sendo fixado em 4 o quantum doloris, numa escala até 7, e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixou-se em 2 pontos.

A Portaria n.º 377/2008, de 26/05 (alterada pela Port. n.º 679/2009, de 25/06), referida pela recorrente, fixou no n.º 1 do artigo 1.º «os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal», esclarecendo logo, no n.º 2 do mesmo artigo, que «as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos».

Entre outros danos, nela se prevê a indemnização do dano pela ofensa à integridade física e psíquica (dano biológico) e os danos morais complementares, seja «por cada dia de internamento», pelo «dano estético», pelo «quantum doloris», ou ainda, para as situações em que «resulte para o lesado uma incapacidade permanente absoluta para a prática de toda e qualquer profissão ou da sua profissão habitual», ou quando «resulte para o lesado uma incapacidade permanente que lhe exija esforços acrescidos no desempenho da sua actividade profissional habitual».

É certo que o tribunal recorrido distinguiu três áreas, para efeito dos aludidos danos não patrimoniais, separando, por um lado, as dores, propriamente ditas, para as quais fixou o valor de € 6000,00, dos incómodos sofridos, atribuindo-lhe o valor de € 3500,00, e da angústia e sofrimentos sentidos, a que atribuiu também o valor de € 3500,00, perfazendo as três rubricas o valor global de € 13 000,00.

Obviamente que, quer a dor física, quer a angústia, causam sofrimento, que pode ser maior ou menor, consoante a intensidade de cada uma daquelas realidades, assim como os incómodos, os quais, sendo, pela sua natureza, mais leves e, por isso, mais fáceis de suportar que as dores e a angústia, não deixarão de provocar, também, algum sofrimento.

Pode, pois, dizer-se que, perante as consequências do acidente acima descritas, a ofendida PG  sofreu bastantes dores, padeceu de enorme angústia e teve bastantes incómodos, durante um período de tempo bastante dilatado, situação que, na sua globalidade, lhe causou grande sofrimento.

É esse sofrimento que a indemnização por danos não patrimoniais visa compensar, tendo o tribunal recorrido estimado que tal compensação só seria possível mediante a atribuição da quantia de € 13 000,00.

Não cremos que tal montante se apresente excessivo e desproporcionado, face aos critérios legais acima definidos e perante os valores que noutros casos anteriores têm sido fixados pelos nossos tribunais superiores, nomeadamente pelo STJ, nomeadamente naqueles que são citados pela recorrente, nos quais, verificando-se uma gravidade dos danos muito maior, também a respectiva indemnização foi fixada em quantias substancialmente superiores ao montante acima referido, na maioria dos casos muito acima do dobro, podendo concluir-se, usando os mesmos critérios, que inexiste desproporcionalidade aparente entre a gravidade dos referidos danos sofridos pela ofendida PG  e o valor da indemnização que lhe foi arbitrada.
Razão pela qual, não vemos razões para reduzir o montante da indemnização arbitrada, improcedendo, assim, o recurso.

III.–DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, julga-se improcedente o presente recursoda demandada/recorrente “US, S.A.”, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.



Lisboa,05/11/2019



José Adriano   (Elaborado em computador e revisto pelo relator).
Vieira Lamim